Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00400/08.8BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
CORRECÇÕES À MATÉRIA COLECTÁVEL
ENCARGOS NÃO DEVIDAMENTE DOCUMENTADOS
MÉTODOS INDIRECTOS
PRESSUPOSTOS
QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
DUPLA TRIBUTAÇÃO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
ABUSO DE DIREITO
QUESTÕES NOVAS
PRESCRIÇÃO
Sumário:I) O dever de conhecimento oficioso da prescrição da prescrição da obrigação tributária a que alude o art. 175º do CPPT não se estende ao Tribunal de recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação correspondente com fundamento diverso.
II) Os recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação, e que não lhes cabe o conhecimento ex novo de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida (como sucede no caso presente com a matéria dos encargos não devidamente documentados e da dupla tributação) - regra que só pode ser quebrada quando lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
III) Nos termos da al. a) do nº 1 do art. 19º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial do direito à dedução; contudo, tal condição não se define em função de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade, nos termos do art. 31º do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente art. 33º. A condição de sujeito passivo pode definir-se em função de cada acto tributável e daí que o adquirente de serviços sempre tenha direito à dedução do IVA mencionado na respectiva factura.
IV) O artigo 19º nº 3 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado só exclui o direito à dedução do imposto que resulte de operação simulada e sobre a administração tributária recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à liquidação adicional e sobre o sujeito passivo recai o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação dessa liquidação - artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária.
V) Cabe à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários.
VI) Estando definitivamente decidido que, no caso, a AF demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados, como adequados e pertinentes, os critérios de que a AT se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que, como temos por manifesto e na linha do acima referido, não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente.
VII) O principio do inquisitório encontra-se enunciado no art. 58º da LGT onde se estabelece que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido e deve assim actuar, independentemente dos factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à AT cabe defender.
VIII) Quanto ao abuso de direito, deparamos com uma alegação genérica, vaga, em que não se refere que visitas foram essas, os exercícios a que respeitam tais inspecções no sentido de permitir ao Tribunal sequer ponderar esta situação.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:F..., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Concedido parcial provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I. RELATÓRIO
“F…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 17-04-2017, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida, na presente instância de IMPUGNAÇÃO, relacionada com as liquidações de IVA e de juros compensatórios dos anos de 2004 e 2005.
Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 128-138), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
1º - O direito à cobrança dos impostos dos anos de 2004 e 2005 pela Fazenda Publica, já prescreveu nos termos do artigo 48°/1 e 49°/1/2 da LGT, é de conhecimento oficioso, o processo esteve parado mais do que um ano, por causa não imputável ao contribuinte
2º - A recorrente no TAF de Coimbra impugnou parcialmente as liquidações de IVA de 6.414,60€ métodos indirectos ano de 2004, 8.926,42€ (correcções técnicas) e 1.383,83€ (métodos indirectos) do ano de 2005 juros no valor de 1.155,08€, no valor global de 17.878,95€.
3º - Para o ano de 2005 foi colocado em crise, por falta de fundamentação a consideração de 128.303,00€ de custo como inexistente, e o consequente IVA não dedutível de 6.415,17€ atendendo que o fornecedor C... - Comércio de Produtos Alimentares Lda., havia cessado a sua actividade.
4º - A compra foi efectiva e o preço pago e documentado, não sabendo a impugnante nem tendo obrigação de saber, se esta empresa havia cessado a sua actividade fiscal.
5º - Está identificado no anexo número 4 (6 folhas) na sua espécie, quantidade e preço.
6º - Esta empresa estava aberta as portas abertas não tendo qualquer identificação de ter cessado a sua actividade para efeitos fiscais.
7º - O montante de 50.225,00€ de compras efectuadas a A… Lda. de sardinha, carapau/chicharro e cavala, e o valor de IVA deduzido 2.511,25€, forem efectivas e estão documentadas e relacionadas no nosso documento interno nº 1477, correspondendo à venda a dinheiro número 2005005558.
8° - O valor de 276.200,00€ considerado encargos não devidamente documentados, e levados a proveitos com a consequente liquidação de IVA adicional, são compras de diverso pescado efectuado nas praias da Leirosa, Mira, Costa de Lavos e Vagueira.
9º - Estas compras não têm documento de suporte porque feita directamente à tripulação dos barcos de pesca, que além do seu vencimento, recebe ainda pescado.
10º - Costume enraizado na nossa cultura da faina pesqueira
11° - Existe erro evidente nos pressupostos na fundamentação dos pressupostos para a utilização dos métodos indirectos
12° - No anexo 8 do Relatório de entre a variadíssima espécie de pescado comercializado pela impugnante só são consideradas as espécies de Potra/Pota, cavala, sarda - cavala e lulas.
13º - Não são consideradas as compras a custo 0,00€, como cavala CBZ e petinga e outras espécies, com quantidades de vendas, muito superior s quantidades compradas
14º - Os SIT evidenciam uma omissão de 71.545,15 quilos, de pescado para o ano de 2004 e 14.330,00 quilos para 2005.
15º - Mas o total geral das vendas e compras do ano de 2004 constante do Anexo 8, diferença entres a quantidade de quilos comprados e a diferença de quilos vendidos é de cerca de 15.000 quilos.
16° - Este valor está relacionado com a compra do peixe em cabazes e com água ou da sua aquisição com gelo.
17º - Também a quantificação é errónea porque o quadro no ponto 5.1 do Relat confrontado com a 1ª folha do anexo 8 é aplicada “omissão de vendas” o preço médio de venda conforme o anexo 8 (10 folha) e chegam aos valores de 128.291,96€ e 27.656,90€ para os anos de 2004 e 2005 respectivamente
18º - É desconsiderado os custos, ou seja sempre teriam de admitir que os valores de venda “omitidas” também foram comprados e tiveram um custo
19º - Os SIT não deveriam usar o preço médio vcn4 mas sim a diferença entre os preços de compra e de venda, como melhor vem elencado no anexo 8, com a rubrica compra e venda/diferença de quantidades, diferença de preços.
20° - Há uma violação clara do princípio do Inquisitório, sendo este princípio justificado pela obrigação de prossecução do interesse público e imposta à actividade da administração tributária e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade.
Cfrt anotação ao artigo 58° da LGT Diogo Leite de Campos e Benjamim Rodrigues edição VISLIS 1999 pág 192.
21° - A falta de realização pela Administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação de elementos aos interessados probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste, susceptível de provocar a anulação da decisão nele toma. Aliás neste caso a insuficiência probatória é valorada processualmente contra a administração. Cfrt A obra supra citada a mesma página e artigo 74° da LGT
22° - A senhora juiz titular dos presentes autos recebida a impugnação e inquiridas as testemunhas julgou a mesma improcedente e acaba fazendo uma adesão prática e generalizada ao Relatório inspectivo, não colhendo a argumentação de impugnante.
23° - Com o respeito, inquestionavelmente que nos merece o senhor juiz, não nos parece que tenha andado bem, por falta de sensibilidade, ao não conhecer a violação do principio da proporcionalidade e da adequação á luz das razões da experiencia comum.
24º - O senhor juiz pelo princípio do inquisitório, pelo princípio do aperfeiçoamento poderia ainda ter ordenado a ampliação da matéria de facto
25° - o valor de impostos e juros liquidados á impugnante, é desmesurado e para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos, deveriam ter fundamentado com uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte nos termos do artigo 90°//1/i da LGT
26° - De harmonia ainda, com o disposto no artigo 85°/d do mesmo diploma, verificarem da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais sejam patenteados uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada para a impossibilidade da determinação directa e exacta da matéria colectável.
27º Repare-se o valor de 276.000,00€ que era o pescado comprado aos pescadores sem qualquer documento de suporte e por isso pelos SIT abatido a custos e levados a proveitos, com a consequente liquidação de IVA.
28º Acrescido de 50% 138.100,00€ para efeito de tributação autónoma faz incorrer numa dupla tribulação e ainda viola o artigo 23º/1 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos
29° - Constitui abuso de direito, noutras visitas inspectivas considerar-se custos devidamente documentados o procedimento referido no artigo 11° deste articulado e agora ser desconsiderado nesta visita inspectiva, violando o princípio da protecção da confiança.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre muito douto suprimento de Vossas Exs., deve ser concedido provimento,
- Revogando-se a decisão recorrida, conhecendo-se a prescrição do direito à cobrança dos impostos
- Ou proferindo-se acórdão que julgue a impugnação parcial das liquidações de IVA no valor de 6.414,60€ por métodos indirectos do ano de 2004, nos valores de 8.926,42€ por correcções técnicas e de 1.383,83€ por métodos indirectos do ano de 2005 de juros no valor de 1.155,08€, no valor global de 17.878,95€, procedente, por conhecimento dos apontados vícios no procedimento.”

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso – cfr. fls. 253 dos autos.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões sucitadas pela recorrente resumes-se, em indagar da relevância da invocada prescrição, apreciar a pertinência das correcções em sede de IVA no que diz respeito à relação com os fornecedores C... - Comercio de Produtos Alimentares Lda. e A… Ld e ainda a situação relativa aos encargos não devidamente documentados bem como analisar a existência dos pressupostos para aplicação de métodos indirectos e a existência de erro na quantificação da matéria colectável, sem olvidar a suscitada dupla tributação, a violação do princípio do inquisitório e o apontado abuso de direito.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
1. A Impugnante exerce a actividade de comércio por grosso de peixe fresco (acordo e relatório de inspecção, de fls. 6 e ss. do PA em apenso);
2. A impugnante foi alvo de uma acção de inspecção tributária, que incidiu sobre os exercícios de 2004 e 2005, da qual resultaram alterações à matéria colectável e ao IVA declarados, através de correcções técnicas e com recurso a métodos indirectos, conforme relatório de fls. 47 e ss. do PA em apenso, datado de 09-02-2007, sancionado superiormente, que se dá por integralmente reproduzido, e do qual se destaca o seguinte:
“(…)
3. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
3.5. Transacções comerciais com sujeito passivo cessado
No ano de 2005 foram contabilizados como compras as vendas a dinheiro emitidas pelo sujeito passivo “C... – Comércio de Produtos Alimentares, Lda., NIPC 5…), no valor total de € 134.718,37, ver cópias dos documentos em anexo n.º 4 (6 folhas).
O IVA liquidado nas referidas vendas a dinheiro totaliza €6.415,17, valor que foi deduzido na sua totalidade pelo contribuinte F…, L.da, na declaração periódica de IVA do período 0512. Por outro lado foram também contabilizadas na conta compras de mercadorias, diversas verbas no valor total de €128.303,20.
Consultada a situação cadastral do sujeito passivo C..., L.da disponível na DGCI, verificou-se que este contribuinte está cessado desde 2000/12/31. Assim sendo este contribuinte é inexistente à data da emissão destas vendas a dinheiro (ano de 2005).
Tratando-se de uma operação efectuada por um sujeito passivo cessado, logo inexistente, no período em foi efectuado a dedução de IVA por parte do contribuinte F…, nos termos do n.º 11 do art.º 22.º do CIVA, ao imposto deduzido será retirado o valor de €6.415,17, assim como de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC tal custo não será considerado para efeitos fiscais.
Deste modo, as correcções a efectuar ao resultado liquido declarado do exercício de 2005 montam a:
Exercício de 2005
Custos não fiscais Dedução Indevida de IVA
€ 128.303,20 € 6.415,17


3.6. Operação simulada
Foi contabilizada no mês de Dezembro de 2005 a venda a dinheiro n.º 2005005558 de em 2005/12/23 emitida pelo contribuinte A..., L.da (NIPC 5…), documento interno n.º 1477, onde constam a seguinte designação de mercadorias:
Descrição da mercadoria Quantidade (kg) Valor IVA Liquidado
Sardinha 10.000,00 € 7.000,00 € 350,00
Carapau/chicharro 10.000,00 € 7.000,00 € 350,00
Cavala 80.500,00 € 36.225,00 € 1.811,25
Total da venda a dinheiro€ 50.225,00 € 2.511,25
Ver cópia da venda a dinheiro n.º 2005005558 de A..., Lda. em anexo n.º 5 (2 folhas).
Estas quantidades de peixe deveriam ter sido vendidas entre a data de emissão da factura (2005/12/23) e 2005/12/31, uma vez que não foram declaradas mercadorias em armazém no final do ano de 2005. Assim sendo foram analisadas todas as vendas facturadas entre estas datas e verificou-se o seguinte, ver anexo n.º 6 (15 Folhas):
(…)
Em suma nas vendas facturadas entre 2005/12/23 e 2005/12/31 não se encontrou registo de vendas de carapau, apenas venda de 8 cabazes de cavala e 2.304kg de sardinha.
Alargando a análise à primeira quinzena de Janeiro de 2006 e pondo a hipótese de que tais quantidades de cavala, carapau e sardinha constavam em armazém no final do ano, apesar de não existir inventário final e de se tratar de um produto alimentar com um prazo diminuto, verifica-se o seguinte:
Dados relativos à primeira quinzena de Janeiro de 2006
Espécie de peixe Quantidades compradas Quantidades vendidas
Cavala 16.355,00 kg 0,00 kg
Carapau 300,00 kg 0,00 kg
Sardinha 51.435,00 kg 13.049,00 kg

Ver em anexo n.º 7 (8 folhas) relação das compras
Perante tais factos a inspecção foi verificar se a empresa A..., L.da, a emitente da venda a dinheiro em causa, possuía em armazém as quantidades de bens que discriminou na referida venda a dinheiro. Para o efeito foram recolhidas todas as compras destas três qualidades de peixe efectuadas nos cinco dias anteriores a 2005/12/23, isto é, as compras efectuadas na semana de 19 e 23 de Dezembro (segunda a sexta).
Da recolha efectuada verificou-se o seguinte:
Compra efectuadas por A…,
L.da entre 2005/12/19 e 2005/12/23
Espécie de Peixe Quantidades compradas
Cavala 121,80kg
Carapau 3.378,00kg
Sardinha 3.541,00kg

Em suma, a venda a dinheiro n.º 2005005558 de em 2005/12/23 emitida pelo contribuinte A..., L.da à F… não representa uma transacção comercial de mercadorias, pois o vendedor não possuía as quantidades necessárias para realizar a venda, nem o comprador efectuou as vendas necessárias para justificar tal “compra”.
Tratando-se de uma operação simulada, o custo então contabilizado não poderá ser considerado como custo fiscal, nos termos do art.º 23.º do CIRC, assim como é vedado o direito à dedução do IVA, mencionado no referido documento, conforme n.º 3 do art.º 19.º CIVA.
(…)
4. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.
4.1. Não exibição das guias de remessa emitidas
No decurso da visita de inspecção foram pedidas cópias das guias de remessa e/ou transporte emitidas pelo empresa entre 2003 e 2006.
De referir que de acordo como o n.º 6 do artigo 6.º do DL n.º 147/2003 de 11 de Julho, devem ser mantidos em arquivo, até ao final do 2.º ano seguinte ao da emissão, os exemplares dos documentos de transporte destinados ao remetente e ao destinatário, bem como os destinados à inspecção tributária que não tenham sido recolhidos pelos serviços competentes.
Tratando-se de guias emitidas em 2004, 2005 e 2006, a empresa está assim obrigada a mantê-las arquivadas até ao final de 2006, 2007 e 2008, respectivamente.
Deste modo a empresa foi notificada na pessoa do seu sócio gerente Sr. H…, para que no dia 08/01/2007 apresentasse as cópias das guias de remessa e/ou transporte emitidas pelas empresa entre 2003 e 2006. No dia da notifica-se o notificado apresentou-se à hora e no local determinado contudo não exibiu os documentos solicitados, justificando que aqueles documentos não se encontram em sua posse pois não são arquivados. Mais afirmou que apenas utiliza guias de transporte.
Tais documentos são de extrema importância para a verificação e validação da facturação emitida.
4.2. Contas bancárias
Os proveitos da empresa no exercício de 2005 que originem entradas de meios monetários totalizam €2.387.440,71 (valores com IVA incluindo):
(…)
Tendo em conta todas as entradas de meios monetários nas contas bancárias dos Bancos BPN e Santander, excluindo transferência de contas caucionadas e reembolsos de IVA, verificou-se que em 2005 o total de depósitos bancários foi de €2.523.038,54.
Apesar de não se saber qual o valor dos depósitos respeitantes a proveitos de 2004 e de depósitos efectuados em 2006 correspondentes a proveitos de 2005, observou-se uma diferença de €135.597,83.
De referir que na contabilidade não existem contas bancárias para cada banco, mas sim uma única e geral (conta 12.01 – Bancos da Figueira da Foz), cujos movimentos contabilísticos não são facilmente identificativos e de forma a possibilitar um movimentação com os movimentos referidos nos extractos enviados pelas instituições bancárias.
Para além disto não constam nos documentos contabilísticos os talões de depósito, relações de cheques emitidos, justificação de outros movimentos positivos, etc.
4.3. Compras e vendas – Comparação por quantidade e preço
Como já se relatou, a inspecção teve acesso aos registos informáticos relativos às compras e vendas, isto é, informação relativa à facturação emitida pelo contribuinte e entrada de mercadorias.
Uma vez disponível informação suficiente quanto às quantidades entradas e saídas de peixe, bem como do seu preço unitário, efectuou-se uma comparação de quantidades e preços médios praticados. Em anexo n.º 8 (5 Folhas) consta quadro comparativo por espécie de peixe, das quantidades, preços médios unitários, valores totais e diferenças entre as compras e vendas, deste quadro comparativo salienta-se o seguinte:
1. Ano de 2004
DESCRIÇÃO Quantidade
Comprada
Preço
médio
compra
Quantidade
Vendida
Preço
médio
venda
Compras
-
Vendas
(Qtd)
POTRA/POTA 49.998,40 € 1,90 998,40 € 1,97 49.000,00
CAVALA 649.772,30 € 0,17 638.363,40 € 0,39 11.408,90
SARDA-CAVALA 7.563,70 € 0,22 492,00 € 0,77 7.071,70
LULA 89.581,95 € 3,67 85.517,40 € 5,38 4.064,55

Entre as quantidades compradas de “potra” e as vendidas existe uma diferença exacta de 40.000,00kg. Na Cavala, Sarda e Lula verifica-se também quantidades vendidas inferiores às compradas.
De salientar que no caso da petinga, verdinho e sardinha, verificaram-se maiores quantidades vendidas do que compradas. Tal situação, de acordo com o indicado pela gerência bem como informações obtidas pela inspecção sobre este sector de actividade, é frequente acontecer devido aos rendimentos que se obtêm nas diferenças de peso. Ou seja, o peso do peixe que chega do mar é calculado com base em cabazes, caixas ou dornas, fazendo-se uma estimativa do seu peso. Por outro lado, os grossistas, ao dividirem o peixe por embalagens mais pequenas para a sua comercialização pesam-no devidamente, ao comparar o peso estimado com o efectivo verificam-se diferenças de peso a favor do comerciante.
2. Ano de 2005
Neste ano também existe uma diferença na potra de 14.330,00kg.
4.4. Margem média bruta de comercialização
Com os dados disponíveis foi possível calcular a margem média de comercialização, ponderando-a com base no custo de compra de cada tipo de peixe.
Assim sendo a margem bruta ponderada de comercialização praticada pelo contribuinte foi de 254,01% em 2004 e de 97,50% em 2005, ver cálculos efectuados em anexo n.º 8.
As margens declaradas pelo sujeito passivo foram de 38,70% em 2004 e de 50,90% em 2005.
De referir, que para o cálculo da margem ponderada não foram tidas em conta as facturas emitidas por A..., L.da e C..., L.da, pelos motivos já explicados nos pontos 3.5 e 3.6 deste relatório.
5. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Atendendo aos indícios fundados, expostos no capítulo anterior, de que a contabilidade não reflecte a exacta situação patrimonial da empresa bem como o resultado efectivamente obtido, que são:
1. não exibição das guias de remessa de transporte;
2. inexistência de contas bancárias na contabilidade de forma a distinguir os movimentos referidos nos extractos emitidos pelas instituições bancárias;
3. diferença entre as quantidades compradas de peixe e as vendidas;
4. margem média bruta de comercialização calculada superior à declarada,
encontrando-se, deste modo, reunidos alguns dos pressupostos legais para a tributação com recurso a métodos indirectos, designadamente os referidos na alínea b) do artigo 87.º e alínea a) do artigo 88.º, ambos da LGT. Para o efeito e tendo por base alguns dos critérios constantes do artigo 90.º da LGT, procederemos de seguida ao cálculo e estimação do presumível volume de negócios realizado.
5.1. Procedimentos
Como foi exposto no capítulo anterior, existem bens comprados cuja respectiva saída não foi registada, evidenciando omissões na venda destes bens.
As mercadorias em causa são para 2004: potra, cavala, sarda e lula e para 2005 potra.
A determinação da omissão das quantidades vendidas, resulta da diferença entre as quantidades compradas e as vendidas (facturadas), diferença já encontrada no capítulo anterior.
O preço unitário de venda a considerar para os bens em causa, é o que resulta da média dos preços indicados nas facturas de vendas emitidas pelo contribuinte.

DESCRIÇÃO Quantidade
Vendas em
falta
Preço médio
venda
Valor das
Vendas em
falta
Ano de 2004
POTRA/POTA 49.000,00 € 1,97 € 96.530,00
CAVALA 11.408,90 € 0,39 € 4.449,47
SARDA – CAVALA 7.071,70 € 0,77 € 5.445,21
LULA 4.064,55 € 5,38 € 21.867,28
Total de 2004 € 128.291,96
Ano de 2005
POTRA/POTA 14.330,00kg € 1,93 € 27.656,90
Total de 2005 € 27.656,90

O IVA em falta relativo a vendas omitidas é de € 6.414,60 para 2004 e de € 1.382,85 para 2005.
5.2. Conclusão das correcções efectuadas
(…)
5.2.2. IVA – 2004
O IVA em falta resultante de correcções meramente aritméticas é de € 5.158,94, e derivado da aplicação de métodos indirectos é de € 6.414,60. Ambas as correcções serão efectuadas na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2004.
(…)
5.2.4. IVA – 2005
O IVA em falta resultante de correcções meramente aritméticas é de € 10.579,73 e derivado da aplicação de métodos indirectos é de € 1.382,85. Ambas as correcções serão efectuadas na declaração periódica de IVA de Dezembro de 2005.
(…)
9. DIREITO DE AUDIÇÃO
(…)
As alegacões produzidas merecem os seguintes comentários:
(…)
3. No ano de 2005 foram contabilizadas na conta compras de mercadorias, diversas verbas no valor total de €128.303,20 tendo como documentos de suporte vendas a dinheiro emitidas pelo sujeito passivo "C... - Comércio de Produtos Alimentares, L.da, NIPC 5…). O IVA liquidado nas referidas vendas a dinheiro totaliza €6.415,17, valor que foi deduzido na sua totalidade pelo contribuinte F..., L.da, na declaração periódica de IVA do período 0512. Consultada a situação cadastral do sujeito passivo C..., L.da disponível na DGCI, verificou-se que este contribuinte está cessado desde 2000/12/31. Assim sendo este contribuinte é inexistente à data da emissão destas vendas a dinheiro (ano de 2005).
Tratando-se de uma operação efectuada por um sujeito passivo cessado, logo inexistente, no período em que foi efectuado a dedução de IV A por parte do contribuinte F..., nos termos do n.º 11 do art. 22.º do CIVA, ao imposto deduzido será retirado o valor de €6.415, 17, assim como de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 42.º do CIRC tal custo não será considerado para efeitos fiscais.
Mais se refere que a Direcção Geral dos Impostos disponibiliza informação relativa à situação cadastral dos sujeitos passivos, podendo o contribuinte ter verificado que à data da emissão das facturas da C..., L.da, este sujeito passivo encontrava-se cessado;
4. Em 2005 o contribuinte contabilizou a venda a dinheiro n.º 2005005558 a titulo de compras de peixe fresco, emitida por A..., L.da, cujas as quantidades nelas descritas, não foram vendidas até 31/12/2005, não constavam em armazém no final do ano, nem foram vendidas na primeira quinzena de 2006. Também foram controladas as compras do emitente da referida venda a dinheiro tendo-se verificado também que este sujeito passivo não possuía as quantidades necessárias para realizar tal venda.
Tratando-se de uma operação simulada, o custo então contabilizado não pôde ser aceite custo fiscal, nos termos do art.º 23 do CIRC, assim como o direito à dedução do IVA não pode ser considerado conforme n.º 3 art. 19.º CIVA.
Como foi explicado e demonstrado no ponto 3.6 do presente relatório, o sujeito passivo A..., Lda nunca efectuou compras de peixe para fazer face a tais vendas, muito menos para congelar. Por outro lado na venda a dinheiro em causa não vem a referencia a peixe congelado;
5. Atendendo aos indícios de que a contabilidade não reflectia a exacta situação patrimonial da empresa bem como o resultado efectivamente obtido, designadamente: não exibição das guias de remessa de transporte; inexistência de contas bancárias na contabilidade de forma a distinguir os movimentos referidos nos extractos emitidos pelas instituições bancárias; diferença entre as quantidades compradas de peixe e as vendidas; margem média bruta de comercialização calculada superior à declarada, foi efectuada a tributação da matéria tributável por avaliação indirecta, nos termos dos artigos 87.º e 88.º da LGT e a sua quantificação de acordo com o artigo 90.º do mesmo diploma, tendo-se apurado vendas em falta, e, consequentemente, omissões aos proveitos declarados para efeitos de IRC no total de €128.291,96_em 2004 e €27.656,90 em 2005 e IVA em falta de €6.414,60 para 2004 e de €1.382,85 para 2005.
Quanto aos movimentos bancários, foi referido no ponto 4.2 deste relatório, que as transferências de contas caucionadas e os reembolsos foram excluídos da análise efectuada às entradas de meios monetários. Quanto aos "movimentos de cheques de trocas para fazer face a pagamentos", apesar de o contribuinte não explicar que movimentos são, tratam-se de pagamentos e não de entradas de meios monetários;
6. O contribuinte não indica quais margens reais praticadas de modo a que se possa comparar com as margens apuradas pela inspecção. Contudo as margens determinadas foram baseadas nos elementos contabilísticos disponibilizados pelo contribuinte.” (fls. 47 e ss. do PA em apenso);
3. O relatório a que se refere o ponto anterior foi notificado ao Exmo. Mandatário da Impugnante em 23-02-2007 (fls. 138 e 138 v.º do PA em apenso);
4. Em 26-03-2007 a Impugnante apresentou na Direcção de Finanças de Coimbra reclamação nos termos do art. 91.º da LGT, que aqui se dá por integralmente reproduzida, invocando que iria demonstrar “em sede de reunião, que o apuramento das quantidades de peixe adquirido e vendido e respectivas margens de comercialização (lucros) assentou em premissas erradas, pelo que conduziu a resultados nominativos, meramente ideais e desadequados e desproporcionais às condições objectivas com que esta empresa exerce a sua actividade.” (fls. 142 a 155 do PA em apenso);
5. Em 04-05-2007 e 28-05-2007 reuniram os peritos designados para o procedimento de revisão, a que se referem as Actas n.º 013/LGT e 013-A/LGT, tendo esta última, a qual pôs fim ao debate contraditório, nomeadamente, o seguinte teor: “(…) Na condução do procedimento, o perito da Administração Tributária procurou o estabelecimento dum acordo, o qual não foi possível concretizar.
Assim sendo, a resolução do procedimento caberá, por força do estipulado pelo n.º 6 do artigo 92° da Lei Geral Tributária e pelo artigo 4° do decreto-lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro que a aprovou, ao Ex.mo Senhor Director de Finanças.
Nos termos do preconizado pela parte final do n.º 6 do artigo 92° da Lei Geral tributária, os peritos manifestaram, a sua posição, como de descreve a seguir:
1. Analisando os vários fundamentos que sustentam o recurso a métodos indirectos, para apuramento do lucro tributável da reclamante, nos anos já referenciados, ressaltam as diferenças positivas entre as quantidades compradas e vendidas de alguns produtos (peixe), conforme descreve o relatório da Inspecção Tributária, a fls. 12/18;

2. Contrariamente ao afirmado na reclamação - artigo 3°, parte final - o perito da reclamante não apresentou quaisquer outros elementos que pudessem contrariar os ora discutidos;

3. Por outro lado, o perito da reclamante, reafirmou que a totalidade dos valores fixados (avaliação directa e avaliação indirecta) estão desproporcionados às condições objectivas com que a empresa exerce a sua actividade, não evidenciando esta e os seus respectivos sócios, sinais exteriores de riqueza, consistentes com os apurados no relatório em apreciação.

4. De realçar que do valor fixado, a parte com maior peso (avaliação directa) não é discutível nesta sede;

5. Não tendo havido por parte da reclamante uma proposta que oferecesse outros elementos susceptíveis de discussão, é convicção de ambos os peritos não existirem condições que viabilizem um acordo.

Nada mais havendo a tratar e, cumpridas todas as formalidades legais, vai esta acta ser assinada pelos presentes, depois de lida em voz alta e entregue cópia da mesma ao perito do contribuinte.
6. Em 30-10-2007, o Director de Finanças de Coimbra proferiu o despacho n.º 20/2007, que aqui se dá por reproduzido, mantendo os valores fixados em sede de procedimento de inspecção, o qual tem, nomeadamente, o seguinte teor: “(…) Assim, compete-nos decidir.
Analisados o relatório dos serviços de inspecção, o pedido de revisão do contribuinte e as posições tomadas por ambos os peritos, verifica-se a falta de idoneidade e organização dos registos contabilísticos do sujeito passivo, pela existência, neles, de irregularidades e omissões, tal como se encontra devidamente explicado no ponto IV do mencionado relatório de folhas 12 a 14:
- Não exibição das guias de remessa e/ou de transporte emitidas pela empresa;
- Inexistência de contas bancárias na contabilidade de forma a distinguir os movimentos referidos nos extractos emitidos pelas instituições bancárias;
- Diferença entre as quantidades compradas e vendidas de peixe;
- Margem média bruta de comercialização calculada superior à declarada.
Tais factos foram demonstrados e provados no relatório da inspecção tributária que, nos termos do n.º 1 do artigo 76.° da LGT , "fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos" - que é o caso presente - e que não foram afastados, objectiva e concretamente, ao longo do procedimento, pelo sujeito passivo e seu perito.
As situações acima referidas conduzem-nos à conclusão da impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável devido à insuficiência e irregularidade detectadas entre valores declarados e dados reais, pelo que se encontram reunidos os "pressupostos legais para a tributação com recurso a métodos indirectos, designadamente os referidos na alínea b) do artigo 87º e alínea a) do artigo 88º ambos da LGT” (folhas 15/23 do relatório).
Que, devido àquelas irregularidades e anomalias, a contabilidade do contribuinte não relevou todas as operações realizadas e os resultados efectivamente alcançados, nos exercícios inspeccionados, de acordo com o que dispõe a alínea b), do n.º 3, do art.º 17º do C.I.R.C. e, bem assim, necessariamente, a sua real situação patrimonial, de harmonia com o art. o 29° do C. Comercial.
Pelo que se encontram reunidas as condições para avaliação indirecta da matéria tributável, ora efectuada.
Justificada a determinação da matéria tributária por métodos indirectos, cabe, por sua vez, ao contribuinte, o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação de acordo com o disposto no n.º 3, do art.º 74º da LGT.
Contudo, tal não se apresenta conseguido, pois os factos acima descritos, não foram rebatidos nem justificados, ao longo do procedimento de revisão, pelo contribuinte no pedido de revisão, nem pelo seu perito.
No pedido de revisão e na tentativa de provar o excesso de quantificação argumenta o contribuinte no 3° ponto que:
"Conforme se irá demonstrar em sede de reunião, o apuramento das quantidades de peixe adquirido e vendido e respectivas margens de comercialização (lucros) assentou em premissas erradas, pelo que conduziu a resultados nominativos, meramente ideais e desadequados e desproporcionais às condições objectivas com que esta empresa exerce a sua actividade.
Ainda se demonstrará, que a maior parte dos depósitos não correspondem a proveitos ou vendas, tratando-se de transferências, de conta caucionada e movimentos de cheques de trocas, para fazer face apagamentos.".
No entanto, no decurso dos debates contraditórios efectuados pelos peritos da administração e do contribuinte, não foram apresentados elementos que levem ao afastamento da aplicação de métodos indirectos ou à quantificação de valores diferentes dos apurados pela inspecção tributária no relatório (e seus anexos) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
Na Acta n°. 013-A/LGT aqui já referida, "os peritos manifestaram, a sua posição, como se descreve a seguir:
(…)
Ou seja, os factos e cálculos apresentados no relatório, que fundamentaram a determinação do valor da matéria tributável do contribuinte, não foram, em concreto, postos em causa pelo contribuinte nem pelo seu perito, não tendo sido feita uma análise taxativa, ou apresentados cálculos que provem convenientemente haver excesso na quantificação da matéria tributável determinada pela inspecção tributária, não tendo sido demonstrado nas reuniões, tal como foi referido no pedido de procedimento, que "o apuramento das quantidades de peixe adquirido e vendido e respectivas margens de comercialização (lucros) assentou em premissas erradas, pelo que conduziu a resultados nominativos, meramente ideais e desadequados e desproporcionais", mantendo-se os pressupostos fixados nos artigos 87.º a 89.º da Lei Geral Tributária para a avaliação indirecta.
Ora, e de acordo com o estipulado na alínea a) do nº 2 do artigo 75.º da LGT, é afastada a presunção de verdadeira da contabilidade e declarações por impedir o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo. Se a contabilidade e escrita do sujeito passivo obedecerem às regras estabelecidas nas leis comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras, no entanto, tal como consta em anotação ao referido artigo 75.° da LGT, comentada e anotada por Diogo Leite de Campos, e outros, 3.° Edição da Vislis Editores, página 365, se "as declarações ou a contabilidade e escrita apresentarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo, deixam de valer aquelas presunções.
Por isso, a prova dos factos que são objecto da contabilidade fica sujeita às regras do ónus da prova estabelecidas no art. 74.º.
Esta sujeição, estando-se perante uma omissão de dever que normalmente legitima a utilização de métodos indirectos de avaliação da matéria colectável [art.87.º alínea b), da L.G.T], traduzir-se-á, na prática, numa verdadeira inversão do ónus da prova relativamente aos factos a que se refere a omissão, pois à administração tributária caberá apenas provar a existência da deficiência da contabilidade ou escrita e será ao contribuinte que caberá ónus de demonstrar o eventual erro na sua quantificação (n.º 3 do art. 74.º da L.G.T).".
Como foi devidamente demonstrado no relatório da inspecção tributária, os elementos declarados e fornecidos à administração não merecem, credibilidade, existindo, como consta na transcrição acima feita, "indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável real", competindo então à administração fiscal o apuramento da matéria colectável com recurso à aplicação de métodos indirectos.
No entanto não se consegue apurar com exactidão qual o verdadeiro montante em falta, restando só à administração retirar as ilações, que constam do relatório aqui já referido e respectivos anexos, a partir de factos conhecidos para firmar um facto desconhecido, tal como estipula o artigo 349.° do Código Civil.
Logo, a inspecção tributária apurou os valores que considera reais para que seja tributado o rendimento real, sendo que, segundo José Xavier de Basto no artigo "O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária" in Boletim do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, Ano VI n° 10, Março de 2001, a folha 23, (…)
Que as situações acima referidas conduzem-nos à conclusão de que a contabilidade do sujeito passivo, devido à sua deficiente organização e execução, bem como à omissão de factos patrimoniais, mostra-se insuficiente e incapaz de revelar a realidade económica - resultados e património - da sua actividade.
Pela legalidade do uso do critério operado na quantificação, porquanto, se baseia no n.º 1 do art. ° 90° da LGT.
Deste modo
Determina, o acima exposto, a total adesão aos fundamentos e quantificação constantes do relatório da Inspecção tributável e seus anexos e às expendidas pelo perito da Administração Tributária - cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos - o que vale por não aceitarmos a pretensão do contribuinte, já que o mesmo não fez prova do excesso na quantificação da matéria tributável conforme lhe competia, nos termos do art. 74° n° 3 da L.G.T. (…)" (fls. 160 e ss. do PA em apenso);
7. A correspondência contendo a decisão que antecede, foi enviada ao Exmo. Mandatário da Impugnante por carta registada com AR, assinado em 28-11-2007 (fls. 159 e 159 v.º do PA em apenso);
8. Em 13-12-2007 foram emitidas as liquidações adicionais de IVA dos períodos 0412 e 0512, com os números 07331290 e 07331388, nos valores de € 8.453,02 e € 11.962,58, respectivamente, bem como as liquidações de juros compensatórios dos períodos 0412 e 0512, com os números 07331291, 07331289 e 07331389, nos valores de € 678,09, € 250,33 e € 481,13, respectivamente, todas com prazo limite de pagamento de 31-01-2008 (fls. 17 a 21 dos autos);
9. Em 12-04-2008 foi apresentada a presente impugnação, remetida ao TAF por correio electrónico (fls. 3 e 4 dos autos);
Mais se provou que:
10. Em nome da sociedade “C..., Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”, contribuinte n.º 5…, foram emitidas à ora Impugnante as vendas a dinheiro n.º 2251, de 02-06-2005, 2256, de 07-06-2005, 2286, de 24-06-2005, 2298, de 12-07-2005, 3853, de 17-10-2005, 3854, de 18-10-2005, 3855, de 19-10-2005, 3856, de 20-10-2005 e 3875, de 23-11-2005, no valor total de € 128.303,20, acrescido de IVA no valor de € 6.415,17, que aqui se dão por reproduzidas, relativas à venda de várias quantidades e espécies de peixe (fls. 94 a 98 do PA em apenso);
11. A sociedade C..., Comércio de Produtos Alimentares, Lda., contribuinte n.º 5…, iniciou a actividade para efeitos de IVA em 08-031999 e cessou-a, com base no, então, art. 33.º n.º 1 b) do CIVA, em 31-12-2000 (cfr. impressão do sistema informático da AT, de fls. 166 do PA em apenso);
12. A sociedade C..., Lda., nos anos de 2004 e 2005, tinha as portas abertas (facto confirmado pelas segunda e terceira testemunhas, “industriais de pescado”, que se dedicavam à actividade, e que afirmaram, por conhecimento directo, ter visitado a empresa, que tinha uma placa com o nome, que funcionava num armazém no porto de pesca de Aveiro e que viram o seu sócio-gerente “Zé…” a compra e vender peixe e a emitir facturas com o nome da sociedade. O Tribunal deu como provado este facto em virtude de os depoimentos, nesta parte, se terem revelado objectivos e coincidentes e prestados de forma espontânea, o que lhe inculcou a convicção da sua veracidade);
13. A sociedade A..., Lda., contribuinte n.º 5…emitiu à ora Impugnante a Venda a Dinheiro n.º 2005005558, de 23-12-2005, que aqui se dá por integralmente reproduzida, relativa a 10.000kg de sardinha, 10.000kg de carapau e 80.500kg de cavala, no valor total de € 50.225,00 acrescido de IVA de € 2.511,25, constando deste documento que a mercadoria foi transportada em viatura do cliente e que tinha sido carregada e descarregada em 07-02-2006 (fls. 102 do PA em apenso);
3.2 Factos não Provados
A. A venda a dinheiro a que se refere o ponto 13. supra correspondeu a uma venda efectiva à Impugnante do peixe nela referido (apesar das segunda e terceira testemunhas, industriais do ramo da pesca, que revelaram conhecer o Sr. A…, terem defendido que a sua empresa possuía capacidade para fornecer a quantidade de peixe indicada na venda a dinheiro, a Impugnante limitou-se a afirmar que a venda era real, não tendo posto em causa os factos relatados no relatório de inspecção; por outro lado, a primeira testemunha, o próprio A…, dono da empresa, defendeu – argumento que surge pela primeira vez invocado e que a própria Impugnante nunca defendeu – que as quantidades ali indicadas tinham sido fornecidas ao longo do ano de 2005 e que só facturou no fim do ano, mas, ao mesmo tempo, afirmou que em 2005 ficou a trabalhar “com duas fabriquetas” e que “foram aguentando e trabalhando, até que chegou a uma altura em que não puderam aguentar por causa dos custos” e que “não tinham frio para aguentar a capacidade e vendiam à F..., que tinha capacidade”. Ora, esta última afirmação contrasta com a da Impugnante, em sede de direito de audição, que afirmou que este comerciante comprava e vendia “em fresco e congelava o restante” e que sempre que precisavam para reposição de stocks lhe compravam; por outro lado, não é crível que, se a empresa estava com dificuldades financeiras, deixasse para o fim do ano uma facturação de valor relevante, a qual podia ter sido recebida aquando dos fornecimentos. Finalmente, a testemunha também nada adiantou quanto às datas dos fornecimentos, tendo o depoimento sido vago e genérico, além de que a Impugnante também não demonstrou documentalmente o pagamento do valor da factura, nem o transporte das mercadorias – o que tinha sido determinante para a demonstração da realidade da transacção. Assim, entende o Tribunal que não foi demonstrado por parte da Impugnante a realidade da operação subjacente à venda a dinheiro aqui em causa);
B. No ano de 2004, a diferença entre as quantidades, em quilos, compradas e vendidas é de cerca de 15.000,00 quilos e tem a sua origem na compra do peixe em cabazes com água ou com gelo (nenhuma prova sobre estes factos foi feita, sendo que o que foi perguntado às testemunhas foi se era possível vender quantidades superiores às compradas, que as testemunhas atribuíram a diferenças de peso para mais nos cabazes e na oferta dos pescadores, que, de resto, os serviços de inspecção não questionaram, e não o contrário, isto é, a compra de quantidades de peixe não vendidas);
C. A Impugnante efectuou o pagamento das liquidações de IVA impugnadas (nenhuma prova sobre este facto foi efectuada).
Nada mais se provou com relevância para a decisão da causa.
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico dos documentos que constam dos autos, não impugnados, e do Processo Administrativo em apenso, bem como nos depoimentos das identificadas testemunhas, cuja relevância foi referida a propósito de cada ponto.”

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3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise da matéria em discussão nos autos, sendo certo que está cometida a este Tribunal, desde logo, a tarefa de apreciar a relevância do exposto pela Recorrente quando refere que o direito à cobrança dos impostos dos anos de 2004 e 2005 pela Fazenda Publica, já prescreveu nos termos do artigo 48°/1 e 49°/1/2 da LGT, é de conhecimento oficioso, o processo esteve parado mais do que um ano, por causa não imputável ao contribuinte.

Neste âmbito, é ponto assente que a questão da prescrição nunca tinha sido antes suscitada nos autos, razão porque - notoriamente - não foi neles apreciada, ou seja, a sentença recorrida não conheceu da questão da prescrição dessas dívidas porque tal matéria nunca foi suscitada ou peticionada nos autos.
Ora, o artigo 684º nº 2 do Código de Processo Civil (actual art. 635º nº 2) estabelece que o âmbito do recurso é externamente delimitado pelo âmbito material da própria decisão recorrida, o que é visto como uma importante limitação ao objecto do recurso, na medida em que implica que, em regra, o recurso só pode incidir sobre questões que tenham sido ou devessem ter sido apreciadas pelo tribunal recorrido.
Compreendem-se perfeitamente as razões porque o sistema foi assim arquitectado, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os tribunais superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil - Novo Regime, segunda edição, rev. e act, pág. 94).
É certo que o tribunal tem o dever de se pronunciar sobre questões do conhecimento oficioso - cfr. artigo 660º nº 2, segunda parte, do Código de Processo Civil (actual art. 608º nº 2), sendo que a prescrição é uma questão do conhecimento oficioso - artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Mas são distintas a questão que o tribunal de recurso aprecia incidentalmente no âmbito dos seus poderes oficiosos e a questão de conhecimento oficioso que o recorrente levanta no recurso contra a decisão recorrida.
No primeiro caso, o tribunal de recurso consulta os elementos do processo e extrai oficiosamente uma conclusão (em primeira mão), que poderá até extinguir o recurso e impedir, na prática, o conhecimento do seu objecto.
No segundo caso, o tribunal de recurso verifica - ao conhecer do objecto do recurso - se a questão poderia ter sido oficiosamente apreciada pelo tribunal recorrido (designadamente porque a prescrição já teria então ocorrido) e se, por isso, o tribunal recorrido omitiu o dever respectivo, o que poderá conduzir à procedência do recurso e, se for o caso, ao conhecimento dessa questão, em substituição do tribunal recorrido.
No primeiro caso, a prescrição não faz parte do âmbito do recurso e é apreciada no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal de recurso (em primeiro grau).
No segundo caso, a prescrição é questão central do recurso e a segunda instância verifica se a prescrição deveria ter sido apreciada no âmbito dos poderes oficiosos do tribunal recorrido (em segundo grau).
O caso dos autos não se enquadra em nenhuma dessas hipóteses, na medida em que a Recorrente nunca alegou que a questão deveria ter sido apreciada pelo tribunal recorrido e que tal apreciação deveria ter conduzido a decisão diversa em primeira instância.
Ora, para além de o pedido em apreço não ter correspondência na matéria alegada, nem fundamentação que o sustente, sendo um pedido infundado e sem sentido, pois que a decisão recorrida apreciou todos os vícios que a ora Recorrente alegou em sede de petição inicial, importa ainda destacar que, a ser assim, o âmbito do recurso extravasa o âmbito da decisão recorrida: ao pretender-se que o tribunal de recurso conheça da prescrição sem limitação ao âmbito possível do conhecimento da mesma questão pelo tribunal recorrido está-se a pretender integrar no objecto do recurso matéria que não fazia (nem podia fazer) parte do objecto da decisão recorrida.

Assim sendo, o recurso é ilegal, nesta parte.

Resta saber se a prescrição pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal de recurso.

Sublinhe-se que, qualquer que seja a decisão a proferir neste âmbito, não interfere com o anteriormente decidido, quanto à ilegalidade do recurso. Do que se trata agora é de saber se o tribunal tem todos os elementos necessários para - independentemente do que foi alegado/requerido - conhecer oficiosa e incidentalmente da prescrição.

Neste domínio, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 11-01-2013, Proc. nº 00739/05.4BEPRT, www.dgsi.pt, “… importa começar por salientar que os tribunais superiores têm entendido que a impugnação judicial não é o meio processual adequado para o conhecimento da questão da prescrição da obrigação tributária, por este processo visar apreciar a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação e a prescrição não ter a ver com essa legalidade, mas apenas com a exigibilidade da obrigação criada com a liquidação. Admite-se, contudo, o conhecimento incidental desta questão, para aferir se tem utilidade prática a apreciação da legalidade do ato impugnado. Ou seja, em impugnação judicial, a prescrição é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide (neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», I volume, Áreas Editora 2006, pág. 708). Por identidade ou até maioria de razão, a mesma questão só pode ser incidentalmente colocada na pendência do recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do próprio recurso.

Não é, assim, o problema do conhecimento oficioso da prescrição que aqui se pode colocar em termos imediatos (e que só faria sentido colocar quando o meio processual escolhido é adequado ao seu conhecimento), mas o problema do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide.

Nesta parte, tem-se entendido que as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso, por estarem conexionadas com o interesse processual ou interesse em agir, que é assumido pela doutrina como pressuposto processual ou condição da ação.

E que não tem de existir apenas no momento em que o processo se inicia, mas também ao longo dele, justificando a sua falta a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (parece ir neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2006.06.28, processo n.º 0189/06, disponível em redação integral in www.dgsi.pt.).

Assim sendo, as causas de inutilidade superveniente da lide são também do conhecimento oficioso em fase de recurso, tendo o seu julgamento cabimento na alínea h) do n.º 1 do artigo 700.º do Código de Processo Civil.

No entanto, o dever de conhecimento oficioso dessas questões pelo tribunal ad quem pressupõe que existam nos autos os elementos necessários ao seu julgamento (neste sentido, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in «Recursos em Processo Civil - Novo Regime», segunda edição, rev. e act., pág. 26).

Sendo que no caso, não existem nos autos elementos que objetivamente apontem para a inutilidade superveniente da lide com tal fundamento nem os mesmos foram minimamente fornecidos pelo Recorrente. A sua confirmação estaria dependente do apuramento de diversa factualidade relevante, que não é possível com os elementos disponíveis nos autos, até porque o processo não chegou a este tribunal acompanhado do processo executivo e de informações e outros processos ou procedimentos que, em concreto, se revelassem necessários. E não existe norma que imponha o dever de avocar o processo executivo ao recurso da decisão de uma impugnação judicial para despistar a eventual ocorrência da inutilidade do prosseguimento da lide.

Por outro lado - e centrando agora o problema do conhecimento oficioso da prescrição - assinala-se que o artigo 175.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário tem inserção sistemática no seu Título IV, secção VII que, rege sobre as causas de suspensão, interrupção e extinção do processo de execução fiscal. Decorrendo expressamente da sua redação que o dever de conhecimento oficioso tem lugar em processo em que tenha intervindo anteriormente o órgão de execução fiscal. E o enquadramento sistemático deste normativo também não pode ser indiferente à correta interpretação do âmbito dos deveres de conhecimento oficioso do tribunal. Dele decorrendo, pelo menos, que não foi nunca intenção do legislador conceder ao Recorrente a faculdade de escolher ou meio processual para suscitar a questão da prescrição e a instância onde é suscitada, sobretudo quando esse meio não é o adequado para o seu conhecimento a título principal e a lei disponibiliza o meio processual adequado para o fazer na instância própria. …”.

Perante a bondade do que fica exposto, sendo que também aqui não existem nos autos elementos que objectivamente apontem para a inutilidade superveniente da lide com tal fundamento nem os mesmos foram minimamente fornecidos pela Recorrente, além de que a sua confirmação estaria dependente do apuramento de diversa factualidade relevante, que não é possível com os elementos disponíveis nos autos, até porque o processo não chegou a este tribunal acompanhado do processo executivo e de informações e outros processos ou procedimentos que, em concreto, se revelassem necessários, não podemos deixar de acompanhar o que ficou expresso no referido aresto.

Diga-se ainda que não existe norma que determine ao tribunal de recurso o dever de avocar o processo executivo para se certificar que a prescrição não ocorreu antes de conhecer do objecto do recurso propriamente dito, pois o que existe é norma que obriga o tribunal, qualquer que ele seja, a conhecer incidentalmente da prescrição se, por alguma outra razão, o processo executivo e os demais de que dependa o seu conhecimento, se encontram em poder desse tribunal. O que, como já se salientou, não é o caso.

Finalmente, cabe notar que esta análise em nada coloca em crise a posição da ora Recorrente, que sempre poderá suscitar esta questão junto do órgão de execução fiscal, no caso de, como é habitual, terem sido instaurados processos de execução fiscal com referência às dívidas relacionadas com as liquidações descritas nos autos, sendo que, ainda que esteja esgotado o prazo para deduzir oposição à execução fiscal, sempre a ora Recorrente poderá requerer ao órgão de execução fiscal que declare a prescrição das obrigações tributárias, com reclamação para o tribunal, nos termos do art. 276.º do CPPT, de eventual decisão de indeferimento.
Nesta sequência, julgando a decisão de primeira instância irrecorrível, com fundamento na prescrição das dívidas, temos que importa concluir no sentido de não se dever tomar conhecimento do recurso jurisdicional interposto neste domínio.

A Recorrente aponta depois que para o ano de 2005 foi colocado em crise, por falta de fundamentação a consideração de 128.303,00€ de custo como inexistente, e o consequente IVA não dedutível de 6.415,17€ atendendo que o fornecedor C... - Comercio de Produtos Alimentares Lda., havia cessado a sua actividade, sendo que a compra foi efectiva e o preço pago e documentado, não sabendo a impugnante nem tendo obrigação de saber, se esta empresa havia cessado a sua actividade fiscal, verificando-se que está identificado no anexo número 4 (6 folhas) na sua espécie, quantidade e preço e esta empresa estava aberta as portas abertas não tendo qualquer identificação de ter cessado a sua actividade para efeitos fiscais.

Nesta matéria, crê-se pertinente ter em conta o exposto no recente Ac. do S.T.A. de 13-09-2017, Proc. nº 01923/13, www.dgsi.pt, onde se pondera que: “… O IVA é um tributo que se socorre do método subtrativo indireto e que permite aos contribuintes deduzirem ao imposto referente às suas operações de venda de bens e prestação de serviços o que lhes foi faturado na compra de bens e serviços que efetuaram.
Pretende este regime defender a neutralidade do imposto e com a dedução, reporte ou reembolso libertar os operadores económicos do ónus do IVA, no exercício das suas atividade.
Na verdade a dedução é a faculdade que permite ao sujeito passivo deduzir ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetue o imposto que consta das faturas das suas aquisições de bens ou serviços.
O reporte é, ainda, a faculdade que permite ao sujeito passivo manter um crédito de imposto, durante um curto prazo, uma vez que o imposto incidente sobre as operações tributáveis que efetuou é inferior ao constante das faturas das suas aquisições de bens ou serviços.

O reembolso é a devolução ao sujeito passivo de IVA por ele suportado, em excesso, durante determinado período temporal.
Afirma a FP, se bem entendemos o seu pensamento, que pode a AF corrigir o IVA do sujeito passivo que adquira bens ou serviços, através de fatura com IVA, a pessoas singulares não constantes do cadastro do IVA, por estas haverem cessado a sua atividade ou por ainda não terem declarado o seu início.
Ainda segundo a FP estas pessoas singulares não são sujeitos passivos de IVA, pois que, nos termos do art.º 19.º, n.º 1, alínea a) do CIVA, só é reconhecido o direito à dedução do imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos.
Conclui a FP que se a condição de sujeito passivo inexistente ou cessado legitima o indeferimento do reembolso, tem também que legitimar a liquidação efetuada com base na indevida dedução de imposto liquidado e constante de faturas emitidas por pessoas que não tinham a qualidade de sujeitos passivos de IVA.

A questão do estatuto ou do registo no cadastro do IVA foi já tratado no acórdão deste STA de 20/01/2010, processo 0974/09, que a sentença recorrida transcreveu e que merece a nossa aderência.
Com efeito escreveu-se no referido acórdão o seguinte:
o direito à dedução do IVA suportado a montante constitui uma característica fundamental do sistema comum desse imposto, essencial para garantia da neutralidade do mesmo e “peça chave” do seu funcionamento - cf. Acórdão de 8/07/09, no recurso n.º 199/09 e o aí citado estudo de Clotilde Celorico Palma «IVA — Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução», in Estudos de Imposto sobre Valor Acrescentado, Coimbra, Almedina, 2006, pp. 139/161).
Daí que a desconsideração ou exclusão da dedução do montante do IVA suportado pelo adquirente de bens e serviços, deva constituir uma resultante iniludível da aplicação da legislação aplicável.
Ora, assim não acontece no caso em apreço em que o prestador de serviços, apesar ter cessado a sua actividade em data anterior à respectiva facturação, processou esta acrescida de IVA, imposto este suportado pelo adquirente e reportando-se a serviços que não foram colocados em crise pela Administração Fiscal (que o mesmo é dizer que não foi arguida a sua falsidade).
Como argumento fundamental em apoio da exclusão do direito à dedução do imposto processado e pago, afirma a Fazenda Pública que “o emitente de facturação que se encontre cessado perde, após a data da cessação, logicamente, a natureza de sujeito passivo que detinha até então.”
Tal afirmação não encontra, todavia, suporte na lei.
De facto, se é certo que à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitua um requisito essencial ao direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artigo 30.º n.º 1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente artigo 32.º.
Antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada operação tributável.
É que resulta do disposto no artigo 2.º alínea a) do CIVA (redacção dada pelo artigo 2.º do DL n.º 290/92, de 28/12) ao prever que são sujeitos passivos do imposto – “As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.”
Sendo ainda que de acordo com a alínea c) do mesmo normativo se estabelece que são ainda sujeitos passivos do imposto “As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”, prevendo-se ainda nestes casos a obrigatoriedade da entrega do imposto cobrado nos cofres do Estado (artigo 26.º n.º 2 do CIVA).
Por outra parte, o artigo 42.º do CIVA regula expressamente o prazo dentro do qual os sujeitos passivos deverão fazer a declaração na repartição de finanças da ocorrência de uma só operação tributável.

Em face do exposto, deve concluir-se que, não obstante a declaração de cessação de actividade, o contribuinte prestador de serviços e bens se define como sujeito passivo na exacta medida em que processa uma factura com IVA do serviço prestado e daí que, tanto mais que não foi posta em causa a prestação do serviço, nada permita afirmar que no caso o encargo não se encontre devidamente documentado com a resultante da consideração como custo dedutível em sede de IRS do respectivo montante, consoante foi entendido na sentença recorrida”. …”.

Pois bem, com este pano de fundo, e tendo presente que se provou que em nome da sociedade “C..., Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”, contribuinte n.º 5…, foram emitidas à ora Impugnante as vendas a dinheiro n.º 2251, de 02-06-2005, 2256, de 07-06-2005, 2286, de 24-06-2005, 2298, de 12-07-2005, 3853, de 17-10-2005, 3854, de 18-10-2005, 3855, de 19-10-2005, 3856, de 20-10-2005 e 3875, de 23-11-2005, no valor total de € 128.303,20, acrescido de IVA no valor de € 6.415,17, que aqui se dão por reproduzidas, relativas à venda de várias quantidades e espécies de peixe (fls. 94 a 98 do PA em apenso), sendo que a sociedade C..., Comércio de Produtos Alimentares, Lda., contribuinte n.º 5…, iniciou a actividade para efeitos de IVA em 08-031999 e cessou-a, com base no, então, art. 33.º n.º 1 b) do CIVA, em 31-12-2000 (cfr. impressão do sistema informático da AT, de fls. 166 do PA em apenso) e ainda que a sociedade C..., Lda., nos anos de 2004 e 2005, tinha as portas abertas, motivando-se tal matéria por tal facto ter sido “confirmado pelas segunda e terceira testemunhas, “industriais de pescado”, que se dedicavam à actividade, e que afirmaram, por conhecimento directo, ter visitado a empresa, que tinha uma placa com o nome, que funcionava num armazém no porto de pesca de Aveiro e que viram o seu sócio-gerente “Zé…” a compra e vender peixe e a emitir facturas com o nome da sociedade. O Tribunal deu como provado este facto em virtude de os depoimentos, nesta parte, se terem revelado objectivos e coincidentes e prestados de forma espontânea, o que lhe inculcou a convicção da sua veracidade”, deparamos com uma situação em que nem sequer se coloca em crise as aquisições tituladas pelas facturas descritas, o que quer dizer que não pode acompanhar a sentença recorrida quando conclui que a impugnante não pode deduzir o IVA relativo a facturas emitidas por contribuinte, ainda que tenha cessado a sua actividade, pois que, como se viu nas condições apuradas nos autos é manifesto que a ora Recorrente podia deduzir o IVA liquidado em tais facturas, não podendo manter-se a sentença neste domínio.

A Recorrente defende ainda que também o montante de 50.225,00€ e consequente valor de IVA 1511,25€, deduzido resultou de compras efectuadas a A… Ld, tratando-se de facto de uma compra efectiva de Sardinha, carapau/chicharro e cavala, tudo conforme melhor vem documentado e relacionado no nosso documento interno nº 1477 correspondendo à venda a dinheiro número 2005005558.
Neste ponto, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Analisado o relatório de inspecção, verifica-se que os Serviços de Inspecção cortaram o direito à dedução do IVA do documento referido por terem entendido tratar-se de operação simulada, já que, sendo o documento de 23-12-2005, as quantidades de peixe ali constantes deveriam ter sido vendidas entre essa data e 31-12-2005, uma vez que não tinham sido declaradas mercadorias em armazém no final do ano. E, por isso, tendo verificado que nesse período não constavam da contabilidade da Impugnante as vendas correspondentes às quantidades constantes desse documento, e tendo verificado que, na primeira quinzena de 2006, tinham sido compradas mais quantidades desses peixes e não tinham sido vendidas ou tinha sido vendida uma quantidade inferior à comprada nessa quinzena, e, depois de analisar a contabilidade da empresa emitente, tendo verificado que nos dias anteriores à emissão da venda a dinheiro a empresa tinha adquirido quantidades muito inferiores às que dela constavam, concluiu que tal operação não representava uma verdadeira transacção de mercadorias, pois “o vendedor não possuía as quantidades necessárias para realizar a venda, nem o comprador nunca efectuou vendas necessárias para justificar tal «compra»”.
A AT, no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional.
Nesta matéria, rege o art. 100.º do CPPT que, no seu n.º 1, dispõe que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”.
Tal como tem sido decidido de forma recorrente pela jurisprudência dos tribunais superiores, “Em sede de impugnação judicial, actualmente, no âmbito da vigência do CPPT, cabe à Administração Fiscal assentar os pressupostos que levaram à tributação, em juízos de probabilidade, necessariamente elevada, sem exigir uma certeza do facto tributário, em que a maior parte das vezes, não é possível;
E ao contribuinte, que alegue e prove factos (através de prova concludente) que ponham em dúvida (fundada) os pressupostos em que assentou o juízo de probabilidade elevado feito pela Administração para prova da existência do facto tributário ou da sua quantificação;” (cfr. Acórdãos do TCA Sul, de 07-07-2009, 11-10-2011, 12-05-2010, 20-01-2009, proferidos nos proc. n.º 02827/09, 04238/10, 03493/09 e 01968/07, respectivamente).
No caso concreto, como se viu, é entendimento do Tribunal que a AT, na investigação que fez e factos que verificou, e que acima se deixou referidos, assentou a sua actuação em juízos de probabilidade elevada.
Com efeito, tendo analisado a contabilidade da emitente em momento anterior à emissão da venda a dinheiro, detectou não terem sido adquiridas as quantidades de peixe que dela constavam. Do mesmo passo, ao ter analisado a contabilidade da Impugnante nos períodos seguintes à emissão do documento, até à primeira quinzena de 2006 (e considerando que as quantidades de peixe da venda a dinheiro poderiam constar do armazém, apesar de oficialmente não constarem do inventário do final do ano), verificou que não tinham sido vendidas.
Competiria, por isso, à Impugnante demonstrar a efectividade da operação.
Ora, tal como resulta dos factos não provados supra, o Tribunal entende que a Impugnante não o logrou fazer.
Com efeito, como ali se deixou dito, apesar das segunda e terceira testemunhas, industriais do ramo da pesca, que conheciam o responsável da empresa emitente, terem defendido que esta empresa possuía capacidade para fornecer a quantidade de peixe indicada na venda a dinheiro, a Impugnante limitou-se a afirmar que a venda era real, não tendo posto em causa os factos relatados no relatório de inspecção. Por outro lado, a primeira testemunha, o próprio A…, dono da empresa, defendeu – argumento que surge pela primeira vez invocado e que a própria Impugnante nunca defendeu nem alegou – que as quantidades ali indicadas tinham sido fornecidas ao longo do ano de 2005 e que só facturou no fim do ano, mas, ao mesmo tempo, afirmou que em 2005 ficou a trabalhar “com duas fabriquetas” e que “foram aguentando e trabalhando, até que chegou a uma altura em que não puderam aguentar por causa dos custos” e que “não tinham frio para aguentar a capacidade e vendiam à F..., que tinha capacidade”. Ora, esta última afirmação contrasta com a da Impugnante, em sede de direito de audição, que afirmou que este comerciante comprava e vendia “em fresco e congelava o restante” e que sempre que precisavam para reposição de stocks lhe compravam. Acresce que não é crível que, se a empresa estava com dificuldades financeiras, deixasse para o fim do ano uma facturação de valor relevante, a qual podia ter sido recebida aquando dos fornecimentos. Finalmente, a testemunha também nada adiantou quanto às datas dos fornecimentos, tendo o depoimento sido vago e genérico, além de que a Impugnante também não demonstrou documentalmente o pagamento do valor da factura, nem o transporte das mercadorias - o que tinha sido determinante para a demonstração da realidade da transacção. Assim, entende o Tribunal que não foi demonstrado por parte da Impugnante a realidade da operação subjacente à venda a dinheiro aqui em causa. …”.
Ora, considerando o que ficou exposto na decisão recorrida resulta impensável que a Recorrente deveras acreditasse que o seu esforço mínimo para questionar a matéria agora em análise levaria o Tribunal ao esforço máximo de a reavaliar em toda a sua amplitude.
Na verdade, a alegação da Recorrente corresponde ao parágrafo acima assinalado em que nada é dito sobre a apreciação da conduta da AT no que diz respeito à recolha de indícios susceptíveis de evidenciar que se trata de uma operação simulada, limitando-se a afirmar a materialidade da operação em causa em função do documento interno descrito.
Pois bem, foi considerado como facto não provado que a venda a dinheiro a que se refere o ponto 13. supra correspondeu a uma venda efectiva à Impugnante do peixe nela referido, aí se referindo que apesar das segunda e terceira testemunhas, industriais do ramo da pesca, que revelaram conhecer o Sr. Armindo Pinto, terem defendido que a sua empresa possuía capacidade para fornecer a quantidade de peixe indicada na venda a dinheiro, a Impugnante limitou-se a afirmar que a venda era real, não tendo posto em causa os factos relatados no relatório de inspecção; por outro lado, a primeira testemunha, o próprio A…, dono da empresa, defendeu – argumento que surge pela primeira vez invocado e que a própria Impugnante nunca defendeu – que as quantidades ali indicadas tinham sido fornecidas ao longo do ano de 2005 e que só facturou no fim do ano, mas, ao mesmo tempo, afirmou que em 2005 ficou a trabalhar “com duas fabriquetas” e que “foram aguentando e trabalhando, até que chegou a uma altura em que não puderam aguentar por causa dos custos” e que “não tinham frio para aguentar a capacidade e vendiam à F..., que tinha capacidade”. Ora, esta última afirmação contrasta com a da Impugnante, em sede de direito de audição, que afirmou que este comerciante comprava e vendia “em fresco e congelava o restante” e que sempre que precisavam para reposição de stocks lhe compravam; por outro lado, não é crível que, se a empresa estava com dificuldades financeiras, deixasse para o fim do ano uma facturação de valor relevante, a qual podia ter sido recebida aquando dos fornecimentos. Finalmente, a testemunha também nada adiantou quanto às datas dos fornecimentos, tendo o depoimento sido vago e genérico, além de que a Impugnante também não demonstrou documentalmente o pagamento do valor da factura, nem o transporte das mercadorias - o que tinha sido determinante para a demonstração da realidade da transacção. Assim, entende o Tribunal que não foi demonstrado por parte da Impugnante a realidade da operação subjacente à venda a dinheiro aqui em causa.
Assim, não tendo a Recorrente colocado em crise a decisão sobre a matéria de facto, a realidade vertida no probatório tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne à pretensão formulada pela Recorrente quanto a este elemento.

A Recorrente aponta depois que o valor de 276.200,00€ considerado encargos não devidamente documentados, e levados a proveitos com a consequente liquidação de IVA adicional, são compras de diverso pescado efectuado nas praias da Leirosa, Mira, Costa de Lavos e Vagueira, sendo que estas compras não têm documento de suporte porque feita directamente à tripulação dos barcos de pesca, que além do seu vencimento, recebe ainda pescado, costume enraizado na nossa cultura da faina pesqueira, referindo mais à frente que repare-se o valor de 276.000,00€ que era o pescado comprado aos pescadores sem qualquer documento de suporte e por isso pelos SIT abatido a custos e levados a proveitos, com a consequente liquidação de IVA., acrescido de 50% 138.100,00€ para efeito de tributação autónoma faz incorrer numa dupla tribulação e ainda viola o artigo 23º/1 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos
Neste ponto, a questão dos encargos não devidamente documentados e da dupla tributação envolvem questões novas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido, por lá não terem sido suscitadas, pois que percorrida a petição inicial subjacente à presente impugnação, não se encontra rasto das matérias que agora se pretendem ver apreciadas nos autos.
Tal significa que se está perante questões novas, integradas no processo através das alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, realidade até aí, em absoluto ausente do processo, não tendo sido suscitada em qualquer peça processual e não tendo, por isso, sido apreciada na sentença.
Assim, tal como se afirma no recente Ac. do S.T.A. de 13-03-2013, Proc. nº 0836/12, www.dgsi.pt, “… como é sabido, e é jurisprudência uniforme, os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova (cf. entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 28.11.2012, recurso 598/12, de 27.06.2012, recurso 218/12, de 25.01.2012, recurso 12/12, de 23.02.2012, recurso 1153/11, de 11.05.2011, recurso 4/11, de 1.07.2009, recurso 590/09, 04.12.2008, rec. 840/08, de 30.10.08, rec.112/07, de 2.06.2004, recurso 47978 (Pleno), de 2911.1995, recurso 19369 e do Supremo Tribunal de Justiça, recurso 259/06.0TBMAC.E1.S1, todos in www.dgsi.pt.).
Por isso, e em principio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões de conhecimento oficioso.
Tem-se, assim, como assente que os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pag. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”.
Deste modo, tratando-se, como se trata, de matérias nunca antes suscitadas nos autos, e que naturalmente não foram apreciadas na decisão recorrida, forçoso é concluir que nesta parte o presente recurso está condenado ao insucesso.

Noutro âmbito, a Recorrente insiste depois que existe erro evidente nos pressupostos na fundamentação dos pressupostos para a utilização dos métodos indirectos, referindo que no anexo 8 do Relatório de entre a variadíssima espécie de pescado comercializado pela impugnante só são consideradas as espécies de Potra/Pota, cavala, sarda - cavala e lulas e não são consideradas as compras a custo 0,00€, como cavala CBZ e petinga e outras espécies, com quantidades de vendas, muito superior s quantidades compradas, sendo que os SIT evidenciam uma omissão de 71.545,15 quilos, de pescado para o ano de 2004 e 14.330,00 quilos para 2005, mas o total geral das vendas e compras do ano de 2004 constante do Anexo 8, diferença entres a quantidade de quilos comprados e a diferença de quilos vendidos é de cerca de 15.000 quilos, valor relacionado com a compra do peixe em cabazes e com água ou da sua aquisição com gelo.

Sobre esta matéria, a decisão recorrida ponderou que:
“…
As normas legais que fundamentaram o recurso a métodos indirectos, de acordo com o relatório de inspecção e despacho de fixação da matéria tributável por parte do Director de Finanças, foram o art. 87.º n.º 1 b) e a) do art. 88.º da LGT.
Dispõe a alínea b) do n.º 1 do art. 87.º da LGT que “A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto
Por seu turno, no art. 88.º da LGT estão previstos os vários casos de “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo” 87.º, sendo que a alínea a) mencionada se refere à “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidental”.
Ora, analisando o Relatório de Inspecção e o Despacho de fixação da matéria tributável, verifica-se que AT considerou não ser possível a “comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” e, como tal, concluiu pela verificação dos pressupostos legais a que aludem os artigos acima indicados, tendo identificado os seguintes factos:
1. não exibição das guias de remessa de transporte;
2. inexistência de contas bancárias na contabilidade de forma a distinguir os movimentos referidos nos extractos emitidos pelas instituições bancárias;
3. diferença entre as quantidades compradas de peixe e as vendidas;
4. margem média bruta de comercialização calculada superior à declarada” (cfr. ponto V do relatório de inspecção, onde foi feito este resumo).
Tendo em conta estes fundamentos, que, aliás, não foram rebatidos em nenhuma circunstância pela Impugnante, tem que se entender estarem reunidos os motivos para se proceder à tributação com recurso a métodos indirectos.
Na verdade, não é aceitável que uma sociedade que se dedica à venda e exportação de peixe não tenha guias de remessa que demonstrem as entregas efectivas do peixe vendido.
Este fundamento, conjugado com os restantes consolida a convicção de que houve omissão de vendas de peixe.
Com efeito, outro dos fundamentos foi a verificação da existência de depósitos bancários em valor superior ao valor dos proveitos contabilizados. Esta situação não foi explicada pela Impugnante, sendo certo que os Serviços de Inspecção excluíram da análise o valor das transferências de contas caucionadas e os reembolsos de IVA.
Outro dos fundamentos foi a constatação da existência de quantidades de vendas inferiores às quantidades compradas. Esta verificada omissão de vendas centrou-se nas espécies indicadas no relatório de inspecção (pota, cavala, sarda-cavala e lulas), pois foi nestas espécies que foram encontradas divergências.
De notar que, apesar de o afirmar, a Impugnante não demonstrou que, no ano de 2004, a diferença entre as quantidades vendidas e compradas era de 15.000,00 quilos (contra os 40.000,00 apurados pelos Serviços de Inspecção) e que tal estava relacionado com a compra do peixe em cabazes e com água ou com a sua aquisição com gelo (cfr. facto não provado B.).
Ora, tal indicia, claramente, que a contabilidade não reflecte todas as operações realizadas, nomeadamente, todas as vendas, não sendo possível suprir estas omissões através da sua análise e quantificação directa dos seus elementos e documentos ainda que não registados, sendo que este fundamento, só por si, sempre seria suficiente para fundamentar o recurso a métodos indirectos.
Acontece, no entanto, que os Serviços de Inspecção analisaram ainda a margem média de comercialização da Impugnante com base no custo de compra de cada tipo de peixe, tendo apurado uma margem bruta ponderada efectiva de 254,01% para 2004 e de 97,50% para 2005, contra as margens declaradas de 38,70% para 2004 e 50,90% para 2005, ou seja, a Impugnante declarou margens mais baixas do que as efectivamente praticadas.
Assim, todas as situações detectadas são efectivamente indiciadoras da omissão de proveitos, e são fundamento do recurso a métodos indirectos, cabendo na previsão das normas do art. 87.º b) e 88.º n.º 1 a) da LGT.
Por isso, improcede desde já e sem necessidade de mais considerações o invocado erro nos pressupostos de facto e de direito no recurso aos métodos indirectos de tributação. …”.

Como é sobejamente sabido, o nosso ordenamento jurídico consagra o princípio do sistema declarativo, como meio de apuramento do valor tributável, surgindo as outras vias da sua determinação, da iniciativa da AT, como meios subsidiários ou residuais.
De facto e como é bem de ver o sistema jurídico tinha, necessariamente de prever meios alternativos ao apuramento da matéria colectável dos impostos, no caso daquele princípio não operar por motivos imputáveis ao contribuinte. É que, se por um lado o sistema parte do princípio da boa fé dos contribuintes na revelação dos seus reais e efectivos rendimentos tributáveis, por outro, não pode ignorar que a simples existência de regras parte do pressuposto da possibilidade do seu incumprimento que, nessa medida, não pode deixar de se mostrar acautelada pelo legislador.
Por isso que o referido sistema do princípio da veracidade do declarado pelos distintos sujeitos passivos seja «temperado» velo verdadeiro dever de cooperação que, sobre eles, impende de prestarem todos os esclarecimentos e revelarem todos os elementos que, nos casos menos “transparentes”, desde logo por inusuais, permitam esclarecer e eventualmente confirmar, dentro do que lhes seja exigível, a aderência do declarado à realidade. Daí que, nos casos em que se mostre ilegitimamente violado aquele dever de cooperação, como será, v.g. e designadamente, o caso de não se não disponibilizar, sem justificação atendível, os elementos necessários ao controlo da sua situação tributária, por parte da AT, no exercício do poder vinculado que a esta está conferido por lei, se dê a automática legitimação desta entidade no recurso aos referidos meios alternativos disponibilizados por lei, desde que com observância dos restantes pressupostos, por esta, estipulados.
Ou seja e sinteticamente, o alcançar da tributação dos rendimentos reais auferidos, por via do aludido sistema declarativo pressupõe que os contribuintes disponibilizem à AT todos e quaisquer elementos que lhes sejam exigíveis e que se apresentem como indispensáveis ao correcto apuramento dos mesmos.
E, como se referiu, quando assim não suceda, isto é, quando ocorra a quebra daquele dever de colaboração, designadamente pela não apresentação daqueles referidos elementos, cujo ónus impende sobre o contribuinte como meio de assegurar a presunção de aderência á realidade do declarado, inviabilizando a concretização, por parte da AT, do dever estritamente vinculado a que esta, por seu turno, está obrigada pelo princípio da legalidade, do controle e apuramento do efectivo valor tributável, a AT ficará legitimada automaticamente a recorrer a meio alternativo de tributação, designadamente através de correcções técnicas, como sucedeu no caso vertente.
Isto tendo presente que nos movemos no âmbito tributário, em que, por um lado e por força de aí imperarem os princípios do inquisitório e, por consequência, o da oficialidade na investigação, tendo por desiderato último, a descoberta da verdade material é inexistente uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, por outro, tal não significa que neste contencioso, em particular, não exista um direito probatório que regulamente quem tem que provar o quê para que se alcance uma qualquer pretensão formulada. Daí que, porque a questão que se controverte não pode deixar de ser objecto de definição, se os factos relevantes se não provarem, seja por iniciativa das partes, seja por iniciativa do Tribunal, ela não possa deixar de ser decidida de forma que seja desfavorável àquele sobre quem impender, nos termos legais, o respectivo ónus probatório (1).
Assim, por princípio e sempre que a conduta da AT se consubstancie na prática de actos positivos e constitutivos do direito a que se arrogue com consequências negativas na esfera dos direitos dos contribuintes, é a ela que cabe a obrigação de demonstrar da factualidade relevante ou dito de outra forma é à AT que cabe fazer a “...prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...” (2).
Do que resulta que, tendo os elementos contabilísticos do contribuinte de se encontrar organizados segundo os sãos princípios da lei comercial e fiscal, quer do ponto de vista da forma, quer do ponto de vista substancial, casos em que gozam de uma presunção de veracidade, tal não implica, no entanto e “a contrario”, como já acima se referiu, - pela circunstância de tais elementos se encontrarem organizados correctamente do ponto de vista meramente formal -, a inibição da AT, no uso daqueles poderes de controlo, de se servir dos meios legais alternativos ao declarativo no apuramento da matéria colectável, já que o que importa é apurar, tanto quanto possível e ao que aqui releva, o rendimento tributável efectivo.
Tal, contudo não preclude o princípio de que o lançar mão de qualquer dos meios alternativos disponíveis, - correcções técnicas/avaliação indirecta -, e de um deles em detrimento do outro, não depende de um critério discricionário da AT, antes, qualquer deles constitui um seu poder vinculado, sendo que, ao que aqui nos importa considerar, a AT se encontra vinculada ao recurso às correcções técnicas, quando, apesar da violação dos deveres de cooperação do contribuinte, se encontre, sem embargo, em condições de apurar com efectividade os rendimentos a tributar e, ao invés, se e na medida em que tal apuramento se venha a revelar inviável, não pode, então, deixar de lançar mão da metodologia indirecta, o que vale por dizer que esta pressupõe uma situação que se mostre “Marcada por uma inultrapassável incerteza e exigindo uma cuidadosa fundamentação”, revelando-se como “uma última ratio fisci, ...” (3).
Importa, também, referir que a demonstração dos necessários pressupostos legais ao recurso a metodologia alternativa, designadamente a indiciária, cabe à AT (4) (5), sendo certo que, em caso de utilização de metodologia indirecta, ainda e apesar da opção do legislador em abdicar de um grau de certeza na tributação - inerente á maior subjectividade própria da mesma em que, só por circunstâncias meramente fortuitas, a quantificação apurada será aderente à realidade - ela não deixa, no entanto, de ter como baliza, o princípio, com assento constitucional, de que a sua utilização há-de permitir alcançar, na medida do possível, as circunstâncias de facto mais próximas da realidade, com susceptibilidade de apreciação, nomeadamente, jurisdicional (6).
E, quando se verifiquem – isto é, quando a AT demonstre a ocorrência - (d)os necessários e legais pressupostos para se lançar mão da avaliação indirecta, o eventual excesso da quantificação, por tal via, operada passa a impender sobre o contribuinte.
Contudo o que se vem de dizer não esgota o tema relativo aos princípios que regem o regime jurídico da avaliação indirecta, particularmente no que concerne ao ónus que vincula a AT.
Isto porque, em sede de avaliação indirecta, o ónus da AT não se consome na necessidade do elencar, e provar, das razões que lhe subjazem, enquanto conduta vinculada que lhe está imposta. Na realidade, o ónus que impende sobre a AF, em tais casos, para além do da demonstração dos necessários e legais pressupostos do recurso à avaliação indirecta, exige, ainda e também, que, simultânea e complementarmente, fundamente adequada e criteriosamente as circunstâncias em que faça suportar a matéria tributável que, no uso daqueles, vier a quantificar.
Na realidade e como já acima se teve oportunidade de referir, sendo embora, em tais casos, opção do legislador abdicar de um grau de certeza na tributação, por falta de colaboração do contribuinte, como única solução de evitar a evasão fiscal e de fazer repartir, na medida do possível, a carga fiscal entre todos os súbitos nacionais que revistam, casuisticamente, a qualidade de sujeitos passivos, não deixa, a actuação da AT, neste domínio, no entanto, de ter como baliza, o princípio de que a metodologia em causa há-de permitir alcançar, na medida do possível, a tributação daquele pelo seu lucro real/efectivo.
Assim, “... cabendo à AF o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiciários, é a ela que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável e indicar os critérios utilizados na sua determinação, fazendo assentar o volume da matéria colectável presumida em dados objectivos, racionais e fundamentados, aptos a inferir os factos tributários [...].
Na verdade, tendo a determinação da matéria tributável por métodos indiciários de ser feita por aproximação à realidade que se procura apurar, é necessário que se demonstre que teve por suporte elementos de facto possíveis e prováveis, extraídos de parâmetros gerais e comuns, adequados à situação. E, por isso, a AF tem de utilizar elementos de facto conhecidos que, segundo as regras da experiência, pautadas por critérios de razoabilidade e de normalidade e tendo em linha de conta as especificidades próprias da actividade do contribuinte, conduzam à extrapolação dos factos conhecidos ou à aproximação da realidade que se procura alcançar.
A AF tem, assim, de indicar e justificar os critérios que utiliza na determinação da matéria tributável por métodos indiciários, por forma a que o contribuinte deles fique ciente e apto a discutir a valorimetria aplicada, isto é, para que possa provar que os critérios utilizados são desadequados e/ou inadmissíveis para a sua actividade, que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada.” (7) (sublinhados da nossa responsabilidade), e que, acrescentamos agora, que permitam extrapolar uma adequada ponderação da decisão.
Só então passará a caber, ao contribuinte e como acima referido, demonstrar a falta de aderência à realidade da matéria colectável que veio a ser fixada, e sendo caso disso, a medida em que tal sucedeu, sob pena de a dúvida sobre tal matéria se ter de revelar desfavorável à sua pretensão, já que, como é axiomático a sua existência não será, então, mais do que o resultado de uma conduta violadora do princípio da colaboração, que lhe está imposto, com transparência e verdade e que, nessa medida, a tornam infundada.

No caso presente, é sabido que a decisão recorrida entendeu que se encontravam reunidos os pressupostos para o apuramento da matéria colectável com recurso a métodos indirectos, impondo-se apreciar se, em face do probatório fixado, a sua decisão, ao dar cobertura ao agir da AT, se mostra, ou não, certeira e conforme à lei.
Ora, adiantando, desde já, a nossa posição, crê-se que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.

Na verdade, não podemos deixar de notar que a decisão recorrida elegeu um conjunto de elementos que valorou e integrou em termos de afirmar a existência dos pressupostos para o recurso a métodos indirectos, sendo que a Recorrente apenas alude a um desses elementos, relacionado com a diferença entre as quantidades compradas de peixe e as vendidas, matéria em que a decisão recorrida aponta que “a Impugnante não demonstrou que, no ano de 2004, a diferença entre as quantidades vendidas e compradas era de 15.000,00 quilos (contra os 40.000,00 apurados pelos Serviços de Inspecção) e que tal estava relacionado com a compra do peixe em cabazes e com água ou com a sua aquisição com gelo (cfr. facto não provado B.).”.
Ora, como noutro momento já foi dito, a Recorrente não colocou em crise a factualidade vertida no probatório, o que significa que, nesta sede, a Recorrente continua a insistir numa alegação que não encontra apoio no probatório, de modo que, não tendo o mesmo sido posto em crise nos termos que a lei contempla, a posição da Recorrente é inviável neste domínio, na medida em que, nas condições descritas, é como se a decisão recorrida não tivesse sido questionada quanto a esta matéria.

Avançando, a Recorrente sustenta também que a quantificação é errónea porque o quadro no ponto 5.1 do Relat confrontado com a 1ª folha do anexo 8 é aplicada “omissão de vendas” o preço médio de venda conforme o anexo 8 (10 folha) e chegam aos valores de 128.291,96€ e 27.656,90€ para os anos de 2004 e 2005 respectivamente, sendo que são desconsiderados os custos, ou seja sempre teriam de admitir que os valores de venda “omitidas” também foram comprados e tiveram um custo, além de que os SIT não deveriam usar o preço médio venda mas sim a diferença entre os preços de compra e de venda, como melhor vem elencado no anexo 8, com a rubrica compra e venda/diferença de quantidades, diferença de preços, existindo uma violação clara do princípio do Inquisitório, sendo este principio justificado pela obrigação de prossecução do interesse público e imposta à actividade da administração tributária e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actividade, verificando-se que a falta de realização pela Administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação de elementos aos interessados probatórios necessários à instrução do procedimento, constitui vício deste, susceptível de provocar a anulação da decisão nele toma.

No que concerne à invocada errónea quantificação, é à recorrente que incumbia demonstrar, de forma inequívoca, ainda que, eventualmente, indiciária, o alegado excesso de quantificação, sendo que se impõe um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável, até porque estão em causa situações em que o respectivo apuramento se mostra inviabilizado pela falta de credibilidade, inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração da responsabilidade do sujeito passivo, de modo que, se esta é a causa primordial que determina a necessidade, conformada por lei, de a AT lançar mão dos métodos indirectos, também a mesma tem de servir para tolerar e justificar que na operância destes métodos ocorra alguma margem de discricionariedade no estabelecimento dos valores em que se há-de expressar a quantificação, não viabilizada com o apoio da contabilidade ou declaração do contribuinte. Isto é, a provável falibilidade, inverosimilhança, da quantificação é resultado da apontada inevitabilidade em accionar o método indirecto ou presuntivo, derradeira possibilidade de repor a legalidade e apurar uma determinante e insubstituível matéria tributável que, apenas por motivos, deficiências, imputáveis ao sujeito passivo, não pode estabelecer-se com recurso à via normal (directa) que é a contabilidade ou escrita comercial deste.
Nesta conformidade, conferida a ocorrência de discricionariedade, nomeadamente, de cunho técnico, na actuação de métodos indirectos de avaliação, torna-se muito provável que o valor, então, apurado seja “um valor probabilístico e não um valor absolutamente certo”. Contudo, tratando-se de uma inevitabilidade e de uma imposição legal, ainda que extrema e residual, o apelo aos métodos indirectos, necessariamente, a margem de discricionariedade, que assiste e comanda a respectiva actuação, é susceptível de controle judicial, o qual só pode decidir-se pelo afastamento dos resultados obtidos se, posta em causa a quantificação pelo impugnante, este, mediante a produção de provas adequadas e fortemente convincentes, conseguir demonstrar que o funcionamento daquele poder discricionário conduziu e traduziu-se na fixação de resultados, no apuramento de valores, objectiva e inquestionavelmente, fora dos limites da razoabilidade, da mais ampla e impressiva aceitabilidade.
Numa outra formulação, concentrada, a casuística escolha do método de avaliação indirecta da matéria tributável, sem concessões, é uma atribuição/competência, exclusiva, da AT, cujos serviços, actuando no estrito cumprimento da legalidade, têm de eleger e operar o que considerem mais adequado, apropriado, à quantificação necessária, recaindo sobre os tribunais a tarefa de verificação da sua correcta interpretação e aplicação, quando se regista o desacordo e a crítica do sujeito.
A partir daqui, não se vislumbra a virtualidade do exposto pela Recorrente no sentido de afectar o procedimento da AT que, na quantificação que fez, partiu dos elementos constantes da contabilidade da Impugnante, nomeadamente, da média dos preços indicados nas facturas de venda emitidas, ou seja, usou elementos da própria contabilidade da Impugnante, os quais aplicou às compras também registadas, sendo que em relação à invocada não consideração de custos, além de a Recorrente não demonstrar a sua existência, a verdade é que, tendo em conta o método utilizado pela AT (apurou as quantidades cujas vendas tinham sido omitidas e, com base no preço médio de venda, apurou as vendas em falta), se se tivessem presumido custos (compras omitidas), ter-se-iam apurado mais vendas omitidas, o que certamente não contribuiria para uma posição mais confortável por parte da Recorrente.
Deste modo, reputa-se de pertinente o exposto na sentença recorrida quando refere que “Assim, como a alegação da Impugnante é apenas uma alegação de direito, abstracta, sendo que não concretiza de que forma a AT deveria ter presumido custos, ou que custos teve para além dos que estavam contabilizados e que não foram tidos em conta; sendo, ainda para mais, que esta questão se põe no âmbito do eventual excesso na quantificação, cabendo ao contribuinte a sua demonstração (art. 74.º n.º 3 da LGT) – o que não fez – e ainda, tendo em conta o critério de quantificação operado, improcede tal alegação.”.
Nesta sequência, estando definitivamente decidido que, no caso, a AF demonstrou a ocorrência dos necessários pressupostos legais à utilização de métodos indirectos, por um lado e, por outro, apresentando-se adequadamente fundamentados, como adequados e pertinentes, os critérios de que a AT se serviu na tarefa de quantificação, era à impugnante que se impunha demonstrar que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas fundamentadas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade, demonstração essa que, como temos por manifesto e na linha do acima referido, não logrou fazer, sem olvidar que, mesmo a subsistir qualquer dúvida, o que se postula por comodidade de raciocínio, ela sempre teria de desfavorecer a recorrente.

A Recorrente questiona ainda que a senhora juiz titular dos presentes autos recebida a impugnação e inquiridas as testemunhas julgou a mesma improcedente e acaba fazendo uma adesão prática e generalizada ao Relatório inspectivo, não colhendo a argumentação de impugnante e com o respeito, inquestionavelmente que nos merece o senhor juiz, não nos parece que tenha andado bem, por falta de sensibilidade, ao não conhecer a violação do principio da proporcionalidade e da adequação á luz das razões da experiencia comum, sendo que o senhor juiz pelo princípio do inquisitório, pelo princípio do aperfeiçoamento poderia ainda ter ordenado a ampliação da matéria de facto, pois que o valor de impostos e juros liquidados á impugnante, é desmesurado e para a determinação da matéria colectável por métodos indirectos, deveriam ter fundamentado com uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte nos termos do artigo 90°//1/i da LGT e de harmonia ainda, com o disposto no artigo 85°/d do mesmo diploma, verificarem da existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais sejam patenteados uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada para a impossibilidade da determinação directa e exacta da matéria colectável.

Diga-se ainda que o principio do inquisitório encontra-se enunciado no art. 6º do RCPITA e no art. 58º da LGT onde se estabelece que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido e deve assim actuar, independentemente dos factos a averiguar serem contrários aos interesses patrimoniais que à AT cabe defender.
Pois bem, em relação ao princípio do inquisitório, a questão colocada pela Recorrente nem sequer tem sentido útil, porquanto, o que está em causa é o trabalho da AT, ou seja, a eventual omissão por parte da AT desta ou daquela diligência poderá ter reflexo na avaliação daquele trabalho, comprometendo de forma mais ou menos irremediável a posição da AT, situação que não se verifica no caso presente em função da avaliação já feita do tal trabalho, sendo também clara a inexistência de fundamento para a invocada violação do princípio do inquisitório, até porque, em rigor, a Recorrente também não refere, em concreto, em que termos foi violado o tal princípio, apontando os elementos susceptíveis de permitir a este Tribunal uma outra percepção da realidade em apreço, o mesmo sucedendo em relação à referência à violação do princípio da proporcionalidade e da adequação.
No que concerne à actividade do Tribunal, se é certo que o princípio do inquisitório ou da investigação constitui um dos princípios estruturantes do processo tributário, e que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material, este princípio não desonera, todavia, as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicar eventuais elementos de prova de que disponha ou que entenda mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos.
Ora, aquilo que se depreende da alegação da Recorrente é uma divergência quanto ao decidido em 1.ª instância, nomeadamente ao nível do julgamento de facto, realidade que deverá ser demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, exigindo-se, contudo e para tanto, que tais elementos de prova sejam inequívocos quanto ao sentido pretendido por quem recorre, ou seja, neste domínio, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que a Recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (nem sequer se compreende a alusão ao facto de a Recorrente ter sido inibida de instruir os autos com a sua prova testemunha, a não ser que a Recorrente esteja a referir-se à forma como tal prova testemunhal foi valorada, o que deveria ter merecido outra postura processual da sua parte no sentido de habilitar o Tribunal ad quem a tomar posição quanto a essa matéria).
Ora, percorrendo as alegações apresentadas pela Recorrente, é manifesto, mesmo deixando de lado a questão de tal matéria ter expressão em sede de conclusões, que a Recorrente não cumpriu o exposto no que concerne à situação relacionada com as diferenças entre as quantidades de quilos comprados e a diferença de quilos vendidos, nem sobre qualquer outra matéria com interesse para as várias questões em discussão nos autos, o que significa que em função do probatório, nada existe que possa suportar a tese da Recorrente.
Aliás, como já ficou enunciado em relação ao essencial das questões apontadas nos autos, quando se analisam as alegações e as conclusões do presente recurso, fica a impressão de que a Recorrente se preocupou mais em atacar os pressupostos das liquidações de IVA impugnadas, quando o decisivo era atacar os pressupostos da sentença e, em particular, não concordando com a decisão relativa à matéria de facto, por indevida valoração da prova, impugná-la eficazmente, isto é, como ficou dito, com observância do ónus imposto no art. 640º do C. Proc. Civil, sendo sintomático neste domínio a alusão aos arts. 88º al. d) e 90nº 1 al. i) da LGT que respeitam a matéria que não tem qualquer interesse para os autos, porquanto, não foi com base naquelas normas que a AT determinou a aplicação de métodos indirectos, parecendo que a Recorrente reclama que tal apenas poderia emergir porventura das normas por ela citadas, o que significa que, mais uma vez, a Recorrente afasta-se da realidade efectivamente a ponderar e entrega-se a uma alegação inconsequente, na medida em que desprovida de qualquer sentido e suporte com referência à matéria efectivamente descrita nos autos, a sua análise está condenada ao insucesso.

Para ilustrar o que fica exposto, temos que a Recorrente termina a sua alegação apontando para a existência de abuso de direito, na medida em que, noutras visitas inspectivas consideraram-se custos devidamente documentados o procedimento referido no artigo 11° deste articulado e agora ser desconsiderado nesta visita inspectiva, violando o princípio da protecção da confiança.
Mais uma vez, deparamos com uma alegação genérica, vaga, em que não se refere que visitas foram essas, os exercícios a que respeitam tais inspecções no sentido de permitir ao Tribunal sequer ponderar esta situação, pois que, como se disse, a Recorrente não pode limitar-se a preencher as suas alegações com a alusão a várias situações, que não concretiza, como é o caso, situação que não permite ao Tribunal quaisquer condições para conferir qualquer virtualidade ao exposto pela Recorrente quanto à matéria agora em equação.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que sancionou a correcção em sede de IVA no que diz respeito à relação com o fornecedor C... - Comercio de Produtos Alimentares Lda., julgando a presente impugnação judicial procedente nessa parte, com a consequente anulação da liquidação impugnada nesse domínio, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente e Recorrida (quanto a esta apenas em 1ª Instância) na proporção do decaimento.
Notifique-se. D.N..
Porto, 11 de Outubro de 2017
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova

(1) Neste sentido, entre muitos outros e a título meramente exemplificativo, veja-se o Ac. do TCA Sul de 99.12.14, Rec. Nº. 2.467/99.
(2) Cfr. Ac. do TCA Sul, de 02.06.04, tirado no Rec. 3.279/00.
(3) Cfr. JLSaldanha Sanches em “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 302/303.
(4) Uma vez que nos termos das regras do ónus da prova em sede de direito administrativo tributário, -onde, há luz dos vigentes princípios de descoberta da verdade material e, da consequente, oficiosidade de investigação e indagação das provas, não há uma particular incumbência de provar, por parte de quem quer que seja, sem embargo de, pela impossibilidade de manutenção de um “non liquet”, a ausência de prova de factos relevantes não possa deixar de desfavorecer quem com ela estava onerado-, é à AT que cabe a obrigação “... da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) ...” pertencendo, por contrapartida, “...ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos ...”.
(5) Cfr. Ac. do TCA Sul 02.06.18, Rec. Nº. 6.388/02.
(6) Cfr. Prof. Saldanha Sanches in “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 305.
(7) Cfr. Ac. do TCA Sul de 02.06.18, Rec. nº. 6.388/02.