Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02462/18.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:RECURSO HIERÁRQUICO;
TEMPESTIVIDADE;
59º N.º 4 DO CPTA;
Sumário:I. Nos termos previstos no artigo 59º n.º 4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa decorrente de interposição de recurso hierárquico facultativo cessa com a notificação da decisão proferida sobre essa impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente ([SCom01...], Ld.ª), notificada da decisão (saneador sentença) do Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel, datada de 10 de maio de 2019, que julgando verificada a exceção dilatória da intempestividade da prática do acto processual e determinou a absolvição do réu da instância, inconformada vem apresentar o presente recurso.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
« (...)
I. O presente recurso pretende contestar a decisão do Tribunal a quo, por erro de julgamento em matéria de facto e de Direito, nomeadamente, porque o Tribunal a quo não considerou, erradamente, que o ato administrativo impugnado na ação administrativa aqui em apreço é um ato primário;
II. O regime previsto no n.º 4 do artigo 59º do CPTA não é aplicável ao caso concreto porque estamos perante um ato primário e, como tal, suscetível de ser autonomamente impugnado;
III. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação sobre a situação jurídica aqui subjacente;
IV. A decisão de indeferimento do pedido de segunda avaliação indeferiu o pedido de segunda avaliação com fundamento de que não se pode aplicar o procedimento previsto no n.º 3 do artigo 76º do Código do IMI à segunda avaliação geral realizada ao abrigo do artigo 15º-F do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, porque o n.º 1 do artigo 15º desse Decreto-Lei remete exclusivamente para os artigos 38º e seguintes do Código do IMI e que apenas estes artigos se aplicam à segunda avaliação geral;
V. Por seu lado, a decisão de indeferimento do recurso hierárquico alegou que, no âmbito da avaliação geral, o pedido de segunda avaliação apenas é legítimo nos casos em que se discute a determinação do VPT, nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do IMI, e apenas para efeitos de IMI;
VI. Mais alegou que o direito da Recorrente, na qualidade de alienante, em contestar o VPT, para efeitos de IRC, estava vedado ao abrigo do artigo 15º-F do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, pois esse pedido estaria circunscrito ao sujeito passivo, na qualidade de proprietário do prédio, à Câmara Municipal e ao Chefe do Serviço de Finanças;
VII. Para depois vir alegar, em contradição, que a [SCom01...] teria o direito de contestar o VPT, para efeitos de IRC, se invocasse o artigo 64º do Código do IRC e o correspondente procedimento previsto no artigo 139º do Código do IRC;
VIII. A decisão de indeferimento do recurso hierárquico, por um lado, manteve o sentido da decisão de indeferimento do pedido de segunda avaliação, mas com fundamentação diferente, na medida em que justificou a sua decisão com base nos objetivos da avaliação geral e nos objetivos do procedimento avaliativo do 1M1, mormente o resultado único (pontos 4 e 5);
IX. E, por outro lado, alterou o sentido da decisão ao acrescentar os pontos 8 a 10 da referida decisão de indeferimento do recurso hierárquico;
X. A decisão de indeferimento do recurso hierárquico não é um ato confirmativo, mas sim um ato administrativo primário e, como tal, suscetível de impugnação no prazo de três meses contados a partir da sua notificação;
XI. O Tribunal a quo não tomou em consideração o facto de o Ofício de notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico prever os meios de defesa e respetivos prazos de defesa;
XII. E fez, no caso concreto, uma interpretação e aplicação indevida do n.º 4 do artigo 59º do CPTA;
XIII. Tal interpretação e aplicação da Lei não se adequa com a ratio do regime referente à impugnabilidade de atos primários;
XIV. A ação administrativa em apreço foi tempestivamente apresentada e, portanto, não se verifica a exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual, como entendeu o Tribunal a quo;
XV. O presente recurso deve ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo e, consequentemente, a ação administrativa deve ser considerada tempestivamente apresentada.
Pedido:
Nestes termos e nos demais que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá ser:
a) Julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença do Tribunal a quo e, consequentemente, a ação administrativa deverá ser considerada tempestivamente apresentada; sem prescindir,
b) Dispensado o pagamento do remanescente acima dos € 275.000,00, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, na conta de custas a elaborar a final. Pois, só assim se fará inteira e sã
JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida, notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
« IV – CONCLUSÕES
1.ª A sentença recorrida, atento terem sido invocadas diversas exceções na Contestação apresentada, julgou em primeiro lugar a exceção de caducidade do direito de ação, tendo decidido que a ação administrativa apresentada em 27/09/2018 é intempestiva, por ter sido apresentada decorridos mais de três meses sobre a data da decisão do indeferimento tácito do recurso hierárquico (art. 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA), o que determina a caducidade do direito de ação e consubstancia a exceção dilatória da intempestividade da prática do ato processual, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância [art. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA] e mais concluindo que com a procedência da invocada exceção dilatória da intempestividade da prática do ato processual e com a absolvição do réu da instância fica prejudicada a apreciação e julgamento das restantes questões suscitadas pelas partes (art. 608.º, n.º 2, do CPC);
2.ª Inconformado com a sentença, o Autor recorreu, fixando como objeto do recurso a anulação da referida decisão e, consequentemente ser considerada a ação administrativa tempestivamente apresentada, sem que, contudo, lhe assista razão;
3.ª Efetivamente, contrariamente ao pugnado pelo Recorrente, bem andou a sentença recorrida ao concluir que se verifica a caducidade do direito de ação atento o disposto no artigo 59.º, n.º 4 do CPTA;
4.ª Como explicita Mário Aroso de Almeida (in Manual de Processo Administrativo, 2013, Almedina, páginas 314 e 315), o pressuposto da solução do artigo 59.º, n.º 4, é que a possibilidade de impugnação contenciosa esteja aberta, que o ónus dessa impugnação esteja constituído e, portanto, que o correspondente prazo esteja a correr: é nessa hipótese que o preceito estabelece que a eventual opção do interessado de lançar mão de uma impugnação administrativa (facultativa, portanto), dentro do prazo estabelecido para o efeito, que tem o alcance de suspender o prazo de impugnação contenciosa que estava a correr e que retomará o seu curso, no ponto em que tinha ficado suspenso, se a impugnação utilizada vier a ser rejeitada ou indeferida ou não vier a ser decidida dentro do prazo legalmente estabelecido;
5.ª Consequentemente, sendo o recurso hierárquico na situação em análise meramente facultativo (o que o Recorrente não contesta) e atendendo a que a decisão do recurso hierárquico foi notificada em 03-08-2018 relativamente a pedido apresentado em 07-07-2014, então à data da prolação da decisão de indeferimento expressa e sua notificação ao Recorrente já há muito havia caducado a possibilidade de contenciosamente sindicar-se o ato de que se recorria hierarquicamente, pelo que, assim sendo, não se antevê como a posterior prolação de decisão naquela impugnação administrativa possa fazer renascer um prazo há muito esgotado;
6.ª Concluindo, bem andou a decisão recorrida ao considerar que se verifica a exceção de caducidade do direito de ação, devendo por isso ser mantida e o recurso julgado improcedente;
7.ª Por cautela e dever de representação, mesmo que se atendesse à distinção entre atos primários e secundários defendida pelo Recorrente, nunca lhe assiste razão na totalidade, devendo manter-se a decisão de caducidade do direito de ação na parte em que, como o próprio Recorrente reconhece, a decisão de recurso hierárquico nada inovou, mantendo o ato administrativo recorrido, pois quanto a essa parte verifica-se inimpugnabilidade do ato de primeiro grau;
8.ª Atenta a própria distinção feita pelo Recorrente nos pontos 19 e 20 das suas alegações, importa notar que o ato proferido pelo chefe do Serviço de Finanças de ... 2 e que indeferiu o pedido de segunda avaliação era, já por si, um ato impugnável, e, em sede de recurso hierárquico, tal decisão é mantida, pelo que, sem prejuízo de depois, nos pontos 8 a 10 daquela decisão, ser deduzido argumento adicional, na verdade, quanto à primeira das razões para indeferir o pedido de segunda avaliação, o ato ora impugnado tem natureza meramente confirmativa, ao referir que se mantem o ato recorrido com todas as consequências legais;
9.ª Por tal razão, nessa parte, e por força do artigo 53.º do CPTA, verifica-se a consequente inimpugnabilidade do ato de primeiro grau, ou seja, o fundamento pelo qual a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de ... 2 recusou o pedido de segunda avaliação – a impossibilidade de tal pedido ser formulado nos termos do artigo 76.º, n.º 3 e seguintes do CIMI –, já não pode ser sindicado na ação administrativa apresentada pelo Recorrente, pois neste conspecto, o ato secundário (a decisão de recurso hierárquico) é meramente confirmativo do ato primário (a decisão do chefe do serviço de finanças de ... 2) (cf. nesse sentido o conselheiro Jorge de Sousa in Código do Procedimento e Processo tributário, vol. I-Áreas, nota 14 ao artigo 66.º, pág. 607 e acórdão do STA de 21 de maio de 2008 - proc. n.º 796/07);
10.ª O que consubstancia uma exceção dilatória que que obsta ao conhecimento de mérito da causa, deve a mesma ser julgada procedente, absolvendo-se a Entidade Demandada da instância (artigos 278.º e 576.º, n.º 2 do CPC ex vi artigos 1.º e 89.º, n.º 1, do CPTA);
11.ª Sem possibilidade de convolação, uma vez que como bem se explicita na fundamentação da sentença recorrida, para que se remete e se dá aqui por reproduzida, há caducidade do direito de ação atento o disposto nos artigos 58.º e 59.º, n.º 4 do CPTA e artigo 66.º, n.º 5 do CPPT, o que consubstancia exceção dilatória nos termos do artigo 89.º, n.os 1, 2 e 4, alínea k) do CPTA;
12.ª Concluindo, a ação administrativa interposta contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, na parte em que esta decisão é meramente conformativa da anterior é inimpugnável, determinando a absolvição da Ré da instância nessa parte, devendo assim a sentença recorrida ser revogada apenas parcialmente.
13.ª Por mera cautela e dever de representação, caso venha considerar-se o recurso interposto, parcial ou totalmente procedente, quanto à verificação da exceção dilatória em apreço, tendo ficado preterido o conhecimento das demais questões deduzidas [sejam as demais exceções invocadas na Contestação (inimpugnabilidade do ato relativo ao pedido de condenação da AT na fixação do VPT em € 324.000; erro na forma do processo relativamente ao pedido de condenação da AT na fixação do VPT em € 324.000); da impossibilidade do Tribunal reconhecer o direito peticionado no artigo 47.º da p.i.), sejam as referentes ao mérito da ação], entende-se que, nos termos do artigo 149.º, n.º 3 do CPTA deve determinar-se a baixa dos autos à primeira instância para apreciação das mesmas, porquanto o Tribunal a quo não fixou matéria de facto para além da referente à primeira das exceções invocadas pela Recorrida;
14.ª Por cautela, sempre se dá aqui para os devidos efeitos por reproduzida os fundamentos de facto e de direito apresentados na Contestação da Recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser julgado o recurso totalmente improcedente nos termos acima peticionados, com as consequências legais.».
1.3. Foi notificado o Ministério Público junto deste Tribunal.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importa decidir, suscitada e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, consiste em saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao absolver da instância a Ré, por intempestividade da acção por via da qual Autora impugnava a decisão da Senhora Directora de Serviços da Direcção de Serviços do IMI, datada de 25.06.2018, que indeferiu o pedido de recurso hierárquico.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão desta questão, o Tribunal julga provado:
A) Em 07/07/2014 a autora apresentou o recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de segunda avaliação (confissão da autora no artigo 7 da petição inicial).
B) O recurso hierárquico foi remetido à Direção de Serviços do IMI onde foi recebido em 22/08/2014 (fls. 17 verso a 21).
C) Em 03/08/2018, a autora foi notificada da decisão de indeferimento do pedido do recurso hierárquico apresentado em 07/07/2014 (confissão da autora no artigo 8 da petição inicial).
D) A autora apresentou a petição inicial da ação administrativa em 27/09/2018 (fls. 3).
3.1.1 – Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos, conjugados com as regras da experiência.
A restante matéria de facto alegada pelas partes, o Tribunal não a julgou provada ou não provada, por constituir alegação conclusiva ou de direito ou por ser irrelevante para a decisão desta questão.»

2.2. De direito
Importa apreciar se a decisão recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é imputada pela Recorrente, pois sendo certo que apesar de aludir a ocorrência de erro de julgamento de facto, não concretiza o mesmo e, as alusões factuais que emergem da sua argumentação em torno da natureza de acto primário para efeitos de impugnação da decisão proferida em sede de Recurso Hierárquico (objecto da acção) não relevam para o conhecimento da questão objecto do presente recurso nos exactos termos alegados, ou seja, no que respeita à questão da tempestividade da acção.
Vejamos, do discurso fundamentador da sentença que julgou verificada a exceção dilatória da intempestividade da prática do acto processual:
«O réu invoca a caducidade do direito de ação, nos termos do art. 59.º, n.º 4, do CPTA, porque atendendo que o recurso hierárquico foi apresentado em 07/07/2014, ocorreu a presunção do seu indeferimento tácito em data anterior à prolação da decisão expressa, pelo que há muito que se encontra esgotado o prazo de apresentação da petição inicial previsto no art. 58.º do CPTA.
A autora pugna pela improcedência da exceção.
A Digna Magistrada do Ministério Público pugna pela sua procedência.
Cumpre apreciar e decidir.
O art. 59.º, n.º 4, do CPTA prevê que “a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”.
Daqui resulta que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa cessa, consoante a que ocorra em primeiro lugar, com a notificação da decisão expressa proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal de decisão, isto é, com a decisão de indeferimento tácito.
Os recursos hierárquicos em matéria tributária são apresentados perante o autor do ato recorrido, devem subir no prazo de 15 dias, salvo se o ato for totalmente revogado, e serão decididos no prazo máximo de 60 dias (art. 66.º, n.ºs 2, 3 e 5, do CPPT).
Atendendo à data da apresentação do recurso hierárquico, 07/07/2014, ou à data da remessa do recurso hierárquico para a Direção de Serviços do IMI, no prazo de 15 dias, nos termos do art. 66.º, n.º 3, do CPPT, verificada entre 07/07/2014 (data da apresentação do recurso hierárquico) e 22/08/2014, onde aí foi recebido, o recurso hierárquico foi tacitamente indeferido pelo menos em 21/10/2014.
O indeferimento tácito do recurso hierárquico ocorreu antes da notificação da decisão expressa, pelo que o prazo para dedução da ação administrativa previsto no art. 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, começou a contar-se, por excesso, em 21/10/2014.
A ação administrativa apresentada em 27/09/2018 é intempestiva, por ter sido apresentada decorridos mais de três meses sobre a data da decisão do indeferimento tácito do recurso hierárquico (art. 58.º, n.º 1, alínea b), do CPTA), o que determina a caducidade do direito de ação e consubstancia a exceção dilatória da intempestividade da prática do ato processual, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição do réu da instância (art. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k), do CPTA).
Com a procedência da invocada exceção dilatória da intempestividade da prática do ato processual e com a absolvição do réu da instância fica prejudicada a apreciação e julgamento das restantes questões suscitadas pelas partes (art. 608.º, n.º 2, do CPC).» (fim de transcrição).
Nenhum reparo nos merece a sentença recorrida, a qual vai de encontro a doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido a dar ao disposto n.º 4 do 59º do CPTA, de que “A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 10/05/2012, proc. n.º 00794/10.5BECBR, de 22.04.2010, proc. n.º 353/09.5BECBR, de 13.01.2011, proc. n.º 816/10.0BEPRT, de 01.04.2011, proc. n.º 249/10.8 BEAVR. e de 27.04.2022, processos n.º 156/15.8BEPRT, 279/16.6BEBCR e 1226/16.0BEPRT, para os quais remetemos, mormente os datados de 27.04.2022 em que aqui relatora também ali o foi.
Na doutrina, permite-nos citar Mário Aroso de Almeida (in Manual de Processo Administrativo, 2013, Almedina, páginas 314 e 315), o qual sobre a questão elucida que : «Pressuposto da solução do artigo 59.º, n.º 4, é, pelo contrário, que a possibilidade de impugnação contenciosa esteja aberta, que o ónus dessa impugnação esteja constituído e, portanto, que o correspondente prazo esteja a correr: é nessa hipótese que o preceito estabelece que a eventual opção do interessado de lançar mão de uma impugnação administrativa (facultativa, portanto), dentro do prazo estabelecido para o efeito, tem o alcance de suspender o prazo de impugnação contenciosa que estava a correr e que retomará o seu curso, no ponto em que tinha ficado suspenso, se a impugnação utilizada vier a ser rejeitada ou indeferida ou não vier a ser decidida dentro do prazo legalmente estabelecido. […]
Uma vez decorrido o prazo para decisão sem que esta haja sido proferida, considera-se rejeitada a impugnação administrativa (cfr. artigo 175.º, n.º 3, do CPA). Retoma, pois, nesse momento, o seu curso o prazo de propositura da acção em tribunal, que se encontra suspenso desde o momento em que foi utilizada a impugnação administrativa.»
E, mais acutilante em sede do contencioso tributário, atentemos ao explanado no seu CPPT, Anotado e Comentado , Jorge Lopes de Sousa advoga o seguinte entendimento (que se subscreve): “Para as acções administrativas especiais vigora um regime distinto [Do regime aplicável à impugnação judicial deduzida na sequência do indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de reclamação graciosa que comporte a apreciação da legalidade do ato de liquidação, em que o ato que é impugnado é o ato que decide o recurso hierárquico e não o ato primário que foi impugnado através desse recurso], introduzido pelo CPTA. Nestes casos em que deve ser utilizada a acção administrativa especial, se o acto primário que foi impugnado administrativamente através do recurso hierárquico foi mantido, nos mesmos termos [quer por não ter sido proferida qualquer decisão no prazo legal, quer por ter sido confirmada expressamente o acto primário sem alteração de fundamentação] o acto impugnável será o acto primário, como se infere do disposto no n.º 4 do art. 59.º do CPTA em que se estabelece que «a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal». Assim, para efeitos de contagem do prazo de propositura da acção administrativa especial, ao prazo que tiver decorrido antes da impugnação administrativa, soma-se o prazo que decorrer após a decisão do recurso hierárquico ou após o decurso do prazo legal de decisão deste” (In “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, vol. I, 6.ª ed., 2011, Áreas Editora, pág. 607.)
Entende ainda, que:
“(…) nestes casos de reclamação graciosa e subsequente recurso hierárquico, a decisão impugnável é a decisão secundária que decide a reclamação ou o recurso hierárquico e não o acto primário que é impugnado, tratando-se, portanto, de um regime distinto do que resulta do n.º 4 do artigo 59.º do CPTA em que, no caso de impugnação administrativa, o acto impugnável continua a ser o acto primário e não o que decide essa impugnação. Por outro lado, o prazo para deduzir impugnação judicial dos actos que decidem reclamações graciosas e que decidem recursos hierárquicos interpostos de decisões de reclamações graciosas, conta-se integralmente a partir da notificação da respectiva decisão, como resulta do art. 103.º, n.ºs 1, alínea e), e 2, do CPPT.
No entanto, relativamente aos restantes recursos hierárquicos, não havendo normas do CPPT que estabeleçam o respectivo regime e as suas relações com a impugnação contenciosa, nem que estabeleçam prazos e formas de contagem especiais, terá de se fazer apelo às regras do CPTA.
Assim, fora daqueles casos de reclamação graciosa e respectivo recurso hierárquico, o uso de reclamação administrativa ou recurso hierárquico pelo interessado suspende o prazo para impugnação do acto primário (art. 59.º, n.º 4, do CPTA) e a pendência da impugnação administrativa não obsta a que seja feita impugnação contenciosa (n.º 5 do mesmo artigo). O acto impugnável contenciosamente, nos casos em que a decisão proferida em impugnação administrativa confirma a decisão primária, será esta decisão e não a que decide aquela impugnação.
Nos casos em que a decisão do recurso hierárquico revoga por substituição o acto impugnado, designadamente mantendo-o com diferente fundamentação, o acto impugnável será o que decide o recurso hierárquico, pois é o único que subsiste na ordem jurídica”. (Ob. cit., pág. 614.)
Revertendo o exposto e atentando aos argumentos da Recorrente, tenderíamos a reconhecer que talvez a razão estivesse do seu lado, quando invoca que a decisão expressa proferida em sede de Recurso hierárquico a conter uma fundamentação distinta do acto primitivo, terá que ser relevado como acto primário em si para efeitos de impugnação. Contudo, debate-se a Recorrente por uma tese falaciosa entre factos primários e secundários, cujo acolhimento em nada beliscava a interpretação e aplicação do disposto no n. º4 do artigo 59º do CPTA perante os factos provados.
Vejamos:
Alega a Recorrente que «[…] a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, por um lado, manteve o sentido da decisão de indeferimento do pedido de segunda avaliação, mas com fundamentação diferente, na medida em que justificou a sua decisão com base nos objetivos da avaliação geral e nos objetivos do procedimento avaliativo do IMI, mormente o resultado único (pontos 4 e 5), 20. E, por outro lado, alterou o sentido da decisão ao acrescentar os pontos 8 a 10 da referida decisão de indeferimento do recurso hierárquico.» (vide conclusões 19 e 20 das alegações de recurso).
Olvida por certo a Recorrente que estamos que o recurso hierárquico por si interposto tinha o carácter de facultativo e não de necessário, uma vez que nenhuma norma legal impunha que a interessado perante o indeferimento pelo chefe do Serviço de Finanças de ... 2 que lhe indeferiu o pedido de segunda avaliação, dele apresentasse recurso, para o superior hierárquico (no caso, Direcção de Serviços do IMI) para obter a decisão final da administração. Efectivamente já estava na posse de uma acto impugnável quando apresentou Recurso Hierárquico em 07.07.2014.
Se se tratasse de recurso hierárquico necessário, poderia a razão estar do lado da recorrente, (veja-se nesse sentido acórdão do TCA Norte contencioso Administrativo de 06.04.2011, in proc. 859/09.6BECBR.). Mas assim não é.
Pois, o certo é que estamos perante recurso hierárquico facultativo, razão pela qual falecem por completo os argumentos da Recorrente, pois a interpretação das normas legais processuais efectivada pela sentença recorrida mostra-se correcta e de acordo, aliás, com a interpretação que vem sendo efectivada do art.º 59.º, n.º 4 do CPTA, como vimos.
Aliás esta interpretação, escoa do Acórdão do Pleno STA 27.02.2008 - Proc. 848/06 (no qual destacamos o seguinte trecho):
"... Deste modo, o texto da lei inculca a ideia de que aquelas duas causas de cessação da suspensão do prazo de impugnação contenciosa estão em situação de paridade e que, em cada caso concreto, verificada qualquer uma delas, já não opera a outra.
É este o sentido que, com clareza, brota do elemento literal e que, visitados os demais elementos de interpretação, se perfila como expressão fiel do pensamento legislativo.
A caducidade do direito de acção é consagrada a beneficio do interesse público da segurança jurídica que reclama que a situação das partes fique definida de uma vez para sempre com o transcurso do respectivo prazo. (Manuel Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 3ª reimpressão, p. 464).
A certeza jurídica, é, seguramente, o fim da norma do art. 59°/4 do CPTA, enquanto estabelece um termo final para a suspensão. Se a impugnação administrativa suspende e, na medida da respectiva duração, inutiliza o prazo da impugnação contenciosa, então, sob pena se eternizar a indefinição acerca da situação jurídica das partes, é forçoso, em nome da segurança, impor um limite à duração da suspensão. Este desiderato só é alcançável com a interpretação perfilhada no acórdão recorrido: a suspensão, se antes não tiver o seu termo, mediante a notificação da decisão, mantém-se, no máximo, por tempo igual ao que está legalmente concedido à Administração para decidir a impugnação administrativa. Finalidade essa que será postergada pela leitura defendida pelo recorrente, isto é, com o sentido que decorrido o prazo legal de decisão da impugnação administrativa, subsiste ainda a suspensão do prazo de impugnação contenciosa, por tempo indeterminado, até ocorrer a decisão que vier a resolver a impugnação administrativa.
Assim, a interpretação feita pelo recorrente não é a mais próxima da letra da lei e compromete a segurança jurídica, um dos fins da norma do art. 59º/4 CPTA.
E não há outros fins da lei e/ou razões de sistema que a suportem, desde logo o alegado objectivo de dinamizar a composição administrativa dos litígios como forma de aliviar os tribunais da pressão crescente que se vem fazendo sentir.
Antes de mais, porque no modelo contencioso do CPTA a impugnação administrativa é uma faculdade do interessado. Para que se lhe abra a porta do tribunal, nem é obrigado à impugnação administrativa prévia, nem está impedido de proceder à impugnação contenciosa na pendência da impugnação administrativa (arts. 51°/1 e 59°/5 do CPTA). Ora, neste contexto, não será de excluir do conjunto dos fins da lei, enquanto consagra a suspensão do prazo de impugnação contenciosa por via da impugnação administrativa, o intuito de incentivar a resolução extra - judicial dos litígios. Mas, se o interessado pode impugnar contenciosamente sem impugnação administrativa, com impugnação administrativa e apesar da impugnação administrativa, então, já não é defensável considerar que esse propósito de alijar a carga dos tribunais seja o fim determinante da lei.
Depois, porque não se vê justificação racional para que esse fim não deva harmonizar-se com o da segurança jurídica e/ou lhe deva sobrelevar.
Pelo exposto, o acórdão recorrido interpretou correctamente a norma do art. 59°/4 do CPTA, com o sentido que a suspensão do prazo da impugnação contenciosa cessa com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar"
Assim, na óptica da sentença recorrida, da doutrina e jurisprudência citada, e bem assim do aresto do STA transcrito, cumpre aplicar o art.º 59.º, n.º4, segundo o qual "A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal" (sublinhado nosso), pelo que releva o prazo que acontecesse em primeiro lugar, dado estarmos perante recurso hierárquico facultativo.
Improcede, por conseguinte, o recurso jurisdicional que se mostra dirigido a este Tribunal pela Recorrente.

2.2.1. Da dispensa do remanescente
No concernente ao remanescente da taxa de justiça, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº 7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.
No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos da tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

2.3. Conclusões

I. Nos termos previstos no artigo 59º n.º 4 do CPTA, a suspensão do prazo de impugnação contenciosa decorrente de interposição de recurso hierárquico facultativo cessa com a notificação da decisão proferida sobre essa impugnação administrativa ou com o decurso do prazo legal para a decidir, conforme o facto que ocorrer em primeiro lugar.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente, com dispensa de remanescente.
Porto, 26 de outubro de 2023

Irene Isabel das Neves
Cristina Bento
Carlos Castro Fernandes