Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01848/18.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:APRESENTAÇÃO DE ARTICULADOS PELO SITAF; ARTIGO 19º DO ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS; ARTIGO 11º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; (PORTARIA N.º 642/2004; PORTARIA N.º 114/2008; PORTARIA 1538/2008; PORTARIA 380/2017);
A INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA; N.º 3 DO ARTIGO 574.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (DE 2013); NULIDADE PROCESSUAL; OMISSÃO DE ACTO IMPOSTO POR LEI; REQUERIMENTO DE PROVA; IRRELEVÂNCIA DA NULIDADE; ARTIGOS 195º, 201º, 410º, 411º E 615º, N.º1,ALÍNEA D), AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA DA NORMA INSCRITA NO ARTIGO 95.º, N.º 2, DO DECRETO-LEI N.º 555/99, DE 16.10, REDACÇÃO DADA AO N.º 3 DESTE ARTIGO 95º PELO DECRETO-LEI N.º 214-G/2015, DE 02.10; A INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO N.º 3 DO ARTIGO 95º DECRETO-LEI N.º 555/99, DE 16.10; MANDATO JUDICIAL PARA ENTRADA NO DOMICÍLIO; PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Sumário:
1. A apresentação de articulados pela plataforma eletrónica não é obrigatória para quem não tem a obrigação de estar representado em juízo por advogado, como é o caso, por exemplo, dos magistrados no exercício do patrocínio em causa própria – artigo 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - ou de entes públicos a quem a lei concede a faculdade de se fazerem representar por licenciado em direito, em alternativa ao advogado – artigo 11º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos -, sob pena de o contrário se traduzir numa interpretação ilegal das Portarias que vieram regulamentar a apresentação de peças processuais pela plataforma eletrónica SITAF (Portaria n.º 642/2004; Portaria n.º 114/2008; Portaria 1538/2008; Portaria 380/2017) por esvaziarem de conteúdo direitos consagrados na Lei, em sentido formal.
2. Não se justifica a produção de prova testemunhal ou qualquer outra como a pericial ou por depoimento em processo cautelar se os factos relevantes podem ser cabalmente provados por documentos.
3 – A omissão de um acto imposto por lei, a prática de um despacho fundamentado sobre o requerimento de produção de prova, traduz uma nulidade processual quem no entanto, se degrada em não essencial se a decisão que se impunha no caso concreto era a de indeferimento do requerimento de prova não documental - artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigos 195º, 201º, 410º, 411º e 615º, n.º1,alínea d), ambos do Código de Processo Civil.
4. Se o requerente invoca que os requeridos são donos de um determinado imóvel e estes não enjeitam essa qualidade, deverá tal facto dar-se como provado, face ao disposto no n.º 3 do artigo 574.º do Código de Processo Civil (de 2013),
5. O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 195/2016, de 23.05, julgou inconstitucional a norma inscrita no artigo 95.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.10, e com a redacção dada ao n.º 3 deste artigo 95º pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, permaneceu a inconstitucionalidade orgânica declarada neste acórdão.
6. Isto porque a norma do n.º2 é uma norma de direito material, sobre a necessidade de um prévio mandado judicial para “a entrada no domicílio de qualquer pessoa”. E dispensa o consentimento do visado; já a norma constante do n.º 3 é de direito adjectivo, define o tribunal competente para a emissão o mandado e os termos que segue o pedido, o do procedimento cautelar comum; são, portanto, normas completamente distintas, não podendo a norma legislativa que alterou uma significar que se colmatou a falta de autorização legislativa para a outra.
7. O mandado judicial previsto no artigo 95º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação deve traduzir um escrutínio de mérito sobre a decisão administrativa tomada, não se assemelhando, apenas, à aposição de um visto formal, mediante o qual o juiz controla a compatibilidade da decisão administrativa com alguns parâmetros jurídicos que permitem afirmar o cumprimento de prescrições e exigências de ordem pública; os tribunais não são meros notários privativos das câmaras municipais; menos ainda quando estão em causa direitos com tutela constitucional como é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio, consagrado no artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, ou o direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26º da Constituição.
8. Interpretação diversa, como a que defende que este mandado judicial não passa de mero “visto formal”, sufragada na decisão recorrida, é inconstitucional por violação do disposto nestes preceitos constitucionais.
9. Só justifica a preterição do direito à inviolabilidade do domicílio ou o direito à reserva da intimidade da vida privada, com protecção constitucional, um qualquer interesse público relevante, como seja a defesa da segurança e saúde pública quando, por exemplo, um prédio dá sinais de estar a ruir ou quando esteja em causa o património cultural, o que não se verifica quando apenas se invoca, de forma abstracta, a necessidade de averiguar o cumprimento da legalidade no interior do edifício. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:FCSBM
Recorrido 1:Presidente da Câmara Municipal P….
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença
Indeferir a providência requerida
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

FCSBM e DMCP vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 24.10.2018, pela qual foi concedido “provimento ao requerido” pelo Presidente da Câmara Municipal P…, e, assim, determinada “a emissão de mandado judicial, por forma a permitir o acesso dos serviços do Município ao prédio sito na Rua do M..., nº 189, 4150-514 Porto, propriedade dos aqui Requeridos”, os ora Recorrentes.
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Invocaram para tanto, e em síntese, que: a petição inicial não foi apresentada pelo SITAF o que implica a nulidade de todo o processado; verifica-se também a nulidade resultante da falta de despacho sobre a prova requerida e da sentença por omissão de pronúncia; verifica-se erro no julgamento da matéria de facto; quanto ao enquadramento jurídico, a sentença errou porque, ao contrário do decidido, se devia desaplicar o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, por inconstitucionalidade orgânica e material, face ao disposto nos artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa; a decisão recorrida faz a afirmação genérica e abstracta da verificação dos parâmetros jurídicos para a emissão do mandado judicial em apreço mas não esclarece em concreto quais são e, no caso, ao contrário do decidido, não se verifica a necessidade nem a legalidade do mandado; finalmente, invocam a inexistência de despacho do Requerente no procedimento administrativo a ordenar a realização da diligência nem os Requerentes foram notificados, ao menos de forma clara, sobre a diligência a realizar e, por isso, não deram nem deixaram de dar o seu consentimento para tal.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
1. O presente recurso vem interposto da sentença de fls… (incluindo o despacho que a integra e anterior ao relatório que apreciou e julgou improcedente a nulidade) que concedeu provimento ao requerido determinando a emissão de mandado judicial por forma a permitir o acesso dos serviços do Município ao imóvel propriedade e habitação dos Recorrentes, e entendem os Recorrentes que a sentença (e o dito despacho) incorreu em erro de julgamento e em violação da Lei e da Constituição e mais se suscita a nulidade da sentença ao abrigo dos artigos 195º e 615º do Código de Processo Civil.
2. Actualmente, o legislador, obriga as partes a enviarem as suas peças processuais por via do SITAF, podendo, excepcionalmente e de forma fundamentada ocorrer qualquer circunstância que justifique o impedimento do envio por essa forma.
3. O Recorrido, está representado por mandatário e solicitador, mas não deu entrada do requerimento inicial por transmissão electrónica de dados, através do SITAF, nem invocou qualquer justo impedimento.
4. A seguir-se o entendimento da decisão recorrida, equivale a dizer que estamos perante uma Portaria que não vincula e cujo não cumprimento da mesma não tem qualquer consequência de ordem prática, o que, não só é contrário ao fim da referida Portaria como é contrário à lei.
5. Do disposto no artigo 28º, nº 2 e nºs 3 e 4 do artigo 5º da citada Portaria, desde 15.06.2018 consta que com a apresentação da peça processual é obrigatória assinatura digital no sistema informático de suporte à atividade dos tribunais administrativos e fiscais, através de certificado de assinatura eletrónica que garanta de forma permanente a qualidade profissional do signatário, podendo ser utilizado para o efeito o Sistema de Certificação de Atributos Profissionais associado ao Cartão do Cidadão e à Chave Móvel Digital ( o que no caso não sucedeu).
6. A prática do acto via e-mail e sem assinatura digital não é legalmente válida, como resulta da conjugação das seguintes disposições: artigo 144º, nºs 1, 7 e 8 e 132º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 24º, nºs 1 e 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Portaria 380/2017, de 19.12 (artigos 2º e 3º).
7. A petição inicial do Recorrido tem assim que ser rejeitada e anulado todo o processado, sendo tal acto gerador de nulidade, tudo com as legais consequências e o Tribunal “a quo” na sentença recorrida, não apreciou correctamente a questão e decidiu incorrendo em erro de julgamento e violação da lei.
8. Os Recorrentes, na sua Oposição de fls. indicaram e requereram:
- Depoimento de parte;
- Declarações de parte;
- Prova por inspecção judicial;
- Prova testemunhal.
9. O Mmº Juiz “a quo” nada decidiu quando à admissibilidade, não admissibilidade, produção ou não produção de prova mas, tem que decidir e de forma fundamentada, pelo que, incorreu em omissão de um acto e formalidade que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, o que, viola o artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 410º e 411º do Código de Processo Civil e gera nulidade do despacho e da sentença recorrida, que expressamente se invoca nos termos do artigo 195º e 615º, n.º1,alínea d), ambos do Código de Processo Civil.
10. Nulidade que está directamente relacionada com o dever que incumbe ao juiz, imposto pelo artigo 608º do Código de Processo Civil, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo que a violação dessa obrigação, como se constatou, acarreta a nulidade do despacho e sentença por omissão de pronúncia (vide, entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 16.10-.014; processo n.º 07807/14).
11. Os documentos particulares, incluindo, aqueles que constam do processo administrativo, foram impugnados (cfr. artigos 99º e 100º da oposição de fls.) não têm força probatória plena e a prova testemunhal pode dar uma percepção diferente do teor de um determinado documento ou, essa prova testemunhal até pode provar o contrário do que consta nesse documento.
12. A prova requerida pelos Recorrentes visa a prova dos factos constantes, nomeadamente, dos artigos 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 64º, 69º, 70º, 71º, 72º, 74º, 75º, 78º, 79º, 80º, 81º, 84º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º a 98º da Oposição de fls., os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integral nem correctamente reflectida nos documentos juntos aos autos e ao processo instrutor, para além de que até contradizem elementos / informações documentais.
13. A prova requerida é importante na medida em que com essa prova o Tribunal, não só melhor compreenderia o sucedido como essa prova seria capaz de inverter o sentido incompleto e errado que o Mmº Juiz “a quo” retirou da análise acrítica dos documentos.
14. E, face à insuficiente fundamentação da sentença recorrida não pode concluir-se pela clara desnecessidade da prova requerida, na medida em que se ignora se a matéria de facto sobre a qual se requereu prova testemunhal está efetivamente provada por documentos e/ ou se a mesma é claramente desnecessária para a apreciação das questões colocadas na acção.
15. O tribunal a quo não fez correcta aplicação da lei porquanto atendendo às questões em causa e aos factos invocados pelos Recorrentes, as diligências de prova requeridas, revelam-se indispensáveis para a correcta decisão do pleito e para a garantia do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.
16. Decorre do artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e dos artigos 410º e 411º do Código de Processo Civil, que a recusa da produção de prova pelo juiz só pode ocorrer quando seja manifestamente impertinente ou dilatória, o que não é o caso, nem foi fundamentado. O Tribunal Recorrido só poderia negar à Recorrente a possibilidade de produzir prova nos termos gerais de direito previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na lei civil e processual civil se tivesse previamente entendido e decidido que as tais questões e tal matéria de facto (acima elencada e exemplificada) são irrelevantes para a solução jurídica do processo, o que não aconteceu, e, por outro lado, não são irrelevantes para a solução, nem são impertinentes, nem dilatórias.
17. No nosso ordenamento processual, é manifesta a predominância do princípio dispositivo na fase da proposição ou colheita das provas, na medida em que as partes são mais idóneas, mais sensíveis e têm o conhecimento directo necessário para a indagação dos factos e recolha das provas respectivas. O direito à prova surge no nosso ordenamento jurídico processual constitucional como uma motivação natural, por um lado, da garantia da acção e da defesa e, por outro, como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional e que se materializam, no domínio jurisdicional, pela garantia de, por via da acção e da defesa as partes terem o direito de, querendo, utilizarem os direitos de prova que a lei coloca à sua disposição.
18. O sucedido nos autos com uma total ausência de decisão quanto à prova para além de contrário ao artigo 118° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, constitui uma violação profunda do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
19. Foram dados por assente factos sem que exista prova produzida que assim o permita (é o caso dos pontos 3, 6, 11 da matéria de facto provada), tal como há factos controvertidos que carecem de prova, 20. Assim, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova, procedendo-se à selecção da matéria de facto, temas da prova e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 2º, 7º, 7º-A, 8º, 87º, nº 1, 118º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e 410º, 411º, 412º, 413º, 414º, 445º, 607º do Código de Processo Civil, sendo que, o referido despacho é ainda nulo atento o artigo 615º, nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil, com as legais consequências.
21. A subsistência de matéria de facto controvertida carecida de prova e a não admissão da realização dos actos instrutórios requeridos traduz-se numa violação ao princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas também, no plano internacional, na Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, vulgo Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no Tratado da União Europeia, na Carta Direitos dos Direitos Fundamentais da União Europeia e reconhecido pela jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia.
22. A previsão da tutela jurisdicional efectiva e de um processo equitativo impõe que as partes possam ter a possibilidade de realizar todas as diligências instrutórias que considerem necessário para provar os factos que alegam e que considerem fundamentais para o apuramento da verdade material e convenientes para a obtenção de uma pronúncia de mérito sobre o pedido (e a causa de pedir) requerido. A inobservância deste princípio importa para a Recorrente a desconsideração e violação de um dos direitos mais elementares de um Estado de Direito.
23. No mesmo sentido, estabelece o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 6º, nº 1, ou seja, qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, de forma equitativa, expressão que impõe que todos os ordenamentos jurídicos facultem aos particulares expedientes processuais que lhe permitam demonstrar a veracidade dos factos por si alegados e a bondade das pretensões por si invocadas.
24. Em concretização destes preceitos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já afirmou, em múltiplos acórdãos, que, por força do direito fundamental dos particulares a um processo equitativo, “… o tribunal tem a obrigação de proceder a um exame efectivo dos meios, argumentos e elementos de prova oferecidas pelas partes”, não sendo admissível que desconsidere liminarmente, por entender desnecessária, in casu, a prova testemunhal, ainda antes de a mesma se realizar, privando a parte de recorrer a todas as armas que tem à sua disposição e violando, também, a própria estrutura do processo administrativo enquanto processo de partes e onde vigora o princípio do dispositivo (cfr. Acórdão do TEDH, Kraska, de 19 de Abril de 1993, A 254B, pág. 49, § 30; Decisão de 20 de Maio de 1996, Queixa nº 24.667/94, Déc. Rap. 85-A, pág. 103; e IRINEU CABRAL BARRETO, ob. cit., pág. 165).
25. Sendo que, por força do artigo 6º nº 3 do Tratado da União Europeia, “Do direito da União fazem parte, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros”, daí que os Estados-Membros estão sujeitos a um princípio de lealdade ao Direito da União Europeia, devendo assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados (cfr. artigo 4º nº 3 do TUE).
26. Também o artigo 47º, parágrafo segundo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cujo valor jurídico vinculativo é reconhecido no artigo 6º nº 1 do TUE e cujo respeito pelos Estados-Membros, nomeadamente no exercício da função jurisdicional do Estado resulta do nº 1 do artigo 51º e, bem assim, da jurisprudência do TJUE (cfr. acórdão de 13 de Julho de 1989, processo 5/88, Wachauf, Colect. 1989, p. 2609; acórdão de 18.06.1991, ERT, Colect. 1991, p. I-2925; acórdão de 18.12.1997, processo C-309/96, Annibaldi, Colect. 1997, p. I-7493), estabelece que “Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa…”, sendo que, como resulta do supra exposto, o direito a um processo equitativo é um corolário do princípio da tutela jurisdicional efectiva, daí que a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a afirmar, desde a década de 60, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, no seu sentido mais amplo. (vide entra outros, caso Johnston, onde o Tribunal de Justiça qualifica explicitamente o princípio da tutela jurisdicional efectiva como um direito fundamental que se baseia nas tradições constitucionais dos Estados Membros e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e os acórdãos, Heylens, Bozetti, Comissão c. Grécia e Hansen e SPA Salgoil, Rewe Zentrale, o caso Comet e o Acórdão Traghetti del Mediterraneo).
27. E, se dúvidas houver relativamente à interpretação a dar ao artigo 6º do Tratado da União Europeia e ao artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, caberá ao Tribunal ordenar, ao abrigo do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, questionando-o se aqueles artigos deverão ser interpretados no sentido de não admitir, sob pena de violação do direito fundamental a um processo equitativo, que os órgãos jurisdicionais não decidam e/ou não permitam, em sede de instrução, que as partes ofereçam e realizem a prova requerida. E, ainda, por outro lado, qual a interpretação daqueles mesmos artigos no caso de o Tribunal nem sequer dispensar a fase de produção de prova quando há factos controvertidos e ainda quando os factos a provar sejam essenciais e/ou indispensáveis ao apuramento de factos alegados pelas partes e que ainda não se considerem provados pela prova realizada até essa fase processual.
28. O ilustre Juiz “a quo” não proferiu qualquer despacho a indeferir a prova testemunhal que lhe fora requerida, quando o deveria ter feito e, se nem sequer existe um despacho, os Recorrentes nunca dele poderiam ter interposto recurso e, por esta razão, a falta cometida pelo louvável Juiz “a quo” condicionou, restringiu, dir-se-á, impediu os Recorrentes de exercer um direito que a lei processual administrativa lhes reconhece, e só com essa produção de prova é que o Tribunal “a quo” poderia ter apreciado correctamente a matéria dos autos.
29. A falta ou insuficiente e deficitária fundamentação de um despacho que indefira ou que se pronuncie pela inadmissibilidade da prova testemunhal requerida, é sancionada com nulidade e é precisamente neste sentido que se tem orientado a jurisprudência administrativa, sendo que, a título meramente ilustrativo, se podem apontar, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 10-07-2002 (Processo n.º 025998) e do Tribunal Central Administrativo do Norte de 28/06/2012 (Processo n.º 02517/11.2BEPRT), aliás, o preceituado pelo artigo 195º do Código de Processo Civil traduz-se na circunstância de que a prática de um acto que a lei não admite ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreve, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
30. Na sentença recorrida é dito que “A convicção do Tribunal baseou-se no acordo das partes, onde o mesmo foi possível e nos documentos juntos aos autos, mormente o processo administrativo apenso.”, mas percorrida a matéria de facto dada por assente (factos 1 a 12) em nenhum desses factos houve acordo das partes
31. O Tribunal “a quo” jamais poderia ter dado como provados os factos 1 a 12.
32. O facto assente sob o nº 1 apenas assenta do documento de págs. 1 e 2 do processo administrativo, ora, esse documento (fls. 1 e 2 do processo administrativo) apenas permitia ao Tribunal “a quo” dar como provado o teor que do mesmo consta e que o mesmo foi registado sob o nº 147843/18/CMP e é datado de 2 de Maio de 2018, quanto ao demais “…BZ Unipessoal, L.da na qualidade de proprietária do imóvel sito na rua do M... nºs 169 a 181 e relativamente ao imóvel sito na mesma rua com entrada pelo nº 189…” não se pode dar essa parte como provada com base nesse documento, até porque, nos pontos 74. a 75. da Oposição de fls. os aqui Recorrentes referem que esse requerimento está subscrito por alguém que não é legal representante nem gerente da dita BZ, como resulta do doc. 11 junto com a Oposição de fls…
33. Assim, o facto 1 dado por assente tem que ser alterado, retirando-se do mesmo a seguinte matéria “…BZ Unipessoal, L. da na qualidade de proprietária do imóvel sito na rua do M... nºs 169 a 181 e relativamente ao imóvel sito na mesma rua com entrada pelo nº 189…”
34. Na sentença foi dado como assente (facto 3) que “…foi levado a cabo tal notificação…” com base apenas em págs. 9 e 10 do processo administrativo, mas, no ponto 85 da Oposição de fls. o Recorrente impugna e diz que nunca foi notificada, o documento de fls. 9 e 10 foi impugnado pelos Recorrentes na Oposição e fls. (artigo 99º), para além de que do processo administrativo não consta qualquer documento comprovativo de que a Recorrente D… tenha sido notificada do que quer que seja e no ponto 86 da Oposição de fls. o Recorrente F… refere que apenas foi notificado no dia 02 de Julho de 2018 como também resulta de fls. 20 e 21 do processo administrativo.
35. Daí que, o facto 3 da matéria de facto assente tem de ser alterado e passando a constar que a Recorrente D… não foi notificada nem recebeu os ofícios I/170895/18/CMP e I/170922/18CMP e o mesmo sucedendo com o Recorrente F….
36. Os Recorrentes no ponto 99 da Oposição de fls. impugnaram o documento de fls. 13, 14 e 15 do processo administrativo e, uma vez que não foi produzida qualquer outra prova, o Mmº Juiz “a quo” na sentença recorrida não podia dar como provada a matéria dos pontos 4, 5 e 6 dos factos assentes. Daqui resulta que não se pode dar como assente a matéria que consta dos pontos 4, 5 e 6 dos factos assentes da sentença recorrida, pelo que, e na sequência do que acima se disse quanto ao facto 3, o facto 4, 5 e 6 tem de ser alterado e dar-se como não provado.
37. Nos pontos 7, 8, 9, e 10 dos factos assentes o Mmº Juiz “a quo” refere sempre de forma vaga e genérica ao proprietário, mas em momento algum foi dado como assente quem é ou são os proprietários, nem foi feita prova no sentido que permita ao Tribunal dizer que o proprietário (sem concretizar quem é) foi notificado do que quer que seja (cfr. ponto 85 e 86 da Oposição de fls.)
38. Ora, em face da posição processual assumida pela Recorrente D… e perante a inexistência de qualquer facto / prova de que a mesma foi notificada, deve constar da matéria de facto assente que a Recorrente D… nunca foi notificada pelo Recorrido para a necessidade de entrarem na casa onde a Recorrente vive. E, o teor dos factos assentes em 7, 8, 9 e 10 tem de ser alterado porquanto não diz quem é o proprietário a que aí se alude, nem há prova de quem é esse proprietário.
39. A matéria que consta do facto 11 não está sustentada em documento, nem em qualquer outra prova, para além de que, os Recorrentes jamais aceitaram esse facto como verdadeiro, antes pelo contrário, o mesmo foi impugnado, logo, a matéria que consta do ponto 11 dos factos assentes tem que ser dada como não assente ou controvertida.
40. Quanto ao facto assente sob o número 12 e atento o supra exposto, tem de ser retirada a expressão “Nessa sequência, foi então…” mantendo-se a parte remanescente do facto provado e dado por assente.
41. Há matéria controvertida que deve ser levada aos temas da prova (artigos 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 64º, 69º, 70º, 71º, 72º, 74º, 75º, 78º, 79º, 80º, 81º, 84º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º a 98º da Oposição de fls.), a saber: - motivos da participação / queixa - motivos da actuação do Recorrido e o que pretende com o mandado judicial - notificações do Recorrido à Recorrente D… - notificações do Recorrido ao Recorrente F… - propriedade, uso e habitação do(s) imóvel(eis) sito(s) na rua do M..., nº 169, 181, 189, Porto - informação que o Recorrido efectivamente deu à Recorrente D…, quando, como e qual o âmbito - informação que o Recorrido efectivamente deu ao Recorrente F…, quando, como e qual o âmbito - quais as obras naquele imóvel e que carecem do mandado judicial - disponibilidade ou não dos Recorrentes para a fiscalização pelos serviços do Recorrido - o que é que o Recorrido pretende fiscalizar e onde pretende entrar com mandado judicial
42. Pelo que deve a sentença recorrida ser alterada quanto à matéria de facto, nos termos e pelos motivos supra expostos e com as legais consequências.
43. Na sentença recorrida o Mmº Juiz “a quo” diz que “Tal como é apontado pelos Requeridos, não se ignora que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 195/2016, de 23.05, havia julgado inconstitucional a norma extraída do artigo 95º, nº 2 … somos pois do entendimento de que, com a publicação do DL 214-G/2015, de 02.10, deixa de subsistir o grande óbice à aplicação do nº 3 do artigo 95º ...”.
44. Ora, uma coisa é o nº 2 do artigo 95º e outra coisa é o nº 3 do artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
45. O Mmº Juiz “a quo”, não chegou verdadeiramente a apreciar as questões suscitadas, pois aquilo que invoca para afirmar a constitucionalidade apenas diz respeito ao nº 3 do artigo 95º e não se aplica ao nº 2 do artigo 95º.
46. O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 195/2016, publicado em Diário da República nº 99/2016 de 23 de Maio, julgou inconstitucional, por violação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída do artigo 95º, nº 2 do D.L. 555/99, de 16.10 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), a qual permitia a realização de inspecções ao domicílio de qualquer pessoa, sem o seu consentimento, nos termos e para os efeitos do referidos diploma, ainda que sem a dispensa de prévio mandado judicial, e, nada do que o Mmº Juiz “a quo” invocou se aplica ou dá sem efeito e validade à inconstitucionalidade do nº2 do artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
47. O Tribunal “a quo” errou nessa apreciação e devia ter recusado a providência requerida pela recusa de aplicação do nº 2 do artigo 95º do DL 555/99, de 16.12 (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), por inconstitucionalidade orgânica, como aliás, já foi julgado pelo Tribunal Constitucional no citado Acórdão, o qual se mantém aplicável.
48. O artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, consagra o direito à inviolabilidade do domicílio e, por sua vez, o artigo 26º da Constituição protege a reserva da intimidade da vida privada.
49. O artigo 95º, nºs 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação interpretado no sentido de permitir que funcionários municipais entrem no domicílio dos Recorrentes, sem o consentimento dos Recorrentes, prevendo a emissão de mandado judicial para o efeito, limitam e afectam o direito constitucional dos Recorrentes e de qualquer pessoa à inviolabilidade do domicílio e à reserva da intimidade da vida privada (artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa).
50. Sendo matéria de direitos, liberdades e garantias (restrições ao direito à inviolabilidade do domicilio) é a mesma reserva de competência legislativa parlamentar (artigo 165º, nº 1, b) da Lei Fundamental), pelo que, o Governo necessitava de obter autorização da Assembleia da República, para legislar sobre esta matéria, e, o certo é que não obteve.
51. Na verdade, a autorização legislativa em que se estriba a sentença recorrida não autorizou o Governo a legislar sobre a matéria constante do artigo 95º, nº 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, o que gera a sua inconstitucionalidade orgânica.
52. Também se verifica a inconstitucionalidade uma vez que, há uma manifesta e insuficiente densificação das condições em que pode ser autorizada a entrada no domicílio das pessoas, sem o seu consentimento (artigo 34º (e 26º) da Constituição da República Portuguesa).
53. A forma aberta, vaga e genérica do artigo 95º, nºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, abre a porta a utilizações abusivas por parte das entidades públicas, o que pode degenerar em autênticas buscas e invasões de domicilio por tudo e por nada, à semelhança do que sucede em regimes totalitários e do que sucede no caso dos autos – importa a este propósito frisar que, o caso dos autos, parte de uma queixa vaga e genérica de um vizinho (cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo) que confessa ter conflito com os Recorrentes, e o Recorrido, sem mais indagações, sem sequer averiguar o que quer que seja, avançou logo para entrar no domicilio dos Recorrentes e sem concretizar o que pretende ver e/ou fiscalizar, nem concretiza onde em concreto pretende entrar. Numa atitude persecutória e de voyarismo e incompatível e violadora do exercício de um poder público com vista à realização de um interesse público legalmente definido e violador dos direitos constitucionais dos Recorrentes à inviolabilidade do domicílio e à reserva da intimidade da vida privada (artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa).
54. Entendem os Recorrentes que o único e verdadeiro motivo do presente processo é apenas e tão só, a vingança, a perfídia e a tentativa de atemorizar o Recorrente pelo facto de o mesmo ser membro e dirigente de uma Associação (Associação dos Amigos e Moradores da Foz Velha), como consta de fls. 1 e 2 do processo administrativo que reagiu contra a obra ilegal desse queixoso, até porque, os Recorrentes não se encontravam a efectuar qualquer obra e à luz do actual Regime Jurídico da Urbanização e Edificação as obras que carecem de fiscalização / licenciamento não são as obras interiores. É caso para perguntar, para que efeito é que o Recorrido quer mandado para entrar em casa dos Recorrentes?
55. Entendem os Recorrentes que o verdadeiro e único motivo é a estimável inimizade que nutre pelo Recorrente que, o Recorrido, uma vez mais, de braço dado, com a vontade de empresa vizinha, faz uso abusivo de um instrumento jurídico e, não porque exista qualquer motivo sério e válido para o presente mandado judicial, o qual aliás nunca foi sequer invocado.
56. O mandado judicial não está previsto para satisfazer tais anseios ilícitos, nem o direito, nem a Constituição da República Portuguesa (artigos 26º e 34º) permitem que se faça um uso do processo para fins reprováveis ou ilícitos.
57. Há ilegalidade e inconstitucionalidade orgânica do artigo 95º, nº 2 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação nos termos e com os fundamentos do Tribunal Constitucional no citado Acórdão nº 195/2016, como há institucional idade por falta de densificação.
58. Há ilegalidade e inconstitucionalidade material do artigo 95º, nº 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, por violação dos artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa quando interpretado no sentido de que é possível obter mandado judicial com base apenas e tão só na queixa vaga e genérica de um vizinho, sem que os serviços da Câmara tenham indagado e/ou identificado quaisquer circunstâncias em concreto que careçam de entrada no domicilio para fiscalização.
59. Há ilegalidade e inconstitucionalidade material do artigo 95º, nº 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, por violação dos artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa quando interpretado no sentido de que é possível obter mandado judicial quando não existe qualquer actividade, nem está identificada qualquer actividade, e/ou quando ainda não foi negado consentimento.
60. Há ilegalidade e inconstitucionalidade material do artigo 95º, nº 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, por violação dos artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa quando interpretado no sentido de que é possível obter mandado judicial para perseguir, inibir, amedrontar e /ou satisfazer o sentido de vingança de alguém com quem se tem conflito.
61. A sentença recorrida, no que a esta matéria diz respeito, não só errou no julgamento e apreciação que fez, como se olvidou de apreciar as diversas matizes suscitadas e fez uma interpretação e aplicação inconstitucional do regime do mandado judicial previsto no artigo 95º nº 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
62. É perigosíssimo e grave, num estado de direito, aceitar-se como boa a jurisprudência da sentença recorrida porquanto, a sentença recorrida passa um cheque em branco para que as entidades administrativas procedam à entrada em qualquer domicílio ou propriedade privada, sem que, para isso seja necessário haver qualquer outro motivo que não seja a mera queixa genérica de alguém.
63. Aceitar este caminho que decorre da sentença recorrida é, na prática, permitir que, se por hipótese, um vizinho meu ou do Mmº Juiz só por um qualquer conflito, basta-lhe dizer genericamente à Câmara Municipal que fizemos obras ilegais, para que, o Recorrido Câmara possa avançar casa adentro.
64. A entrada no domicilio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pelo Tribunal, nos casos e segundo as formas previstas na lei e a exigência legal da intervenção do Juiz, é para que o Juiz efectue esse controlo de legalidade, como garantia e salvaguarda de direitos fundamentais dos cidadãos, não é para fazer disso um pro forma ou do Juiz uma mera caixa destino de correio. Daí que o Juiz tem de verificar e assegurar a legalidade, o respeito pelos direitos fundamentais dos Recorrentes (artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa), verificar da necessidade, adequação, proporcionalidade e legalidade e a não violação das prescrições e exigências de ordem pública, o que não sucedeu na sentença recorrida.
65. O Mmº Juiz “a quo” na sentença recorrida não esclarece que parâmetros jurídicos foram esses que tinha que controlar e limita-se a dizer, escassamente e de forma genérica e conclusiva “…entende-se que a factualidade assente acima suporta a necessidade da emissão do mandado judicial para entrada no prédio em causa..”
66. Da factualidade assente nada resulta que permita ao Tribunal dar por preenchidos os pressupostos e parâmetros legais.
67. Sobre isto e com particular relevância para o caso, veja-se Dulce Lopes, in “Mandado, por quem?” Acórdão do Tribunal Constitucional nº 145/2009, de 24.03, P.558/09, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 78, Novembro / Dezembro de 2009, págs. 39 a 42:
“…podendo as queixas de terceiros ter motivações essencialmente e conflitos de vizinhança e não em violação de normas jus urbanísticas. Assim sendo, é importante afirmar-se, antes da acção de fiscalização, que há indícios suficientemente sérios de realização de obra ilegal, devendo portanto, a ordem de fiscalização no interior do domicílio ser precedida de um conjunto de averiguações prévias, incluindo nestas, se tal for possível e não fizer perigar o efeito útil da acção de fiscalização, a audição do titular e, se for o caso, do residente no imóvel, desde logo para averiguar se consentem na entrada do seu domicílio…”
“De entre esses parâmetros, destacamos os seguintes: I. A garantia de participação particular no âmbito dos procedimentos administrativos ou, pelo menos, tratando-se de acções de fiscalização, ao abrigo do disposto no artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, a garantia da solicitação esclarecedora da entrada no domicilio II. A confirmação da competência para ordenar a realização da diligência…” III. “O requerimento a solicitar o mandado tem de incluir uma descrição dos motivos que levam à necessidade de entrada no domicílio e dos passos dados para o efeito, uma vez que, no caso de manifesta ilegalidade da pretensão deduzida, não deve o mandado ser ordenado.
68. Mas, como se vê do processo administrativo e dos factos assentes: nem há indícios suficientemente sérios de realização de qualquer obra ilegal e a acção de fiscalização não foi precedida de quaisquer averiguações prévias.
69. A haver obras sujeitas a licenciamento ou comunicação prévia (alterações na fachada, telhado ou estruturais), é possível ao Recorrido, ainda antes de entrar no imóvel, detectar e aperceber-se de sinais dessas mesmas obras, sendo que, as obras de conservação, as obras de alteração no interior de edifícios estão isentas de controlo pelo Recorrido (artigo 6.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação).
70. O Recorrido na petição inicial não provou quem reside no prédio, nem quem é proprietário do prédio e do processo administrativo resulta que na verdade, não há, nem havia quaisquer actividades naquele local (fls. 1 e 2, 28 do processo administrativo).
71. Se os Recorrentes tivessem efectuado ou estivessem a efectuar obras que careciam de licença ou de comunicação prévia, isso é perceptível do exterior, porquanto o imóvel está à face da estrada, tem um muro baixo, pelo que, não é necessário entrar em casa para se perceber se houve qualquer alteração ou obra que carece de licenciamento ou comunicação prévia.
72. Daí que, no caso, como não havia actividade, nem obras, não há necessidade de qualquer mandado e, ainda que tivessem existido obras (mas não existiram) o Recorrido não necessitava de entrar em casa dos Recorrentes, pois por fora é quanto lhe basta para detectar alterações significativas ou que carecem de licenciamento ou comunicação prévia.
73. Para além de que o Recorrido não averiguou, nem recolheu quaisquer indícios da necessidade do mandado judicial.
74. A Recorrente D… não foi notificada de nada, nem foi notificada de qualquer despacho ou de qualquer necessidade ou intenção de inspecção ou de agendamento de inspecção, nem lhe foi perguntado se consentia ou não, nem lhe foi dito onde querem entrar e para que efeito. Da mesma feita que o Recorrente F… apenas foi notificado no dia 02.07.2018 (cfr. fls. 20 e 21 do processo administrativo) da missiva que consta de fls. 20 e da qual nada consta que lhe permita perceber, os motivos da inspecção, o local da inspecção e afinal de contas onde pretendiam entrar e porque motivo e para que efeito.
75. Assim, não se pode dizer que os Recorrentes não consentiram, na verdade, nem consentiram, nem deixaram de consentir, aliás, nem lhe foi perguntado se consentiam ou deixava de consentir.
76. Decorre do processo administrativo e em concreto de fls. 28 e 28 verso, que o Recorrido Presidente da Câmara Municipal P…, não proferiu qualquer despacho a ordenar a realização da diligência.
77. E, no requerimento inicial a solicitar ao Tribunal o mandado judicial, uma vez mais, não há uma única descrição dos motivos que justificam e levam à necessidade de entrada no domicílio dos Recorrentes, nem dos passos dados para o efeito.
78. O Recorrido e os serviços do Município perante uma queixa vaga e genérica de um terceiro vizinho que afirma a existência de conflito com o aqui Recorrente F…, nada averiguarem, nem indagaram, nem ouviram o Recorrido, nem a Recorrida.
79. O Recorrido, nem informou, nem sequer ouviu o Recorrente, nem a Recorrente para saber se davam ou não o seu consentimento (cfr. processo administrativo).
80. Os Recorrentes não podiam ter dado (ou deixado de dar) o consentimento, porquanto o mesmo tem de ser livre e pessoal e só pode ser tomado com o conhecimento de todas as condições para a bondade da decisão (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit., p. 541-542), o que não sucedeu no caso, pois do processo administrativo resulta claro que nenhum dos Recorrentes teve conhecimento dos motivos, fundamentos e condições, os quais aliás, não constam do processo administrativo.
81. O Recorrido, para além do que já se referiu supra, também nem sequer ponderou e/ou fundamentou a adequação, necessidade, legalidade e proporcionalidade do mandado judicial.
82. De tudo o exposto resulta que a sentença recorrida ao decidir favoravelmente o pedido de mandado judicial errou e violou, entre outros, o disposto no artigo 95º, nºs 1, 2 e 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação e os artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa.
*
II – Questões prévias:
II.I. O não envio da petição inicial pelo SITAF; nulidade de todo o processado (conclusões 1 a 7).
Sobre este tema é dito no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de Mário de Almeida e Carlos Cadilha, 4ª edição, 2017, Coimbra, páginas 571-572.:
“Como se observou na nota precedente, numa análise ainda preliminar, o n.º 1 deve ser interpretado em conjugação com os 23.º e 24.º. O primeiro destes dispositivos, referindo-se ao regime aplicável aos actos processuais, manda aplicar subsidiariamente ao processo administrativo o disposto na lei processual civil em matéria de entrega ou remessa das peças processuais, dos duplicados dos articulados e das cópias dos documentos apresentados; o segundo contém regras específicas quanto à realização de atos processuais, que, em parte, consomem as correspondentes disposições do CPC. Do disposto no artigo 24, 2 desde logo resulta que a apresentação da petição inicial deve ser efectuada, preferencialmente, por transmissão electrónica de dados, o que leva a afastar a regra da obrigatoriedade da apresentação por meios eletrónicos que consta do artigo 144.º, n.º 1, do CPC. Correspondentemente, o n.º 5 do artigo 24.º admite a prática de aros processuais através da entrega em suporte de papel, na secretaria judicial, ou por remessa pelo correio, sob registo, ou ainda por envio através de telecópia. A apresentação da petição inicial através de transmissão eletrónica é, nestes termos, meramente facultativa, pelo que o interessado pode, em alternativa, qualquer dos meios indicados no n.º 5 do artigo 24º. Por outro não obstante a preferência revelada pelo legislador pela transmissão eletrónica de dados, a utilização dos meios alternativos encontrar-se-á sempre justificada nas situações previstas nos n.ºs 7 e 8 do artigo 144º2 do CPC, isto é, quando não seja obrigatória a constituição de mandatário e a parte não esteja patrocinada ou quando se verifique o justo impedimento quanto à prática do acto por meios electrónicos (cfr. notas aos artigos 23.º e 24º). Em qualquer caso, a apresentação da petição por via eletrónica traz algumas vantagens processuais para o demandante: (a) fica dispensada a remessa ao Tribunal, em suporte de papel, da peça processual e dos documentos anexos, bem dos respetivos duplicados e cópias (artigo 24º n.2 (b) a citação das entidades públicas ou dos órgãos nela indicados é efetuada automaticamente por via eletrónica, sem necessidade de despacho do juiz, salvo nos casos expressamente previstos em que há lugar a despacho liminar (artigo 24º, n.º 3); a entidade pública demandada fica obrigada a apresentar as suas peças processuais, o eventual processo instrutor e demais documentos, preferencialmente, por via eletrónica (artigo 24º, n.º 4). . Estas soluções estão em sintonia com o estabelecido no CPC, que, no caso de transmissão eletrónica, igualmente prevê a dispensa da remessa dos originais ao tribunal (artigo 144.º n.º 2) e impõe à secretaria a obrigação de extrair exemplares da peça processual e dos documentos que a acompanham quando se torne necessário obter duplicado ou cópia (artigos 144º, n.º6 e 148.º), e contempla também a citação do réu por via eletrónica e por iniciativa oficiosa da secretaria, sem necessidade de despacho prévio do juiz (artigos 225.º, n.º 1, alínea a), e 226º, n.º1). Por outro lado, por efeito da remissão feita pelo artigo 23.º para a lei processual civil, são subsidiariamente aplicáveis as disposições dos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 144.º do CPC: (a) a apresentação por transmissão eletrónica dos documentos não tem lugar quando o seu formato ou a dimensão dos ficheiros não o permitir; (b) os documentos apresentados por essa via têm a força probatória dos originais; (c) a dispensa da remessa ao tribunal dos originais da peça processual e dos doeu· mentos não prejudica o dever de exibição desses elementos em suporte de papel quando o juiz o determine”.
Posição com a qual se concorda na íntegra.
A apresentação de articulados pela plataforma eletrónica não é obrigatória para quem não tem a obrigação de estar representado em juízo por advogado.
Como é o caso, por exemplo, dos magistrados no exercício do patrocínio em causa própria – artigo 19º do Estatuto dos Magistrados Judiciais - ou de entes públicos a quem a lei concede a faculdade de se fazerem representar por licenciado em direito, em alternativa ao advogado – artigo 11º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
E sendo certo que, pelo menos até ao momento, apenas os advogados podem aceder ao SITAF para apresentarem peças processuais como partes.
Entendimento diferente das invocadas normas das Portarias que vieram regulamentar a apresentação de peças processuais pela plataforma eletrónica SITAF traduziria uma interpretação ilegal das normas citadas pelos Reclamantes por esvaziarem de conteúdo direitos consagrados na Lei, em sentido formal, como sejam o direito de os magistrados se poderem patrocinar a si mesmos em juízo e o direito de os entes públicos escolherem licenciados em Direito para o fazer.
Tal como decidido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 31.05.2019, no processo 1102/04.0 BRG, com o mesmo Relator.
Termos em que improcede esta arguida nulidade processual.
II.II. Nulidade por falta de despacho sobre a prova requerida e da sentença por omissão de pronúncia (conclusões 8 a 29).
No essencial os Recorrentes invocam que requereram o depoimento de parte, declarações de parte, prova por inspecção judicial e prova testemunhal, para provarem o que alegaram nos artigos 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 36º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 64º, 69º, 70º, 71º, 72º, 74º, 75º, 78º, 79º, 80º, 81º, 84º, 85º, 86º, 87º, 88º, 89º, 90º, 91º, 92º a 98º da sua oposição, da qual resulta uma versão oposta à dada pela Entidade Requerente e acolhida pelo Tribunal Recorrido.
Vejamos.
Na verdade, o Tribunal Recorrido deveria ter-se pronunciado sobre este requerimento e não o tendo feito, verifica-se uma nulidade processual, resultante da omissão de um acto que deveria ter sido praticado – artigo 118º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e artigos 195º, 201º, 410º, 411º e 615º, n.º1,alínea d), ambos do Código de Processo Civil.
Mas, como decorre também destes preceitos, a nulidade só releva, degradando-se em não essencial no caso contrário, se puder influir no exame ou decisão da causa.
Ora no caso presente a omissão verificada não é susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Isto porque a decisão, a ser tomada, sempre deveria ser a do indeferimento da prova produzida.
Só será necessário, em providência cautelar, produzir prova testemunhal que, pela sua natureza, torna mais demorado o processo, se for de todo indispensável para um juízo meramente perfunctório sobre factos essências à decisão cautelar.
Não se justifica a produção de prova testemunhal ou qualquer outra como a pericial ou por depoimento em processo cautelar se os factos relevantes podem ser cabalmente provados por documentos.
Posição que sustentámos, entre outros, nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.02.2017, no processo 01289/16.9 PRT, e de 07.07.2017, no processo 2948/16.1 PRT-A, com o mesmo Relator.
Tal interpretação não constitui uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, nem do artigo 6º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ou do artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Trata-se apenas da adequação processual à tutela pretendida: para uma tutela cautelar um procedimento mais célere e formalmente menos exigente.
No caso presente o que se pretende é uma providência cautelar comum, legalmente definida como tal – n.º3 do artigo 95º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12, na redacção dada pelo Decreto-Lei 136/2014, de 09.09 - destinada a garantir o arrogado direito da Edilidade Demandante a verificar o cumprimento da legalidade urbanística no interior de um prédio privado.
Os artigos da oposição, indicados pelos Oponentes, ora Recorrentes, ou traduzem matéria conclusiva – o intuito de vingança e persecutório por detrás da denúncia e do pretendido mandado – ou estão suficientemente provados por documentos indicados pelos próprios Oponentes nesses artigos da sua Oposição.
Pelo que se mostra degradada em não essencial a verificada nulidade processual.
Improcedendo nesta parte o recurso.
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III –Matéria de facto.
III.I. O erro no julgamento da matéria de facto (conclusões 30 a 42).
Facto provado sob o n.º 1:
É indiferente para a decisão da presente providência saber se a empresa BZ Unipessoal L.da, é ou não proprietária do imóvel sito na Rua do M... nºs 169 a 181, ou se quem enviou o requerimento é ou não legal representante desta empresa.
Pelo que não se justifica analisar a validade da prova nessa vertente.
Indiscutivelmente, porque consta do documento cuja genuinidade e autenticidade não foram postos em causa, o requerimento foi apresentado em nome desta empresa, arrogando-se a mesma, no teor do documento, a qualidade de proprietária desse prédio.
Pelo que não se vê obstáculo, antes utilidade e apoio documental, nessa referência.
Factos provados sob o n.ºs 2, 4 e 5:
Os documentos de folhas 8 verso, 13 e 13 verso do processo administrativo apenso, dado como reproduzido na sentença, é prova bastante desses factos que, em bom rigor, os Recorridos, nessa parte específica, não puseram em causa.
Factos provados sob os n.ºs 3, 6 e 10:
Não existe, na verdade, prova destas notificações efectivas dos Requeridos, ora Recorrentes, como, de resto, o próprio Requerente, ora Recorrido, admite nas suas contra-alegações, aludindo à presunção de notificação (ver pontos 41 a 46).
O que existe é a prova de terem sido enviados os mencionados ofícios para a morada dos Requeridos, ora Recorrentes, bem como o e-mail.
Para além de ter sido notificado pessoalmente o Requerido, pela Polícia Municipal, em 02.07.2018 – fls. 20 e 21 do processo administrativo – conforme provado em 7, ponto do qual deverão ser retirados a expressão, “Para além da notificação via postal” e o termo, conclusivo, “ainda”.
Daí que nesta parte se imponha alterar a matéria de facto dada como provada.
Factos 7, 8 e 9:
Os Recorridos afirmam que não está provado quem é proprietário da casa onde o Requerente pretende entrar para proceder a acção de fiscalização.
Sucede que o Requerente, ora Recorrido, nos artigos 11º a 15 da sua petição inicial invoca que os Requeridos são os proprietários e ocupantes do prédio.
Qualidade pessoal que os Requeridos, ora Recorrentes, não aceitam nem enjeitam. Acabam até por admitir que, pelo menos, se trata do seu domicílio (ponto 31 da oposição).
Ora dispõe o Artigo 574.º do Código de Processo Civil (de 2013), sob a epígrafe “Ónus de impugnação”, no seu n.º3:
“Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário”.
Face a este preceito deveremos ter por aceite essa qualidade e, portanto, o acerto da decisão recorrida nesta parte.
Facto 11:
Têm razão nesta parte os Recorrentes: não existe nem é indicada qualquer prova deste facto que, por isso, deve ser eliminado passando o facto 12 a constituir o facto 11.
Facto 12, agora 11:
Não se vê razão, como pretendem os Recorrentes para, apenas, retirar a expressão “Nessa sequência, foi então…” mantendo-se a parte restante desse ponto.
Com efeito o despacho aí referido surgiu, como se pode constatar da antecedente matéria de facto, na sequência do que anteriormente se tinha verificado.
Matéria a aditar.
Nos artigos 31 a 46, 56 a 62, 64, 69 a 75, 78 a 81 e 84 a 98 da sua oposição, os ora Recorrentes invocaram aspectos subjectivos - como a intenção da denunciante e do Município, de mera vingança, como interesse para o mandado judicial ora requerido - e, como tal insusceptíveis, por si mesmos, de outra prova que não seja a confissão e que, no caso, não se verificou nem, com toda a probabilidade, se poderia verificar.
Mas invocaram também factos susceptíveis de prova documental e que documentaram através de documentos cuja genuinidade e autenticidade não é posta em causa e que relevam para uma das plausíveis soluções do pleito, precisamente a defendida pelos Recorrentes e que serão aditados, sob os números 12 e seguintes, expurgados de matéria conclusiva ou jurídica.
III.II. Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:
1. Através de requerimento registado sob o nº 147843/18/CMP, datado de 02.05.2018, apresentado em nome da BZ Unipessoal, Lda, na qualidade de proprietária do imóvel sito na Rua do M... nºs 169 a 181, foi dada nota aos serviços do Requerente relativamente ao imóvel sito na Rua do M... nº 189, de que o mesmo, “…possui um vasto conjunto de edificações, algumas das quais relativamente recentes, sendo que a Exponente não se encontra certa de que as referidas operações urbanísticas tenham sido precedidas do necessário controlo prévio – artigo 4º do RJUE, antes e ao contrário suscitam.se as maiores dúvidas que isso possa ter sido feito”.
Mais se refere, que “Importa salientar que o imóvel se encontra inserido em zona classificada, pelo que qualquer desconformidade poderá estar a colocar em causa importantes valores do património cultural” – cfr. págs. 1 e 2 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
2. Na sequência da referida reclamação, relativa à possível existência de obras ilegais executadas no prédio em questão, a Divisão Municipal de Fiscalização e Obras Particulares, elaborou uma informação onde refere a necessidade de realizar uma inspeção ao local e, sob o ponto 2.1, continua a mesma informação: “Assim sendo, dever-se-á notificar o proprietário e o ocupante, de acordo com o previsto no artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, no sentido de facultar o acesso ao local no próximo dia 28/05/2018, entre as 11h:45m e as 12h:00m.” - cfr. págs. 8 verso do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
3. Foram enviados os ofícios I/170895/18/CMP e I/170922/18/CMP, respectivamente, ambos de 23.05.2018, para notificação dos Requeridos, na sua morada, na qualidade de proprietários “de acordo com o previsto no artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, no sentido de facultar o acesso ao local” – cfr. páginas 9,10, 20 e 21 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
4. Entretanto, face à impossibilidade de aceder ao interior do prédio na data agendada (28.05.2018), foi elaborada, no dia 29.05.2018, pela Divisão Municipal de Fiscalização e Obras Particulares, nova informação (I/179303/18/CMP), propondo o agendamento da inspeção ao local, desta feita, para o dia 04.07.2018 – cfr. páginas 13 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
5. Tal proposta, mereceu despacho de concordância por parte do Chefe de Divisão Municipal de Fiscalização e Obras Particulares, com data de 29.05.2018 –– cfr. págs. 13, verso, do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
6. Foram enviados os ofícios I/180522/18/CMP e I/180552/18/CMP, para notificação dos Requeridos, na qualidade de proprietários, para o prédio sito na Rua do M..., nº 189, da nova data agendada a fim de se proceder a uma inspecção ao local – cfr. páginas 14 e15 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
7. O proprietário do prédio foi notificado pessoalmente, em 02.07.2018, pela Polícia Municipal –cfr. págs. 20 e 21 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
8. Nesse seguimento, veio o referido proprietário, através de e-mail de 03.07, informar que, face a compromissos de ordem profissional, se encontrava indisponível para facultar a entrada dos técnicos municipais a fim de ser realizada a inspeção –cfr. págs. 22 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
9. Perante à indisponibilidade demonstrada, foi marcada nova data para a realização da inspeção ao local, dia 06.07.2018, entre as 10h30m e as 11h00m.
10. Foi enviado e-mail e o ofício I/224733/18/CMP, por via postal, para dar conhecimento ao proprietário desta nova data, quer via e-mail, quer por via postal através do ofício I/224733/18/CMP, em ambos os casos no dia 04.07.2018 – cfr. páginas 23 e 24 do processo administrativo apenso que aqui se dá por integralmente reproduzido, nessa parte.
11. Nessa sequência, foi, então, proferido despacho pela Vereadora com o Pelouro da Fiscalização e Protecção Civil, no uso de competência delegada pelo Presidente da Câmara conforme O.S. nº I/357413/17/CMP, de 07.11.2017, com o seguinte teor: “Considerando a impossibilidade de promover a inspeção que se revela imprescindível para a verificação da legalidade, no âmbito do presente processo, no exercício das competências de fiscalização que me foram delegadas pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal P…, através da Ordem de Serviço nº I/357413/2017/CMP, e nos termos do disposto no nº 3 do artigo 95º do RJUE, determino que seja requerido mandado judicial para entrada no domicílio”.
12. O Requerido, ora Recorrente, é membro e dirigente da Associação dos Amigos e Moradores da Foz Velha - folhas 1 e 2 do procedimento administrativo.
13. Esta Associação apresentou:
- uma petição na Assembleia da República com mais de 1.000 assinaturas contra a alegada possibilidade da referida BZ construir em zona e património classificado da Foz Velha, um edifício em altura, com mais de 15 metros de cércea, com 7.000 metros para serviços, sem estacionamento suficiente, para mais de 100 pessoas, sem parecer prévio favorável da entidade que tutela o património – folhas 1 e 2 do procedimento administrativo.
- uma acção popular que corre termos neste Tribunal sob o n.º1651/16.7BEPRT; UO2.
14. O Requerente, por via da imprensa, afirmou que não mandava parar estas obras (documentos 1 a 10 da oposição).
15. A Câmara Municipal P… e a BZ foram notificadas judicialmente para as obras pararem, e, tanto uma como outra, nada fizeram até novo despacho judicial para que acatassem a ordem (documento s 3 e 4).
*
IV - Enquadramento jurídico.
1. A inexistência de despacho; a falta de notificação e de consentimento (conclusões 74 a 82).
Determina o artigo 95º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12, na redacção dada pelo Decreto-Lei 136/2014, de 09.09, sob a epígrafe “Inspecções”:
“1 - Os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras ou as empresas privadas a que se refere o n.º 5 do artigo anterior podem realizar inspeções aos locais onde se desenvolvam atividades sujeitas a fiscalização nos termos do presente diploma, sem dependência de prévia notificação.
2 - O disposto no número anterior não dispensa a obtenção de prévio mandado judicial para a entrada no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.
3 - O mandado previsto no número anterior é concedido pelo juiz da comarca respetiva a pedido do presidente da câmara municipal e segue os termos do procedimento cautelar comum.”
A norma não impõe, antes dispensa, a prévia notificação (n.º1) e o consentimento (n.º2) do visado.
Pelo que a eventual circunstância de os Requeridos, ora Recorrentes, não terem sido notificados sempre seria indiferente para a emissão do mandado judicial pretendido.
Em todo o caso, constata-se que os Requeridos se devem ter por notificados, face ao disposto no artigo 113º, n.º1, do Código de Procedimento Administrativo, e aos factos provados sob os números 3,6 e 10, para além da provada notificação pessoal do Requerido, como consta do facto provado sob o n.º 7.
A falta de autorização é precisamente o pressuposto essencial do pedido de mandado judicial. Se houvesse autorização dos visados não haveria interesse na providência cautelar.
Finalmente quanto à existência do despacho e à sua fundamentação, está comprovada e é, em termos formais, clara, suficiente e coerente – facto provado sob o n.º 11.
Saber se materialmente o despacho e o subsequente pedido de mandado judicial para entrada no domicílio dos Requeridos é legal, é matéria que se pretende já com a análise das questões que se passam a apreciar.
Pelo que improcede este fundamento do recurso.
2. A inconstitucionalidade orgânica do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa (conclusões 43 a 64).
Aqui os Recorrentes têm, em nosso entender, razão.
O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 195/2016, de 23.05, julgou inconstitucional a norma inscrita no artigo 95.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.10, como se refere na decisão recorrida.
Mas, ao contrário do decidido, com a redacção dada ao n.º 3 deste artigo 95º pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02.10, permaneceu a inconstitucionalidade orgânica declarada neste acórdão.
Isto porque a norma do n.º2 é uma norma de direito material, sobre a necessidade de um prévio mandado judicial para “a entrada no domicílio de qualquer pessoa”. E dispensa o consentimento do visado.
A norma constante do n.º 3 é de direito adjectivo, define o tribunal competente para a emissão o mandado e os termos que segue o pedido, o do procedimento cautelar comum.
São, portanto, normas completamente distintas, não podendo a norma legislativa que alterou uma significar que se colmatou a falta de autorização legislativa para a outra.
O que, logo por aqui, imporia a revogação da decisão recorrida e o indeferimento do pedido cautelar.
3. A inconstitucionalidade material do disposto nos n.ºs 2 e 3, do artigo 95º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação - artigos 26º e 34º da Constituição da República Portuguesa; os parâmetros legais do mandado judicial; a desnecessidade necessidade do mandado (conclusões 65ª 73).
Também aqui os Recorrentes têm razão.
Distanciamo-nos abertamente da jurisprudência e da doutrina que defende que este mandado judicial previsto no artigo 95º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação não deve traduzir um escrutínio de mérito sobre a decisão administrativa tomada, antes se assemelhando à aposição de um visto formal, mediante o qual o juiz controla a compatibilidade da decisão administrativa com alguns parâmetros jurídicos que permitem afirmar o cumprimento de prescrições e exigências de ordem pública.
Os tribunais não são meros notários privativos das câmaras municipais.
Menos ainda quando estão em causa direitos com tutela constitucional como é o caso do direito à inviolabilidade do domicílio, consagrado no artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, ou o direito à reserva da intimidade da vida privada, consagrado no artigo 26º da Constituição.
Interpretação diversa, como a que defende que este mandado judicial não passa de mero “visto formal”, sufragada na decisão recorrida, é inconstitucional por violação do disposto nestes preceitos constitucionais.
O controle pressuposto no mandado judicial em apreço há-de ser, portanto, um controle de mérito.
Um controle que passa pela ponderação dos interesses em jogo, face ao disposto no n.º 2 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, para o qual remete a parte final do n.º 3 do artigo 95º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12.
Ora só justifica a preterição do direito à inviolabilidade do domicílio ou o direito à reserva da intimidade da vida privada, com protecção constitucional, um qualquer interesse público relevante, como seja a defesa da segurança e saúde pública quando, por exemplo, um prédio dá sinais de estar a ruir ou quando esteja em causa o património cultural.
Isto sendo certo que na denúncia apenas se fala em termos hipotéticos na possibilidade de estarem em causa “importantes valores do património cultural” sem, no entanto, se concretizar minimamente tal afirmação.
E sendo certo também que no despacho em que se apoiou o presente pedido de emissão de mandado judicial nem sequer se refere este risco mas apenas a necessidade e de verificação da legalidade,
Não se verifica pois, tal como defendem os Recorrentes o requisito da providência cautelar requerida, a necessidade e proporcionalidade de emissão de mandado judicial.
Pelo que se impõe revogar a decisão recorrida e indeferir o pedido cautelar deduzido pelo Município ora Recorrido.
***
V - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Indeferem a providência requerida, de emissão de mandado judicial para entrada no prédio identificado na parte final da petição inicial.
Custas pelo Recorrido.
Porto, 28.06.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia
Ass. Helena Canelas, em substituição