Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01803/20.5BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/04/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:RÉPLICA. ADMISSIBILIDADE;
Sumário:
1 - Como assim dispõem o artigo 571.º do CPC, na Contestação cabe tanto a defesa por impugnação [quando o demandado contradiz os factos articulados na Petição inicial ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo Autor], como a defesa por excepção [dilatória e peremptória], que neste domínio ocorre quando o demandado alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação [excepção dilatória – Cfr. artigo 576.º, n.º 2 do CPC], ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido [excepção peremptória – Cfr. artigo 576.º, n.º 3 do CPC].

2 - Se bem que os Autores ora Recorrentes referem que a Ré não identifica a matéria integrativa de excepção [que de resto não dilucidamos pela sua existência], tão pouco o fazem os Autores, o que assomaria relevância para efeitos de que estivessem legitimados no direito processual de apresentar Réplica [Cfr. artigo 584.º do CPC], que assim tendo sido apresentada se tem por processualmente inadmissível.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA», e mulher [devidamente identificados nos autos], Autores na acção que intentaram contra «BB» e «CC», casados (e Outros), e União de Freguesias ..., ..., ... e ... [também todos devidamente identificados nos autos], inconformados com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi determinado o desentranhamento da Réplica por si apresentada, vieram interpor recurso de Apelação.

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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:
CONCLUSÕES
i. O douto despacho recorrido ordenou o desentranhamento do articulado - Réplica – oferecido após a contestação da R. União de Freguesias, por entender que não era lícito aos AA. responder à contestação com tal articulado, visto alegadamente não conter matéria excepcional; ora, mesmo que a R. União de Freguesias não tenha feito a especificação das excepções, em inobservância da lei, tal facto não deve redundar em prejuízo dos AA. e favorecer quem não cumpre, impedindo-os de replicar. A consequência legal só pode afectar a quem a norma se dirige e nunca em prejuízo de terceiros; ou seja, não fazendo a especificação das excepções, elas não deixam de o ser, só que o R. não pode prevalecer-se do direito conferido pela lei processual, traduzido no ónus da impugnação especificada (artº 572 alª c) CPC).
ii. Além disto, a contestação é acompanhada de documentos, alguns relevantes, em que ela se fundamenta, deles ressaltando um da autoria do 1º R. (de cujo conteúdo emerge um facto lesivo do direito dos AA.), aos quais a Réplica também serve para a competente resposta e impugnação;
iii. Acresce que o douto despacho recorrido, para assim decidir, qualificou erradamente a acção proposta, visto esta ser de simples apreciação negativa, bem como os factos da contestação da R., na medida em que esta contém matéria excepcional, ainda que não autonomizada, nos termos prescritos do artº 572 alª c) do CPC; ora, a falta de cumprimento do ónus processual, como referido, não deve impedir o exercício dos direitos processuais dos AA.
iv. A não se entender assim, tem de concluir-se que a R. pode impedir o exercício do direito de Réplica, inobservando de forma consciente a disposição ou disposições processuais.
v. O objecto da acção, na sua causa de pedir e pedido, quanto aos primeiros RR., visa que o tribunal declare a existência ou inexistência de um direito que os primeiros RR. se arrogam publicamente, em detrimento dos direitos da herança de que o A. marido é cabeça de casal e co-titular – artº 10 nº 3 alª a) CPC e artº 39 CPTA; tal direito da herança existe e está reconhecido pela R. contestante (artº 13 e 14 da contestação).
vi. Como a petição não foi objecto de qualquer apreciação liminar, seja de ineptidão, seja de aperfeiçoamento, segue-se que a causa de pedir e pedido devem ser considerados aptos e adequados ao fim a que a acção se propõe;
vii. Portanto, de acordo com a petição feita pelos AA. ao tribunal, e não estando em causa o seu direito (devidamente documentado), compete aos primeiros RR. demonstrar o direito propalado que se arrogam, lesivo do direito dos AA. integrado na herança não partilhada. Visto que é invocada perante terceiros (Presidente da Junta e outros) uma alegada doação de parte ou do direito de concessão, feita verbalmente pelos pais do A. marido ao avô do 1º R., é patente a necessidade da declaração judicial, no sentido de pôr termo a uma situação de incerteza (artº 39 CPTA);
viii. É na alegada doação que os RR. baseiam o direito de utilização da sepultura, “de iure proprio”.
ix. Não tendo os ditos RR. apresentado qualquer contestação, apesar de citados pessoalmente, fê-lo a R. União de Freguesias, nos termos da qual ignora uns factos da petição, impugna outros, excepciona ainda outros e articula mais outros, em termos tais que a contestação redunda em autêntica oposição ao direito que os AA. pretendem ver tutelado pelo tribunal.
x. Concluindo os AA. que a contestação, atento o disposto no artº 568 alª a) CPC, aproveita aos outros RR., obrigaram-se a responder, mediante Réplica, com fundamento nos artº 85-A e artº 39 CPTA.
E assim, nos artº 17 a 32 da Réplica, em face do teor da contestação apresentada, questionaram o interesse da contestante em agir, pois toma frontalmente partido no litígio que em primeira linha é entre fregueses, a favor dos RR. não contestantes;
visto que na contestação é questionada a legitimidade dos AA. (artº 23 a 28 da contestação), responderam nos artº 42 a 45, segundo os quais, além dos AA. tinha sido requerida a intervenção dos demais sucessores da herança (artº 2091 CC);
arguindo a contestante a ilegitimidade dos RR., por não estarem os demais sucessores de «DD» (artº 15), responderam os AA. nos artº 37 a 41 da Réplica, que atenta a natureza da acção e do pedido, não se via necessidade para a utilidade da acção da intervenção de outros sucessores;
arguindo ainda a contestante, nos artº 39 a 41, a questão da alegada doação a favor do avô do 1º R., com fundamento no facto constante do requerimento de 19-11-2018, subscrito pelo mesmo R., impugnaram os AA. o facto nos artº 46 a 51, segundo os quais nada comprovava, de facto ou de direito, a existência de tal doação;
invoca ainda a R. Junta obras de requalificação e embelezamento levadas a cabo pelos sucessores do «DD» (artº 30 a 33), a que foi dada resposta nos artº 52 a 54. A alegação de tal facto não pode enquadrar-se na simples impugnação, pois o seu sentido ou intenção conduz a lesar o direito dos AA., não podendo estes deixar de impugnar a factologia;
nos artº 44 a 49, está questionado o direito de transmissão inter vivos (por via da alegada doação) do direito de concessão, em face do Regulamento Cemiterial, a que foi dada resposta nos artº 55 a 60 da Réplica. Sendo uma questão de direito, agitada no processo, ela deve merecer resposta;
por último, nos artº 34 e 35 da Réplica, impugnaram os AA. a falsidade dos factos articulados nos artº 3 a 6 da contestação, pois não é inócua a alegação, sendo convicção dos AA. de que a mesma se insere num quadro constitutivo favorável ao ónus a cargo dos RR..
xi. Salvo pois todo o respeito, e melhor opinião, não deve ser considerado inadequado o articulado da Réplica, apresentado atempadamente no processo, tendo em conta a natureza da acção instaurada (causa de pedir e pedido), o teor da contestação, a finalidade nela ínsita, bem como a sua matéria factual que não se limita a tomar posição definida perante cada um dos factos (articulados na petição (artº 574 nº 1 CPC); indo muito além, ao aduzir factos e fundamentos destinados a perturbar e impedir o acolhimento do pedido dos AA., não existe fundamento legal para que os AA. fiquem impedidos de utilizar o articulado referido no artº 85-A CPTA.
xii. O douto despacho ao ordenar o desentranhamento do articulado Réplica, com os fundamentos que dele constam, designadamente o disposto no artº 85-A e 89 do CPTA, violou o direito adjectivo por erro de interpretação e aplicação, devendo em consequência ser substituído por douto acórdão que declare a admissibilidade legal do articulado, conforme é de Justiça.

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Os Recorridos não apresentaram Contra Alegações.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.




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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se resumem a saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido e que está na base da decisão recorrida em torno da não admissão da Réplica por si apresentada nos autos e do seu consequente desentranhamento dos autos.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este TCA Norte dá como provada a seguinte matéria de facto:

1 – Na sequência da citação dos Réus identificados nos autos para os seus ulteriores termos, apenas veio a deduzir Contestação a União de Freguesias ..., ..., ... e ..., no âmbito da qual juntou documentos.

2 – Por notificação expedida em 04 de dezembro de 2020, o Tribunal a quo notificou os Autores, nos termos que, por facilidade, para aqui se extraem como segue:
Início da transcrição
“[…]
Assunto: Junção da contestação e documentos
Fica V.Ex.ª notificado, relativamente ao processo supra identificado, da junção da Contestação e respetivos documentos aos presentes autos, cujos duplicados se remetem.
A réplica em resposta às exceções deduzidas na(s) contestação(ões) e/ou na intervenção do Ministério Público, poderá ser apresentada no prazo de 20 dias.
No caso de resposta a pedido reconvencional o prazo para apresentação da réplica será de 30 dias.
[…]”
Fim da transcrição

3 – Nessa sequência, os Autores apresentaram Réplica, no âmbito da qual juntaram um documento.

4 – No dia 22 de março de 2021, o Mm.º Juiz do Tribunal recorrido proferiu o despacho que, por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
Os AA., notificados da contestação da Ré, vieram apresentar um articulado posterior, que intitulam de replica.
Acontece que o artigo 85.º-A, n.º 1, do CPTA, só permite que os AA. apresentem réplica para responderem às excepções deduzidas na contestação ou às excepções perentórias invocadas pelo MP, assim como, para deduzirem toda a defesa quanto à matéria de reconvenção, quando exista.
Pois bem, no caso vertente, nenhuma das causas habilitantes do articulado de réplica se verifica, porquanto, a R. não suscitou de forma especificada qualquer excepção, dilatória ou perentória, tendo presente o disposto no artigo 89.º do CPTA.
A réplica não pode servir para o autor simplesmente "contestar a contestação", ou introduzir uma dialética não prevista processualmente no CPTA, nem se destina à inserção de argumentos de facto ou/e de direito que já deveriam constar, "ab initio", da petição inicial, tal como, não pode servir de mero aprimoramento ou densificação do articulado inicial.
Assim sendo, não pode a peça processual em causa manter-se nos presentes autos, devendo dos mesmos ser desentranhada, com excepção do documento que com a mesma foi junto.
Ante o exposto, determino o desentranhamento dos autos do articulado que os AA. erroneamente qualificaram de réplica, devendo o mesmo, oportunamente e após o trânsito, ser devolvido aos apresentantes.
Custas pelo incidente a cargo dos AA., que se fixam em 1,5 (uma UC e meia) - cf. artigos 527.º, n.º 1, 539.º, n.º 1, do CPC, 1.º do CPTA, 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II anexa.
Notifique.
[…]”

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A convicção deste TCA Norte, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, fundou-se no teor das peças processuais apresentadas nos autos assim como nas decisões neles contidas, alicerçada na consulta da plataforma SITAF.


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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que em face da Réplica apresentada nos autos por parte dos Autores, não a admitiu nos autos, tendo ordenado o seu consequente desentranhamento.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Neste patamar, como assim decorre da decisão recorrida, o Tribunal a quo decidiu pela inadmissibilidade da apresentação da Réplica e pelo seu desentranhamento dos autos, com fundamento, em suma, na não verificação de qualquer fundamento habilitante para que os Autores pudessem apresentar aquele articulado. Ou seja, e mais concretamente, que tendo presente o disposto nos artigos 85.º-A, n.º 1 e 89.º, ambos do CPTA, que não tendo a Ré suscitado na sua Contestação, de forma especificada, qualquer excepção dilatória ou peremptória, que os Autores não podiam com esse fundamento apresentar aquele articulado.

Com o assim julgado não concordam os Recorrentes, sustentando para tanto e em suma, a final das conclusões das suas Alegações de recurso, que é legal e processualmente devida a apresentação da Réplica, e que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na sua decisão, impondo-se a sua revogação.

Cumpre apreciar e decidir.

A União das freguesias ..., ..., ... e ... foi identificada pelos Autores como Ré, e assim tendo sido citada, tem o direito de se defender com invocação dos termos e pressupostos que entenda por devidos.

Cabe à Ré União de Freguesias ..., ..., ... e ..., com respeito pela sua autonomia de vontade, saber por que termos e pressupostos é que quer apresentar a sua defesa nos autos, que também contra si foram intentados pelos Autores, sendo que a mesma a pode fazer em sede de defesa por impugnação e por excepção.

Com efeito, na óptica do demandante, a Petição inicial é o instrumento processual próprio para expor os factos essenciais que integram a causa de pedir e as razões de direito que sustentam a sua busca de tutela jurisdicional, e na óptica do demandado, por sua vez, é na Contestação que o mesmo deve deduzir toda a sua defesa, podendo fazê-lo por impugnação e/ou excepção, devendo nela “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor” e “expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação – Cfr. artigos 571.º, n.º 1, e 572.º, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Civil.

Ora, justaposto ao pedido formulado a final da Petição inicial apresentada pelos Autores está uma concreta causa de pedir, e que se centra, essencialmente, na consideração de que os mesmos são os únicos titulares, com exclusão de outrem, mais concretamente dos 1.ºs Réus, de qualquer direito incidente sobre o jazigo de que tratam os autos.

Como assim resulta dos autos, foi apenas a Ré União de Freguesias que deduziu Contestação face ao pedido formulado pelos Autores a final da Petição inicial, não o tendo feito os 1.ºs Réus, o que comportará efeitos processuais, que caberá ao Tribunal a quo apreciar e decidir da sua ocorrência, sem que se justifique a interposição dos Autores para que o reafirmem junto do Tribunal, e por via de Réplica.

A final da Contestação deduzida pela Ré União de Freguesias, a mesma peticiona a sua absolvição do pedido contra si deduzido, com fundamento na improcedência da acção.

Compulsado o teor da Réplica e da Contestação, desta não se retira que a Ré tenha deduzido defesa em termos de se ter por legal e processualmente devida a apresentação da Réplica nos termos patenteados nos autos.

De resto, a final da Réplica, os Autores deduzem o pedido que, por facilidade, para aqui se extrai como segue:

Nestes termos se requer a V.Exª se digne ter como provados os factos aludidos no artº 14, por confessados pelos 1.os RR., mais se requerendo que seja declarado o direito dos AA., como se pede na petição, por inexistência de alegação e prova de factos impeditivos;
Por outro lado, deve a R. União de Freguesias, ser declarada parte ilegítima para contestar factos que apenas aos 1.os RR. competia, por manifesta falta de interesse em agir; não se entendendo assim, ficam impugnados os factos potencialmente excepcionais ou de negação motivada, como se deixa expresso.
Sem prejuízo, deve a mesma União de Freguesias ser obrigada a reconhecer a concessão exclusiva atribuída pela R. aos pais do A. marido.
Junta: certidão fiscal
Resposta aos documentos juntos pela R. União de Freguesias
- Doc.nº ... e ... – Requerimento de 16-11-2018 do A. marido a pedir o averbamento da sua parte na sepultura, na proporção de 1/6, por serem 6 os filhos do originário concessionário. Junta a habilitação de herdeiros para o comprovar. Os documentos afirmam que o A. não reconhece qualquer direito de terceiros.
- Doc. nº ... e ... – Carta de 14-02-2019 da autoria do A. marido a questionar a Junta de Freguesia sobre quem autorizou a inumação de «EE» (pai do R. «BB»), requerendo ainda a informação da Junta sobre a forma como foi comprovada a legitimidade do requerente para o acto.
Os documentos confirmam a oposição do A. à utilização da sepultura, considerada por ele indevida.
- Doc. nº ... e ... – Requerimento da autoria do R. «BB» de 19-11-2018 dirigido à Junta de Freguesia a referir uma alegada doação verbal da dita sepultura à sua família, feita pelos pais do A. ao «DD»; não refere todavia a causa da doação (animus donandi?), nem determina o objecto (todo ou parte; e se parte, qual parte). Fica assim impugnado o documento para os efeitos legais, sem prejuízo da referida inexistência do cumprimento da lei fiscal.”

Ou seja, não vem alegado nem requerido a final que qualquer matéria de índole exceptiva que haja/tenha sido referida pela Ré União de Freguesias, seja declarada improcedente por parte do Tribunal a quo.

Inclusivamente, tendo identificado a União de Freguesias como Ré, ou seja, como parte na relação jurídica controvertida, vem até a requerer que seja declarado o direito dos Autores, como se pede na petição, por inexistência de alegação e prova de factos impeditivos, e requerendo ainda que a Ré seja declarada parte ilegítima […], por manifesta falta de interesse em agir; não se entendendo assim, ficam impugnados os factos potencialmente excepcionais ou de negação motivada.

Como assim dispõem os artigos 571.º do CPC, na contestação cabe tanto a defesa por impugnação [quando o demandado contradiz os factos articulados na Petição inicial ou quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito jurídico pretendido pelo Autor], como a defesa por excepção [dilatória e peremptória], que neste domínio ocorre quando o demandado alega factos que obstam à apreciação do mérito da ação [excepção dilatória – Cfr. artigo 576.º, n.º 2 do CPC], ou que, servindo de causa impeditiva, modificativa ou extintiva do direito invocado pelo autor, determinam a improcedência total ou parcial do pedido [excepção peremptória – Cfr. artigo 576.º, n.º 3 do CPC].

Em conformidade com o que assim ensina Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, página 127, a defesa por impugnação pode traduzir-se numa negação directa, consistindo na negação rotunda ou genérica do facto visado, ou numa negação indirecta ou motivada, a qual se traduz “… na afirmação de que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica; numa versão diferente do facto visado - aceitando-se porém algum elemento dele - e tal que daí não pode ter resultado o efeito jurídico pretendido pelo autor; numa contraversão ou contra-exposição do mesmo facto.”

A pronúncia que os Autores vêm a produzir visando os documentos apresentados pela Ré na sua Contestação, como doc.s 1 a 6, é ela em si mesmo, como assim julgamos, a pronúncia que é devida fosse prosseguida em sede de exercício do direito ao contraditório [Cfr. 3.º, n.º 3 e 415.º, ambos do CPC], e por via da qual, a final, questionando o sentido e alcance probatório que a Ré lhes quer atribuir na sua Contestação, vem a [re]centrar a questão que cumprirá ao Tribunal a quo apreciar e decidir quanto a saber se para além do que aceitou a Ré sob o ponto 9.º da Contestação [Cfr. ponto 3 da Petição inicial], se o direito ao jazigo assiste [ainda ou também] aos 1.ºs Réus, por ocorrência da invocada doação.

E se bem que os Autores ora Recorrentes referem que a Ré não identifica a matéria integrativa de excepção [que de resto não dilucidamos pela sua existência], tão pouco o fazem os Autores, o que assomaria relevância para efeitos de que estivessem legitimados no direito processual de apresentar Réplica.

Aliás, lida a Réplica e como bem apreciou o Tribunal a quo, o que os Autores vêm contrariar é a impugnação especificada que a Ré teceu na sua Contestação sobre a factualidade enunciada pelos Autores.

Sob os pontos 17 a 32 da Réplica, os Autores expendem as razões e fundamentos que no seu entender são determinantes da apresentação desse articulado, tendo enfatizado que os 1.ºs Réus não deduziram Contestação, e que a Ré não podia deduzir a contestação nos termos e pressupostos por que os aduziu, sendo que, a culminar o que por si foi neste domínio alegado, referiu sob o ponto 33, conclusivamente que entendem que “… a União de Freguesias carece de legitimidade para apresentar uma autêntica contestação (em substituição ou representação dos RR.)…”, e que os mesmos [Autores] se limitam “… (ad cautelam) a impugnar os factos alegados que em seu entendimento podem constituir matéria perturbadora do seu direito, ou negação motivada da causa de pedir, e pedido (artº 584 nº 2 CPC).

Ora, não foram invocados pela Ré quaisquer factos que por si possam ser achados perturbadores do direito por si invocado, nem integrantes de uma negação motivada do pedido e da causa de pedir, sendo que, como assim referiram os Autores, a dedução da Réplica foi feita à cautela.

E sendo certo que o que vem a alegar a Ré sob os pontos 3 a 5 da Contestação é matéria inovadora, e que em princípio poderia ser, abstractamente considerado, fundamento impeditivo para a improcedência do pedido, de todo o modo, como assim resulta da Contestação, não é questionada a validade da deliberação da junta de freguesia constante da acta de 19 de setembro de 1926, nem os Autores pugnam por que exista um alvará emitido atinente ao terreno do jazigo em causa, sendo esta questão, todavia, absolutamente irrelevante para efeitos de que os Autores pudessem sentir-se legitimados a deduzir Réplica.

É que a Ré não invoca outros factos que sejam distintos dos que foram arguidos pelos Autores na Petição inicial para com base neles obter a improcedência total ou parcial da acção, sendo que em torno da invocada “doação”, trata-se de matéria que consta dos documentos que a Ré juntou aos autos com a sua Contestação, e que quanto aos mesmos, os Autores exerceram o direito ao contraditório.

Daí que inexiste qualquer fundamento de facto nem de direito para a dedução da Réplica por parte dos Autores.

Julgou assim o Tribunal a quo, e com acerto, quando decidiu que na Contestação não foi deduzida matéria de excepção, e que apenas se mostrava devida a manutenção nos autos da certidão por si junta.

Quanto à pronúncia face aos documentos juntos com a Contestação, não sendo devida a apresentação da Réplica, o exercício do direito ao contraditório sempre teria de ocorrer.

No âmbito da pretensão recursiva deduzida pelos Recorrentes, não identificam os mesmos quais são/foram os factos articulados pelo Réu, que a não serem objecto de Réplica, têm os mesmos o efeito previsto no artigo 574.º do CPC, ou seja e mais concretamente, que se consideram admitidos por acordo [Cfr. artigo 587.º, n.º 1 do CPC].

Portanto, tudo o mais alegado pela Ré encerra em si matéria integrativa de defesa por impugnação, competindo ao Tribunal a quo prosseguir na realização nos autos da instrução que se mostre por devida, em ordem a conhecer do bem fundado da pretensão dos Autores.

De maneira que, a pretensão recursiva dos Recorrentes tem assim de improceder.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelos Recorrentes «AA», e mulher, confirmando a decisão recorrida.

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Custas a cargo dos Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 04 de outubro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Celestina Caeiro Castanheira
Maria Alexandra Ribeiro