Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00183/11.4BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO;
NULIDADE DE SENTENÇA POR OPOSIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E DECISÃO;
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL POR ACTO ILÍCITO;
Sumário:I - Não se detetando qualquer contradição da “configuração da dinâmica do acidente” apresentada pelo Tribunal a quo com relação ao tecido fáctico apurado nos autos, nem a mesma se revelando contrária às regras de experiência comum, e à míngua da indicação de meios probatórios que imponham decisão diversa, é de concluir pela inexistência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da materialidade identificada sob os pontos 8, 9, 10 e 11 dos “factos não provados” no sentido desta integrar os “factos assentes”.

II- Mantendo-se incólume a não aquisição da materialidade identificada sob os pontos 8, 9, 10 e 11 dos “factos não provados”, revela-se inequívoca a insubsistência da demais materialidade invocada pelo Recorrente como susceptível de relevar em termos da definição da solução da causa, o que atinge de improcedência o erro de julgamento de facto assacado à decisão recorrida.

III- Não legitimando a decisão recorrida a aquisição da evidência de que os fundamentos invocados na própria decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adotada naquela, inexiste qualquer nulidade de sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão.

IV- Falhando o nexo ligante entre o ato ilícito imputado ao Réu e o acidente descrito nos autos, não pode o mesmo ser considerado civilmente responsável pelo danos sofridos pelo Autor, na medida em que falta o pressuposto apontado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
1. AA, melhor identificado nos presentes autos de Ação Administrativa Comum, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada da sentença nos autos, que julgou a presente ação improcedente, em consequência, absolveu os Réus, aqui Recorridos, MUNICÍPIO_1 ... e EMP01... S.A., do pedido.
2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
I- Pese embora a reformulação da decisão do tribunal a quo, o recorrente também não se pode conformar com a decisão de 4 de outubro de 2022, que, novamente, julgou a ação improcedente e absolveu os recorridos dos pedidos formulados pelo recorrente e o condenou nas custas do processo.
II- De facto, face às sugestões do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, o tribunal a quo adicionou novos factos aos factos provados e não provados, entrando em flagrante contradição entre uns e outros, e alterando a sua convicção de facto e fundamentação de direito.
III- Assim, entende o recorrente que a sentença de 4 de outubro de 2022, ainda de forma mais gritante que a anterior, padece de erros na apreciação da matéria de facto e de direito e está ferida de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, aplicável por força n.º 3 do art.º 141º do CPTA.
IV- Por outro lado, a sentença recorrida continua a padecer de lapsos de escrita.
A- DOS ERROS DE ESCRITA
V- Na sentença em crise, o tribunal a quo aproveitou a oportunidade para corrigir a data na alínea “WW” dos factos provados: “Em 21-09-2009, o A. remeteu comunicação ao Município_2 ..., pela qual peticionou uma indemnização pelos danos que teve com o acidente (fls. 197-201);”.
VI- No entanto, não corrigiu a referência ao Município_2 ....
VII- Ora, trata-se de manifesto lapso de escrita a referência ao Município_2 ..., pois o que realmente se queria referir era ao MUNICÍPIO_1 ..., que é Reu nos autos e a quem foi dirigida a comunicação do Autor.
VIII- Assim, por força dos números 1 e 2 do art.º 614º do CPC, deverá ser corrigido o referido lapso de escrita e passar a constar dos factos provados, alínea “WW. Em 21-09-2009, o A. remeteu comunicação ao MUNICÍPIO_1 ..., pela qual peticionou uma indemnização pelos danos que teve com o acidente (fls. 197-201);”
B – DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO
IX- Pese embora a reformulação da decisão recorrida de 4-10-2022, o recorrente continua a entender ter havido insuficiente apreciação da prova produzida e, por isso, recorre também quanto à decisão da matéria de facto que foi considerada provada e não provada, nomeadamente a agora aditada, tendo por isso o presente recurso como objeto, além de outros fundamentos, a reapreciação da prova.
X- Na verdade, o recorrente entende que, mediante a prova produzida em audiência de julgamento, os factos provados devem ser aditados ou, pelo menos, complementados, e outros eliminados.
XI- Assim, ficou provado que “E. A categoria profissional do A. à data do acidente correspondia a condutor de pesados (confissão);”.
XII- Sucede que, para além de ter sido alegado e provado a categoria profissional do Autor, também foi alegado - artigos 87º e 88º da petição inicial - e ficou provado, que no âmbito da sua categoria de motorista de pesados, incumbia ao A., entre outras tarefas, fazer a condução de veículos e as cargas e descargas dos móveis para o veículo, e que, mercê das sequelas ocasionadas pelo acidente, o A. encontra-se totalmente incapaz de carregar com pesos superiores a cinco quilos.
XIII- Referente às funções que cabiam no âmbito da categoria profissional do Autor, ora recorrente, foram ouvidas, na audiência de julgamento a 13 de outubro de 2020, as testemunhas BB e CC, cujos depoimentos encontram-se gravados.
XIV- Referente à testemunha BB, o tribunal a quo refere na motivação da sua convicção refere: “BB era o empregador do A. à data do acidente e depôs de modo espontâneo e coerente…. Com relevância para a situação dos autos disse que o A. “era alegre, bem-disposto, muito bom”, para se referir ao desempenho funcional deste. Mais permitiu concluir que as funções do A. incluíam a descarga e a entrega dos móveis. Este ponto, em conjugação com o constante do relatório pericial, que indica dificuldades em carregar pesos superiores a 5 kgs, leva a concluir que o A. deixou de poder fazer a entrega de móveis.” XV- Mas, ainda referente às funções inerentes à categoria profissional do recorrente, foi ouvida a testemunha CC que de uma forma espontânea, isenta e justificada, afirma que as funções do recorrente “…era motorista da empresa e fazia tudo que fosse andar por fora, carga, descarga, entregas, tudo isso, montagem dos móveis.”
“E” dos factos provados deve ser aditado que as funções do Autor incluíam a carga e descarga e entrega dos móveis aos clientes, devendo passar a constar: E. A categoria profissional do A. à data do acidente correspondia a condutor de pesados e incluíam a carga e descarga e entrega dos móveis aos clientes (confissão e depoimentos de BB e CC).
XVII- Ainda referente aos factos provados, na sentença recorrida ficou a constar o seguinte, na alínea “F: O A. utilizava o seu veículo diariamente, para ir trabalhar, para ir às compras e ainda para ir passear (depoimento de DD);”.
XVIII- Também nesta alínea dos factos provados, entende o recorrente que na mesma deve ser aditado que o veículo era utilizado para ir às compra e passear com a família.
XIX- Na verdade, o recorrente alegou isso mesmo nos artigos 45º e 46º da sua petição inicial e ficou provado, com o depoimento de DD.
XX- De facto, a testemunha DD referiu por várias vezes que o veículo era usado diariamente pelo Autor para ir trabalhar e para fazer compras e passear com a família, pois tinham uma filha e não tinham espaço para ela no outro veículo de dois lugares que a testemunha conduzia.
XXI- A esta mesma conclusão chegou o tribunal a quo, que na motivação da sua convicção refere a propósito do depoimento desta testemunha: “ Esta declarou ainda que o carro acidentado era o carro do dia-a-dia – a testemunha tinha uma carrinha de dois lugares, mas este era para ela ir trabalhar e não tinha espaço para a filha de ambos.” XXII- Assim, na alínea “F” dos factos provados deve ser aditado que o veículo era utilizado para ir às compras e passear com a família, devendo passar a constar: F. O A. utilizava o seu veículo diariamente, para ir trabalhar, para ir às compras e ainda para ir passear com a família (depoimento de DD).
XXIII- Continuando na apreciação dos factos provados, nas alíneas “L” e “N”, da sentença recorrida ficou a constar o seguinte, respectivamente:”Nesse momento, havia areia na Rua ... (depoimento de EE, FF e GG); MUNICÍPIO_1 ... procedia a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica (depoimento de HH e doc. a fls. 202);”.
XXIV- Também nestas alíneas dos factos provados, entende o recorrente que na mesma deve ser aditado a existência de areia e brita na Rua ..., em virtude de MUNICÍPIO_1 ... proceder a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica, com colocação de brita e areia.
XXV- Na verdade, o recorrente alegou isso mesmo nos artigos 12º, 14º e 15º da sua petição inicial e ficou provado, e com o depoimento das testemunhas EE, FF, GG e HH, e com o documento de fls. 202.
XXVI- A testemunha HH foi ouvida, na audiência de julgamento a 13 de outubro de 2020, onde explicou de uma forma clara o procedimento da regra asfáltica, confirmando no essencial o teor do ponto I da sua informação de fls. 202 dos autos, declarando que ”Tem uma camada de brita, esqueci-me da camada de brita, depois leva o alcatrão, depois espalha a areia e o cilindro.” XXVII- Assim, na alínea ”L” dos factos provados deve ser aditado a existência de brita, passando a constar: Nesse momento, havia areia e brita na Rua ... (depoimentos de EE, FF, GG e HH).
XXVIII- Na Alínea “N” dos factos provados deve ficar a constar: MUNICÍPIO_1 ... procedia a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica, com colocação de brita e areia (depoimento de HH e doc. a fls. 202).
XXIX- Mas a alínea “O” dos factos provados também merece um reparo, no sentido de ser eliminado a referência à sinalização vertical e ficar a constar que o local não estava sinalizado com qualquer tipo de sinalização a alertar para a presença de areia na via, conforme depoimentos de EE, FF, GG e HH.
XXX- Também a alínea “S” dos factos provados deve ser complementada, no sentido de passar a constar que o Autor, ora recorrente, logo após a ligeira curva vislumbrou quatro pessoas e um carrinho de bebé do lado nascente da Rua ... e desviou-se em direção ao lado poente.
XXXI- De facto, o Autor, ora recorrente, no ponto 9º da sua petição inicial alegou que “Percorridos poucos metros da Rua ..., em que a via é mais estreita, o A. avista alguns peões com um carrinho de bebé, do lado direito da via”.
XXXII- O que foi confirmado pela testemunha II, ouvida na audiência de julgamento a 13 de outubro de 2020, que no seu depoimento é muita explicita ao enumerar os familiares de que se fazia acompanhar quando circulava na Rua ..., no dia e hora do acidente, afirmando, por mais do que uma vez, que vinha na Rua ... com mais 4 familiares, sendo que a sua filha de 3 anos de idade vinha num carrinho de bebé.
XXXIII- O tribunal a quo valorou positivamente o depoimento desta testemunha e faz notar na motivação da matéria de facto que a testemunha GG faz referência ao carrinho de bebé, mas depois não levou à matéria dos factos provados.
XXXIV- Ora, o recorrente entende que o facto foi alegado, ficou provado e que é relevante para perceber toda a dinâmica do acidente.
XXXV- Pelo que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, entende o recorrente que no ponto “S” dos factos provados deve ficar a constar: Logo após essa ligeira curva, no momento referido no ponto H do probatório, o A. vislumbrou 4 pessoas e mais um carrinho de bebé, do lado nascente da Rua ... e desviou-se em direcção ao lado poente (depoimento/declarações de parte e depoimento da testemunha GG).
XXXVI- Por outro lado, o recorrente também não se conforma com os factos provados nos pontos “T” e “UUU” – este aditado na nova sentença recorrida - que, para além de se repetirem, com a nova redação do ponto “UUU” foi reforçado a ideia que o veículo circulava na Rua ... à velocidade de 70 km/hora, fundamentada no relatório pericial.
XXXVII- Sucede que, o relatório pericial não faz referência à velocidade que o veículo acidentado circulava, mas sim à provável velocidade que o veículo bateu no muro, como refere na resposta aos quesitos, fls. 23 do relatório: “O Veículo Nr.1, no momento do embate no muro da habitação nº ...1 da Rua ..., ..., MUNICÍPIO_1 ..., circulava a uma velocidade de aproximadamente 70Km/horas.”
XXXVIII- Por outro lado, o veículo circulava na Rua ... no sentido descendente, pelo que era natural ganhar velocidade à medida que descia a Rua.
XXXIX- Sendo que a testemunha II, ouvida na audiência de julgamento a 13 de outubro de 2020, refere, a instâncias da mandatária do Autor, que este não circulava a muita velocidade.
XL- Razões pelas quais, o recorrente não se pode conformar com o facto provado no ponto “UUU”, que pretende reforçar o ponto “T” dos factos provados, reclamando-se a eliminação do Ponto “UUU” dos factos provados e a alteração do Ponto “T” dos factos provados, no sentido de passar a constar: No momento do embate no muro da habitação nº ...1 da Rua ..., ..., MUNICÍPIO_1 ..., o A. circulava a uma velocidade de aproximadamente 70Km/horas (relatório pericial do acidente).
XLI- Mas a sentença recorrida ainda exige outros reparos, no que aos factos provados se refere, reclamando outros aditamentos, nomeadamente referente às lesões sofridas na pessoa do recorrente em consequência do acidente.
XLII- O recorrente alegou – artigos 78º e 107º da petição inicial – e provou que, devido às três cirurgias a que foi submetido, ficou com enormes cicatrizes no joelho, perna e tornozelo direitos.
XLIII- De facto, o relatório pericial médico é muito preciso e minucioso, descrevendo no ponto “B. EXAME OBJETIVO, 2. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento O(A) examinando(a) apresenta as seguintes sequelas: Membro superior direito: cicatriz não recente longitudinal de 14 cm, na região anterior do 1/3 inferior da perna que se estende para a região dorsal do pé. Cicatriz não recente longitudinal com 6 cm, na região medial do tornozelo. Cicatriz não recente, longitudinal, que se estende do 1/3 inferior da região anterior da coxa até à região inferior do joelho. 3 cicatrizes com 1 cm de diâmetro na região anterior de 1/3 superior da perna. Hipotrofia dos músculos da perna em 2 cm. Hipotrofia dos músculos da coxa em 3 cm,…” XLIV- Ou seja, a subalínea b. da alínea III. dos factos provados deve ser aditada, ficando a constar: b. Atrofiamento da perna, com hipotrofia dos músculos da perna em 2 cm e hipotrofia dos músculos da coxa em 3 cm (relatório pericial médico).
XLV- Também a subalínea g. da alínea III. dos factos provados deve ser aditada, ficando a constar: g. Cicatrizes no joelho, perna e tornozelos direitos: sendo uma cicatriz não recente longitudinal de 14 cm, na região anterior do 1/3 inferior da perna que se estende para a região dorsal do pé.
Cicatriz não recente longitudinal com 6 cm, na região medial do tornozelo.
Cicatriz não recente, longitudinal, que se estende do 1/3 inferior da região anterior da coxa até à região inferior do joelho. 3 cicatrizes com 1 cm de diâmetro na região anterior de 1/3 superior da perna ( relatório pericial médico e fotografias de fls. 126 dos autos).
XLVI- Mas o relatório médico pericial, para além de descrever as sequelas que o recorrente apresenta relacionadas com o acidente, prossegue para a discussão das mesmas e conclui que o recorrente padece de um “…Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 11 pontos. Na situação em apreço é de perspetivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso.” Prosseguindo nas “CONCLUSÕES… -Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 11 pontos, sendo de admitir a existência de Dano Futuro (5 pontos, por artrose da articulação tibio-astragalina).”
XLVII- Pelo que, entende o recorrente que a alínea MMM. dos factos provados também deve ser aditada, no sentido de ser acrescentado o dano futuro, que para além de ter sido alegado – art.º 93º da petição inicial - ficou provado pelo relatório pericial médico, devendo ficar a constar: MMM. O A. sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica avaliado em 11 pontos (relatório pericial médico); MMM.1- É fisiopatologicamente certo e seguro que o Autor sofrerá de Dano Futuro, por artrose da articulação tibio-astragalina, fixável em 5 pontos.
XLVIII- Ainda em relação aos factos provados, mas agora referente aos que foram aditados com a sentença de 04-10-2022, o recorrente entende que os factos constantes nas alíneas “SSS” e “TTT” foram incorretamente julgados e estão em contradição com outros factos provados.
XLIX- Assim, nos factos provados, fez-se constar na alínea “SSS. O A., no local e momento referidos no ponto H do probatório circulava desatento às circunstâncias que o rodeavam (confissão do A. e presunção judicial);”.
L- Ora, este facto não pode de forma alguma ser dado como provado, pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido, razão pela qual o tribunal a quo não pode recorrer a presunções judiciais, muito menos quando essa presunção apenas surge após o tribunal a quo ser convidado a refazer a decisão de facto e de direito.
LI- Na verdade, o tribunal a quo apenas fundamenta a sua convicção nas declarações de parte do Autor, ora recorrente.
LII- No entanto, o recorrente em momento algum das suas declarações referiu conduzir desatento ou por qualquer forma deu entender que seguia na via ... de forma menos atenta, muito pelo contrário.
LIII- O Autor sempre referiu que depois da curva avistou as pessoas do seu lado direito e desviou-se para o seu lado esquerdo e sentiu o carro a fugir.
LIV- Também não é o facto de o Autor ficar com o pé preso no pedal que permite concluir que circulava desatento.
LV- Pois, se atendermos à sucessão dos factos e à ordem natural dos mesmos, facilmente se conclui que o Autor apenas ficou com o pé preso no pedal depois de se desviar em direção ao lado poente, depois de ter visto pessoas do lado nascente, e veio a embater no muro de uma habitação; cfr. factos provados nas alíneas “S” e “V”.
LVI- Ora, na falta de factos concretos de que o autor circulava de forma desatenta, o tribunal a quo não pode socorrer-se de presunções judiciais para dar factos como provados.
LVII- Termos em que, o facto “SSS” dos factos provados deve ser eliminado e levado aos factos não provados.
LVIII- O mesmo se reclama do ponto “TTT” dos factos provados.
LIX- Na verdade nenhuma das partes interveniente alegou que a via estava em bom estado de conservação, sem buracos ou fissuras.
LX- Sendo que, as fotos de fls. 106 e seguintes também não permitem extrair e concluir que a via estava em bom estado de conservação, muito pelo contrário.
LXI- Na verdade, o que se vê é a via coberta de areia e brita.
LXII- No concreto caso, foi o próprio Município a criar o perigo, ao colocar a areia e brita na via, sem qualquer tipo de sinalização que alertasse e prevenisses os condutores para o risco que a via apresentava.
LXIII- Termos em que, o ponto “TTT” dos factos provados deve ser eliminado e levado aos factos não provados.
LXIV- Por outro lado, entende o recorrente que o tribunal incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, ao julgar não provado o ponto 1, que refere: “1.
O A. auferia o salário médio mensal de 1.000 € (depoimento de CC);”.
LXV- Na verdade, entende o recorrente que do depoimento da testemunha CC resulta provado que Autor, ora recorrente, auferia o salário médio mensal de 1.000 €.
LXVI- Ou seja, a testemunha CC, cujo depoimento o tribunal considerou coerente e valorou-o positivamente, afirmou que o recorrente até ganharia mais de € 1.000,00, pois, na altura, faziam muitas viagens, para ..., para o ..., para ..., ..., e dava muitas horas.
LXVII- Pelo que, entende o recorrente que deve ser considerado como provado que o recorrente auferia o salário médio mensal de 1.000 € (depoimento de CC), devendo ser aditado aos factos provados e eliminados dos factos não provados.
LXVIII- Mas em relação aos factos não provados, a sentença recorrida ainda reclama outros reparos, agora referentes aos factos aditados, que o tribunal a quo considera fazê-lo “…em respeito ao determinado pelo douto aresto do Tribunal Central Administrativo Norte”, nomeadamente os factos não provados nos pontos 8 a 11.
LXIX- Na verdade, o recorrente não se pode conformar com a alteração da decisão recorrida, ao dar como não provados os factos dos Pontos 8. a 11., apenas porque interpretou que seria essa a orientação do Tribunal Central Administrativo Norte.
LXX- Pois, o tribunal a quo alterou a sua convicção sem qualquer fundamentação, já que na primeira sentença considera que “A omissão do
Município na remoção da areia ou na colocação da sinalização constitui causa adequada à verificação dos danos. De acordo com as regras da experiência (e que também foi mencionado pelo relatório pericial do acidente), a existência de areia no piso diminui a aderência dos pneus e torna muito mais perigosa a condução. Há um risco não insignificante para quem conduz de, deparando-se com um qualquer obstáculo inusitado, perder o controlo do veículo e vir a embater num obstáculo.”
LXXI- Por outro lado, estes factos considerados não provados entram em plena contradição com os factos provados nas alíneas L, M, N. O, P, Q, S, V.
LXXII- Mas o próprio tribunal a quo entra em contradição na fundamentação de facto, ao referir: “Por outro lado, os pontos 8 e 9 e o ponto 10 contrariam-se, pois se primeiro o A. atribui o acidente à presença de areia, a final já o atribui à ausência de sinalização. Ora, a presença ou não de sinalização era neste caso absolutamente inconsequente, parece-nos – se o A. tivesse visto o sinal, como mudaria ele a sua condução? Como reduziria a velocidade? Travando, decerto – todavia, este tentou travar mas ficou com o pé preso no pedal (ponto U do probatório). Com sinal ou sem sinal, o A. continuaria a circular em excesso de velocidade, numa via com fraca iluminação, muito provavelmente atrapalhado de ter o pé preso. Isto aponta para que a falta de sinalização não seja a causa do acidente.”
LXXIII- Na verdade, o tribunal a quo em vez de se basear em factos concretos e dar como provados factos concretos, parte de premissas erradas.
LXXIV- Ora, como é possível afirmar que existe contradição entre os factos alegados de que a causa direta e imediata do acidente foi a existência de areia e brita no piso - artigo 21º da petição inicial – e a falta de sinalização adequada por forma a obstar que a areia e brita existentes na via possam surpreender os condutores – artigos 16º, 17º, 22º e 23º da petição inicial.
LXXV- Na verdade, a causa direta e imediata do acidente foi a existência de areia e brita, que provocou a perda de aderência e descontrolo do veículo; cfr. factos provados nas alíneas L, M, N e P.
LXXVI- No entanto, o Réu MUNICÍPIO_1 ... tinha a obrigação e o dever de sinalizar a existência da areia e brita, com a sinalização adequada a alertar os condutores para o perigo que o próprio Município criou com a regra asfáltica, e com a devida antecedência, por forma a permitir que os condutores a vissem e lhes permitisse adequar a sua condução ao estado da via.
LXXVII- Razões pelas quais, o Réu MUNICÍPIO_1 ... agiu com culpa efectiva e ilicitamente, pois violou as normas legais, nomeadamente os nº.s 1 e 2 do artigo 5º do Código da Estrada, que, na redação ao tempo dos factos, dispõem: “1 - Nos locais que possam oferecer
perigo para o trânsito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis, devem ser utilizados os respectivos sinais de trânsito. 2 - Os obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes.”
LXXVIII- A obrigação de colocação de sinalização é feita no interesse e proteção dos utilizadores das vias, e deve ser feita de forma bem visível e a uma distância que permita aos condutores adequar a sua condução ao estado da via.
LXXIX- Como pode o tribunal a quo concluir que a inexistência de sinalização para a existência de areia na via é inconsequente para a ocorrência do acidente.
LXXX- De facto, se houvesse sinalização bem visível e com a devida antecedência, o recorrente teria adequado a velocidade a que circulava às condições da via.
LXXXI- E não se diga que o recorrente não reduziria a velocidade a que circulava, porque quando tentou travar ficou com o pé preso no pedal.
LXXXII- Pois, o facto de ter ficado com o pé preso no pedal foi uma circunstância fortuita, que aconteceu quando desviou o seu veículo para o lado poente, não podendo-se daí extrapolar que iria acontecer em qualquer momento em que o recorrente levasse o pé ao travão.
LXXXIII- Por outro lado, resulta dos factos provados que o piso estava escorregadio – alíneas “L” e “M” dos factos provados: “Nesse momento havia areia na Rua ...… As pessoas sentiam o piso derrapar quando iam a pé…”
LXXXIV- Ora, é do conhecimento geral e do senso comum, que uma travagem em cima da areia pode provocar o desgoverno do veículo para qualquer um dos lados, direita ou esquerda, sendo que os peões circulavam à direita do recorrente.
LXXXV- Facto que também é conhecido do tribunal a quo que acaba mesmo por referir na sentença recorrida que “De acordo com as regras da experiência (e que também foi mencionado pelo relatório pericial do acidente), a existência de areia no piso diminui a aderência dos pneus e torna muito mais perigosa a condução. Há um risco não insignificante para quem conduz de, deparando-se com um qualquer obstáculo inusitado, perder o controlo do veículo e vir a embater num obstáculo.”
LXXXVI- Aliás, nem poderia ser desconhecido do tribunal a quo, uma vez que o Relatório Pericial do Acidente repetiu esta evidência por várias vezes:
Fls.10/24,“Nas fotografias anteriores, que constam dos autos, é possível visualizar a presença de alguma gravilha, uma vez que a via estava em obras de recuperação do piso na altura do acidente. É possível afirmar que a presença de gravilha no piso é prejudicial para uma condução segura, uma vez que o coeficiente de atrito entre pneu-piso é relativamente inferior, comparativamente a um piso que se encontra em boas condições [5, 6]. O coeficiente de atrito permite calcular as forças geradas entre nas superfícies de dois corpos em contacto e quanto maior for o seu valor, maior aderência ao piso o veículo possui.
Fls.18/24,”De acordo com as declarações do condutor do Veículo Nr.1, no momento em que conduziu o veículo para o centro da via, perdeu aderência ao piso.
Refere-se que a presença de gravilha no piso é prejudicial para uma condução segura e pode potenciar despistes, uma vez que o coeficiente de atrito entre pneu-piso é relativamente inferior comparativamente a pisos com boas condições [5, 6]. Nestas condições será mais difícil controlar a trajetória do veículo, principalmente se forem realizadas mudanças bruscas de direção.” Fls.22/24,” VI) Discussão / Conclusão Após análise dos dados fornecidos e disponíveis, ficou demonstrado por uma análise de compatibilidade de danos que o Veículo Nr.1 sofreu danos na zona frontal consequência do embate com o muro/portão da habitação nº...1 na Rua ..., ..., MUNICÍPIO_1 .... Foi possível verificar através da análise das diversas fotografias disponibilizadas que, na altura do acidente, o piso era caracterizado por possuir alguma gravilha. Este facto pode potenciar despistes e não promove uma condução segura, uma vez que o coeficiente de atrito entre pneu-piso é relativamente inferior ao verificado caso o piso se encontrasse em boas condições.”
LXXXVII- Razões pelas quais, o recorrente, ao avistar os peões do seu lado direito, desviou o veículo para o seu lado esquerdo, lado poente - como ficou provado na alínea “S”- e perdeu o controlo da sua viatura.
LXXXVIII- Termos em que, o recorrente defende que os pontos 8, 9, 10 e 11 dos factos não provados foram incorretamente julgados, pois entram em contradição com os factos provados e as regras da experiência comum e com a convicção do tribunal a quo formulada na sentença de 30-11-2020.
LXXXIX- Pelo que, devem ser eliminados dos factos não provados e levados às alíneas dos factos provados.
C – DA APLICAÇÃO DO DIREITO
C.1 – DA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA
XC- O recorrente entende, ressalvado o devido respeito, que a decisão recorrida enferma de nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, nomeadamente no que se refere à culpa do Réu MUNICÍPIO_1 ... e ao nexo causal entre o facto e o dano.
XCI- C.1.1. – DA CULPA
XCII- No que à culpa se refere, apesar do tribunal a quo fazer uma abordagem muito superficial sobre este requisito, parte desde logo de um pressuposto errado, quando refere “Quanto à culpa, o A. defende que esta se presume, nos termos do art. 10.º/2 e 3 do RCEE e do art. 493.º do CC., sem alegar qualquer facto constitutivo desta (o ponto 34.º é uma mera conclusão)”.
XCIII- Ora, não é verdade, muito pelo contrário, que o recorrente defende que a culpa se presume e, muito menos, que não alegou qualquer facto constitutivo da culpa.
XCIV- Na verdade, o recorrente não só alegou como até provou a culpa efectiva do Réu MUNICÍPIO_1 ...; conferir artigos 19º, 20º, 21º, 22º, 23º e 33º, 34º e 35º, todos da petição inicial.
XCV- Ou seja, o recorrente alegou a culpa efetiva, a culpa em termos gerais aplicável à responsabilidade civil por factos ilícitos, prevista no art.º 487º do Código Civil e no n.º 1 do art.º 10º do RCEE.
XCVI- No entanto, e sem prescindir, o recorrente não deixou de referir que a culpa sempre se presume, nos termos do n.º 2 do art.º 10º do RCEE, para, assim, prevenir a eventualidade de não conseguir fazer a prova da culpa efectiva.
XCVII- Sucede que, ficou provada a culpa efetiva, a culpa em termos gerais do art.º 487º do Código Civil do Réu Município de MUNICÍPIO_1 ..., veja-se os seguintes factos provados: “L. Nesse momento, havia areia na Rua do Além…; M. As pessoas sentiam o piso derrapar quando iam a pé…; N. MUNICÍPIO_1 ... procedia a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica…; O. O local não estava sinalizado com sinalização vertical a alertar para a presença de areia na via…; P. A existência de gravilha na via é prejudicial para uma condução segura e pode potenciar despistes…; Q. A Rua ... é pouco iluminada…;”.
XCVIII- Ou seja, não só ficou provado que a existência de areia não estava sinalizada, como ainda ficou provado que a existência de areia – e brita, cujo aditamento se reclama – devia-se às obras de manutenção do piso da Rua ... levadas a cabo nesse dia pelo Réu MUNICÍPIO_1 ....
XCIX- Agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou a censura do direito.
C- A conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que podia e devia ter agido de outro modo.
CI- De facto, para além do Réu Município ter colocado a brita e areia na via, não cuidou de sinalizar aquele perigo.
CII- Ora, não tendo o Réu MUNICÍPIO_1 ... o cuidado de sinalizar a existência de brita e areia, que o mesmo colocou sobre a via ao executar uma regra asfáltica, o mesmo não só agiu ilicitamente, como teve um comportamento censurável, revelador da falta de diligência que lhe é exigida.
CIII- Na verdade, exigia-se ao Réu MUNICÍPIO_1 ... que tivesse previsto que ao não sinalizar a brita e areia que colocou sobre a via pública, nos termos legalmente exigidos, pudessem ocorrer acidentes como o que veio a verificar-se com o recorrente.
CIV- O Réu MUNICÍPIO_1 ... violou, pois, o dever objetivo de cuidado que sobre si impendia, pelo que existe uma culpa efetiva da sua parte na verificação dos danos reclamados, não sendo necessário recorrer ao art.º 493º, 1 do C. Civil.
CV- Pelo que, a sentença recorrida violou a disposição legal do art.º 487º do Código Civil.
C.1.2. – DO NEXO DE CAUSALIDADE
CVI- Mas a contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida também se verifica aquando a apreciação de um outro requisito da responsabilidade civil, o nexo de causalidade.
CVII- Ora, como supra já foi referido, foi o Réu Município, pelos seus serviços, que colocou a brita e areia na via quando procedia a uma regra asfáltica, que não cuidou de sinalizar.
CVIII- E, como se refere na sentença recorrida, “De acordo com as regras da experiência (e que também foi mencionado pelo relatório pericial do acidente), a existência de areia no piso diminui a aderência dos pneus e torna muito mais perigosa a condução. Há um risco não insignificante para quem conduz de, deparando-se com um qualquer obstáculo inusitado, perder o controlo do veículo e vir a embater num obstáculo.” CIX- De facto, para além do Réu Município ter colocado a brita e areia na via, o que só por si é causa adequada do dano, não cuidou de sinalizar aquele perigo.
CX- Assim, a existência de brita e areia na via foi pois a causa adequada para a verificação do dano, sem o qual o dano não se teria verificado.
CXI- No relatório pericial do acidente refere-se: “…na altura do acidente, o piso era caracterizado por possuir alguma gravilha. Este facto pode potenciar despistes e não promove uma condução segura, uma vez que o coeficiente de atrito entre pneu-piso é relativamente inferior ao verificado caso o piso se encontrasse em boas condições.”, fls. 22/24.
CXII- Por outro lado, o facto de a existência de brita e areia não estar sinalizada fez com que o recorrente não pudesse prever e conhecer aquele perigo atempadamente, por forma a adequar a sua condução ao estado de perigosidade da via, nomeadamente a reduzir a velocidade.
CXIII- Pelo que, a existência de brita e areia na via e a não sinalização das mesmas, face à experiência comum, foram a causa adequada do dano, são as causas que se mostram aptas, idóneas ou adequadas a produzir o dano.
CXIV- Pois, ficou provado que “H. Em 13-03-2009, por volta das 23h45, o Autor circulava na Rua ..., vindo do Largo ... em ..., MUNICÍPIO_1 ...… J. No início da Rua do Além existe uma curva ligeira a nascente… L. Nesse momento, havia areia na Rua do Além…M. As pessoas sentiam o piso derrapar quando iam a pé… N. MUNICÍPIO_1 ... procedia a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica…
O. O local não estava sinalizado com sinalização vertical a alertar para a presença de areia na via… P. A existência de gravilha na via é prejudicial para uma condução segura e pode potenciar despistes… Q. A Rua ... é pouco iluminada… R. Nessa noite não chovia.”
CXV- Ora, não fosse a existência de brita e areia na via e o acidente e, por consequência, os danos, não se teriam verificado.
CXVI- Por outro lado, se a brita e areia estivessem de alguma forma sinalizadas permitiriam ao recorrente adequar a sua condução, nomeadamente adequar a velocidade ao estado da via.
CXVII- Pelo que, não foi, de forma alguma, o facto de o recorrente circular a uma velocidade de aproximadamente 70km/hora a causa adequada à verificação dos danos, pois, o recorrente até poderia circular à velocidade legalmente permitida de 50Km/hora e o dano sempre se verificaria.
CXVIII- Pois, é da experiência comum que circular à velocidade de 70km/hora não é causa adequada, muito menos suficiente, para provocar um acidente, pois a ser assim, todos nós teríamos acidentes todos os dias e a todas as horas.
CXIX- Por outro lado, não chovia e o veículo era da marca Audi, modelo A4, tinha os pneus em bom estado de conservação – alínea “RRR” dos factos provados – pelo que, o tempo e o veículo ofereciam condições de circulação em segurança.
CXX- Mais se tendo provado, que o recorrente era condutor de pesados e em 05-07-2011 nada constava no registo individual de condutor relativamente a contraordenações estradais (alíneas E. e PPP. dos factos provados), ou seja, o recorrente era um condutor experiente e, apesar dos vários quilómetros que fazia no exercício da sua profissão de motorista, não tinha qualquer registo de contraordenações estradais.
CXXI- Na verdade, o recorrente era e é um condutor prudente e diligente, que foi surpreendido com a existência de areia e brita na via em que circulava, sem que nada, nomeadamente sinalização, o fizesse prever e adequar a sua condução ao estado da via.
CXXII- Por outro lado, o facto de o recorrente não ter travado não pode, no cenário dos presentes autos tal qual ficou provado – havia areia na Rua do Além e as pessoas sentiam o piso derrapar quando iam a pé – ser causa provável de ocorrência do acidente.
CXXIII- De facto, atendendo ao estado da via com areia e brita, se o recorrente recorresse ao travão ainda iria potenciar mais rapidamente a ocorrência do acidente.
CXXIV- Pelo que, o Réu MUNICÍPIO_1 ... ao colocar a brita e a areia, quando procedeu a uma rega asfáltica, sabia que era previsível ocasionar acidentes e não cuidou em sinalizar o perigo, pelo que agiu ilícita e culposamente, e que foi a causa direta e necessária do acidente e dos danos sofridos pelo recorrente.
CXXV- Pelo que, a decisão recorrida violou as disposições legais dos artigos 563º e 570º do Código Civil.
C.2 – DO CÔMPUTO DAS INDEMNIZAÇÕES PELOS DANOS
CXXVI- Agora, quanto ao cômputo da indemnização, a verdade é que o recorrente alegou e concretizou na petição inicial os critérios que presidiram ao cálculo da indemnização, provando-se os mesmos ajustados.
C.2.1. – DA PRIVAÇÃO DO VEÍCULO
CXXVII- Assim, quanto ao dano da privação do uso do veículo, o inconformismo do recorrente é motivado não só quanto ao tempo de privação, como quanto ao valor diário.
CXXVIII- Entende o recorrente que o valor diário de € 5,00 da indemnização pela privação do veículo fixado na sentença recorrida, peca por defeito, sendo injusto, até pela resenha das decisões jurisprudenciais selecionadas pelo tribunal a quo.
CXXIX- Na sentença recorrida, o tribunal a quo socorre-se de 7 decisões dos tribunais superiores, sendo que apenas em duas delas se fixou a indemnização pela privação de uso de veículo no montante diário de € 5,00; sendo que duas fixam no montante diário de € 15,00; e as outras três fixam no montante diário de € 10,00.
CXXX- Ora, facilmente se constata que na maioria das decisões dos tribunais superiores foi fixado o montante diário de € 10,00.
CXXXI- Sendo que, se se fizer um cálculo aritmético para obter a média dos montantes arbitrados e, assim, somar todos os valores fixados e dividi-los pelas 7 decisões, obtemos o montante diário de € 10,00.
CXXXII- Por outro lado, nas duas decisões em que se fixaram indemnizações por privação de veículo em € 5,00 por dia realçou-se o facto da falta de prova de outros factos para além da mera privação do uso.
CXXXIII- Ora, o recorrente alega e prova que utilizava o seu veículo diariamente, para ir trabalhar, para ir às compras e ainda para ir passear, pretendendo-se, ainda, que seja complementado com o facto de ir às compras e passear com a sua família, uma vez que a sua cônjuge tinha outro veículo, uma carrinha de dois lugares que usava para o seu trabalho, mas que não dava para se deslocarem com a filha de ambos.
CXXXIV- Pelo que, o recorrente não se ficou com a mera alegação e prova da privação do uso do veículo, indo mais além com a alegação e prova do uso dado ao mesmo e das consequências da sua privação.
CXXXV- Assim, na fixação do montante diário pela privação de uso do veículo deve-se atender, pelo menos, ao montante fixado na maioria da jurisprudência referenciada na sentença recorrida, pelo montante diário de € 10,00; cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21-12-2018, Proc. n.º 01039/13.1BEBRG, acessível em www.dgsi.pt.
CXXXVI- Por outro lado, e referente ao período de indemnização pela privação do veículo, a decisão recorrida não foi equitativa e justa ao atender ao período decorrente entre a data do acidente e o final do mês em que se efetuou a perícia ao veículo.
CXXXVII- Pois, o recorrente sentiu e sofreu a privação do uso de veículo pelo menos até à data em que adquiriu um outro veículo, sendo que o facto de o recorrente ter de adquirir um outro veículo para substituição do acidentado prova, ainda, a falta que o mesmo lhe fazia diariamente.
CXXXVIII- Assim, para quantificação da indemnização pela privação do uso de veículo deve-se atender ao período durante o qual o recorrente ficou privado de qualquer veículo de substituição, ou seja, desde 14-03-2009 até janeiro de 2010 (factos provados, alínea “XX. No início de 2010, o A. adquiriu um novo veículo automóvel…”).
CXXXIX- Pelo que, desde 14-03-2009 até pelo menos a 31-12-2009 decorreram 293 dias, a uma taxa diária de € 10,00, perfaz o montante de € 2.930,00, o que aqui se reclama.
C.2.2. – DA PERDA DE REMUNERAÇÕES
CXL- Referente ao montante indemnizatório pela perda de remunerações, o recorrente apenas tem a fazer o reparo, que já foi feito e que aqui se chama à colação, em sede de reclamação da matéria de facto.
CXLI- Pelo que, dando como provado que o recorrente auferia o vencimento mensal de € 1.000,00, o que multiplicado por 14 meses e dividido o resultado por 365 dias, obtemos o valor diário da remuneração do recorrente de € 38,36.
CXLII- Ora, multiplicando o montante do valor diário da remuneração do recorrente de € 38,36 pelos 476 dias de incapacidade para o trabalho, apuramos o montante de € 18.259,36 que o recorrente perdeu de remunerações.
CXLIII- Àquele montante de € 18.259,36 deduz-se o montante de € 4.692,81 que o recorrente recebeu a título de subsídio por doença e apura-se o montante de € 13.566,55. que o recorrente deixou de auferir em virtude da sua incapacidade temporária na atividade profissional, montante que aqui se reclama.
C.2.3. – DA INDEMNIZAÇÃO PELA INCAPACIDADE PERMANENTE GERAL
CXLIV- A título de indemnização pela incapacidade permanente geral, atualmente designada por Défice Funcional da Integridade Físico-Psíquica, o recorrente alegou, concretizou o método para fixar o montante indemnizatório e formulou o seu pedido de indemnização nos artigos 93º a 99º da petição inicial.
CXLV- Ora, pese embora lapso de tempo decorrido – mais de uma década, desde a entrada em tribunal da petição inicial a 21 fevereiro de 2011 e a decisão recorrida proferida a 04-10-2022 - e o facto de alguns dos fatores atendidos estarem desatualizados - a título de exemplo a esperança média de vida dos homens que atualmente se reputa em cerca de 80 anos de idade - a verdade é que as fórmulas matemáticas ainda são um auxílio válido no cálculo do montante indemnizatório pela incapacidade permanente geral.
CXLVI- Por outro lado, o recorrente não se conforma que a sentença recorrida não lhe tenha fixado a indemnização pelos danos patrimoniais.
CXLVII- Na verdade, a sentença recorrida, também neste item, fez uma resenha de várias decisões dos tribunais superiores e, em todas elas foram fixadas indemnizações pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
CXLVIII- Ora, o recorrente alegou e provou que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica avaliado em 11 pontos, alínea MMM., todos dos factos provados.
CXLIX- Sendo que o recorrente ainda reclama o aditamento da matéria de facto provado, no sentido de ser dado como provado que é fisiopatologicamente certo e seguro que o Autor sofrerá de Dano Futuro, por artrose da articulação tibio-astragalina, fixável em 5 pontos.
CL- Pelo que, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica avaliado em 11 pontos, a que acresce um Dano Futuro, fixável em 5 pontos, não pode ser considerado como um dano que não tem repercussões a nível de diminuição dos rendimentos do recorrente.
CLI- Na verdade, ficou provado que o recorrente tinha a categoria profissional de condutor de pesados; desde a data do acidente não pôde mais transportar móveis na empresa de móveis EMP02..., Lda.; em consequência do acidente tem dificuldade em carregar pesos acima de 5 kg; emigrou para o Luxemburgo quando ainda estava de baixa médica; no Luxemburgo, veio a arranjar emprego como condutor de pesados (cfr. factos provados, alíneas E.,GGG., III., f., CCC. e DDD.).
CLII- Ou seja, em consequência do acidente o recorrente ficou impossibilitado de exercer a sua atividade profissional e, para compensar a sua perda de capacidade de ganho, teve de emigrar.
CLIII- Pelo que, a indemnização € 67.793,00 que o recorrente reclama pelos danos patrimoniais pela incapacidade permanente geral é justa e equitativa.
CLIV- O tribunal a quo ao não ter fixado uma indemnização por danos patrimoniais violou as disposições legais dos artigos 562º e 564º do Código Civil.
CLV- Na verdade, a indemnização que o tribunal a quo arbitrou na quantia de € 35.000,00 reputa-se adequada para indemnizar os danos não patrimoniais.
CLVI- Devendo ser fixada a indemnização ao recorrente pelos danos patrimoniais, nos termos e montantes requeridos (…)”.
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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido MUNICÍPIO_1 ... produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
*
4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*
6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida enferma de (i) erro de escrita; (ii) de erro[s] de julgamento de facto; (iii) nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão; e (iv) erro de julgamento de direito, por ofensa do dispostos no artigos 487º, 562º, 563º, 564º, 570º do Código Civil.
9. É na resolução de tais questões, por razões de precedência lógica, que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
* *
III- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
*
III.1 – DO IMPUTADO ERRO DE ESCRITA
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10. Esta questão está veiculada nos pontos V) a VII) das conclusões de recurso supra transcrita, substanciando-se, no mais essencial, na alegação de que “(…) o tribunal a quo aproveitou a oportunidade para corrigir a data na alínea “WW” dos factos provados: “Em 21-09-2009, o A. remeteu comunicação ao Município_2 ..., pela qual peticionou uma indemnização pelos danos que teve com o acidente (fls. 197-201); VI- No entanto, não corrigiu a referência ao Município_2 .... (…)”, que deverá ser corrigida, passando a constar dos “(…) factos provados, alínea “WW. Em 21-09-2009, o A. remeteu comunicação ao MUNICÍPIO_1 ..., pela qual peticionou uma indemnização pelos danos que teve com o acidente (fls. 197-201); (…)”.
11. Adiante-se, desde já, que esta argumentação irá proceder.
12. Na verdade, esta alegação não reveste qualquer controvérsia entre o Recorrido, sendo que análise dos autos é inequívoca na afirmação da existência do invocado erro de escrita.
13. Destarte, é de proceder à retificação de tal lapso, passando a constar da matéria de facto na alínea WW) “dos “(…) factos provados, alínea “WW. Em 21-09-2009, o A. remeteu comunicação ao MUNICÍPIO_1 ..., pela qual peticionou uma indemnização pelos danos que teve com o acidente (fls. 197-201); (…)”.
14. Ao que se provirá no dispositivo.
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III.2 – DO[S] IMPUTADO[S] ERRO[S] DE JULGAMENTO DE FACTO
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15. A segunda questão decidenda consubstancia-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto nos pontos indicados pelo Recorrente.
16. Vejamos.
17. A lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige, desde logo, o cumprimento do ónus processual preconizado no artigo 640º do CPC.
18. De facto, e no que concerne à sua legal admissibilidade, ressuma com evidência do preceituado no nº. 2 do artigo 640º do CPC que, “sob pena de imediata rejeição do recurso”, deve o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
19. Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 04.12.2015, no processo nº. 418/12.6BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:”(…)
Como resulta do art.º 640, nºs. 1, b) e 2, a), do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar (dá-se aqui uma “ênfase redundante” nas palavras de Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, 5º edição, pág. 167), os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, sendo que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Tem por objectivo responsabilizar as partes (princípio da auto-responsabilidade das partes), vedando-lhes a impugnação a decisão da matéria de facto como uma mera manifestação de inconformismo infundado – cfr. A. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3ª edição, 2010, Almedina, p. 159 – bem como garantir, para além do contraditório, a cooperação processual entre as partes e o Tribunal.
Cfr. Ac. RL, de 26-03-2015, proc. nº 183/13.0TBPTS.L1-2 [destaque nosso]:
«(…) o art. 640.º do CPC fixa o ónus de alegação a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto.
Desse ónus, consta, designadamente, a especificação obrigatória dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou da gravação nele realizada e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (art. 640.º, n.º 1, do CPC).
O estabelecimento desse ónus de alegação destina-se, fundamentalmente, a proporcionar o efetivo contraditório da parte contrária e, por outro lado, a facilitar a compreensão e decisão da impugnação pela Relação, que pode modificar a decisão de facto, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC.
O incumprimento de tal ónus de alegação implica, sem mais, a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto (art. 640.º, n.º 1, do CPC).».
Conforme se sumaria no Ac. deste TCAN, de 22-05-2015, proc. nº 132/10.7BEPNF [destaque nosso]:
I) – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente: (i) sob pena de rejeição, especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (ii) sob pena de imediata rejeição na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados.
De igual forma no Ac. deste TCAN, de 28-02-2014, proc. nº 00048/10.7BEBRG [destaque nosso]:
I. Resulta do art. 685.º-B do CPC que quando se visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto o recorrente deve, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição do recurso, não só os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, como os concretos meios de prova constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizado, que impunham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.
Igualmente no Ac. deste TCAN, de 22-10-2015, proc. nº 1369/04.3BEPRT, se lembra [destaque nosso]:
«Como já salientámos em casos idênticos (v. Acórdão do TCAN, de 22.05.2015, P. 1224/06.2BEPRT), as competências dos Tribunais Centrais Administrativos em sede de intervenção na decisão da matéria de facto encontram-se reguladas, por força da remissão do artigo 140.º do CPTA, nos artigos 640.º e 662.º do CPC/2013, que acolheram um regime que, de um lado, assume a alteração da matéria de facto como função normal da 2.ª instância e, do outro, não permite recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, mas apenas admite a possibilidade de revisão de “concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente” (v. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 2014, 130). Neste contexto, recai sobre o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o ónus de especificar, por um lado, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, por outro, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, quanto a cada um dos factos que entende que deviam ter sido dados como provados ou não provados, incluindo a indicação exata das passagens da gravação, no caso de depoimentos gravados (artigo 640.º do CPC) (…)”.
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão deste T.C.A.N. de 17.01.2020 [processo n.º 141/09.9BEPNF], consultável em www.dgsi.pt:
“(…) Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes António Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª ed., 2017, pág. 155 sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos.
O cumprimento dos referidos ónus tem, como adverte Abrantes Geraldes, a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações.
É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.
A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de autorresponsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”(…)”.
20. Deste modo, à luz de tudo o quanto se vem de expender, haverá que se entender que a lei processual, para facultar a reapreciação da decisão matéria da facto, exige que o Tribunal Superior seja confrontado com (i) os concretos pontos que, no entender do Recorrente, se mostram como incorretamente julgados; (i.1) a indicação do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida; (i.2) a definição da decisão que, no entender daquele, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; e a (i.3) expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
21. Cientes do que se vem de expor, importa agora analisar a situação sob apreciação aferindo do cumprimento do ónus processual supra sintetizados, e, mostrando-se necessário, do acerto da matéria de facto sob impugnação.
22. E, nesse domínio, dir-se-á que, com referência aos erros de julgamento assinalados, que o Recorrente faz expressa referência aos pontos de facto que, no seu entender, se mostram como incorretamente julgados, motivando, na exigência de lei, tal entendimento, ou seja, com definição do meio probatório que impõe decisão diversa da recorrida, que define objetivamente, e com expressa de indicação com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
23. Importa, por isso, aferir do acerto [ou desacerto] da matéria de facto sob impugnação.
24. Do preceituado no nº.1 do artigo 662º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA, ressuma com evidência que este Tribunal Superior deve alterar a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuser decisão diversa.
25. Na interpretação desta normação de lei ordinária, decidiu-se no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.11.2017, o seguinte:
“(…) o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem. (...)
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis.
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. (...).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados, devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância. Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação. Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.
Em suma, na reapreciação das provas em segunda instância não se procura uma nova convicção diferente da formulada em primeira instância, mas verificar se a convicção expressa no tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que consta da gravação com os demais elementos constantes dos autos, que a decisão não corresponde a um erro de julgamento (…)”.
Posição que se acolheu no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 27.11.2020, tirado no processo nº. 01291/14.5BEAVR:
“(…) Nesse domínio, impõe-se precisar que da conjugação do regime jurídico previsto nos arts. 637º, n.º 2, 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), 641º, n.º 2, al. b) e 662º do CPC ex vi art. 1º do CPA, é pacífico o entendimento que perante o direito positivo processual vigente, sempre que esteja em causa a impugnação do julgamento da matéria de facto em relação a facticidade cuja prova ou não prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos ao princípio da livre apreciação, a 2.ª Instância tem de efetuar um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados pelo apelante no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da 1ª Instância, formando a sua convicção autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e recorrendo a presunções judiciais ou naturais, embora esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade, “devendo alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência” Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 273 e 274; Acs. STJ de 14/01/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.S1; RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BRGC.C1, in base de dados da DGSI..
No entanto, para que ao tribunal ad quem seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do art. 662º, n.º 1 do CPC, não basta que a prova indicada pelo apelante, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal ad quem, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento de facto diverso, mas antes que o determine, isto é, que o “imponha”.
Essa exigência legal fixada pelo mencionado n.º 1 do art. 662º decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova.
Deste modo, apesar de serem de rejeitar as teses que defendem que a modificação da decisão de matéria de facto apenas está reservada para os casos de “erro manifesto” e, bem assim aquelas que sustentam não ser permitido à 2.ª Instância contrariar o juízo formulado pela 1ª Instância relativamente a meios de prova que são objeto do princípio da livre apreciação da prova, importa ter presente que os princípios da livre apreciação da prova, da imediação, da oralidade e da concentração se mantêm vigorantes e que como decorrência dos mesmos e da consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao juiz da 1ª Instância, sequer desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final. Como tal, os poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados, isto é, quando depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Deriva do que se vem dizendo que após a 2.ª Instância ter feito esse seu julgamento autónomo em relação à matéria de facto impugnada pela apelante, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso”Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609 (…)”.
26. Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente que, perante a impugnação do tecido fáctico fixado em 1ª instância, impede sobre o Tribunal Superior a realização de um novo julgamento, encontrando-se a alteração da tecido fáctico fixado em 1ª instância apenas reservada para as situações em que a prova produzida imponha decisão diversa, o que não sucede quando o Tribunal ad quem, apreciada essa prova, propende antes para uma diferente convicção, contudo, não imposta pela prova produzida.
27. Realmente, inexistindo uma convicção inevitável quanto à prova produzida, o Tribunal Superior terá que conceder na prevalência da decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova.
28. Importa ainda considerar que a é perfeitamente supérflua a inclusão de factos não controvertidos na matéria de facto assente que não servem nenhum propósito em termos da definição da solução da causa.
29. Assim também o entendeu Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil [anotado], vol. II, 4.ª edição-reimpressão, pág. 204, «desde que um facto é inútil ou irrelevante para a solução da causa incluí-lo na especificação é excrecência pura».
30. Cientes destes considerandos de enquadramento, e volvendo ao caso recursivo em análise, cabe notar que o Recorrente pugna pela alteração da decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
(i) “(…) na alínea “E” dos factos provados deve ser aditado que as funções do Autor incluíam a carga e descarga e entrega dos móveis aos clientes, devendo passar a constar: E. A categoria profissional do A. à data do acidente correspondia a condutor de pesados e incluíam a carga e descarga e entrega dos móveis aos clientes (confissão e depoimentos de BB e CC) (…)”;
(ii) “(…) na alínea “F” dos factos provados deve ser aditado que o veículo era utilizado para ir às compras e passear com a família, devendo passar a constar: F. O A. utilizava o seu veículo diariamente, para ir trabalhar, para ir às compras e ainda para ir passear com a família (depoimento de DD) (…)”
(iii) “(…) na alínea ”L” dos factos provados deve ser aditado a existência de brita, passando a constar: Nesse momento, havia areia e brita na Rua ... (depoimentos de EE, FF, GG e HH) (…)”
(iv) Na Alínea “N” dos factos provados deve ficar a constar: MUNICÍPIO_1 ... procedia a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica, com colocação de brita e areia (depoimento de HH e doc. a fls. 202).
(v) “(…) na alínea “O” dos factos provados deve ser eliminada a alusão à sinalização vertical, passando a constar: O local não estava sinalizado com qualquer tipo de sinalização a alertar para a presença de areia (depoimento das testemunhas EE, FF, GG e HH) (…)”
(vi) “(…) no ponto “S” dos factos provados deve ficar a constar: Logo após essa ligeira curva, no momento referido no ponto H do probatório, o A. vislumbrou 4 pessoas e mais um carrinho de bebé, do lado nascente da Rua ... e desviou-se em direcção ao lado poente (depoimento/declarações de parte e depoimento da testemunha GG).
(vii) “(…) Reclamando-se a eliminação do Ponto “UUU” dos factos provados e a alteração do Ponto “T” dos factos provados, no sentido de passar a constar que: No momento do embate no muro da habitação nº ...1 da Rua ..., ..., MUNICÍPIO_1 ..., o A. circulava a uma velocidade de aproximadamente 70Km/horas (relatório pericial do acidente (…);
(viii) “(…) a subalínea b. da alínea III dos factos provados deve ser aditada, ficando a constar: b. Atrofiamento da perna, com hipotrofia dos músculos da perna em 2 cm e hipotrofia dos músculos da coxa em 3 cm (relatório pericial médico) (…)”.
(ix) “(…) a subalínea g. da alínea III dos factos provados deve ser aditada, ficando a constar: g. Cicatrizes no joelho, perna e tornozelos direitos: sendo uma cicatriz não recente longitudinal de 14 cm, na região anterior do 1/3 inferior da perna que se estende para a região dorsal do pé. Cicatriz não recente longitudinal com 6 cm, na região medial do tornozelo. Cicatriz não recente, longitudinal, que se estende do 1/3 inferior da região anterior da coxa até à região inferior do joelho. 3 cicatrizes com 1 cm de diâmetro na região anterior de 1/3 superior da perna ( relatório pericial médico e fotografias de fls. 126 dos autos) (…)”;
(x) “(…) A alínea MMM. dos factos provados também deve ser aditada, no sentido de ser acrescentado o dano futuro, que para além de ter sido alegado – art.º 93º da petição inicial - ficou provado pelo relatório pericial médico, devendo ficar a constar: MMM. O A. sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica avaliado em 11 pontos (relatório pericial médico); MMM.1- É fisiopatologicamente certo e seguro que o Autor sofrerá de Dano Futuro, por artrose da articulação tibio-astragalina, fixável em 5 pontos (…)”;
(xi) “(…) o facto “SSS” dos factos provados deve ser eliminado e levado aos factos não provados (…)”;
(xii) (…) O mesmo se reclama do ponto “TTT” dos factos provados (…)”;
(xiii) “(…) Entende o recorrente que deve ser considerado como provado que o recorrente auferia o salário médio mensal de 1.000 € (depoimento de CC), devendo ser aditado aos factos provados e eliminados dos factos não provados (…)”;
(xiv) “(…) o recorrente defende que os pontos 8, 9, 10 e 11 dos factos não provados foram mal julgados, pois entram em contradição com os factos provados e as regras da experiência comum e com a convicção do tribunal a quo formulada na sentença de 30-11-2020 (…) Pelo que, devem ser eliminados dos factos não provados e levados às alíneas dos factos provados (…)”.
31. Quid iuris?
32. O Autor interpôs a presente ação, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a serem os Réus condenados ao pagamento da quantia global de 142.433,00 € [concretamente, 8.000,00 € pela perda total do veículo; 21.150,00 € pela paralisação do veículo; 110 € pelas consultas médicas; 15.380,00 pela perda de retribuições; 67.793,00 pela incapacidade permanente geral; 30.000 € por danos não patrimoniais], acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.
33. Estribou a sua pretensão jurisdicional, brevitatis causae, no direito de indemnização emergente do acidente de viação ocorrido no dia 13.03.2009, na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ..-..-HF por si conduzido, cuja ocorrência imputa ao (i) MUNICÍPIO_1 ..., por omissão do seu dever de sinalização da “(…) existência de areia e brita no piso e que provocou a perda de aderência e o descontrolo do veículo ..-..-H (…)”e à (ii) EMP01..., S.A., em virtude daquele ter transferido a sua responsabilidade para este por contrato de seguro.
34. Após algumas vicissitudes processuais, o TAF de Penafiel julgou improcedente esta ação, e consequentemente, absolveu os Réus do pedido.
35. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que o juízo de improcedência da presente ação estribou-se no entendimento de que, não obstante ser detetável a prática de um ato ilícito e culposo por parte do Município Réu - traduzido na falta de colocação da sinalização adequada da existência de areia na via rodoviária sob a sua jurisdição -, o acidente de viação descrito sempre era de imputar exclusivamente ao Autor em razão deste (i) circular em excesso de velocidade de 40% em relação à velocidade máxima permitida em localidades e, bem assim, (ii) deste não conseguir travar, por ter ficado com o pé preso no pedal.
36. Ou seja, não deu como verificado o nexo ligante entre a alegada falta de sinalização da via e o acidente descrito dos autos, donde concluiu pela inexistência do dever de indemnizar no presente caso.
37. Adiante-se, desde já, que não deteta qualquer contradição desta “configuração da dinâmica do acidente” com relação ao tecido fáctico apurado nos autos, nem a mesma se revela contrária às regras de experiência comum.
38. Na verdade, apurou-se a existência de areia na via do sinistro em razão da realização de obras de manutenção na via camarária em questão, “condição” não sinalizada pelo Município Réu.
39. De igual modo, provou-se que o Autor seguia em velocidade excessiva e que ficou com o pé preso no pedal, não tendo conseguido travar.
40. Porém, não se demonstrou que o A. não conseguiu dominar o seu veículo devido à existência de areia e brita no pavimento da Rua do Além.
41. Neste enquadramento fáctico, é de manifesta evidência que não se pode assumir que o acidente tenha ocorrido em razão da presença de areia na via [despiste], podendo, no entanto, extrair-se a conclusão que o mesmo foi antes motivado pela inépcia e desrespeito das regras estradais por parte do condutor do veículo.
42. Foi neste sentido que o Tribunal a quo baseou a sentença recorrida, aplicando as regras da experiência e da lógica, o que resultou numa correta subsunção da prova produzida e factos provados ao Direito.
43. Desta feita, e sopesando que a convicção do julgador pode variar consoante o enquadramento fáctico apurado, irrelevando, portanto, quaisquer juízo decisório anterior perfilhado com base em tecido fáctico diverso, não faz qualquer sentido o ora Recorrente vir alegar “(…) que os pontos 8, 9, 10 e 11 dos factos não provados foram mal julgados, pois entram em contradição com os factos provados e as regras da experiência comum e com a convicção do tribunal a quo formulada na sentença de 30-11-2020 (…)” [cfr. ponto xiv)].
44. Assim, e à míngua da indicação de meios probatórios que imponham decisão diversa [cfr. artigo 662º, nº.1 do CPC], não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da materialidade identificada sob os pontos 8, 9, 10 e 11 dos “factos não provados” no sentido desta integrar os “factos assentes”.
45. Mantendo-se incólume a não aquisição da materialidade identificada sob os pontos 8, 9, 10 e 11 dos “factos não provados”, temos, para nós, que os demais factos ora pretendidos aditar ou alterar são inócuos e insuficientes para - de per se, conjugados um com o outro, ou conjuntamente com os demais provados - alteraram a decisão da causa.
46. Com efeito, tal materialidade, ainda que aditada e alterada nos termos propostos pelo Recorrente, seria inócua para alterar a decisão de mérito proferida, que repousa, fundamentalmente, no circunstancialismo emergente de não resultar verificado o nexo ligante entre a alegada falta de sinalização da via e o acidente descrito dos autos.
47. Efetivamente, nada ali nos permite concluir no sentido de que o acidente ocorreu exclusivamente em razão da presença de areia na via [despiste], ou que o A. não conseguiu dominar o seu veículo devido à existência de areia e brita no pavimento da Rua do Além ou mesmo que a má iluminação da via em conjugação com a falta de sinalização das obras em curso e do perigo iminente daí advindo ocasionou o acidente descritos nos autos, ou seja, no sentido do apuramento da responsabilidade exclusiva do Município Réu na verificação do acidente, por falha na observação dos deveres de manutenção das condições de segurança e de sinalização de obstáculos das vias sob a sua jurisdição.
48. Donde resulta inequívoca a insubsistência da materialidade invocada pelo Recorrente como susceptível de relevar em termos da definição da solução da causa.
49. E nesta falta de relevância reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.
50. Nestes termos, e ao abrigo de tudo o quanto se vem de expor, improcede integralmente o primeiro fundamento de recurso em análise.
51. Ponderado o acabado de julgar e o que demais se mostra fixado na decisão judicial recorrida temos, então, como assente o seguinte quadro factual: “(…)
A. O A. nasceu em .../.../1975 (fls. 157-158);
B. O A. é beneficiário da Segurança Social n.° ... (fls. 125);
C. Antes do acidente, o A. era uma pessoa saudável, robusta, dinâmica e alegre (depoimentos de BB e de DD);
D. O A. era proprietário do veículo marca Audi matrícula ..-..-HF (fls. 27-28);
E. A categoria profissional do A. à data do acidente correspondia a condutor de pesados (confissão);
F. O A. utilizava o seu veículo diariamente, para ir trabalhar, para ir às compras e ainda para ir passear (depoimento de DD);
G. A cônjuge do A. tinha outro veículo, uma carrinha de dois lugares que usava para o seu trabalho (depoimento de DD);
H. Em 13-03-2009, por volta das 23h45, o Autor circulava na Rua ..., vindo do Largo ... em ..., MUNICÍPIO_1 ... (depoimento/declarações de parte e depoimentos de EE e de GG);
I. Nessa ocasião, o A. conduzia o veículo marca Audi, modelo A4, matrícula n.° ..-..-HF (depoimento/declarações de parte);
J. No início da Rua do Além existe uma curva ligeira a nascente (fls. 205);
K. A Rua ... desenvolve-se numa reta com cerca de 200 m de comprimento e 7 de largura, com uma inclinação descendente (no sentido Largo ... - Rua ...), tem duas vias de trânsito sem sinalização horizontal a separá-las, é desprovida de bermas transitáveis para peões e atravessa uma localidade (fls. 106-108, 205, 214, relatório pericial do acidente e depoimento da testemunha GG);
L. Nesse momento, havia areia na Rua do Além (depoimentos de EE, FF e GG);
M. As pessoas sentiam o piso derrapar quando iam a pé (depoimento de EE);
N. MUNICÍPIO_1 ... procedia a obras de manutenção na Rua do Além, que consistiam numa rega asfáltica (depoimento de HH e doc. a fls. 202);
O. O local não estava sinalizado com sinalização vertical a alertar para a presença de areia na via (depoimento das testemunhas EE, FF, GG e HH);
P. A existência de gravilha na via é prejudicial para uma condução segura e pode potenciar despistes (relatório pericial do acidente, fls. 429 verso);
Q. A Rua ... é pouco iluminada (depoimento de EE);
R. Nessa noite não chovia (depoimento de GG);
S. Logo após essa ligeira curva, no momento referido no ponto H do probatório, o A. vislumbrou pessoas do lado nascente da Rua do Além e desviou-se em direcção ao lado poente (depoimento/declarações de parte e depoimento da testemunha GG);
T. O A. circulava a uma velocidade de 70 km/h (relatório pericial do acidente);
U. O A. não travou o veículo porque ficou com o pé preso no pedal (confissão);
V. Na sequência desse desvio (ponto S do probatório), o A. veio a embater no muro de uma habitação (depoimento de EE e GG);
W. O veículo matrícula ..-..-HF sofreu danos em toda a sua parte frontal e lateral esquerda, em particular nos faróis, para-choques, motor, radiador, suspensão, jantes, pneus e interior (fls. 109-122, relatório pericial do acidente);
X. A reparação do veículo foi orçada em 11.327,00 € (fls. 109-122);
Y. O valor comercial do veículo era de 8.000 €, e o valor do salvado era de 500,00 € (fls. 109-122);
Z. O veículo do A. esteve imobilizado desde 14-03-2009 (depoimento de DD);
AA. Em 14-03-2009, às 00h32, o A. deu entrada na Urgência do Centro Hospitalar ... e ..., apresentado fratura vertical exposta da rótula direito e fratura do pilão tibial direito (relatório pericial médico);
BB. Em 14-03-2009, o A. foi submetido a cirurgia para patelectomia parcial de 1/3 medial da rótula, osteotaxia distal dos ossos da perna com fixador híbrido e osteossínteses do maléolo tibial com parafuso maleolar (relatório pericial médico);
CC.O A. sentiu dores lancinantes antes da cirurgia e no pós-operatório (relatório pericial médico);
DD.O A. teve de utilizar um fixador externo, que limitava os seus movimentos, impedindo-o de fazer a sua higiene pessoal e as suas necessidades fisiológicas (depoimento de DD);
EE.O A. esteve internado desde 14-03-2009 até 20-03-2009 (relatório pericial médico);
FF. Depois de lhe ter sido dada alta, o A. deslocou-se ao Centro de Saúde ... para fazer penso (presunção judicial);
GG. Ao 15.° dia depois da cirurgia, o A. deslocou-se ao Centro de Saúde ... para remover os pontos (presunção judicial);
HH. Em 02-04-2009, 23-04-2009 e 21-05-2009, o A. foi a consultas de seguimento no Centro Hospitalar ... (relatório pericial médico);
II. Entre 31-05-2009 e 03-06-2009, o A. esteve internado no Centro Hospitalar ... (relatório pericial médico);
JJ. Em 01-06-2009, o A. foi submetido a uma cirurgia para remoção do fixador externo (relatório pericial médico);
KK. Depois da cirurgia, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar ... para fazer o penso (presunção judicial);
LL. Ao 15.° dia depois da cirurgia, A. deslocou-se ao Centro Hospitalar ... para remover os pontos (presunção judicial);
MM. Entre 14-06-2009 e 18-06-2009, o A. esteve internado no Centro Hospitalar ... (relatório pericial médico);
NN. Em 15-06-2009, o A. foi submetido a uma cirurgia para osteoclasia osteossíntese da fratura com placa distal da tíbia (relatório pericial médico);
OO. Após a cirurgia, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar ... para fazer o penso (presunção judicial);
PP. Ao 15.° depois da cirurgia, o A. deslocou-se ao Centro Hospitalar ... para remover os pontos (presunção judicial);
QQ. Em 08-07-2009, o A. teve uma consulta no Centro Hospitalar ... (relatório pericial médico);
RR. Em 14-07-2009, o A. teve consulta de Fisiatria no Centro Hospitalar ..., tendo começado reabilitação em 25 -09-2009 (relatório pericial médico e processo clínico a fls. 418 do SITAF);
SS.O A. fez reabilitação com fisioterapia (relatório pericial médico),
TT.O A. teve de utilizar canadianas durante cerca de 1 ano (relatório pericial médico);
UU.O A. sentiu fortes dores e incómodos no pós operatório e quando iniciou a marcha com ajuda de canadianas (relatório pericial médico);
VV. Em 10-08-2009, foi elaborado o relatório de perda total do veículo do A., onde se diz que a reparação é melindrosa e de onde se conclui que o valor de reparação do veículo é superior ao seu valor venal (fls. 109-122);
WW. Em 21-09-2009, o A. remeteu comunicação ao MUNICÍPIO_1 ..., pela qual peticionou uma indemnização pelos danos que teve com o acidente (fls. 197-201);
XX. No início de 2010, o A. adquiriu um novo veículo automóvel (depoimentos de CC e de DD)
YY. Em 06-01-2010 o A. teve consulta de ortopedia pela qual despendeu a quantia de 60,00 € (fls. 133);
ZZ.O A. teve alta de fisiatria em 15-01-2010 (processo clínico a fls. 418 do SITAF);
AAA. Em20-03-2010, a EMP01... emitiu apólice n.° ...00, válida desde 01-05-2009, pela qual MUNICÍPIO_1 ... lhe transmitiu a responsabilidade decorrente da responsabilidade civil extracontratual por actos e omissões praticadas pelas pessoas ao serviço do Município e pelos trabalhos de conservação, manutenção ou reparação de edifícios e de outras instalações, até um montante máximo de 249.400 € por sinistro (fls. 173-175);
BBB. Desde 14-03-2009 até 02-07-2010, o A. esteve de baixa médica (fls. 139-155);
CCC.O A. emigrou para o Luxemburgo quando ainda estava de baixa médica (confissão);
DDD. No Luxemburgo, o A. veio a arranjar emprego como condutor de pesados (confissão);
EEE.O A. recebeu da Segurança Social a quantia de 4.692,81 € a título de subsídio de doença e de prestação compensatória do subsídio de Natal (fls. 286);
FFF. Em 18-08-2010, o A. teve de consulta de ortopedia pela qual despendeu a quantia de 50,00 € (fls. 134);
GGG. O A., desde a data do acidente não pôde mais transportar móveis na empresa de móveis EMP02..., Lda. (depoimento de BB);
HHH. O A. sente-se uma pessoa diminuída (depoimento de DD);
III. Em consequência do acidente descrito no ponto V do probatório, o A. apresenta (relatório pericial médico):
a. Marcha ligeiramente claudicante;
b. Atrofiamento da perna;
c. Rigidez marcada da articulação tíbia-társica;
d. Limitação da mobilidade da articulação sub-ostrogalina à direita;
e. Dores no pé direito e anca quando inicia a marcha e decorridos alguns minutos depois de estar de pé;
f. Dificuldade em carregar pesos acima de 5 kg;
g. Cicatrizes no joelho, perna e tornozelos direitos;
h. Pé e tornozelos direitos deformados e com a pele escurecida e inchada;
JJJ.O A. veio a padecer de défice funcional temporário total durante 29 dias, e de défice funcional temporário parcial durante 487 dias, como consequência do acidente (relatório pericial médico);
KKK.O A. sofreu repercussão temporária total na sua actividade profissional durante 476 dias, de 14-03-2009 até 02-07-2010 (relatório pericial médico);
LLL. Entre a data do acidente e a consolidação das lesões (11-08-2010) o A. teve dores que se quantificam no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente (relatório pericial médico);
MMM.O A. sofre de um défice funcional permanente da integridade físico- psíquica avaliado em 11 pontos (relatório pericial médico);
NNN.A sequelas sofridas pelo A. são compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicando esforços suplementares (relatório pericial médico);
OOO.O A. padece de um dano estético permanente que se quantifica no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (relatório pericial médico);
PPP. Em 05-07-2011 nada constava no registo individual de condutor do A. relativamente a contraordenações estradais (fls. 247);
QQQ.O veículo do A. não foi reparado (depoimento de DD);
E mais se aditam como factos julgados provados os seguintes, em conformidade com o determinado no douto Acórdão do TCAN, como aí se diz na p. 34, em relação ao nexo de causalidade, e em especial tendo em conta o estado de conservação da via, a velocidade a que circulava o veículo do A., às condições de conservação e manutenção do veículo, destacando-se pneus e travões, e ao estado de atenção do A.:
RRR. Os pneus do veículo do A. apresentavam um estado de conservação de 75% (fls. 3 do relatório de existências a fls. 109 dos autos - doc. ...0 junto com a petição);
SSS. O A., no local e momento referidos no ponto H do probatório circulava desatento às circunstâncias que o rodeavam (confissão do A. e presunção judicial);
TTT. A via a que se refere o ponto K do probatório estava em bom estado de conservação, sem buracos ou fissuras (fotografias a fls. 106 e ss. dos autos);
UUU. O veículo do A., conforme ponto T do probatório, circulava a uma velocidade de 70 km/h, no momento e local a que se refere o ponto H do probatório (relatório pericial a fls. 433 e ss. dos autos);
Com interesse para a decisão da lide, julga-se não provados os seguintes factos, aos quais se aditaram alguns em respeito ao determinado pelo douto aresto do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. O A. auferia o salário médio mensal de 1.000 € (depoimento de CC);
2. Na Rua do Além houve outros acidentes de viação, na mesma altura do acidente;
3. O A. avistou os peões a cerca de 100m do local do acidente;
4. As sessões de Fisiatria decorriam no Centro Hospitalar ... três vezes por semana;
5. Em 09-12-2009 e 20-01-2010, o A. teve consultas de seguimento no Centro Hospitalar ...;
6. Os travões do veículo do A. estavam em bom estado;
7. O veículo do A. tinha manutenção regular;
8. O embate a que se refere o ponto V do probatório foi causado pela existência de areia e brita na Rua do Além;
9. O A. não conseguiu dominar o seu veículo devido à existência de areia e brita no pavimento da Rua do Além;
10. A má iluminação da via em conjugação com a falta de sinalização das obras em curso e do perigo iminente daí advindo ocasionou o acidente a que se refere o ponto V do probatório;
11. A travagem de um veículo quando o piso tem areia pode provocar um despiste (…)”.
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III.3 . DA IMPUTADA NULIDADE DE SENTENÇA
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52. Na conclusão XC) das alegações de recurso, o Recorrente defende que “(…) que a decisão recorrida enferma de nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, nomeadamente no que se refere à culpa do Réu MUNICÍPIO_1 ... e ao nexo causal entre o facto e o dano (…)”.
53. Sem amparo de razão, porém.
54. Dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do C.P.C., no segmento que ora nos interessa, que “É nula a sentença quando (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; (...)”.
55. Ora, esclarece-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.09.2011, tirado no processo n.º 0371/11, que a “(…) nulidade de sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão não ocorre quando as contradições se verificam entre fundamentos de uma mesma decisão (…)”.
56. Na verdade, tal nulidade “(…) verifica-se quando há um vício real na lógico-jurídica que presidiu à sua construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam logicamente num determinado sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso (…)” [vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30.10.2014, proferido no processo n.º 01608/13].
57. Por outro lado, passou ainda a ser considerado fundamento de nulidade da decisão judicial nos termos desta alínea a ambiguidade ou obscuridade da decisão que tornem ininteligível.
58. A obscuridade traduz-se num dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase: a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível, isto é, não se sabe o que o julgador quis dizer [cf. entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20 de janeiro de 2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, acessível em www.dgsi.pt].
59. De facto, como doutrinava J. Alberto dos Reis com plena atualidade a “… sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível: é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz ...” [in: “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V., págs. 151 e 152].
60. A decisão só é, assim, obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e ambíguo, quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes e/ou sentidos porventura opostos.
61. Ou seja, a nulidade só poderá ser atendida no caso de se tratar de vício que prejudique a compreensão da decisão judicial [despacho/sentença/acórdão] e de se apontar concretamente a obscuridade ou ambiguidade cuja nulidade se pretende ver declarada.
62. Sopesando os aspetos de natureza jurisprudencial e doutrinal que se vêm de salientar, afigura-se que, in casu, não ocorre a nulidade suscitada.
63. De facto, analisada a estrutura global da decisão judicial censurada, resulta cristalino que a respetiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a respetiva motivação fáctico-jurídica desenvolvida por este tribunal.
64. Realmente, para que ocorra a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos ilícitos e culposos dos seus órgãos ou agentes, no exercício das suas funções e por causa delas, é necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.
65. Não basta, portanto, apurar a existência de um ato ilícito e culposo do Réu, tornando-se ainda necessário que este seja “causa adequada” dos danos reclamados nos autos.
66. Falhando o nexo ligante entre o ato ilícito imputado ao Réu e o acidente descrito nos autos, não pode o mesmo ser considerado civilmente responsável pelo danos sofridos pelo Autor, na medida em que falta o pressuposto apontado.
67. Em suma, inexiste oposição entre os fundamentos e a decisão, desta feita, improcedendo a arguição da nulidade de sentença em análise.
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III.4 - DO[S] IMPUTADO[S] ERRO[S] DE JULGAMENTO DE DIREITO
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68. A presente ação – destinada a efetivar responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito contra MUNICÍPIO_1 ... – foi julgada improcedente pelo Tribunal a quo.
69. A improcedência da presente ação estribou-se, como sabemos, no entendimento de que, não obstante ser detetável a prática de um ato ilícito e culposo por parte do Município Réu - traduzido na falta de colocação da sinalização adequada da existência de areia na via rodoviária sob a sua jurisdição -, o acidente de viação descrito sempre era de imputar exclusivamente ao Autor em razão deste (i) circular em excesso de velocidade de 40% em relação à velocidade máxima permitida em localidades e, bem assim, (ii) deste não conseguir travar, por ter ficado com o pé preso no pedal.
70. Ou seja, esteou-se na inverificação do nexo ligante entre a alegada falta de sinalização da via e o acidente descrito dos autos, donde concluiu pela inexistência do dever de indemnizar no presente caso.
71. O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, pugnado pela sua revogação.
72. O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
73. Nas conclusões XCI) a CV), sustenta o Recorrente que a sentença recorrida violou o art.º 487º do Código Civil, na medida em que existe culpa efetiva por parte do Município Réu na verificação dos danos reclamados.
74. Já nas conclusões CVI) a CXXV), o Recorrente defende que a decisão recorrida violou as disposições legais dos artigos 563º e 570º do Código Civil, pois que o Município Réu agiu ilícita e culposamente, e que foi a causa direta e necessária do acidente e dos danos sofridos pelo recorrente.
75. Derradeiramente, nas conclusões CXXVII) a CLVI), o Recorrente insurge-se contra os valores arbitrados pelo Tribunal a quo em matéria de “privação de veículo”, bem como quanto à falta de fixação de montante indemnizatório pela “perda de remunerações” e pela “incapacidade permanente geral”.
76. Julgamos, porém, que os termos em que o Recorrente a quo desenvolve toda esta [tripla] argumentação são incapazes de fulminar a sentença recorrida com os imputados erros de julgamento de direito.
77. Na verdade, este Tribunal Superior não pode alhear-se dos concretos factos provados.
78. Ora, o probatório coligido nos autos é inequívoco na afirmação da “falha de demonstração” de que (i) o embate a que se refere o ponto V do probatório foi causado pela existência de areia e brita na Rua do Além; (ii) que o A. não conseguiu dominar o seu veículo devido à existência de areia e brita no pavimento da Rua do Além; e (iii) que a má iluminação da via em conjugação com a falta de sinalização das obras em curso e do perigo iminente daí advindo ocasionou o acidente descritos nos autos [cfr. pontos 8), 9) e 10) dos factos não provados].
79. Sendo este os contornos fácticos imutáveis do caso a decidir, dos quais este Tribunal Superior não se pode desviar, é nosso entendimento que não está evidenciada nos autos a tese do A. no plano da imputação da existência de areia e falta de sinalização como causa direta e necessária” do acidente e dos danos sofridos.
80. O que conduz à constatação de que carece de sustentáculo processual a convocação do[s] erro[s] de julgamento de direito espraiados sob as conclusões XCI) a CV) e CVI) a CXXV) das alegações de recurso [cfr. parágrafos 73 e 74 do presente aresto].
81. Idêntica asserção é atingível quanto ao alegado nas conclusões CXXVII) a CLVI).
82. Realmente, fracassando o Autor na demonstração das realidades apontadas no sobredito paragrafo 78), é de manifesta evidência que o Réu não pode considerado civilmente responsável pelos danos sofridos pelo Autor, por falha na verificação do requisito relativo ao nexo causal.
83. O que atinge fatalmente o erro de julgamento de direito convocado sob as conclusões em análise, em virtude deste reclamar a jusante a verificação do requisito relativo ao nexo causal, o que, claramente, não sucede.
84. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, confirmada a sentença recorrida.
85. Assim se decidirá.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:
(i) RETIFICAR A ALÍNEA WW) dos factos provados por forma onde se lê “Município_2 ...” se passe a ler “MUNICÍPIO_1 ...”;
(ii) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 21 de abril de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia