Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01135/21.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/18/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; JUÍZO PERFUNCTÓRIO;
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA; PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS;
Sumário:
1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver suspensa a eficácia de um acto administrativo que autoriza e licencia uma edificação, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

4 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

5 - A lei e o Regulamento, que o Requerido [assim como a Contra interessada] deve observar, sendo um limite à sua actuação, é sobretudo o fundamento da sua acção, pelo que, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, mas antes, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça.

6 - O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA», «BB», e «CC» [devidamente identificados nos autos], Requerentes nos autos de Processo cautelar que intentaram contra o Município ... e onde identificaram como Contra interessada a sociedade comercial [SCom01...], Ld.ª [ambos devidamente identificados nos autos], inconformados, vieram apresentar recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 02 de março de 2023, pela qual foi julgado improcedente o pedido de adopção de providências cautelares que haviam formulado a final do Requerimento inicial.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem:

“CONCLUSÕES
1.O presente recurso vem interposto da sentença de fls que julgou “improcedente o presente processo cautelar, indo indeferido o pedido de decretamento das providências cautelares solicitadas e, em consequência, absolvo o Requerido e a contra-interessada do petitório cautelar formulado pelos Requerentes. Custas do processo a cargo dos Requerentes”

2.A sentença recorrida padece de nulidade, ilegalidade, erro de julgamento (quer quanto à matéria de facto quer quanto à matéria de direito e com reapreciação da prova gravada), impõe-se, assim, a sua revogação além da alteração da matéria de facto provada e não provada, em face da reapreciação da prova gravada e da demais prova produzida, a qual demonstrará que a sentença recorrida errou na apreciação que fez da prova e dos factos. Além de que, há erro de julgamento na interpretação e aplicação dos factos e do direito.

3.Percorrer o sucedido processualmente ao longo desta providência cautelar é,, esclarecedor e ajuda a compreender que a sentença recorrida se inclinou para um (des)norte que não é o norte verdadeiro, e também ajuda a compreender a forma não menos inclinada como decorreu a produção e valoração da prova testemunhal.

4. Independentemente da bondade ou erro das decisões proferidas pelo Tribunal “a quo”, o certo é que o tempo que a Mmª Juiz “a quo” demorou e empatou o processo, num contexto de providência cautelar, fez perigar a utilidade e eficácia da mesma, e a forma como tratou de forma diferenciada a prova testemunhal, e, os pré-juizos que foi revelando, tudo isso, se reflecte na sentença recorrida a qual violou o direito constitucional dos Recorrentes a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo justo e equitativo, em violação do artigo 20º, nºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP)

5.A sentença recorrida deu erradamente como provada a matéria de facto vertida sob os pontos 8, 11, 14 e 21 e deu erradamente como não provada a matéria de facto dos pontos i, ii, iii e iv

6. A matéria vertida nos pontos 8, 11 e 21 não é matéria de facto, e, o Tribunal “a quo” não podia ter levado aos factos provados aquela matéria, pelo menos, daquela forma e com aquele teor.

7.A matéria vertida nos pontos 8, 11 e 21 da sentença recorrida, tal qual como foi levada aos factos provados, tem que ser removida dos factos provados e o Tribunal “a quo” tem que concretizar qual a matéria de facto que pretende levar aos factos provados.

8.Também errou o Tribunal “a quo” ao dar como provado o ponto 16, com base nos documentos que aí alude – relatório de peritagem técnica junto pela contra-interessada - e da prova documental junta aos autos e das posições das partes, não resulta provada a matéria do ponto 16, conforme o Tribunal “a quo” a deu como provada, pelo que, deve dar-se por não escrito o ponto 16 dos factos provados.

9.O ponto 14 dos factos provados, não podia ter sido dado como provada tal qual está, tem que ser alterado passando a constar como provado apenas o seguinte
“14.Na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de ... (PUVAB), na cartografia militar e na cartografia geológica existe uma linha de água a qual atravessa os prédios identificados em 5) e 6).”

10. O erro em que lavrou a sentença recorrida decorre de uma errada interpretação / leitura da planta de condicionantes e de uma errada valoração e apreciação da prova testemunhal e tanto a prova documental junta aos autos (cfr. PUAVB, Cartas Militares) como a prova testemunhal que a seguir se identifica determinam, a alteração daquele facto provado no sentido que apontamos.

11. Nem dos documentos (cfr. Plano de Urbanização do ... - PUAVB junto a fls) nem do único depoimento em que o Tribunal “a quo” se estribou, resulta provada a matéria de facto vertida no ponto 14.

12.A única testemunha que o Tribunal “a quo” invoca para dar essa matéria provada é funcionário da Recorrido Município e disse que participou na decisão impugnada, logo, tem interesse direto na questão, uma vez que, se a acção impugnatória for julgada procedente, está, obrigatoriamente, sujeito ao direito de regresso previsto no artigo 6º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro. (00.26.59 a 00.28.47)

13. Além de que, a referida testemunha disse, com relevância para esta questão e que o Tribunal “a quo” ignorou ou errou, o seguinte
* O PDM de 1995 foi elaborado em formato analógico com base na carta militar e que o de 2008 foi feito com cartografia não homologada (00.03.42 a 00.05.03) (00.28.57 a 00.29.59)
*A testemunha não tem formação em Geografia – (00.16.59 a 00.17.01) nem é expert dessa área (00.53.02 a 00.54.03)
*A testemunha confirma que no PUAVB está representada a linha de água – (00.18.59 a 00.19.20)
*A testemunha confirma que o PUAVB começou a ser elaborado em 2005, em data posterior ao PDM de 1995, e em 2011 foi alterado e manteve a linha de água representada e a atravessar o terreno da Recorrida contra-interessada – (00.29.59 a 00.32.07)
*A testemunha não participou na elaboração do PUAVB e não sabe como é que foi feito
* Aquando da elaboração do PUAVB já existia a estrada nacional (avenida capitão) e essa já tinha a infra-estrutura de escoamento de águas pluviais, logo no PUAVB a linha de água que está representada não é, nem tem nada a haver com escoamento de águas pluviais – (00.41.49 a 00.43.44)

14. Da seguinte prova testemunhal também resulta provada a matéria de facto, tal qual, entendemos que deve ser levada aos factos provados.

Sessão de 24/11/2022 - CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23 - Depoimento de «DD»
A testemunha é formada em Geografia e trabalha na Câmara Municipal ..., exerce funções no ordenamento do território e participa na elaboração dos planos de ordenamento daquele território, além de que vive naquele local e conhece-o desde os 6 anos de idade (00.10.00 a 00.11.10)
Estamos perante uma testemunha que não só não tem qualquer interesse na questão, tem habilitações e experiência profissional na matéria além de que conhece, desde os 6 anos de idade aquele território (que o Tribunal “a quo” apenas porque não lhe convinha optou por ignorar).
A testemunha refere de forma clara e inequívoca a existência da linha de água a atravessar o terreno do Recorrida a qual até era visível aquando da escavação e que a mesma está na cartografia geológica, na cartografia militar e na planta de condicionantes do PUAVB e assinalou a mesma no documento ... junto com o requerimento inicial (00.27.17 a 00.28.20; 00.34.01 a 00.35.18, 00.35.19 a 00.41.16, 00.48.15 a 00.56.02)

A testemunha «EE», arquitecto e que também conhece a realidade do local, na Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 00:01:00 a 00:45:50, diz a este propósito, de forma peremptória e com conhecimento de causa, que existe a linha de água a atravessar o terreno a qual está representada no PUAVB e nas cartas militares.(00.07.32 a 00.11.25, 00.19.23 a 00.20.58)

A testemunha do Recorrido Município - «FF», no depoimento da sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:16:55 a 02:24:41), a qual, a (02.13.03 a 02.16.01 confirma que o PDM foi feito à pressa, que a existência da linha de água no PUAVB e que a mesma atravessa o terreno da Recorrida, que o PUAVB foi alterado e manteve-se a linha de água, que a Câmara tem que cumprir os planos de gestão territorial e que os planos são elaborados por várias equipes e têm a intervenção de diversas entidades incluindo a CCDRN e a APA

15.Não há qualquer pedido do Município de alteração do PUAVB com base em erro ou lapso e os documentos ... e ..., juntos com o requerimento refª ...54, cuja fonte é o Geoportal e o Instituto Geográfico do Exército assinalam a existência da linha de água em 1992 e em 2012 e são emitidos por entidades publicas que atestam e corroboram a existência da mesma linha de água que aparece na planta de condicionantes do PUAVB.

16.E é uma linha de água também assim assinalada no PUAVB como resulta dos documentos ... a ... juntos com o requerimento refª ...39, os documentos ... e ... juntos com o requerimento refª ...54 têm a linha de água a atravessar o terreno da contra-interessada, os documentos ... a ... juntos com o requerimento refª ...39 têm a linha de água a atravessar o terreno da contra-interessada.

17.Nos artigos 19º, 20º, 21º, 31º do requerimento refª ...54, os Recorrentes aceitaram a confissão por parte do Município que no PUAVB, planta de condicionantes está representada uma linha de água a atravessar o terreno da contra-interessada, sendo controvertida e não foi nunca aceite pelos Recorrentes a estória da conduta de água, nem a estória do erro, lapso.

18. Assim, o Tribunal “a quo” errou ao dar como provada a matéria do ponto 14 dos factos provados, devendo o ponto 14 dos factos provados ser alterado e passar a constar da seguinte forma:
“14.Na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de ... (PUVAB), na cartografia militar e na cartografia geológica existe uma linha de água a qual atravessa os prédios identificados em 5) e 6).” – facto provado com base na reapreciação da prova gravada acima indicada, na confissão por parte do Município e com base no documento ... junto com a Oposição do Recorrido Município e documentos ... e ... juntos com o requerimento refª ...54 e documentos ... a ... juntos com o requerimento refª ...39.”

19.O Tribunal “a quo” também tinha que ter levado à matéria de facto provada o seguinte factualismo
“22. O Município, tanto no procedimento de alteração ao loteamento 1/80 referido em 5) e 6), como no procedimento de licenciamento LE-EDI-30/2020 dos lotes da Recorrida e referido em 7), 9), 10), 11) não pediu parecer prévio à APA – Agência Portuguesa do Ambiente, nem à CCDRN.”

20.Pois que, não há dúvida que o Recorrido Município não solicitou, previamente, em nenhum dos procedimentos referidos, o parecer externo à CCDR-N nem à APA (Agência Portuguesa do Ambiente) e percorrendo o processo administrativo instrutor de alteração ao loteamento e do licenciamento, dos mesmos não consta qualquer pedido prévio de parecer à APA ou à CCDRN, circunstância que é geradora de nulidade nos termos do disposto no artigo 68º c) do RJUE.

21Factualismo que é confirmado pelas testemunhas, como se passa a demonstrar:
Sessão de 24/11/2022 - CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23 - Depoimento de «DD», diz que não consta do p.a. qualquer pedido de parecer à APA (00.41.16 a 00.43.32)

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:16:55 a 02:24:41, Depoimento de «FF», funcionário do Município o qual diz que houve alteração ao loteamento 01.20.59 a 01.24.27, 01.27.27 a 01.29.42 e que tinha que obter parecer prévio da AP...1 a ...8 e que esse parecer não foi pedido 02.08.11 a 02.11.35.

22. A douta sentença recorrida, em face da prova documental (p.a) e dos referidos depoimentos errou pois que tinha que ter levado aos factos provados a matéria que agora se pretende que seja acrescentada aos factos provados, a saber
“22. O Município, tanto no procedimento de alteração ao loteamento 1/80 referido em 5) e 6), como no procedimento de licenciamento LE-EDI-30/2020 dos lotes da Recorrida e referido em 7), 9), 10), 11) não pediu parecer prévio à APA – Agência Portuguesa do Ambiente, nem à CCDRN.”

23.Os factos vertidos nos pontos 12 e 13 da sentença recorrida não podiam ter sido dados como provados e muito menos com aquele teor pois que, o documento ... junto em 28.10.2022, não consta do p.a., foi expressamente impugnado, é emitido fora do procedimento e anos depois ao procedimento de licenciamento e de alteração ao loteamento estarem concluídos, não é na verdade um parecer mas sim um mero oficio baseado na “palha” que convinha ao Município enviar e da qual não constam sequer os projetos em causa, nem tem toda a documentação que permite aferir da existência de uma linha de água que ainda por cima nem sequer está a céu aberto.

24.E, a contradizer o referido ofício temos:
- nos autos as cartas militares (cfr. fls.), as cartas geológicas, o PUAVB (o qual foi elaborado com a própria APA), os quais têm valor probatório superior ao do referido oficio, ainda por cima, no contexto em que foi emitido e com o teor titubeante que do mesmo constam.
- os depoimentos das testemunhas
Sessão de 24/11/2022 - CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23 - Depoimento de «DD»
A testemunha é formada em Geografia e trabalha na Câmara Municipal ..., exerce funções no ordenamento do território e participa na elaboração dos planos de ordenamento daquele território, além de que vive naquele local e conhece-o desde os 6 anos de idade (00.10.00 a 00.11.10)
Estamos perante uma testemunha que não só não tem qualquer interesse na questão, tem habilitações e experiência profissional na matéria além de que conhece, desde os 6 anos de idade aquele território (que o Tribunal “a quo” apenas porque não lhe convinha optou por ignorar).
A testemunha refere de forma clara e inequívoca a existência da linha de água a atravessar o terreno do Recorrida a qual até era visível aquando da escavação e que a mesma está na cartografia geológica, na cartografia militar e na planta de condicionantes do PUAVB e assinalou a mesma no documento ... junto com o requerimento inicial (00.27.17 a 00.28.20; 00.34.01 a 00.35.18, 00.35.19 a 00.41.16, 00.48.15 a 00.56.02)
A testemunha «EE», arquitecto e que também conhece a realidade do local, na Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 00:01:00 a 00:45:50, diz a este propósito, de forma peremptória e com conhecimento de causa, que existe a linha de água a atravessar o terreno a qual está representada no PUAVB e nas cartas militares.(00.07.32 a 00.11.25, 00.19.23 a 00.20.58)

25.Neste sentido, e porque se trata de um mero documento particular, que não consta do p.a., que foi expressamente impugnado, além de que, há documentos com valor probatório superior e prova testemunhal em sentido inverso, entendemos que também aqui houve erro de julgamento quanto à matéria de facto e que tais factos vertidos em 12 e 13, não podiam ter sido dados como provados, pelo que, devem ser retirados dos factos provados a matéria vertida nos pontos 12 e 13 dos factos provados na sentença recorrida.

26.O Tribunal “a quo” julgou ainda erradamente não provada a seguinte matéria:
(i)Os pressupostos físicos em que a Contra-Interessada leva a cabo a obra (edificação nos Lotes n.° 1 e n.° 2) - designadamente, o índice de construção, a área de terreno, o âmbito de implantação e a capacidade construtiva do terreno patenteados no acto licenciatório e no Alvará de licença de construção n.° ...21 - não se coadunam com a realidade fáctica nem com o consignado no PDM de 2008 e nem com o consignado no PUVAB
(ii) O acto suspendendo não respeitou, em termos fácticos, o consignado no RGEU (art. 59.°), no PUVAB (arts. 30.° e 31.°) e em normas regulamentares, no tocante às fachadas dos edifícios confrontantes, à organização funcional e distribuição interior do edifício, às instalações sanitárias, às condições físicas da edificação, ao Plano de Acessibilidades e ao plano de segurança incêndio, e enquadramento nos solos urbanizados de média densidade, que não alta densidade de tipo II
(iii) Existe uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessa o terreno (objecto do acto de licenciamento suspendendo) pertencente à Contra-Interessada, mormente os Lotes n.° 1 n.° 2
(iv) A existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, é determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes

27.No concerne à matéria dada como não provada em (i) e (ii) estamos perante erro do Tribunal “a quo”, pois que a matéria vertida nesses dois pontos é matéria conclusiva e não é matéria de facto.

28. Consequentemente, a sentença recorrida não podia ter concluído como concluiu quanto à matéria do ponto (i) dos factos não provados e, mutatis mutandis, o mesmo se diz e é aplicável quanto á matéria de facto não provada vertida sob o ponto (ii), Incorrendo, assim, a sentença recorrida em nulidade por força do disposto no artigo 615º, 1, b), c) e d) do CPC, e, em erro de julgamento, e, tem que se retirar e/ou alterar os pontos i e ii dos factos não provados

29. A natureza da providência cautelar faz com que a exigência da prova a produzir pelos Requerentes se basta com uma prova meramente sumária e indiciária e a prova testemunhal produzida e a prova documental, determinam que a sentença recorrida também errou no julgamento que fez da prova e dos factos, quanto aos factos não provados

30. O Tribunal a quo deu como não provada a seguinte matéria
(iii) Existe uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessa o terreno (objecto do acto de licenciamento suspendendo) pertencente à Contra-Interessada, mormente os Lotes n.° 1 n.° 2
(iv) A existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, é determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes
e, como se vê na fundamentação da sentença o Tribunal “a quo” erra de forma evidente pois que diz que nenhuma das testemunhas refere ter visto água nas garagens quando isso não é verdade (cfr. por exemplo o depoimento infra «GG» -00.27.17 a 00.27.59 e as fotografias juntas a fls.).

31.Uma correta apreciação da prova (documental e testemunhal) determina que foi feita prova mais do que suficiente para se levar essa matéria de facto aos factos provados, da seguinte forma
23) Existe uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessa o terreno (objecto do acto de licenciamento suspendendo) pertencente à Contra-Interessada, mormente os Lotes n.° 1 n.° 2
24) A existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, é determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes

32.porque a prova documental – cartas militares, cartas geológicas e PUAVB – têm assinalada a linha de água e a mesma atravessa o terreno da contra-interessada, as Recorrentes juntaram fotografias e relatório (cfr. fls.) com a derrocada do muro e talude da propriedade confrontante da Recorrente «CC», juntaram fotografias (cfr. fls.) a ver-se a água no terreno da Contra-interessada, em pleno Verão e num ano de enorme seca, além de que, os depoimentos das três testemunhas arroladas pelas Recorrentes (constantes das passagens que infra indicamos), dizem de forma clara e inequívoca que:
- existe uma linha de água – curso de água, ribeira das perdizes que atravessa o terreno da contra-interessada
- dizem-no com conhecimento de causa, com conhecimento do terreno, e com habilitações e experiência na matéria
- que durante a escavação no terreno da contra-interessada, em pleno Verão da maior seca de que há memória, a contra-interessada tinha tanta água que tinha que ter um motor a trabalhar noite e dia para ir tirando a água
- que nas caves de alguns prédios a jusante deste terreno apareceu humidade e água
- a testemunha «HH» confirmou ao Tribunal a existência da linha de água, a existência de água nas caves após a escavação e obra da contra-interessada e que, quando construiu um prédio a montante deste terreno da contra-interessada, já então viu a linha de água e por isso teve de construir com estacas (cfr. sessão de 24/11/2022, CD – Minuto 00:59:40 a 01:27:18)
- sessão de 24/11/2022 - CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23 - Depoimento de «DD»
A testemunha é formada em Geografia e trabalha na Câmara Municipal ..., exerce funções no ordenamento do território e participa na elaboração dos planos de ordenamento daquele território, além de que vive naquele local e conhece-o desde os 6 anos de idade (00.10.00 a 00.11.10)
Estamos perante uma testemunha que não só não tem qualquer interesse na questão, tem habilitações e experiência profissional na matéria além de que conhece, desde os 6 anos de idade aquele território (que o Tribunal “a quo” apenas porque não lhe convinha optou por ignorar).
A testemunha refere de forma clara e inequívoca a existência da linha de água /curso de água a atravessar o terreno do Recorrida a qual até era visível aquando da escavação e que a mesma está na cartografia geológica, na cartografia militar e na planta de condicionantes do PUVAB e assinalou a mesma no documento ... junto com o requerimento inicial (00.27.17 a 00.29.28; 00.34.01 a 00.35.18, 00.35.19 a 00.41.16, 00.48.15 a 00.56.02)

A testemunha diz ao Tribunal que por causa da linha de água e como consequência da edificação em curso, começou a surgir água nas garagens dos prédios vizinho e que o motor esteve durante o Verão dia e noite a trabalhar para tirar água - 00.27.17 a 00.27.59, 00.38.05 a 00.41.16
O muro e talude da Recorrente «CC» tiveram uma derrocada (00.34.01 a 00.35.18) (cfr. fotografias e relatório junto a fls)
Também a testemunha «EE», arquitecto e que também conhece a realidade do local, na Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 00:01:00 a 00:45:50, diz a este propósito, de forma peremptória e com conhecimento de causa, que existe a linha de água a atravessar o terreno a qual está representada no PUAVB e nas cartas militares.(00.07.32 a 00.11.25, 00.19.23 a 00.20.58)

33. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto que deu como não provada sob os pontos iii e iv, e, na verdade essa matéria, feita a reapreciação da prova documental e gravada, impõe levar aos factos provados a seguinte matéria
23) Existe uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessa o terreno (objecto do acto de licenciamento suspendendo) pertencente à Contra-Interessada, mormente os Lotes n.° 1 n.° 2
24) A existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, é determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes

34. Há matéria de facto, relevante para a boa decisão da causa e que, o Tribunal “a quo” tinha que ter dado como provada, pois que eesulta do p.a., do relatório de fls. da autoria de Arqº «EE», do PUAVB e da prova testemunhal produzida, o seguinte factualismo com relevo para a decisão da causa e que tem que ser dado indiciariamente como provado.
25. A 29 de novembro de 2007, [SCom02...] Lda requereu alteração ao alvará de loteamento para a junção dos lotes 1 e 2, com as seguintes características:
• Área do lote resultante – 630m2
• Cave – 550m2
• R/Chão – 371,5m2
• 1.º Andar - 371,5m2
• 2.º Andar - 371,5m2
• 3.º Andar - 371,5m2
(cfr. fls, p.a.)

26. O Plano de Urbanização da Vila do ..., Deliberação n.º ...07, de 26 de novembro foi publicado em Diário da República a 27.11.2007, e o regulamento do PUVAB estabelece na

SUBSECÇÃO II o seguinte:
Solos de urbanização programada de alta densidade do Tipo II
Artigo 30.º
Características
Os espaços incluídos nesta categoria correspondem a solos que se situam nas áreas envolventes ás fachadas nascente e poente da Alameda ..., e à área marginal ao cruzamento da EN ...06 com a EN ...05.
Artigo 31.º
Princípios e regime
1 - As operações urbanísticas a realizar nestes espaços destinam-se à criação de frentes urbanas articuladoras de espaços públicos existentes ou a edificar e o remate e consolidação de frentes urbanas com edifícios de habitação multifamiliar, devendo destacar-se pela qualidade arquitetónica, com respeito pela legislação em vigor e regulamento municipal de urbanização e edificação.
2 — As operações urbanísticas a realizar nestes espaços têm de respeitar as seguintes condições:
a) Edifícios de habitação multifamiliar;
b) Remate superior da fachada com platibanda;
c) Altura da fachada igual ou inferior a 14,5 m;
d) Profundidade máxima da construção igual ou inferior a 18 m;
e) Índice de implantação igual ou inferior a 0,6;
f) Índice de construção igual ou inferior a 1,2;
g) Alinhamento da fachada a 10 m do lancil do arruamento fronteiro, quer se trate de via existente ou proposta, exceto nos casos em que se verifiquem alinhamentos já definidos pelas construções existentes. Nas vias que integre um dos tipos de via previstos no plano rodoviário nacional, observar-se-á a legislação aplicável;
h) Área de construção para habitação de 70% a 80%, para comércio e serviços de 30% a 20%.
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

27.Aplicando ao caso os parâmetros acima referidos e que constam do regulamento do PUAVB, resultam os indicadores abaixo apresentados:
1) Índice de Implantação = 550m2(área de implantação da cave)/630m2 (área do lote)= 0,87
2) Área de Construção = 371,5m2 * 4 (n.º de pisos)= 1486,00m2
3) Índice de Construção = 1486,00m2/630m2 = 2,35
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

28.À data da análise da pretensão de licenciamento pelo Recorrido Município, já se encontrava em vigor o Decreto-Regulamentar 5/2009, de 27 de Setembro, o qual “fixa os referidos conceitos técnicos e harmoniza a sua aplicação nos instrumentos de gestão territorial, tendo em conta as alterações legais entretanto ocorridas.”, e no qual encontramos os seguintes e fundamentais conceitos técnicos:
“FICHA I-9 – Área de Implantação
A área de implantação (Ai) de um edifício é a área de solo ocupada pelo edifício. Corresponde à área do solo contido no interior de um polígono fechado que compreende:
- O perímetro exterior do contacto do edifício com o solo;
- O perímetro exterior das paredes exteriores dos pisos em cave.

FICHA I-34 – Índice de Ocupação do Solo
O índice de ocupação do solo (Io) é o quociente entre a área total de implantação (™Ai) e a área de solo (As) a que o índice diz respeito, expresso em percentagem.
Notas complementares
O índice de ocupação do solo exprime a relação entre a área de solo ocupada com edificação e a área total de solo que estamos a considerar.
Os termos do quociente são sempre expressos na mesma unidade, normalmente em metros quadrados.
A designação índice de ocupação do solo substitui outras, vulgarmente utilizadas como percentagem de ocupação, índice de implantação e coeficiente de afetação do solo (CAS).
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

29.A área de implantação da edificação é de 550m2 e o índice de implantação é de 0,87, muito superior ao índice de 0,6 previsto na alínea e) do Art. 31.º do regulamento do PUAVB,
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

30.Na aprovação de ambos os processos (alteração ao loteamento e licenciamento), o Recorrente Município entendeu que a área de implantação e os respetivos índice são calculados considerando, apenas, a área acima do solo
(cfr. fls, e cfr. p.a.)
31.O somatório das áreas de construção acima e abaixo da cota da soleira, resulta num índice de 3.23, e, significativamente superior ao 0,8 permitido no PUAVB. (cfr. fls, e cfr. p.a.)

35.Essa matéria foi explicada de forma clara e cristalina pelas testemunhas Arqº «EE» e «GG», as quais transmitiram conhecimento sobre a realidade, o indíce de implantação e o seu cálculo no caso em concreto, e, que no caso em concreto é de 0,87 quando o indíce máximo permitido e previsto no artigo 19º, nº2, b.1 do PUAVB é de apenas 0,6. A testemunha do Municipio, Engº «FF», que foi quem informou o licenciamento, confirmou que não calculou o indíce de implantação conforme consta do Decreto Regulamentar, e, mais confirmou que nesse caso, o índice de implantação no caso ultrapassa o calor limite permitido pelo Regulamento do PUAVB.

36.E, como resulta dos seguintes excertos dos depoimentos gravados, a saber
Sessão de 24/11/2022, CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23, Depoimento de «DD», a qual confirma a violação do PUAVB tanto na implantação como na construção - 00.41.16 a 00.44.32, 00.46.08 a 00.48.00

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 00:01:00 a 00:45:50, Depoimento de «EE» que esclarece de forma sabedora e assertiva que analisou e conhece o projeto e que o mesmo não cumpre os índices previstos no PUAVB incluindo o índice de implantação – 00.12.59 a 00.21.00, 00.41.00 a 00.45.00

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:16:55 a 02:24:41, Depoimento de «FF», no qual os mesmo confirma que o índice de implantação e a capacidade construtiva violam o PUAVB se se considerar a parte do piso – 1 (cave/garagem) – 02.04.48 a 02.09.00

37. Assim, provada por documentos - p.a., do relatório de fls. da autoria de Arqº «EE», PUAVB – e pela prova testemunhal produzida nos excertos dos depoimentos gravados e acima indicados, importa alterar a matéria de facto provada, acrescentando a seguinte matéria factual
25. A 29 de novembro de 2007, [SCom02...] Lda requereu alteração ao alvará de loteamento para a junção dos lotes 1 e 2, com as seguintes características:
• Área do lote resultante – 630m2
• Cave – 550m2
• R/Chão – 371,5m2
• 1.º Andar - 371,5m2
• 2.º Andar - 371,5m2
• 3.º Andar - 371,5m2
(cfr. fls, p.a.)
26. O Plano de Urbanização da Vila do ..., Deliberação n.º ...07, de 26 de novembro foi publicado em Diário da República a 27.11.2007, e o regulamento do PUAVB estabelece na
SUBSECÇÃO II o seguinte:
Solos de urbanização programada de alta densidade do Tipo II
Artigo 30.º
Características
Os espaços incluídos nesta categoria correspondem a solos que se situam nas áreas envolventes ás fachadas nascente e poente da Alameda ..., e à área marginal ao cruzamento da EN ...06 com a EN ...05.
Artigo 31.º
Princípios e regime
1 — As operações urbanísticas a realizar nestes espaços destinam-se à criação de frentes urbanas articuladoras de espaços públicos existentes ou a edificar e o remate e consolidação de frentes urbanas com edifícios de habitação multifamiliar, devendo destacar-se pela qualidade arquitetónica, com respeito pela legislação em vigor e regulamento municipal de urbanização e edificação.
2 — As operações urbanísticas a realizar nestes espaços têm de respeitar as seguintes condições:
a) Edifícios de habitação multifamiliar;
b) Remate superior da fachada com platibanda;
c) Altura da fachada igual ou inferior a 14,5 m;
d) Profundidade máxima da construção igual ou inferior a 18 m;
e) Índice de implantação igual ou inferior a 0,6;
f) Índice de construção igual ou inferior a 1,2;
g) Alinhamento da fachada a 10 m do lancil do arruamento fronteiro, quer se trate de via existente ou proposta, exceto nos casos em que se verifiquem alinhamentos já definidos pelas construções existentes. Nas vias que integre um dos tipos de via previstos no plano rodoviário nacional, observar-se-á a legislação aplicável;
h) Área de construção para habitação de 70% a 80%, para comércio e serviços de 30% a 20%.
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

27.Aplicando ao caso os parâmetros acima referidos e que constam do regulamento do PUAVB, resultam os indicadores abaixo apresentados:
1) Índice de Implantação = 550m2(área de implantação da cave)/630m2 (área do lote)= 0,87
2) Área de Construção = 371,5m2 * 4 (n.º de pisos)= 1486,00m2
3) Índice de Construção = 1486,00m2/630m2 = 2,35
(cfr. fls, e cfr. p.a.)
28.À data da análise da pretensão de licenciamento pelo Recorrido Município, já se encontrava em vigor o Decreto-Regulamentar 5/2009, de 27 de Setembro, o qual “fixa os referidos conceitos técnicos e harmoniza a sua aplicação nos instrumentos de gestão territorial, tendo em conta as alterações legais entretanto ocorridas.”, e no qual encontramos os seguintes e fundamentais conceitos técnicos:
“FICHA I-9 – Área de Implantação
A área de implantação (Ai) de um edifício é a área de solo ocupada pelo edifício. Corresponde à área do solo contido no interior de um polígono fechado que compreende:
- O perímetro exterior do contacto do edifício com o solo;
- O perímetro exterior das paredes exteriores dos pisos em cave.
FICHA I-34 – Índice de Ocupação do Solo
O índice de ocupação do solo (Io) é o quociente entre a área total de implantação (™Ai) e a área de solo (As) a que o índice diz respeito, expresso em percentagem.
Notas complementares
O índice de ocupação do solo exprime a relação entre a área de solo ocupada com edificação e a área total de solo que estamos a considerar.
Os termos do quociente são sempre expressos na mesma unidade, normalmente em metros quadrados.
A designação índice de ocupação do solo substitui outras, vulgarmente utilizadas como percentagem de ocupação, índice de implantação e coeficiente de afetação do solo (CAS).
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

29.A área de implantação da edificação é de 550m2 e o índice de implantação é de 0,87, muito superior ao índice de 0,6 previsto na alínea e) do Art. 31.º do regulamento do PUAVB,
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

30.Na aprovação de ambos os processos (alteração ao loteamento e licenciamento), o Recorrente Município entendeu que a área de implantação e os respetivos índice são calculados considerando, apenas, a área acima do solo
(cfr. fls, e cfr. p.a.)

31.O somatório das áreas de construção acima e abaixo da cota da soleira, resulta num índice de 3.23, e, significativamente superior ao 0,8 permitido no PUAVB. (cfr. fls, e cfr. p.a.)

38.Também, foi provada com relevância para a boa decisão de causa, a seguinte matéria que o Tribunal “a quo” erradamente não levou aos factos provados, a saber:
- área real do terreno da contra-interessada inferior à área considerada no licenciamento pelo Municipio:

Sessão de 24/11/2022, CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23, Depoimento de «GG» – 00.19.03 a 00.22.01 e 00.29.28 a 00.34.01, no qual a testemunha confirma que a área real é inferior à área considerada pelo Municipio

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 00:01:00 a 00:45:50, Depoimento de «EE» que refere a área do terreno que foi considerada (00.12..59 a 00.17.10)

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:16:55 a 02:24:41, Depoimento de «FF» (01.56.33 a 01.58.19, 02.18.59 a 02.21.18)

- o licenciamento do Município violou o limite do terreno da contra-interessada, licenciando a construção em parte do terreno vizinho

Sessão de 24/11/2022, CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23, Depoimento de «GG», no qual a testemunha confirma que o limite do terreno do prédio das Recorrentes era um muro de pedra, e que a contra-interessada destruiu esse muro e se abarbatou com essa parte do terreno que não é propriedade da contra-interessada e o licenciamento incluiu essa parte de terreno (00.19.03 a 00.22.01; 00.29.28 a 00.34.01, 00.45.07 a 00.46.08)

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:16:55 a 02:24:41, Depoimento de «FF» (02.18.59 a 02.21.18)

- o terreno da contra-interessada e onde foi licenciado o edifício são dois lotes, tendo sido recusado o registo da alteração ao loteamento

Sessão de 24/11/2022, CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23, Depoimento de «GG» que confirma que eram dois lotes para habitação unifamiliar e que foi licenciada a construção como sendo um só lote (00.16.02 a 00.17.05, 00.18.01 a 00.19.03)

Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:16:55 a 02:24:41, Depoimento de «FF» (02.18.59 a 02.21.18)
Sessão de 15/12/2022, CD – Minuto 01:23:45 a 01:47:47, Depoimento de «II» o qual confirma que a alteração ao loteamento foi recusada no registo (...3 a ...0)

- na data da interposição da providência a obra da contra-interessada estava no inicio das escavações e ainda está por concluir

Sessão de 24/11/2022, CD – Minuto 00:04:45 a 00:59:23, Depoimento de «GG» que explica que no inicio estava só na escavação e hoje está só a parte de estrutura geral, não estando ainda concluído (00.27.17 a 00.27.59, 00.34.01 a 00.36.00, 00.45.07 a 00.46.08)

39. Resulta também do p.a. (levantamento topográfico junto a fls. e informação técnica), do registo predial junto a fls., e do depoimento das testemunhas supra indicado que a área do terreno da contra-interessada é na realidade inferior à área considerada pelo Recorrido Município no licenciamento e no licenciamento concedido, parte do terreno não é propriedade da contra-interessada mas sim dos vizinhos. (cfr. p.a. fls., registo predial junto a fls., documentos juntos a fls. e depoimentos gravados que supra se indicam)

40.O que faz com que o Recorrido tenha licenciado a construção em parte de terreno que não é propriedade da contra-interessada. (p.a., docs. ..., ... refª ...39, docs 1 e ... refª ...38 e depoimentos gravados que supra se indicam)

41.O terreno da contra-interessada são dois lotes destinados a habitação unifamiliar.

42.O pedido de alteração ao loteamento visou a unificação dos dois lotes e consequentemente a edificação em altura para habitação multifamiliar, mas foi recusado o registo dessa alteração ao loteamento e como tal, o Recorrido licenciou uma única construção de habitação multifamiliar em dois lotes. (cfr. p.a. fls., registo predial junto a fls., e depoimentos gravados que supra se indicam)

43.Aquando da interposição da providência a contra-interessada estava a iniciar a escavação, para depois edificar (cfr. fotos juntas a fls. e depoimentos gravados que supra se indicam) e, à data de hoje, o edifício ainda não está concluído, excepto na parte do seu esqueleto estrutural. (cfr. fotos juntas a fls. e depoimentos gravados que supra se indicam)

44. Em face da prova produzida (documental e reapreciação da prova testemunhal gravada acima indicada, decorre que também aqui o Tribunal “a quo” errou na apreciação e julgamento da matéria de facto, e, tem de ser acrescentada à matéria de facto provada a seguinte:
31 – A área real do terreno da contra-interessada é inferior à área considerada no licenciamento pelo Municipio
32- O licenciamento do Município violou o limite do terreno da contra-interessada, licenciando a construção em parte do terreno vizinho
33- O terreno da contra-interessada e onde foi licenciado o edifício são dois lotes, tendo sido recusado o registo da alteração ao loteamento
34- Na data da interposição da providência a obra da contra-interessada estava no inicio das escavações e ainda está por concluir

45.O Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova e dos factos provados e não provados, além de que, violou os artigos 342º, nºs 1 e 2 e 343º, nº 1 do Código Civil

**
46. Não estamos perante um caso de inexistência de fumus boni iuris, mas sim de erro na apreciação, de não apreciação, de não julgamento ou insuficiente julgamento, na apreciação dos fundamentos alegados para preenchimento daquele pressuposto e, consequentemente, de não apreciação, de não julgamento ou erro de julgamento do fumus boni iuris, com as legais consequências.

47.O Tribunal “a quo” erra pois que, tal como defendem os Recorrentes, há nulidade (por força do artigo 68º, alínea a) e c) do RJUE):
- por violação do Plano de Urbanização do ...;
- por falta de pedido e obtenção de parecer prévio externo.

48.Enquanto, a planta de condicionantes do Plano de Urbanização tiver a referida linha de água, o Recorrido Município está obrigado, em sede de processo de licenciamento, a consultar e obter parecer prévio favorável, e, não o fez!!!

49.O Tribunal “a quo” errou, pois que, a falta dessa consulta e do parecer externo (que o Tribunal “a quo” reconhece que não existiram) sempre tinham que se entender como geradoras da invocada nulidade e portanto da verificação do fumus boni iuris.

50. À luz do regime probatório cautelar, o facto de existir um instrumento de gestão territorial – PUAVB – que tem representada a linha de água, plantas de outras entidades oficias com a mesma linha de água e um licenciamento sobre uma parcela sita na área de incidência do referido Plano (PUAVB) onde figura um linha de água nesse mesmo terreno, sem ter havido consulta, nem parecer prévio favorável da APA, CCDRN e de outras entidades é o suficiente para, nesta sede, o Tribunal “a quo” dar por indiciariamente verificada a probabilidade de sucesso da acção principal e, consequentemente, verificado o fumus boni iuris, à luz do artigo 120º, nº 1 do CPTA.

50. O Recorrido Município confirma que no Plano de Urbanização de ..., está e consta da planta de condicionantes uma linha de água, a qual atravessa o terreno da contra-interessada, e mais confirmou que procedeu à alteração ao loteamento e à licença de edificação mas não procedeu a qualquer consulta prévia, nem obteve autorização da APA (confissões que os Recorrentes na “réplica” aceitaram expressamente e para não mais serem retiradas). Não há pois quaisquer dúvidas (e o Município assim o reconhece) que o Plano de Urbanização de ... tem representada a linha de água e que a mesma atravessa o terreno do contra-interessado. (e não é uma conduta de águas pluviais como erradamente é dito na sentença recorrida)

51. Por força do artigo 5º, nºs 1 e 2 do RJIGT, os programas territoriais vinculam as entidades públicas e os planos territoriais vinculam as entidades públicas e, direta e imediatamente, os particulares, logo, como a linha de água consta do Plano, o Recorrido Município estava e está obrigado a respeitar o que consta do plano, assim, não podia emitir os actos de alteração ao loteamento nem a licença de edificação, num terreno que tem aí uma linha de água devidamente identificada na planta de condicionantes do Plano de Urbanização de ... e, tinha que ter, em sede procedimento (de alteração ao loteamento e ao licenciamento) procedido à consulta prévia à APA, CCDRN e outras e tinha que obter autorização da APA, CCDRN e outras, mas não o fez.

52.O Tribunal “a quo”, errou pois que é manifesto que tanto o acto de licenciamento como o de alteração ao loteamento, violam a lei, o PU de ... e estão feridos de nulidade à luz do disposto no artigo 68º e 69º do RJUE e 130º do RJIGT.

53.Havendo divergência entre o que está omisso no PDM e o que consta no PUAVB, considerando que o PDM é de 2008 e o PUAVB é mais recente e teve a sua última alteração em 2012, além de que, o PUAVB nos artigos 1º, 2º, 5º, 6º e 60º revoga o PDM e diz que o mesmo não se aplica.

54.A planta de condicionantes do PU de ... prevê para aquele local a existência de uma linha de água e é quanto basta para à luz da lei, o Recorrido Município estar obrigado a respeitar o que consta do Plano e a fazer consulta prévia à APA/CCDRN e outras e a obter autorizações das mesmas (e, não há dúvida que não o fez).

55.O Plano de urbanização de ... é da responsabilidade e autoria do Município, publicado em DR nº.227, de 26 de Novembro, II Serie, Deliberação nº....07 e, foi alterado no Aviso nº....12, DR nº.39, II Serie, de 23 de fevereiro (e para tanto, intervém, entre outras entidades, a Administração dos Recursos Hidricos (agora denominada de APA)) e do mesmo consta e continua a constar a linha de água na planta de condicionantes do PU de .... E, tanto assim é que, a linha de água a atravessar o terreno também consta:
*Extrato da carta militar de Portugal à escala 1/25000
*Extrato da carta geológica de Portugal à escala 1/50000,
constituindo, por isso, parte do domínio hídrico nacional, documentos que foram juntos aos autos (aquando da “réplica” como docs. ... e ...) e que o Tribunal “a quo”, apesar de os ter admitidos, “convenientemente”, omite, em toda a sua apreciação e decisão.

56.Está provado que a Recorrida contra-interessada é proprietária de um terreno, mas não está provada a área do terreno, nem os limites e respectivas confrontações, a verdade é que as áreas assumidas pelo Recorrido Município foram sempre impugnadas pelos Recorrentes (mesmo em fase de procedimento de licenciamento) e os Recorrentes demonstraram quer no procedimento quer nos autos (documentalmente) não só o erro na área do terreno como na implantação e nos limites do terreno e dos lotes.

57.O Recorrido Município alterou o loteamento e licenciou em terreno que não é propriedade da Recorrida contra-interessada e, o Recorrido Município alterou o loteamento e licenciou aplicando os parâmetros considerando uma área superior à real e com os seus limites e confrontações errados Incluindo uma área de terreno que não é propriedade da Recorrida contra-interessada e outra área que é domínio público, o que fere de nulidade tais actos

58. A Recorrida contra-interessada (e o Recorrido Município) partiram do pressuposto errado de uma área de terreno superior, e, por isso, na prática está a ser usado (ilegalmente) parte de terreno dos Recorrentes e parte de terreno público, o que gera a nulidade da alteração ao loteamento, e, por outro lado, tem implicações e consequências em matéria de implantação do edificado, desrespeito pelos afastamentos legais, indíces de construção, áreas de construção etc etc.

59. O Tribunal “a quo” refere que segundo o PUAVB, naquele local, é solo de urbanização programada de alta densidade de tipo II, mas erra clamorosamente na apreciação que faz decorrente da aplicação desse normativo ao caso, além de que se estriba (pág. 36 in fine e 37 da sentença) em dados e números que nem sequer fez constar dos factos provados.(o que configura nulidade da sentença nos termos do artigo 615º nº 1 do CPC)

60.Aplicando ao caso os parâmetros que constam do regulamento do PUAVB, resultam os indicadores abaixo apresentados:
1) Índice de Implantação = 550m2(área de implantação da cave)/630m2 (área do lote)= 0,87
2) Área de Construção = 371,5m2 * 4 (n.º de pisos)= 1486,00m2
3) Índice de Construção = 1486,00m2/630m2 = 2,35

61.Ao contrário do que erradamente é dito na sentença recorrida, a área de implantação da edificação é de 550m2, pelo que o índice de implantação é, conforme acima se demonstrou, de 0,87, logo muito superior ao índice de 0,4 previsto na alínea e) do Art. 31.º do regulamento do PUAVB,

62.Na aprovação de ambos os processos (alteração ao loteamento e licenciamento), o que o Recorrente Município entendeu (erradamente) foi que a área de implantação e os respetivo índice são calculados considerando, apenas, a área acima do solo, e por isso resulta o índice errado de 0,59 e por isso aparentemente inferior ao índice previsto na alínea e) do Art. 31.º, que é de 0,60, quando na realidade é muito superior, o mesmo se passa quanto à capacidade construtiva aprovada, que, resulta do PUVAB, art. 7.º.

63.O “o somatório das áreas de construção” não pode senão ser interpretado como o somatório da áreas de construção acima e abaixo da cota da soleira, resultando que o índice no caso afinal é de 3.23, e, significativamente superior ao 1.2 permitido constante da alínea f) do art. 31.º do PUAVB.

64.Tanto a alteração ao loteamento como o licenciamento, violam o PUAVB, estão esses actos feridos de nulidade e o Tribunal “a quo” errou ao assim não considerar e também ao não dar por verificado o fumus boni iuris, em violação do artigo 120º, nº 1 do CPTA.

65.A alteração ao loteamento, violou o artigo 27º, nº 3 in fine do RJUE (na versão à data em vigor) e sem ser precedida das necessárias consultas externas, ferindo, dessa forma de ilegalidade e de nulidade/anulabilidade o acto de deferimento a referida alteração do loteamento (artigo 68º c) do RJUE).

66.O Tribunal “a quo” passou por estas questões, referentes ao loteamento e suscitadas no requerimento inicial, como “cão que passa por vinha vindimada”, nada disse, omitindo claramente pronúncia sobre as mesmas, ferindo, assim de nulidade a sentença (artigo 615º, nº 1 d) do CPC), além de ter incorrido em erro de julgamento pois deu por não verificado o fumus boni iuris sem cuidar de apreciar todas as ilegalidades, vícios suscitados pelos Recorrentes.

67.É ao Recorrido Município que incumbe o ónus da prova dos pressupostos (jurídicos e factuais) do acto à autoridade administrativa e é sobre ele que recai o risco da falta de prova da verificação dos pressupostos da sua actuação,.

68.A Juiz “a quo” não deu como provado o cumprimento desses aspectos vinculados do acto pelo que, perante o non liquet probatório e atento o critério da repartição do ónus da prova, a Juiz “a quo”, tinha que ter decidido, em sentido inverso, ou seja , pela verificação do fumus boni iuris

69.O facto do Recorrido não ter logrado fazer prova dos pressupostos (jurídicos e factuais) do acto, implicava para o Tribunal “a quo” que na douta sentença recorrida tivesse concluido pela probabilidade de sucesso da acção principal e portanto pela verificação do fumus boni iuris.

70.Decorre do disposto no n.° 1 - parte final - do artigo 120.° do CPTA, o fumus boni iuris, na base do qual se impõe a verificação da existência da probabilidade que a pretensão a formular na ação principal (que pode vir a ser total ou parcialmente procedente), consiste na formulação de um juízo que visa apreciar a probabilidade do êxito da pretensão, mas, essa verificação basta-se com uma mera probabilidade, ou seja, não exige nem uma probabilidade qualificada, nem exige uma certeza.

71.O entendimento seguido pelo Tribunal “a quo” na Sentença recorrida, não respeita a ratio da norma, viola o artigo 120º, nº 1 do CPTA, o artigo 9º do Código Civil e o direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP).

72. Decorre dos artigos 1º, 2º, 5º, 6º e 60º do regulamento do PUVAB, que o local em causa está abrangido pelo PUVAB e que o PDM na zona do PUVAB é revogado e aí não se aplica e o terreno objecto do processo de alteração ao loteamento e de licenciamento, não tinha qualquer tipo de edificação, aplicando-se-lhe o regime do artigo 19º, nº2, alíneas a) e b) do regulamento do PUAVB

73.Foi violado o artigo 19º, nº2, a.1) do PUAVB porquanto não foi efectuado levantamento desenhado rigoroso dos edifícios das parcelas vizinhas acompanhado de documentação fotográfica de fachadas e pormenores de arquitetura relevantes (cfr. fls. p.a.)

74. Houve violação do indíce de implantação previsto no artigo 19º, b.1) do PUVAB, pois que, a informação municipal nº 114/2009 considerou de forma errada o cálculo do indíce de implantação, o quociente entre a área do rés-do-chão e a área do lote em violação do Plano (matéria que também foi explicada de forma clara e cristalina pelas testemunhas Arqº «EE» e Dr. «GG» nos depoimentos supra indicados)

75.No caso em concreto o indíce é de 0,87 quando o indíce máximo permitido e previsto no artigo 19º, nº2, b.1 é de apenas 0,6.

76.Portanto, no caso, (ao contrário do entendimento seguido na sentença recorrida) aplica-se o Decreto Regulamentar e de acordo com a hierarquia das normas é o mesmo que tem que ser considerado.

77.A aplicação aos parâmetros do PUVAB do previsto no Decreto-Regulamentar, a implantação da edificação tem que ser considerada como a totalidade da “projecção no plano horizontal”, sendo que esta projeção define “à área do solo contido no interior de um polígono fechado”, tanto do que está acima do solo como do que está abaixo do solo. Não restam, pois, quaisquer dúvidas (ao contrário do que diz o Tribunal “a quo”) que, no caso, a área de implantação da edificação é de 550m2, pelo que o índice de implantação é de 0,87 (cfr. tabela indicada a fls), muito superior ao índice máximo previsto de 0,6, previsto no artigo 19º, nº 2, b) do PUAVB, o que configura uma evidente violação do PUAVB e ilegalidade, geradora de nulidade (cfr. artigo 68º RJUE).

78.E, quanto à capacidade construtiva resulta do PUVAB (artigo 19º, nº 2, b)2 um índice de construção igual ou inferior a 0,8, mas, do “somatório das áreas de construção” não pode senão ser interpretado como o somatório das áreas de construção acima e abaixo da cota da soleira, resultando que o índice no caso atinge um valor muito superior ao 0.8 permitido, o que configura igualmente violação do PUAVB e ilegalidade, geradora de nulidade (cfr. artigo 68º RJUE).

79.Da prova produzida (documental e em audiência) resulta claro que o terreno objecto do licenciamento e alteração ao loteamento, tem numa confrontante um prédio com altura idêntica ao do contra-interessado, mas da outra confrontação, apenas tem casa de habitação de r/c, sendo a altura da fachada do prédio do contra-interessado é superior à média dos edifícios contíguos de cada lado da parcela objecto de edificação.

80.Há nulidade do licenciamento e da alteração ao loteamento, porquanto, como se disse, ambas violaram e desrespeitaram o PUVAB, o qual é o instrumento de gestão territorial aplicável.

81 Independentemente, da discussão sobre se existe ou não linha de água, o que é certo é que no PUAVB a mesma está lá prevista e é o PUAVB que o Município está obrigado a ter em conta e a ter que respeitar, consequentemente, estava igualmente obrigado a, antes de licenciar, ter efetuado as consultas às entidades externas, e, não o fez (quer na alteração ao loteamento, quer no licenciamento). (como é exigido nos artigos 13º, 20º, 21º, 67º e 68º do RJUE)

82. Quer a alteração ao loteamento quer o licenciamento, estão feridos ambos de nulidade e, nem se diga que assim não é pelo facto do Municipio a posteriori ter enviado o oficio à APA que juntou a fls. porque a norma exige que seja previamente, mas também porque esse oficio que o Municipio juntou a fls., não é o envio do projecto para consulta e para que a entidade competente dê o seu parecer (como é exigido nos artigos 13º, 20º, 21º, 67º e 68º do RJUE). Além de que, não sana a falta dessa mesma consulta prévia na alteração ao loteamento, e, também não contém / configura qualquer consulta à CCDRN.

83.O Requerido Município vem admitir/confessar (o que se aceitou para não mais ser retirado) que no PUVAB está identificada a linha de água que atravessa os lotes em questão, e que, o mesmo, nessa matéria, não foi objeto de qualquer rectificação, nem foi, nem está revogado, o que é a confirmação de parte dos vícios geradores de nulidade assacados aos actos suspendendo/impugnandos.

84. No PUAVB e na cartografia militar está identificada uma linha de água que atravessa os lotes identificados nos autos, e, não obstante, o Requerido município proferiu os actos suspendendo/impugnandos em violação do PUAVB e sem previamente consultar e obter parecer da CCDRN, nem da APA.

85.Os actos em causa foram proferidos muito antes do documento que o Requerido Município juntou a fls., e, por conseguinte o mesmo em nada altera, as ilegalidades e nulidades verificadas, além de que, nem os mesmos foram obtidos no âmbito do procedimento de alteração ao loteamento em causa nos autos, nem em relação ao acto de licenciamento em causa nos autos,

86.Nem a APA, no âmbito desses procedimentos de alteração ao loteamento/licenciamento, foi previamente consultada para dar parecer quanto a tais projectos e pedidos de licenciamento de edificação e alteração do loteamento

87.O oficio da APA não consubstancia nem a consulta exigida pelo RJUE (artigo 13º, 13º-A, 20º, 21º, 67º e 68º c)) nem o mesmo se pode considerar o parecer exigido por lei, pelo também aqui errou o Tribunal “ a quo”.

88.De acordo com o PUVAB, planta de condicionantes / zonamento está aí identificada a linha de água que atravessa o terreno objecto do acto de licenciamento em causa e pertencente ao contra-interessado (doc.s 4, 5 e 6), matéria de facto que aliás foi confirmada pelas diversas testemunhas.

89.Do disposto no artigo 6º do regulamento, resulta, de forma cristalina que aquela linha de água tem que ser considerada como uma condicionante e, compulsado o p.a. verifica-se que não foi, em violação, uma vez mais, do disposto no artigo 6º do PUAVB.

90. O Municipio, quer na alteração ao loteamento, quer no licenciamento, desrespeitou e violou o disposto nos artigos 6º e 8º do PUAVB, situação e normas que tinham que ser respeitadas, por força do artigo 20º do RJUE, independentemente, do que se possa entender ou de que a APA possa entender sobre linhas de água.

91.Por força do artigo 68º, a) do RJUE estão aqueles actos (de alteração ao loteamento e de licenciamento) feridos de nulidade pois que violaram aquelas condicionantes impostas pelo PUAVB.

92. Para efeito do fumus boni iuris, parece-nos tema que não assume relevância, pois, existindo ou não existindo, o certo é que o PUAVB assim prevê e é quanto basta para o Município estar obrigado a respeitar.

93.O Plano de urbanização de ... é da responsabilidade e autoria do Município, publicado em DR nº.227, de 26 de Novembro, II Serie, Deliberação nº....07 e, foi alterado no Aviso nº....12, DR nº.39, II Serie, de 23 de fevereiro e para a elaboração do mesmo intervém, obrigatoriamente, diversas entidades, desde a CCDRN à Administração dos Recursos Hídricos

94.E o Município (com a concordância dessas entidades) fez constar da planta de condicionantes e de zonamento a linha de água aquando da elaboração do PU e, jamais alterou o PU corrigindo essa situação

95.Essa água, em pleno ano de seca extrema e no verão é bem visível nas fotografias juntas a fls (docs. ...4 e ...5 juntos a 09.07.2021, refª ...39)

96. Pelos motivos acima expostos, é irrelevante o que o PDM prevê ou não para esta zona, uma vez que o PUAVB exclui a aplicação do PDM para a sua área de intervenção.

97. O Tribunal “a quo” não podia ter decidido pela inexistência de indícios de fumus boni iuris, pois tem documentos com valor probatório indiscutível - um PUAVB elaborado e aprovado pelo Municipio que prevê a linha de água e que o Municipio nunca alterou nesta matéria; cartas militares que também prevêem a linha de água – e tem prova testemunhal no sentido de haver a linha de água e no sentido de não haver linha de água.

98.Por força do artigo 5º, nºs 1 e 2 do RJIGT, os programas territoriais vinculam as entidades públicas e os planos territoriais vinculam as entidades públicas e, direta e imediatamente, os particulares, ora, porque a linha de água consta do Plano, o Requerido Município estava e está obrigado a respeitar o que consta do plano consequentemente, não podia o Municipio emitir, como emitiu os actos de alteração ao loteamento e a licença de edificação, num terreno que tem aí uma linha de água devidamente identificada na planta de condicionantes do Plano de Urbanização de ...

99. E, conforme previsto no artigo 8º e 11.º do Regulamento do PUVAB, estas linhas de água/cursos de água estão sujeitas ao regime hídrico, que, de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 21.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro “Nas parcelas privadas de leitos ou margens de águas públicas, bem como no respectivo subsolo ou no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras permanentes ou temporárias sem autorização da entidade a quem couber a jurisdição”.

100. No processo de licenciamento do acto suspendendo (nº LE_EDI_30/2020), não foi solicitado previamente parecer vinculativo externo à Agência Portuguesa do Ambiente (APA), entidade responsável pela gestão dos recursos hídricos nem à CCDRN. (cfr. fls. do p.a.), portanto, também por aqui e por força do nº 2 do artigo 21º da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, a contra-interessada não podia estar a executar quaisquer obras naquele local

101. Resulta ainda do processo que no local existiam 2 lotes, onde apenas se podia edificar em cada um deles, uma habitação unifamiliar, ora, foi recusado o registo da alteração ao loteamento e não é possível edificar um único prédio multifamiliar em dois lotes, para além disso, a edificação está a ocupar parte do terreno que não é propriedade da contra-interessada e que é propriedade dos Recorrentes «AA» e «BB». (docs. ..., ... refª ...39, docs 1 e ... refª ...38)

102. O Município prosseguiu e alterou o loteamento e licenciou em terreno que não é propriedade do contra-interessado, apesar dos alertas e da não concordância reiteradamente manifestada pelos Recorrentes. (cfr. p.a.), além de que, o alterou o loteamento e licenciou aplicando os parâmetros para uma área superior à real, Incluindo uma área de terreno que não é propriedade do contra-interessado, o que também fere de nulidade tais actos.

103. O acto em causa, também incorreu em erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois aceitou que o licenciamento é sobre um terreno propriedade com 683,00m2, quando, na verdade, são dois terrenos autónomos e a área é muito inferior aos referidos 683,00m2.

104. A alteração ao loteamento, foi, em violação do artigo 27º, nº 3 in fine do RJUE (na versão à data em vigor) e sem ser precedida das necessárias consultas externas, ferindo, dessa forma de ilegalidade e de nulidade/anulabilidade o acto de deferimento de R1 da referida alteração do loteamento (artigo 68º c) do RJUE), que será também objecto da acção administrativa impugnatória.

105.E, com a área de terreno é muito inferior à considerada (não chegando sequer aos 600m2), jamais, poderia ter licenciado como licenciou a área de construção proposta e aceite de 1.398,36m2;
Área Bruta da edificação: 2.127,41m2;
Volumetria da edificação: 4.534,12m3;
Área de implantação da edificação: 351,52m2;
Área util da edificação: 1.717,12m2
Área habitável da edificação: 711,60m2
Número de pisos: 5 sendo 4 acima da cota da soleira e 1 abaixo;
Cércea da edificação: 11,7 metros;
Número de fogos: 12 (3T1 + 6T2 + 3T3), 3 estabelecimentos de comércio e/ou serviços
pois que, dessa feita, o acto de licenciamento viola de forma ainda mais flagrante o artigo 19º do Regulamento do PUVAB e ultrapassava brutalmente o indíce de construção máximo e o índice de implantação máximo de 0,6.

106. Apesar do Recorrido reconhecer parte do erro, acabou por aceitar uma medição topográfica que está errada e aceitou uma área do terreno que está igualmente errada, sendo essa decisão nula e que será igualmente objecto da acção impugnatória.

107. A douta sentença recorrida não apreciou nem julgou corretamente, o fumus boni iuris, o qual, se tem que dar por verificado no caso em apreço, sob pena de violação do artigo 120º, nº 1 do CPTA

108.Em boa verdade, não se pode sequer dizer que o Tribunal “a quo” apreciou e decidiu quanto a este requisito, pois que, numa única página 41, limitou-se a refugiar-se nos fatos não provados, para concluir por essa razão pela não verificação do periculum in mora.




109. Mas, o Tribunal “a quo” errou ao dar os referidos factos por não provados, logo, esse fundamento em que se estribou o Tribunal “a quo” cairá por terra, na sequência do presente recurso.

110. Em face da prova produzida (documental e testemunhal), ficou claro que, atento o estado da obra, é expectável que a sua conclusão possa ocorrer em meia dúzia de meses, o que gerará uma situação de facto consumado pois que, sem o decretamento da providência, é expectável que a obriga termine muito antes de haver sentença na acção principal, o que coloca seriamente em risco a utilidade da sentença que vier a ser proferida.

111.Uma vez concluída a obra, o contra-interessado procederá venda das fracções, e, mais tarde será muito complicado (para não dizer impossível) fazer cumprir uma sentença que declare a nulidade dos actos.

112. Está em causa também, como consta no Acórdão do TCAN, matéria referente a uma linha de água, a ordenamento e planeamento, situação que pode gerar danos de valor incalculável e irreparável.(já houve derrocada de um talude e já água a aparecer nos prédios vizinhos)

113.Como se vai assistindo nas cidades portuguesas (ainda recentemente em Lisboa) por via das inundações e das águas, que fruto das impermeabilizações dos solos e das interrupções das linhas de água com edificação, geram aluimentos (no caso dos autos já está profusamente documentado um desses aluimentos e algumas testemunhas já fizeram menção a águas nas garagens), inundações, derrocadas etc.

114. As obras em curso e objecto do acto impugnado, são ilícitas (padecem de nulidade/anulabilidade), e constituem um abuso de direito, além de serem violadoras dos ónus, encargos e servidões e demais direitos reais dos Recorrentes incluindo o da propriedade privada, do seu uso e gozo e do direito à habitação.

115.E, por outro lado, os seus imóveis, ficarão gravemente desvalorizado afectando o seu potencial, a rentabilidade do mesmo, o valor e o direito de propriedade, situação que a ser concluída e consumada, será irreparável ou pelo menos geradora de um prejuízo grave e sério e dificilmente reparável

116Assim, e dando, por maior facilidade de exposição por reproduzido tudo o quanto já alegamos sobre o periculum in mora, deve o mesmo ser julgado verificado, com as legais consequências.

117.Relativamente ao pressuposto da ponderação de interesses, não há interesse público afetado pois que em boa verdade, o decretamento da providência é também concretização da defesa do interesse público, e, o contra-interessado, em julgamento não apresentou qualquer prova testemunhal de prejuízos e os documentos apresentados a esse propósito, são documentos particulares, que foram impugnados e que também não traduzem qualquer prejuízo para o contra-interessado

118.Na verdade, o contra-interessado só pode queixar de si próprio, pois que, se tivesse parado a obra quando tinha que ter parado, nada tinha edificado, além de que a única entidade que lá colocou até hoje dinheiro foi apenas o Banco

119.A CI só se pode queixar de si própria, pois que se tivesse cumprido a lei, não estaria agora a esgrimir os putativos prejuízos (que não se aceitam) e que veio esgrimir. A CI foi desrespeitadora da lei, foi afoita e pouco cautelosa, e só por isso é que está na situação em que está.

120.A CI também não tem qualquer prejuízo pois que, na verdade a parte que edificou, não o fez com dinheiro seu, além de que, entretanto, os imóveis não se desvalorizam, antes pelo contrário

121.Não faltam, no caso, evidências de que a douta sentença recorrida não apreciou nem julgou corretamente, o fumus boni iuris e o periculum in mora , os quais, se têm que dar por verificados no caso em apreço, sob pena de violação do artigo 120º, nº 1 do CPTA

Termos em que deve ser admitido o presente recurso, conhecidas e declaradas as nulidades suscitadas e deve o mesmo ser provido e julgado procedente, com as legais consequências, como é de inteira JUSTIÇA!!!
[…]”

**

O Recorrido Município ... apresentou Contra alegações, cujas conclusões para aqui se extraem como segue:

EM CONCLUSÃO:

QUESTÃO PRÉVIA: DOS EFEITOS DO RECURSO

I - Decorre da alínea b) do n.º 2 do art. 143.º do CPTA que possuem efeito meramente devolutivo os recursos interpostos de “decisões respeitantes a processos cautelares e respetivos incidentes”, razão pela qual o efeito suspensivo pretendido pelos Recorrentes na sua alegação é indevido.

QUANTO AOS FACTOS PROVADOS:

Relativamente aos factos provados n.ºs 8, 11 e 21:

II - No bom rigor, estes factos servem unicamente um propósito de enquadramento sobre os Regulamentos Administrativos de cariz urbanístico aplicáveis à data da prática do ato suspendendo e, ainda, de remissão para o conjunto de documentos tidos como atendíveis pelo Tribunal a quo, incluindo os juntos aos autos e, também, ao conjunto do Processo Instrutor. Razão pela qual se discorda das objeções suscitadas pelos Recorrentes.

III - Consignar documentos na matéria de facto impõe a distinção entre duas dimensões: uma primeira, que se prende com a existência do documento e a genuinidade do seu conteúdo e uma segunda – coisa distinta – do documento enquanto meio de prova, dimensões distinguidas com clareza pela douta sentença recorrida.

Relativamente ao facto provado n.º 16:

IV – Dá-se por reproduzido o consignado nas conclusões III e IV, sendo que o sentido útil do facto provado n.º 16 é assinalar a existência de um documento cujo nomen dele constante é “Relatório de Peritagem Técnica” e não a mobilização de qualquer prova pericial, em sentido processual. Razão pela qual não merece censura.

Relativamente ao facto provado n.º 14:

V – No que tange ao “facto provado n.º 14”, a primeira questão que importa clarificar que o conceito de “linha de água” para efeitos da obrigatoriedade da consulta prévia à APA é um conceito normativo, infra se abordando o mesmo em sede de matéria de direito.

VI - A respeito da questão da existência de linha de água, importa destacar – antes de mais – a posição em sentido negativo constante do ofício da Agência Portuguesa do Ambiente – A.R.H. Norte, datado de 03/10/2022 – cfr. posição da APA reproduzida nos factos provados 12 e 13, posição merecedora de especial credibilidade, visto que se trata da entidade com a competência direta e mais especializada na tutela dos bens jurídicos que resultam de todo o regime legal que incide sobre o domínio público hídrico, maxime a referida Lei n.º 54/2005, entidade à qual compete a identificação e registo de todas as águas públicas.

VII - De resto, de acordo com as regras normais de experiência e o elementar bom senso, se fosse interrompido algum curso de água integrado no domínio público hídrico, seria expectável que existissem inundações sistemáticas, já que se sabe empiricamente que a água encontra sempre o seu rumo e que se têm vivido com alguma regularidade eventos extremos em que os níveis de pluviosidade se repercutiriam, necessariamente, na elevação dos níveis freáticos ou em notório aumento de caudais desencadeando manifestações indisfarçáveis e sem margem para dúvidas.

VIII - Se assim não fosse entendido – o que não se concede - e antes se acolhesse a tese sustentada pelos Recorrentes, então também seria suscetível de afetar o edifício onde se integra a habitação dos aqui 1.º e 2.ª Recorrentes, pois o lote no qual foi construída também é atravessado pelo tracejado representado na Planta de Condicionantes do PUVAB (cfr. docs. 5 e 6 do articulado apresentado pelos Recorrentes em 09/07/2021), tendo também ocupado o correspondente espaço (!).

IX - A este respeito, afigura-se particularmente esclarecedor o depoimento da testemunha «FF», mencionado na ata de 16/12/2022 registado no ficheiro áudio, das 01:16:55 a 02:24:35, no segmento 01:35:55 a 01:37:05 [no qual este menciona os constrangimentos associados à elaboração do Plano Diretor Municipal, devido ao curto prazo disponibilizado para o efeito, tendo sido impossível realizar levantamentos topográficos digitais, pelo que se recorreu à transposição de cartografias analógicas que determinaram erro na representação de linha de água inexistente].

X - De igual modo, releva o segmento 01:39:07 a 01:40:11, [onde a testemunha refere, quanto ao Plano de Urbanização, a inexistência de restrições referidas quanto àquele solo a nível da planta de zonamento e, simultaneamente, a (errada) representação de uma linha de água na planta de condicionantes. Refere não ter sido feita correção material uma vez que, quando a questão surgiu, já estaria em elaboração a revisão do Plano Diretor Municipal]. E, igualmente, o segmento de segmento de 01:30:45 a 01:34:08 [quanto à concreta existência de qualquer linha de água, o seu entendimento no sentido de que a construção da Estrada Nacional ...10 resolveu qualquer necessidade de drenagem de águas pluviais que se pudesse verificar, pois tal estrada está dotada infraestruturas de escoamento de águas pluviais. Refere nunca ter visto qualquer linha de água a céu aberto que levasse à necessidade de obtenção de parecer da APA prévio ao licenciamento ou à alteração do alvará de loteamento].

XI - De igual modo importa atentar no depoimento da testemunha «JJ», mencionado na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro de áudio, das 00:00:20 às 01:03:25, no segmento 00:06:41 a 00:09:00 [no qual refere que, aquando da elaboração do Plano Diretor Municipal, se recorreu a cartografia em formato analógico digitalizada e sobre essa digitalização foram feitas atualizações com base noutros elementos, sendo que, relativamente às linhas de água, foram transpostos os elementos constantes da carta militar, sem qualquer verificação. Acrescenta que na revisão do Plano Diretor Municipal de 2008 se representou, na Planta de Condicionantes, uma rede hidrográfica mais detalhada, da qual já não consta qualquer linha de água no local referido].

XII - Também é relevante o depoimento da testemunha «JJ», no depoimento referido na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro de áudio, das 00:00:20 às 01:03:25, no segmento 00:17:30 a 00:19:00, [o qual declarou que se classifica as linhas de água em dois tipos, que são as linhas de água ocasionais e as permanentes. Refere que apenas estas última são relevantes para o caso em apreço. No entanto, refere que não existe no local qualquer uma destas modalidades, uma vez que, quanto à “ocasional”, a mesma se poderia originar devido a eventos pontuais, como a chuva, estando essa possibilidade acautelada pelo sistema público de drenagem de águas pluviais, que não contende com qualquer um dos prédios em causa e, quanto à segunda modalidade, não se verifica a existência de qualquer linha de água permanente no prédio, que corra durante todo o ano].

XIII - Por outro lado, ao contrário do que sustentam os Recorrentes, a existência de uma linha de água não resulta do depoimento da testemunha «GG», mencionado na ata de 25/11/2022, registado no ficheiro áudio, de 00:05:00 a 00:59:00, no segmento de 00:40:10 a 00:40:55, quando refere que a chuva estará a causar o surgimento de água nas garagens.

XIV - Os documentos que a Recorrente invoca em abono da existência de linha de água [documentos n.ºs ...4 e ...5 juntos em 09/07/2021, ref. ...39 – cfr. conclusão 95ª] não existem na aplicação SITAF sob essa referência. O acervo de registos fotográficos juntos aos autos na data de 09/07/2022 representam a fase de escavações, sendo visível alguma água lamacenta no fundo de uma escavação de vários metros de profundidade sem que daí se descortine a sua origem ou a sua integração numa linha de água que, efetivamente, fluísse.

XV – Pelo que não se provou facto algum que possa preencher aquele conceito normativo de linha de água um conceito normativo, que implicaria, por exemplo, menção de algum caudal, leito, trajeto e demais caraterísticas físicas.

XVI - Destaca-se que, por isso mesmo, no PDM aprovado em 2008 e ainda em vigor já não existe referência alguma a condutas de água ou a qualquer “linha de água” naquele local, conforme decorre da respetiva Planta de Condicionantes (cfr. certidão junta como doc. n.º ... com a Oposição do Recorrido Município).

Quanto aos factos provados n.ºs 12 e 13:

XVII – No domínio dos factos provados n.ºs 12 e 13 os Recorrentes parecem confundir a análise da existência de um ofício, bem como do seu teor, com a avaliação do mérito desse mesmo teor. Com efeito, os concretos pontos de facto impugnados dão como provada a emissão do ofício por parte da APA a requerimento do Requerido, que exterioriza a posição dessa entidade quanto à questão da existência de linha de água e desnecessidade de emissão de parecer. Tais factos traduzem, portanto, a posição da entidade oficial que tem por incumbência fundamental acautelar os bens jurídicos de defesa e salvaguarda dos recursos hídricos.

QUANTO AOS FACTOS NÃO PROVADOS:

Quanto aos factos não provados i) e ii):

XVIII - Antes de mais, a nulidade a que se refere a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC é insuscetível de se verificar no domínio dos factos não provados, já que os mesmos não constituem fundamento que justifica a decisão, sendo que não se verificam as demais nulidades arguidas ao abrigo das als. c) e d), já que nenhum dos fundamentos está em oposição com a decisão nem o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

XIX - Importa também referir que os vícios que se podem colocar quanto aos “factos provados” não possuem a mesma latitude e efeito útil no domínio dos “factos não provados”. Com efeito, a discussão sobre a redação dos factos “não provados” possui um efeito útil reduzido, no plano processual, já que exprimem um híbrido de critério de saneamento e juízo probatório negativo. A enunciação dos factos “não provados” destina-se unicamente a demonstrar “o real sentido da apreciação efetiva da factualidade que foi julgada por não provado”.

XX - Assim, o grau de exigência na enunciação dos factos não provados é menor, já que os mesmos se limitam a servir o propósito de assinalar que foram considerados, apesar de não provados, bastando uma alusão genérica ao seu âmbito que torne cognoscível terem sido ponderados no julgamento de facto, embora tendo resultado em não provados. Limiares esses que se afiguram respeitados pela douta sentença recorrida.

XXI - Mesmo que existisse nulidade – o que não se concede – a sua consequência não determinaria a alteração dos pontos i) e ii) dos factos não provados, como invocam os Recorrentes.

XXII – Quanto ao cumprimento dos pressupostos legais e regulamentares para a emanação do ato suspendendo, adere-se por inteiro à fundamentação apresentada na douta sentença recorrida no julgamento dos pontos de facto não provados i) e ii), destacando-se a pertinência do depoimento da testemunha «FF», mencionado na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro áudio, das 01:16:55 a 02:24:35, no segmento das 01:26:45 a 01:29:00 [onde explicou os dois pressupostos angulares que contrariam a tese dos Recorridos: existiu uma alteração ao alvará de loteamento que redistribuiu a capacidade construtiva entre um determinado conjunto de lotes e os conceitos urbanísticos que serviram de critério para a contabilização dos índices (de implantação e de construção) era os que resultavam, diretamente, do PUVAB (Plano de Urbanização da Vila de ...), que determinava a não contabilização as áreas afetas a estacionamento (cfr. segmento das 02:03:27 a 02:05:00)].

XXIII – Mais esclareceu essa testemunha, no segmento de 01:56:40 a 02:01:00, quanto aos problemas apontados pelos Recorrentes, que não competia à Câmara medir o terreno, tendo de confiar na certidão da conservatória. Mesmo assim, para que não restassem dúvidas, o Recorrido Município promoveu a elaboração e junção aos P.A. de um levantamento topográfico, que revelou um erro mínimo, inferior a 3%, irrelevante para suscitar a reanálise ao processo (tal erro veio a demonstrar-se ser de 0,076%).

XXIV – No mesmo sentido de terem sido respeitados os índices, segundo os critérios e pressupostos referidos na conclusão XXXI, releva igualmente o depoimento da testemunha «JJ», referido na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro de áudio, das 00:00:20 às 01:03:25, no segmento 00:26:20 a 00:26:50, onde a testemunha afirma não ter detetado qualquer vício no projeto do prédio da Contra-Interessada, aquando da sua análise.

XXV - Não ficou, pois, provada a existência de qualquer desvio entre os pressupostos de facto assumidos pelo Recorrido Município repercutidos no ato suspendendo e a realidade física correspondente. Pelo contrário, demonstrou-se a plena conformidade entre o que resultava do conjunto das peças escritas e desenhadas que instruíram a pretensão e aquela realidade, com ressalva para uma divergência de área de 0,076%. Pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao julgar não provados os pontos de facto i) e ii) do respetivo rol.

Quanto aos factos não provados iii) e iv):

XXVI – Dá-se por integralmente reproduzido o supra exarado quanto à questão da pretensa existência de linha de água, importando ainda atentar nos depoimentos das testemunhas que referem nunca terem ocorrido quaisquer queixas relativas a inundações, como é o caso do depoimento de «FF», mencionado na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro áudio, das 01:16:55 a 02:24:35, no segmento de 01:49:10 a 01:49:20.

XXVII - Na verdade, não existiu qualquer meio de prova que relacionasse qualquer evento de inundação com a existência de uma linha de água em sentido normativo, que implicaria um segmento de um curso de água com um ponto de entrada e um ponto de saída, ao que não se pode equiparar uma rede de drenagem de águas pluviais enquanto componente da rede de saneamento. Reitera-se que, segundo as regras normais da experiência e do elementar bom senso, caso tivesse sido interrompido um curso de água público e ante os fenómenos extremos que têm vindo a intensificar-se, o quadro de manifestações e destruição seria notório e impossível de ocultar.

XXVIII - Pelo exposto, bem andou a douta sentença recorrida ao julgar não provados os pontos de facto iii) e iv) do rol de factos não provados. Desde entendimento decorre, portanto, que também os pontos de facto n.º 23 e 24, que os Recorrentes pretendem ver aditados aos factos provados, não o deverão ser.

DOS DEMAIS FACTOS QUE OS RECORRENTES PRETENDEM ADITAR AO ROL DOS FACTOS PROVADOS:

Quanto ao preconizado “facto 22, 23 e 24”:

XXIX – Quanto ao preconizado “facto 22” certo que não foi previamente colhido parecer da APA para a prolação do ato suspendendo, o que não era necessário face ao já aduzido supra. Relativamente aos preconizados “factos 23 e 24” remete-se para a conclusão antecedente.

Quanto ao preconizado “facto 25”:

XXX – O preconizado “facto “25” é irrelevante para o objeto do processo, visto que o pedido de alteração de 29/07/2007 viria a ser rejeitado liminarmente com base nos fundamentos mencionados na informação n.º 313/2007, de 21 de dezembro (cfr. fls. do P.A.). Não se subscreve a estratégia de confusão ensaiada pelos Recorrentes a este propósito, pois não foi esse o conteúdo do ato que veio a decidir o deferimento do aditamento ao alvará de loteamento de 29/12/2010.

Quanto ao preconizado “facto 26”:

XXXI - Quanto a este ponto, transcrevem os Recorrentes versão desatualizada dos artigos em causa do PUVAB, desconsiderando a atualização resultante do Aviso n.º ...12, publicado em Diário da República, 2.ª série — N.º 39 — 23 de fevereiro de 2012, que, nomeadamente, alterou a redação da alínea f) do n.º 2 art. 31.º para “f) Índice de construção igual ou inferior a 1,4;”. Pelo exposto, não deve este ponto de facto ser aditado ao rol de factos provados. Ou, sendo-o, deverá ser contemplada a versão atualizada aplicável.

Quanto aos preconizados “factos 27, 28, 29, 30 e 31”:

XXXII - Para a análise adequada destes preconizados “factos 27, 28, 29, 30 e 31”, importa reiterar que o Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27/09, não obstante se encontrar em vigor à data da análise, não se aplicava por ser posterior ao PUVAB e contrariar os conceitos aí definidos.

XXXIII – A questão dos conceitos a considerar consubstancia matéria de direito, sendo que o Recorrido Município seguiu e cumpriu o critério de contabilização dos índices que constava do PUVAB, que se encontrava em vigor e que não mereceu qualquer alteração nesse aspeto, nem foi declarado ilegal por meio algum [reitera-se a este respeito a pertinência do depoimento da testemunha «FF», mencionado na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro áudio, das 01:16:55 a 02:24:35, no segmento das 01:26:45 a 01:29:00n e no segmento das 02:03:27 a 02:05:00].

XXXIV - Assim, vai o depoimento referido na conclusão precedente de acordo com o ponto n.º 30 alegado pelos Recorrentes, com o esclarecimento de que o critério de consideração, ou não, de área como área bruta de construção não se prende com o facto de estar abaixo do solo mas sim com o facto de ser destinado a estacionamento, coisa diversa.

Quanto ao preconizado “Factos 31 e 32”:

XXXV - A respeito deste ponto, afigura-se novamente útil atentar no depoimento da testemunha «FF», mencionado na ata de 16/12/2022, registado no ficheiro áudio, das 01:16:55 a 02:24:35, no segmento de 01:56:40 a 01:58:00, que refere existir uma discrepância de áreas inferior a 3% revelada no levantamento topográfico promovido pelo Recorrido Município, sendo tal erro irrelevante para desencadear uma reanálise do processo. Conforme bem pormenoriza a douta sentença recorrida, o desvio de área face à constante da descrição do Registo Predial era de, apenas, 0,53 m2, traduzindo uma diferença de 0,076%, absolutamente inócua face ao mérito da presente providência.

XXXVI - Com efeito, para além do referido erro mínimo nas áreas, não se produziu qualquer prova no sentido da diferença alegada pelos Recorrentes, nem de que a obra tenha sido licenciada em terreno vizinho, questão para a qual o Tribunal seria materialmente incompetente por se tratar de matéria exclusivamente civil, conforme a douta sentença sustentou preliminarmente, a propósito dos pressupostos processuais. Pelo exposto, os pontos n.º 31 e 32 que os Recorrentes pretendem ver julgados provados, não o deverão ser.

Quanto ao preconizado “Facto 33”:

XXXVII - No que tange ao preconizado “Facto 33”, não é verdade que o terreno onde foi licenciado o edifício constituísse dois lotes, uma vez que o aditamento ao alvará de loteamento n.º ...80, aprovado em deliberação da Câmara Municipal de 23/12/2010 (cfr. doc. ... junto com a oposição do Recorrido Município), operou a junção dos lotes 1 e 2 num novo lote.

XXXVIII - No que respeita ao registo da alteração ao loteamento, o mesmo foi recusado por não se encontrar registada a autorização do loteamento primordial (cfr. doc. ... junto com a oposição do Recorrido Município). Trata-se de uma pura questão registral, que não contende com a validade e eficácia dos atos administrativos subjacentes em si mesmos. O Código do Registo Predial foi aprovado em 1984, através do Decreto-Lei n.º 224/84, de 06/07. Os alvarás de loteamento emitidos até esta data não estavam sujeitos a registo na Conservatória do Registo Predial. Para a prática de atos notariais apenas era exigível a certidão da Conservatória do Registo Predial relativa ao terreno e cópia do alvará de loteamento.

Quanto ao preconizado “Facto 34”:

XXXIX - Tal ponto de facto é irrelevante à luz do objeto do processo e do âmbito do seu recurso, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, não se colocando – igualmente - a questão de atos de execução indevida.

Concluindo, em comum à matéria de facto:

XL - O recurso relativo à matéria de facto não constitui um novo julgamento, mas um mecanismo destinado a suprir erros de julgamento. O que não ocorre quando o Tribunal adere a uma de duas posições em confronto, privilegiando fundamentadamente uma posição em detrimento de outra, conforme sucedeu com a douta sentença recorrida.

XLI - Dos meios de prova produzidos e da fundamentação exarada na douta sentença não decorre qualquer erro manifesto ou grosseiro, não havendo elementos probatórios que apontem dessa forma inequívoca para o sentido preconizado pelos Recorrentes.

XLII - Como tal, não ocorreu erro de julgamento algum, nem qualquer violação dos arts. 342º n,º 1 e 2 e 343º n.º 1 do Código Civil: o Recorrido Município cumpriu o ónus da prova na parte que lhe compete, mormente a regularidade da apreciação da pretensão, tal como emerge do conjunto das peças escritas e desenhadas que lhe foram submetidas pela Contra-Interessada e informações técnicas produzidas, com o cumprimento de todos os deveres que sobre si impendia, refletidas integralmente no P.A.

XLIII - Assim, em face de tudo o supra aduzido, a questão do ónus da prova nem se deve colocar, já que a mesma apenas é mobilizada ante um cenário de non liquet face a determinados aspetos de facto, sobre os quais subsistam dúvidas. Ora, no caso vertente, todas as dúvidas foram dissipadas quer pelo teor do P.A., quer pela prova produzida pelo Recorrido Município, tanto documental como testemunhal, abalando a possibilidade de qualquer juízo de probabilidade em sede do requisito do fumus boni iuris.

DO DIREITO:

XLIV - O conceito de linha de água juridicamente relevante para efeitos da apreciação das questões que constituem o objeto do processo deve ser integrado por factos que se enquadrem nesse conceito normativo.

XLV - Assim, o conceito de “linha de água” juridicamente relevante para efeitos do objeto do processo implica a alegação e prova de factos subsumíveis nesse mesmo conceito, independentemente da questão probatória ou da regularidade da sua representação em quaisquer elementos cartográficos ou similares.

XLVI - Tal conceito deve ser perscrutado na Lei n.º 54/2005, de 15/11, na sua 5ª versão, introduzida pela Lei n.º 31/2016, aplicável ao ato suspendendo, mais concretamente no seu art. 21º n.º 2 da sup. cit. Lei n.º 54/2005, que se refere “a parcelas privadas de leitos ou margens de águas públicas”, conceitos esses densificados nos artigos 10.º e 11.º do mesmo diploma.

XLVII - Por exclusão de partes, a pretendida linha de água teria, para preencher o conceito de domínio fluvial, de corresponder a um rio ou ribeiro integrado num segmento de água a montante e a jusante, ligado a uma bacia hídrica definida. Ou, alternativamente, teria de ser enquadrável nas restantes águas (cfr. art. 7º da Lei n.º 54/2005).

XLVIII – A mera presença de água de origem indeterminada, pontual ou frequente, não preenche de per se e sem mais esse conceito, decorrente – designadamente – da elevação de níveis freáticos.

LXIX – Da mesma forma, a mera representação de uma linha de água num dado elemento cartográfico isolado não é, de per se, suficiente para a verificação deste requisito do fumus boni iuris, posto que foi produzida prova em contrário pelo Recorrido Município sobre a sua não correspondência com a realidade física, corroborada por uma Autoridade Pública – a APA – com especiais competências no domínio da identificação e tutela das realidades que integram o domínio público hídrico.

L - Na verdade, o fumus boni iuris deve partir da realidade física e não de representações cartográficas e isoladas, contingentes, que se demonstrou não terem qualquer correspondência com aquela.

LI - Deverá ter-se em atenção que, enquanto estiver em vigor o Plano de Urbanização da Vila do ... as definições a ter em conta são as que nele constam, não sendo atendíveis as alterações de conceitos supervenientes, designadamente por efeito do Decreto-Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de Setembro, que revogou, entretanto, o Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio.

LII - A não ser assim, estaria a ser alterado o conteúdo material desse PUVAB por via da modificação de conceitos que se repercutiriam, direta e necessariamente, na forma de aplicação dos índices de implantação e de construção aí consignados, alterando a solução urbanística assumida pelo dito Plano sem razão atendível, que se mantinha válido e eficaz, não podendo ser tacitamente alterado por adoção de critérios diversos de contabilização de índices que lhe são supervenientes.

LIII - Conforme decorre do conjunto do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14/05, na sua 2ª versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 81/2020, de 02/10, em especial dos seus arts. 98º a 100º, estes podem estabelecer autonomamente os parâmetros urbanísticos que consideram e a forma de cômputo dos mesmos.

LIV - Acresce que o antecessor do Decreto Regulamentar n.º 5/2019 de 27/09 foi o Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29/09, que é posterior ao início de vigência do Plano de Urbanização da Vila de ... (PUVAB), ocorrida em 2007 e, nessa medida, é insuscetível de ter violado aqueles atos legislativos, permanecendo em vigor com o seu caráter vinculativo enquanto não for objeto de revisão ou declarado ilegal.

LV - Desta forma, o ato suspendendo foi proferido sob o pressuposto de aplicação dos índices previstos no PUVAB e do critério de contabilização aí consignado (maxime a não contabilização das áreas destinadas a estacionamento) e da redistribuição da capacidade construtiva entre lotes por efeito da alteração de 2010 ao alvará de loteamento.

LVI - Sobre a questão dos limites do prédio, cumpre assinalar que o Município cumpriu a observância do denominado requisito da legitimidade, visto que a certidão do registo predial é absolutamente compatível com a delimitação da pretensão urbanística sobre a qual foi proferido o ato suspendendo, não competindo ao Município dirimir questões de direito privado relacionadas, por exemplo, com a delimitação de estremas que se situem para além daquela verificação perfunctória de compatibilidade subjacente ao art. 9º n.º 1 do RJUE.

LVII - Esta norma apenas exige a indicação “da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira [ao Interessado] a faculdade de realizar a operação urbanística”, acompanhada da certidão do registo predial, enquanto documento idóneo para tal verificação, não resultando dos autos qualquer prova ou elemento donde se possa retirar essa desconformidade, para além da ressalvada diferença de área de 0,076%. E, muito menos, que a pretensão, delimitada pelas peças escritas e desenhadas que instruíram o pedido de licenciamento, se traduzisse na ocupação de qualquer espaço de dominialidade pública.

LVIII – Nos termos das als. e), f) e h) do n.º 2 art. 31º do Regulamento em referência, o Índice de implantação é igual ou inferior a 0,6; o Índice de construção é igual ou inferior a 1,2; a área de construção para habitação é de 70% a 80%, para comércio e, para serviços, de 30% a 20%.

LIX - No caso da obra cujo projeto foi aprovado pelo ato suspendendo, a área bruta de construção é inferior à permitida na alteração ao alvará de loteamento n.º ...0 (1.486 m2). E porque a capacidade construtiva disponível nos lotes ..., ..., ...6, ...1, ...2, ...3 e ...4 foi transferida para os lotes 1 e 2, o índice de construção aplicado foi o resultante da soma dos lotes ..., ..., ..., ..., ...6, ...1, ...2, ...3 e ...4, objeto da alteração ao alvará de loteamento (cfr. doc. n.º ... junto com a oposição do Recorrido Município).

LX - Os referidos lotes 1 e 2 do alvará de loteamento n.º ...0 foram objeto de um pedido de junção, deferido pela Câmara Municipal ... Requerido em 23/12/2010 (cfr. documentos que se agrupam como doc. n.º ... junto com a oposição do Recorrido Município), ato este que se encontra há muito consolidado na ordem jurídica.

LXI - Essa alteração ao alvará de loteamento – que não constitui objeto da presente providência - foi sujeita a discussão pública, em virtude de haver lotes que ainda não tinham sido registados e a promotora do alvará de loteamento ter entretanto falecido.

LXII - Significa isto que não houve violação do PUVAB, uma vez que foram respeitados os valores limite indicados nas alíneas de a) a h) do n.º 2 do artigo 31.º do respetivo Regulamento, para além de ter sido cumprido o n.º 1 do citado artigo.

LXIII - A aplicação das premissas supra foi respeitada no ato suspendendo, conforme resulta da seguinte demonstração matemática que emerge do P.A., obtida a partir da informação n.º ...10 da sup. cit. Comissão [Comissão para Análise, Apreciação e Acompanhamento de Todos os Processos Relativos a Mudanças de Finalidade, Certidões de desanexação e Loteamentos n.º 257/2010, de 28 de outubro] exarada em tabela demonstrativa e explicativa vertida supra, no corpo das presentes alegações, para a qual se remete.

LXIV - A inexistência de qualquer fumus boni iuris prejudica o conhecimento da questão do periculum in mora e da ponderação de interesses contrapostos. No entanto, os prejuízos de suspensão de uma obra com as características que resultam do P.A. constituem facto público e notório, não se aceitando o argumento de que a Contra-Interessada não tem prejuízos por não ter utilizado dinheiro seu, uma vez que recorreu maioritariamente ao crédito. Como é evidente, o recurso ao crédito constitui a Contra-Interessada nas correspetivas obrigações, crendo-se que tal argumentário dispensa considerandos adicionais.

LXV - Quanto à ponderação de interesses, além de não haver qualquer linha de água a salvaguardar, no passado como no presente, a suspensão do ato de licenciamento também já não seria apta a restaurar a sua funcionalidade atenta a morfologia atual do local, não havendo – objetivamente – qualquer interesse a salvaguardar que se consiga descortinar da prova produzida.
*
TERMOS EM QUE
a douta sentença recorrida não deve merecer qualquer censura, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente.
Com o que se fará JUSTIÇA.
[…]"

**

A Contra interessada, ora Recorrida [SCom01...], Ld.ª, apresentou Contra alegações, mas sem conclusões, tendo a final e em suma requerido que deve ser julgado improcedente o recurso apresentado e mantida a Sentença recorrida.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho visando a não ocorrência das nulidades invocadas pelos Recorrentes, assim como a admissão do recurso [Cfr. § 2.º do despacho datado de 22 de maio de 2023], com subida nos autos e efeito meramente devolutivo [Cfr. §1.º do despacho datado de 02 de junho de 2023].

*

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões que vêm suscitadas pelos Recorrentes e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida:
(i) padece das nulidades que lhe são apontadas, tendo subjacente o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d) do CPC;
(ii) padece de erro de julgamento em matéria de facto;
(iii) padecem de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, foram fixados os seguintes factos:
“III.I Fundamentação de Facto.
Com relevância para a apreciação e decisão da causa cautelar (mormente, da questão que supra se elegeu), o Tribunal julga indiciariamente provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:

1. «AA» e «BB», ora 1º e 2ª Requerentes, são casados e residem na Avenida ..., ..., ..., ..., ... [cf. factualidade não controvertida; cf. documento (doc.) n.º 18 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

2. «CC», ora 3ª Requerente, é reformada e reside na Rua ..., ... ..., ... [cf. factualidade não controvertida; cf. documento (doc.) n.º 17 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

3. Desde 11 de Fevereiro de 2003, que os 1º e 2ª Requerentes são donos e legítimos proprietários e possuidores da fracção autónoma ..., sita no segundo andar direito, de tipologia T3, destinada a habitação, com 162,52m2, do prédio urbano sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., ..., descrita na Conservatória de Registo Predial ..., sob o n.º ...87 (cfr. certidão permanente ...87) e inscrita na respectiva matriz predial urbana com o artigo ...90º [cf. documento (doc.) n.º 1 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

4. A 3ª Requerente é dona e legítima proprietária e residente na casa de habitação unifamiliar, sita na Rua ..., ... ..., ... [cf. factualidade não controvertida].

5. A empresa “[SCom01...], LDA.”, ora Contra-Interessada, é proprietária do prédio urbano constituído pelos Lotes n.º ... e ..., constantes do alvará de loteamento n.º ...0, sito na Av.ª..., ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...11 e inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ...57 [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com o requerimento inicial aperfeiçoado e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. fotografias juntas aos autos pela Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

6. Os Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada, o prédio (onde moram os 1º e 2º Requerentes), e a moradia (onde mora a 3ª Requerente) encontram-se descritos na fotografia infra, nos seguintes termos, a saber: (a) o terreno (Lotes n.º ... e ...) da Contra-Interessada encontra-se aproximadamente delimitado, na fotografia, a cores vermelho e amarelo (onde se encontram carros estacionados); (b) o prédio (onde moram os 1º e 2º Requerentes) localiza-se ao lado do terreno da Contra-Interessada – ambos sitos na Av.ª..., ..., concelho ...; sendo que (c) a moradia onde reside a 3ª Requerente situada na Rua ..., ... ..., ... é a que se encontra nas “traseiras” do terreno (Lotes n.º ... e ...) da Contra-Interessada: “…
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
…” [cf. documento (doc.) n.º 9 junto aos autos cautelares pelos Requerentes, em 09-07-2021, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimentos prestados pelas testemunhas «DD», «KK», «LL», «EE», «MM», «NN», «FF», «JJ» e «II» – depoimentos, esses, que, aqui, relevam, apenas e tão-só quanto à localização quer dos Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada, quer do prédio e da moradia habitados pelos Requerentes].

7. A Contra-Interessada deu entrada, nos serviços camarários do Município ..., ora Requerido, de um pedido de licenciamento para construção, no prédio identificado em 5), de uma edificação destinada a habitação multifamiliar, comércio e/ou serviços, devidamente instruído – o qual deu origem ao processo de obras n.º ...20 [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1 e seguintes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

8. Tem-se, aqui, presente o Plano Director Municipal (PDM) do Município ... – aprovado em 2008 e actualmente em vigor [cf. Edital n.º 1244/2008, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 241, de 15 de Dezembro de 2008, alterado pelo Aviso n.º ...13, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 97, de 21 de Maio de 2013; cf. depoimento prestado pelas testemunhas «FF» e «JJ»].

9. Em 15 de Fevereiro de 2021, o Vereador do Requerido, Eng.º «OO», no âmbito de “funções delegadas ao abrigo do despacho n.º ...20 de 30 de Abril”, proferiu Despacho de aprovação do pedido de licenciamento apresentado pela Contra-Interessada e referido em 5) [cf. Despacho de 15-02-2021 constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] – acto suspendendo.

10. Em 23 de Abril de 2021 – na sequência do Despacho de aprovação referido em 9) –, foi emitido o respectivo Álvara de Licenciamento de Obras de Construção n.º ...21 cujo teor se reproduz, a saber: “…
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
…” [cf. Alvará de Licenciamento de Obras de Construção n.º ...21 junto sob o documento (doc.) n.º 3 com o requerimento inicial aperfeiçoado e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

11. Tem-se, aqui, presente o teor de todo o processo de obras n.º ...20 (incluindo a sua tramitação) [cf. processo de obras n.º ...20 constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

12. Mediante Ofício datado de 03 de Outubro de 2022 – e na sequência de ter sido instada para o efeito por parte do Requerido com a instrução de todos os documentos devidos –, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – A.R.H. Norte declarou que, “embora na cartografia militar esteja demarcada uma linha de drenagem natural que atravessa os lotes em causa, constatou-se que a pretensão incide sobre uma zona urbana consolidada onde não existem quaisquer evidências da existência de qualquer leito definido, incluindo a montante e a jusante. Face ao exposto, considerando que a pretensão não interfere com o Domínio Hídrico, comunica-se a V. Exa a que não existe lugar à emissão de qualquer parecer no âmbito da afetação dos recursos hídricos” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto aos autos cautelares, em 28-10-2022, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

13. O Parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – A.R.H. Norte referido em 12) tem o seguinte teor, a saber:
“…
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
(…)
…” [cf. documento (doc.) n.º 2 junto aos autos cautelares, em 28-10-2022, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. depoimento prestado pela testemunha «JJ» quanto a esta matéria].

14. A representação de uma “conduta de águas pluviais”, na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de ... (PUVAB) assenta em erro material e lapso de escrita, atento o prédio identificado em 5) e em 6) não constituir uma “parcela privada de leito” nem “margem de águas públicas” [cf. Edital n.º 1244/2008, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 241, de 15 de Dezembro de 2008, alterado pelo Aviso n.º ...13, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 97, de 21 de Maio de 2013; cf. depoimento prestado pela testemunha «JJ» que, não obstante exercer funções no Requerido, na qualidade de Técnico Superior, depôs de forma circunstanciada, com razão de ciência e isenção – motivo, pelo qual, mereceu total credibilidade por parte deste Tribunal. Faz-se notar que a testemunha em questão afirmou que, aquando da elaboração do primitivo PDM do Requerido, não existia cartografia digital nem cartografia hidrográfica elaborada pelo próprio Requerido, pelo que, na elaboração do primitivo PDM de 1995 do Requerido, houve o recurso à cartografia constante da carta militar da década de 1950. Sendo que, somente, com a revisão do PDM de 2008, é que o Requerido recorreu a cartografia digital homologada, tendo elaborado a própria cartografia hidrográfica do município Requerido (verificando, in loco, o existente; ou seja, verificando o que correspondia à realidade fáctica). Todavia, o Plano de Urbanização de ... (PUVAB) manteve o erro material e lapso de escrita constante do primitivo PDM de 1995 do Requerido, ao fazer alusão a “conduta de águas pluviais” (aqueduto) no local em questão, porquanto a realidade fáctica é que os Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada, bem como o prédio onde residem os 1º e 2º Requerentes não são atravessados, nem ao nível do solo nem ao nível do subsolo, por nenhum “curso de água” ou “linha de água” (tal como referido na carta militar de 1950). Mais, declarou que, na na Av.ª..., ..., concelho ..., em plena via pública, existe uma conduta de águas pluviais do Requerido].

15. A Contra-Interessada iniciou a construção da edificação licenciada – a qual se traduz num investimento de mais de um milhão de euros (quantia, esta, parcialmente financiada com recurso a um crédito de investimento contraído junto da Banco 1... no montante de € 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros) [cf. documentos (docs.) n.º 1 e n.º 2 juntos com a oposição da Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

16. Tem-se, aqui, presente o Relatório de Peritagem Técnica respeitante à obra licenciada referida em 7) e em 9) a 11) [cf. Relatório de Peritagem Técnica junto ao processo pela Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

17. Em 30 de Junho de 2021, os Requerentes deram entrada, neste Tribunal, do presente processo cautelar; tendo o mesmo sido admitido liminarmente, em 09 de Julho de 2021, na sequência do aperfeiçoamento do respectivo requerimento inicial [cf. requerimento inicial e requerimento inicial aperfeiçoado contante de págs. 7-147 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

18. O Requerido foi citado para os termos dos autos, com entrega do requerimento inicial em 19 de Julho de 2021 [cf. fls. 438 dos autos (cf. factualidade aditada nos termos do douto Acórdão do TCAN exarado nos autos)].

19. A Contra-interessada foi citada para os termos dos autos, com entrega do requerimento inicial em 16 de Julho de 2021 [cf. fls. 439 dos autos (cf. factualidade aditada nos termos do douto Acórdão do TCAN exarado nos autos)].

20. Após essas citações, a obra licenciada e titulada pelo Alvará n.º ...21 continuou a ser executada [cf. facto admitido por acordo (cf. factualidade aditada nos termos do douto Acórdão do TCAN exarado nos autos)].
21. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes dos autos cautelares e dos respectivos Processos Administrativos-Instrutores (PA´s) [cf. documentos (docs.) constantes dos autos cautelares e dos Processos Administrativos-Instrutores (PA´s) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].

*
III.II. Com relevância para a apreciação e decisão da causa cautelar (mormente, da questão que supra se elegeu), o Tribunal julga indiciariamente não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
(i) Os pressupostos físicos em que a Contra-Interessada leva a cabo a obra (edificação nos Lotes n.º ... e ...) – designadamente, o índice de construção, a área de terreno, o âmbito de implantação e a capacidade construtiva do terreno patenteados no acto licenciatório e no Alvará de licença de construção n.º ...21 não se coadunam com a realidade fáctica nem com o consignado no PDM de 2008 e nem com o consignado no PUVAB [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade (não se olvidando que a prova por excelência é a documental para corroborar tal alegação fáctica). Sendo que, ao invés, foi produzida prova em sentido contrário: mormente, resulta do Processo Administrativo-Instrutor (PA) – respeitante ao loteamento e suas alterações (entretanto junto aos autos) – que as especificações urbanísticas apresentadas pela Contra-Interessada e consideradas pelo Requerido, na instrução do processo de licenciamento, obedeceram quer à realidade fáctica quer as normas constantes dos instrumentos de gestão territorial. Com efeito, resulta do PA, que o procedimento obedeceu a todas as exigências legais – concretamente o prescrito na alínea d), do n.º 1, do art. 70.º do CPA então em vigor –, a saber: a abertura de período de discussão pública, publicação no DR, publicação no Jornal local “...” e afixação do correspondente Edital na Junta de Freguesia ..., em face da impossibilidade de confirmação da identidade e obtenção das moradas dos proprietários de todos os lotes, e em face da omissão do registo predial de alguns dos prédios – o que também foi corroborado pela testemunha «FF» (cf. tramitação do PA entretanto junto aos autos e o qual, aqui, se dá, integralmente, reproduzido). Faz-se notar que as «EE» e «PP» (que prestaram depoimento quanto a tal factualidade) não demonstraram coerência nem isenção, tendo prestado depoimentos genéricos, não circunstanciados, sem razão de ciência e repletos de incongruências – motivo, pelo qual, não mereceram credibilidade deste Tribunal quanto a tal factualidade. Ademais, faz-se notar que o PUVAB (Plano de Urbanização da Vila do ...), entrou em vigor em 27/11/2007 e destinou-se a estabelecer as regras a que deve obedecer a ocupação, o uso e a transformação do solo abrangidos nesse mesmo plano (ou seja, à área delimitada na planta de zonamento e designada como Limite do Plano de Urbanização da Vila do ...). Com o PUVAB, o Requerido pretendia – como pode ler-se no artigo 3º do seu Regulamento: potenciar a centralidade existente em torno da rotunda do arco com a criação de um centro cívico; definir um sistema viário em forma de anel envolvente ao núcleo urbano tradicional da Vila e, alternativo à EN ...06 e à EN ...10; induzir a ocupação urbana contínua entre o núcleo tradicional da vila e os aglomerados envolventes; e constituir a estrutura ecológica que integra as zonas de Reserva Agrícola Nacional, zonas verdes urbanas e de enquadramento. E, com base na área abrangida pelo Plano e nos mencionados objectivos, foram adoptadas específicas definições para efeitos da aplicação do Regulamento que integra o PUVAB – as quais constam do seu art. 7º e em que se inserem, entre outras, as referentes à área bruta de construção, a área de implantação, o índice de construção e o índice de implantação aqui em causa (alíneas d), e) o) e q) desse artigo). Daí que os técnicos do Requerido aplicaram – e bem – ao licenciamento submetido pela Contra-Interessada as aludidas regras e específicas definições, calculando o a área bruta de construção, a área de implantação o índice de construção e o índice de implantação nos exactos termos prescritos no PUVAB, como resulta do PA, de acordo com as definições adoptadas no seu Regulamento [d) Área Bruta de Construção – valor expresso em m2, resultante do somatório das áreas de todos os pavimentos, acima e abaixo do solo, medida pelo extradorso das paredes exteriores, com exclusão de sótãos não habitáveis, áreas destinadas a estacionamento, áreas técnicas (posto de transformação, central térmica, compartimentos de recolha de lixo, etc.), terraços, varandas, alpendres, galerias exteriores, arruamentos e outros espaços livres de uso público cobertos pela edificação; e) Área de Implantação – valor expresso em m2, do somatório das áreas resultantes da projeção no plano horizontal de todos os edifícios (residenciais e não residenciais), incluindo anexos, mas excluindo varandas e platibandas; o) Índice de Construção – multiplicador urbanístico correspondente ao quociente entre o somatório das áreas de construção e a superfície de referência onde se pretende aplicar de forma homogénea o índice; o índice de construção pode ser bruto, líquido ou ao lote consoante a área base onde se pretende aplicar o índice: é a totalidade da área em causa; é a totalidade da área em causa com exclusão das áreas afetas a equipamentos públicos; é o somatório das áreas dos lotes (incluindo os logradouros privados, mesmo que eventualmente de uso coletivo); q) Índice de Implantação – multiplicador urbanístico correspondente ao quociente entre o somatório da área de implantação das construções e a superfície de referência onde se pretende aplicar de forma homogénea o índice; o índice de implantação pode ser bruto, líquido ou ao lote consoante a área base onde se pretende aplicar o índice: é a totalidade da área em causa; é a totalidade da área em causa com exclusão das áreas afetas a equipamentos públicos; é o somatório das áreas dos lotes (incluindo os logradouros privados, mesmo que eventualmente de uso coletivo)]. Daí que os conceitos técnicos definidos pelo Decreto Regulamentar n.º 5/2019 não sejam aplicáveis ao PUVAB, tal como bem explicou ao Tribunal, num depoimento circunstanciado e com razão de ciência, a testemunha «FF» (que mereceu total credibilidade por parte deste Tribunal). Acresce que nenhuma das testemunhas arroladas pelos Requerentes foi capaz de apontar um único vício ao projecto de licenciamento nem concretas especificações urbanísticas apresentadas pela Contra-Interessada com base nas quais foi emitido o acto de licenciamento suspendendo; limitando-se tais testemunhas a, genericamente, afirmar que a edificação da Contra-Interessada ocupa, sem mais, parte de terreno pertencente ao domínio público e parte pertencente aos 1º e 2º Requerentes (não tendo procedido à junção de uma única prova da área do(s) terreno(s) em questão, seus limites e confrontações). Por outro lado e ao invés, o levantamento topográfico realizado no terreno objecto da operação urbanística licenciada pelo Requerido – na sequência dos pedidos dos Requerentes (corporizados nos documentos (docs.) n.º 14 a 16 juntos com o requerimento inicial e juntos ao PA) – demonstra que o aludido terreno tem uma área de 682,48 m2, inferior em apenas 0,53 m2 à que consta na descrição predial (cf. documento (doc.) n.º 7 junto com o requerimento inicial). A este respeito, a testemunha «JJ» (técnico responsável pelo referido levantamento topográfico e funcionário do Requerido) que prestou depoimento circunstanciado, com razão de ciência e isenção (não tendo demonstrado incongruências) justificou a desconsideração, pelos serviços camarários, desse desvio (de 0,076%) na apreciação do pedido de licenciamento, atenta a sua irrelevância, e assegurou também que do levantamento topográfico efectuado não resultou a pretensa ocupação de terreno público pela Contra-Interessada – factualidade, essa, igualmente confirmada pela testemunha «FF» que foi o responsável pelo licenciamento da obra dos presentes autos e que prestou depoimento circunstanciado, com razão de ciência e isenção (não tendo demonstrado incongruências). Assim, as testemunhas «JJ» e «FF» mereceram total credibilidade por parte deste Tribunal. Ademais, na sequência do envio aos Requerentes da informação referente ao aludido levantamento topográfico, estes nada mais vieram expor ou peticionar, nem muito menos sequer requereram a sua constituição como interessados, para que assim fossem notificados do andamento do processo de licenciamento, conforme podiam ter feito ao abrigo do n.º 1, do art. 68.º do CPA – o que fez “sanar“ a questão levantada (tal como bem fez notar o Venerando TCAN no primeiro parágrafo da página 91 do seu douto Acórdão). Finalmente, certo é que nunca os Requerentes lançaram mão de qualquer processo judicial de reivindicação da sua propriedade junto do tribunal competente para o conhecimento dessas questões – que é o Tribunal do foro cível].
(ii) O acto suspendendo não respeitou, em termos fácticos, o consignado no RGEU (art. 59.º), no PUVAB (arts. 30.º e 31.º) e em normas regulamentares, no tocante às fachadas dos edifícios confrontantes, à organização funcional e distribuição interior do edifício, às instalações sanitárias, às condições físicas da edificação, ao Plano de Acessibilidades e ao plano de segurança incêndio, e enquadramento nos solos urbanizados de média densidade, que não alta densidade de tipo II [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade (não se olvidando que a prova por excelência é a documental para corroborar tal alegação fáctica). Sendo que, ao invés, foi produzida prova em sentido contrário: mormente, resulta do Processo Administrativo-Instrutor (PA) – respeitante ao licenciamento – que o Requerido analisou todos os documentos apresentados pela Contra-Interessada (que entendeu conformes com todas as normas urbanísticas aplicáveis), tendo sido os projectos em questão devidamente instruídos com as declarações de responsabilidade dos autores dos mesmos – o que constitui garantia bastante do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis aos projectos, excluindo a sua apreciação prévia, como prevê o n.º 8, do art. 20.º do RJUE. Faz-se notar que a testemunha «FF» declarou que foi observada a projeção dos 45.º nos vãos do prédio situado no Lote n.º ...5 do alvará de loteamento n.º ...1 e nos vãos do prédio situado no Lote ... do alvará de loteamento n.º ...0, inexistindo qualquer violação do RGEU (em concreto o preceituado no seu art. 59º), tendo esclarecido que a dimensão dos lugares de estacionamento previstos na cave do prédio situado nos lotes 1 e 2 do alvará de loteamento n.º ...0 justificava-se pelo facto de serem “lugares de estacionamento”, e não garagens individualizadas, podendo dois ou mais deles pertencer ao mesmo proprietário, em termos de propriedade horizontal, como prevê a Portaria n.º 216-B/2008, de 03/03) – o que foi, igualmente, confirmado pelo responsável do gabinete de arquitectura da Contra-Interessada (a testemunha «II» que prestou depoimento circunstanciado, com razão de ciência e isenção; tendo merecido total credibilidade por parte deste Tribunal). Finalmente, a testemunha «QQ» (responsável pela fiscalização da obra) assegurou a conformidade da edificação com o projecto apresentado, e com as normas urbanísticas aplicáveis; e a testemunha «FF» declarou, a este respeito, que nunca foi reportada qualquer das aludidas (supostas) desconformidades junto do Requerido – o que, a ter sucedido, desencadearia o competente procedimento de fiscalização com vista à reposição da legalidade urbanística, se fosse caso disso].
(iii) Existe uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessa o terreno (objecto do acto de licenciamento suspendendo) pertencente à Contra-Interessada, mormente os Lotes n.º ... [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade. Sendo que, ao invés, foi produzida prova em sentido contrário: ou seja, foi produzida prova quanto à inexistência de uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que supostamente atravessaria os Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada. Com efeito, a este respeito, o Tribunal teve em atenção quer a própria localização do prédio dos 1º e 2º Requerentes quer a localização dos Lotes n.º ... e ... (prédio e Lotes, estes, que, de acordo com a carta militar de 1977 seriam atravessados por uma “linha de água”), em articulação com o depoimento prestado pela testemunha «JJ» que, não obstante exercer funções no Requerido, na qualidade de Técnico Superior, depôs de forma circunstanciada, com razão de ciência e isenção – motivo, pelo qual, mereceu total credibilidade por parte deste Tribunal. Faz-se notar que a testemunha em questão afirmou que, aquando da elaboração do primitivo PDM do Requerido, não existia cartografia digital nem cartografia hidrográfica elaborada pelo próprio Requerido, pelo que, na elaboração do primitivo PDM de 1995 do Requerido, houve o recurso à cartografia constante da carta militar de 1977. Sendo que, somente, com a revisão do PDM de 2008, é que o Requerido recorreu a cartografia digital homologada, tendo elaborado a própria cartografia hidrográfica do município Requerido (verificando, in loco, o existente; ou seja, verificando o que correspondia à realidade fáctica). Todavia, o Plano de Urbanização de ... (PUVAB) manteve o erro material e lapso de escrita constante do primitivo PDM de 1995 do Requerido, ao fazer alusão a “conduta de águas pluviais” (aqueduto) no local em questão, porquanto a realidade fáctica é que os Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada, bem como o prédio onde residem os 1º e 2º Requerentes não são atravessados, nem ao nível do solo nem ao nível do subsolo, por nenhum “curso de água” ou “linha de água” (tal como referido na carta militar de 1977). Mais, declarou que, na Av.ª..., ..., concelho ..., em plena via pública, existe uma conduta de águas pluviais do Requerido. Com efeito, o exercício de funções, no ... e Planeamento do Território desde 1995, permitiram à testemunha em questão esclarecer o que na realidade sucedeu: ou seja, a razão para a alusão feita em carta militar e para a ocorrida transposição no PUVAB: (a) existiu no subsolo do prédio objecto da construção uma conduta de águas pluviais que foi eliminada há mais de 50 anos, aquando da construção da actualmente denominada Avenida ..., que integra a rede rodoviária nacional, correspondendo à E.N. ...10; quando essa via pública foi construída, a dita conduta foi desviada para a rede de águas pluviais então colocada na valeta da mesma, encontrando-se desde então nesse local; (b) para elaboração do primitivo PDM do Requerido de 1995 – e de cuja elaboração, participou –, utilizou-se a única cartografia existente, que era em formato analógico, e procedeu-se à transposição da carta militar (que data de 1977 e se encontra junta aos autos); sendo que o interesse e objectivos dos militares na elaboração dessas cartas militares era o de definir o modelo do território: os declives, os gestos, os talvegues, zonas de escorrência, etc., pelo que a linha pode ter sido representada querendo significar uma destas zonas de escorrência. (c) Acresce que, após a primeira revisão do PDM, no ano de 2008, o Requerido já se socorreu de cartografia homologada, de qualidade superior, vectorizada, à escala 1/10000; sendo que, nesta revisão do PDM, aquando da elaboração da rede hidrográfica, constatou-se que, no terreno da Contra-Interessada e no prédio dos 1º e 2º Requerentes, não existia qualquer “linha/curso de água” – razão, pela qual, no PDM aprovado em 2008 (de cuja elaboração também participou) e ainda em vigor ( Edital n.º 1244/2008, publicado no DR 2.ª Série – N.º 241, de 15/12/2008, alterado pelo Aviso n.º ...13, publicado no DR 2.ª Série – N.º 97, de 21/05/2013), em particular na sua Planta de Condicionantes, não consta no local dos autos qualquer “linha de água”. (d) Mais, está actualmente em curso a segunda revisão do PDM, com entrada em vigor prevista para breve, que prevê a revogação do PUVAB, razão pela qual o Município não rectificou o PUVAB. (e) Ademais, a representação no PUVAB de 2007 deve-se a uma mera transposição da carta militar já referida, quando da primeira revisão do PDM ainda não tinha ocorrido (razão pela qual ninguém se apercebeu de nele existir tal errada representação) onde o mesmo está representado (constante dos autos). (f) Aliás, a manutenção desta representação aquando da alteração do PUVAB, ocorrida em 2012, em que também participou, advém de só ter sido alterada a parte do Regulamento e da planta de zonamento. Também, aqui, releva o depoimento da testemunha «II», cujo gabinete, foi o responsável pela edificação do prédio dos 1º e 2º Requerentes bem como é o responsável pela edificação do prédio da Contra-Interessada nos Lotes n.º ... e ..., tendo prestado depoimento de forma circunstanciada, razão de ciência e isenção (merecendo, por isso, total credibilidade por parte deste Tribunal). Esta testemunha declarou que, quer aquando da edificação do prédio dos 1º e 2º Requerentes quer aquando da edificação do prédio da Contra-Interessada, não existia nenhum “curso de água” nem “linha de água”. Salienta-se que todas as testemunhas arroladas pelos Requerentes – e que conheciam a localização do prédio onde os 1º e 2º Requerentes moram – declararam que nunca viram nenhuma inundação do prédio destes, nem inundação da cave nem da garagem do aludido prédio. Ora, uma tal declaração das testemunhas corrobora a inexistência fáctica da “linha de água” constante da carta militar da década de 1950 que também atravessaria o prédio dos 1º e 2º Requerentes. Finalmente, sempre se diga, que a testemunha «GG», e demais testemunhas arroladas pelos Requerentes que prestaram depoimento a propósito de tal matéria, em nada alteraram o facto de a operação urbanística em questão não interferir com o domínio hídrico; antes demonstram que não sabem o que é uma “linha de água” para os efeitos previstos no PUVAB. As testemunhas confundiram aquilo que podem ser lençóis freáticos ou aquíferos no local – o que também não se conseguiu descortinar, com “leitos ou margens de águas públicas”: locais, estes sim, em que é proibida a execução de quaisquer obras sem prévio parecer favorável. Certo é que, o local – onde está a ser construída a obra cujo projecto foi aprovado pelo acto suspendendo –, como se observa sem dificuldade nas fotos juntas aos autos, não é uma parcela privada de leito ou margem de águas públicas na acepção do no n.º 2 do art. 21.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, como não o é também a zona urbana em torno da edificação em questão pretensamente atravessada pela “linha de água”, incluindo os prédios dos Requerentes. Daí que, in casu, não era necessário que o acto suspendendo tivesse sido precedido de autorização por parte da APA].
(iv) A existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, é determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade. Sendo que, ao invés, foi produzida prova em sentido contrário: ou seja, foi produzida prova quanto à inexistência de uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) existente nos Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada. Com efeito, a este respeito, o Tribunal teve em atenção quer a própria localização do prédio dos 1º e 2º Requerentes quer a localização dos Lotes n.º ... e ... (prédio e Lotes, estes, que, de acordo com a carta militar de 1950 seriam atravessados por uma “linha de água”), em articulação com o depoimento prestado pela testemunha «JJ» que, não obstante exercer funções no Requerido, na qualidade de Técnico Superior, depôs de forma circunstanciada, com razão de ciência e isenção – motivo, pelo qual, mereceu total credibilidade por parte deste Tribunal. Faz-se notar que a testemunha em questão afirmou que, aquando da elaboração do primitivo PDM do Requerido de 1995, não existia cartografia digital nem cartografia hidrográfica elaborada pelo próprio Requerido, pelo que, na elaboração do primitivo PDM de 1995 do Requerido, houve o recurso à cartografia constante da carta militar de 1977. Sendo que, somente, com a revisão do PDM de 2008, é que o Requerido recorreu a cartografia digital homologada, tendo elaborado a própria cartografia hidrográfica do município Requerido (verificando, in loco, o existente; ou seja, verificando o que correspondia à realidade fáctica). Assim, a realidade fáctica verificada in loco demonstra que os Lotes n.º ... e ... da Contra-Interessada, bem como o prédio onde residem os 1º e 2º Requerentes não são atravessados, nem ao nível do solo nem ao nível do subsolo, por nenhum “curso de água” ou “linha de água” (tal como referido na carta militar de 1977). Também, aqui, releva o depoimento da testemunha «II», cujo gabinete, foi o responsável pela edificação do prédio dos 1º e 2º Requerentes bem como é o responsável pela edificação do prédio da Contra-Interessada nos Lotes n.º ... e ..., tendo prestado depoimento de forma circunstanciada, razão de ciência e isenção (merecendo, por isso, total credibilidade por parte deste Tribunal). Esta testemunha declarou que, quer aquando da edificação do prédio dos 1º e 2º Requerentes quer aquando da edificação do prédio da Contra-Interessada, não existia nenhum “curso de água” nem “linha de água”. Finalmente, é de salientar que todas as testemunhas arroladas pelos Requerentes – e que conheciam a localização do prédio onde os 1º e 2º Requerentes moram – declararam que nunca viram nenhuma inundação do prédio destes, nem inundação da cave nem da garagem do aludido prédio. Ora, uma tal declaração das testemunhas corrobora a inexistência fáctica da “linha de água” constante da carta militar de 1977 que também atravessaria o prédio dos 1º e 2º Requerentes].
(v) A construção do prédio por parte da Contra-Interessada comporta a desvalorização em mais de 80% dos imóveis dos Requerentes [nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade. Faz-se notar que as testemunhas arroladas pelos Requerentes e que prestaram depoimento quanto a tal factualidade, não demonstraram coerência nem isenção, tendo prestado depoimentos genéricos, não circunstanciados, sem razão de ciência e repletos de incongruências – motivo, pelo qual, não mereceram credibilidade deste Tribunal quanto a tal factualidade].





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Inexiste outra factualidade sumariamente provada ou não provada, para além da supra elencada com relevo para a apreciação da causa cautelar (e, bem assim, da questão que se elegeu). Sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos.
***
Motivação. A convicção do Tribunal quanto à factualidade indiciariamente julgada provada assentou na análise crítica (i) dos documentos que constam dos autos cautelares e do Processo Administrativo-Instrutor (PA), (ii) das posições assumidas pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos que resultaram da admissão por acordo, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento; e, ainda, tendo sido tomada em consideração por este Tribunal a factualidade notória – cf. art. 412.º do CPC], (iii) da produção de prova testemunhal (conforme referido em cada ponto da factualidade indiciariamente julgada provada), e (iii) da aplicação das regras de distribuição do ónus probandi – tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos da factualidade indiciariamente julgada provada.
No tocante à factualidade indiciariamente julgada não provada a mesma resultou de nenhuma prova minimamente consistente e congruente ter sido produzida nesse sentido; e, tendo, ao invés, sido produzida prova em sentido contrário a tal factualidade – tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos da factualidade indiciariamente julgada provada.”

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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório a factualidade que ao diante fixamos, seguindo a temporalidade dele constante, como segue:


8A - O Regulamento do Plano Director Municipal ..., foi ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/95, publicado no Diário da República I-B série n.º 205/95, de 05 de setembro de 1995 – Cfr. publicação no Diário da República; acessível ainda pelo link electrónico “files.dre.pt/gratuito/1s/1995/09/205b00.pdf”;

8B - As partes desenhadas e escritas a que se reportam a Planta de zonamento e a Planta de condicionantes constantes do Regulamento do Plano de Urbanização da Vila de ..., foram para aí levadas por transposição a partir do constante no Regulamento do Plano Director Municipal ... de 1995, que por sua vez se havia fundado em cartografia pré-existente - nos termos dos depoimentos que assim prestaram as testemunha «RR» [Arquitecto], «FF» e «JJ» [ambos funcionários do Município ..., na área do urbanismo e ordenamento do território], que neste domínio julgamos prestado com objectividade e com isenção, e que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria de facto vertida neste ítem. Em torno do depoimento de «JJ», referiu o mesmo, em suma, que o PDM ... de 1995 foi elaborado com recurso à cartografia usada para o Census 91, e que uma das razões para essa revisão do PDM em 2008 teve que ver com a má cartografia usada, que dava depois uma imagem errada, mas que na revisão introduzida [em 2008], já foi introduzida cartografia digital, embora não homologada.

8C - Na Planta de condicionantes constante do Regulamento do Plano de Urbanização da Vila de ..., publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 227, de 26 de novembro de 2007, está graficamente identificada com parte desenhada e parte escrita, uma linha de água que tem o seu início a montante da zona territorial onde foi levado a cabo o loteamento titulado pelo alvará n.º ...0, em que parte da sua representação gráfica atravessa os lotes 1 e 2 a que se reportam os autos, e perpendicularmente a Estrada Nacional situada a norte, e que se direcciona para um curso de água [ribeira de ... ou ..., em área RAN e REN] situado a jusante – Cfr. Planta de condicionantes constante do Regulamento do PUVAB, publicado no Diário da República; acessível ainda pelo link electrónico “....pt/plano-da-vila-do-...”; Ainda em face do teor do ofício datado de 03 de outubro de 2022, que a APA remeteu ao Recorrido Município, e de onde se extrai que os lotes 1 e 2 são atravessados por essa linha de água.

8D - Na 1.ª revisão do Regulamento do Plano Director Municipal ... [publicada na 2.ª série do Diário da República, n.º 241, no dia 15 de dezembro de 2008], foi utilizada cartografia digital não homologada, e na zona geográfica abrangida pelo Regulamento do PUVAB não está representada nenhuma “linha de água” e/ou “curso de água” – Cfr. publicação no Diário da República; acessível ainda pelo link electrónico ....pt/files/29/2979.pdf”; ainda nos termos do depoimento que assim prestou a testemunha «JJ», que julgamos objectivo e com isenção, e que permitiu formar a nossa convicção em torno da matéria de facto vertida neste ítem. Referiu o mesmo, em suma, que o PDM ... de 1995 foi elaborado com recurso à cartografia usada para o Census 91, e que uma das razões para revisão do PDM teve que ver com a má cartografia usada, que dava depois uma imagem errada, mas que na revisão introduzida em 2008, já foi introduzida cartografia digital, embora não homologada.

8E - Aquando do pedido de alteração do loteamento titulado pelo alvará n.º ...0, a Câmara Municipal ... apenas pediu parecer à Direcção de Estradas, enquanto entidade externa ao Município ... - Nos termos do depoimento da testemunha «FF», Técnico Superior da Câmara Municipal ... na área do urbanismo e licenciamento de obras particulares, que assim depôs, depoimento que julgamos prestado com objectividade e isenção, o que permitiu a formação da nossa convicção em torno da fixação deste ítem da matéria de facto.

10A - Aquando do pedido de licenciamento que veio a ser titulado pelo Alvará n.º ...21, de 23 de abril de 2021, a Câmara Municipal ... não pediu parecer a qualquer entidade externa ao Município ... - Nos termos do depoimento da testemunha «FF», Técnico Superior da Câmara Municipal ... na área do urbanismo e licenciamento de obras particulares, que assim depôs, depoimento que julgamos prestado com objectividade e isenção, o que permitiu a formação da nossa convicção em torno da fixação deste ítem da matéria de facto.

10B - O edifício licenciado pelo Município ... no terreno da Contra interessada, pelo Alvará n.º ...21, tem paredes de betão a toda a volta – Nos termos do depoimento da testemunha «QQ», autor do projecto de construção submetido a licenciamento e que está na base da construção do edifício, que assim depôs, depoimento que julgamos prestado com objectividade e isenção, o que permitiu a formação da nossa convicção em torno da fixação deste ítem da matéria de facto.

15A - A construção da edificação licenciada teve o seu início em junho de 2021 – Nos termos do depoimento das testemunhas «DD», e «LL», que assim depuseram, depoimento que julgamos prestado com objectividade e isenção, o que permitiu a formação da nossa convicção em torno da fixação deste ítem da matéria de facto; Estas testemunhas residem muito próximo do local, e como assim julgarmos, por experiência de vida, sendo o ruído decorrente da execução de trabalhos de construção de edifícios um facto notório, desde logo em face das movimentações de pessoas, máquinas e equipamentos, esse ruído é audível e perceptível principalmente por quem resida nas suas imediações.

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 02 de março de 2023, pela qual, com referência ao pedido formulado a final do Requerimento inicial pelos Requerentes [atinente a (i) ser decretada a suspensão de eficácia dos já referidos actos ilícitos proferidos por R1 e que padecem de nulidade/anulabilidade, os quais licenciaram a edificação do projecto apresentado por R2, consubstanciados no despacho do Vereador do demandado Município, Engº «OO», datado de 15.02.2021 e que foi objecto do alvará de licenciamento de obras de construção nº ...21, datado de 23.04.2021 (docs. ... e ...), com as legais consequências; (ii) ser decretado o embargo de toda a obra a decorrer no imóvel de R2 acima identificado, com as legais consequências.], veio a julgar pelo indeferimento do decretamento das providências requeridas, e a absolver o Requerido e a Contra interessada do pedido formulado.

A Sentença recorrida foi proferida na sequência do Acórdão deste TCA Norte, datado de 23 de junho de 2023, que tendo apreciado a Sentença que o Tribunal a quo prolatou em 13 de dezembro de 2021 nestes mesmos autos, veio a final, entre o mais, a determinar a remessa dos autos ao TAF de Braga tendo em vista a ampliação da decisão sobre a matéria de facto.

Conforme patenteado nos autos, os Requerentes interpuseram o processo cautelar como incidente da acção principal que iam intentar, tendo peticionado a adopção de duas providências conservatórias, e que no fundo e a final, visavam a sustação da continuidade da edificação licenciada pelo Município ... em 15 de fevereiro de 2021 e a que se reporta o Alvará de Licenciamento de Obras de Construção n.º ...21, de 23 de abril de 2021.

Como assim resulta do probatório, a edificação da construção teve o seu início em junho de 2021 [Cfr. ponto 15A do probatório], tendo o Requerido e a Contra interessada sidos citados para os termos dos autos, em 19 de julho de 2021 e 16 de julho de 2021 [Cfr. ponto 18 e 19 do probatório], respectivamente, edificação essa que, pese embora o disposto no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA, continuou a ser construída, sendo que com os fundamentos vertidos naquele Acórdão deste TCA Norte, foi julgado, a final e entre o mais, como assim constante da alínea C) do dispositivo, “ORDENAR a sustação da execução da obra licenciada por despacho datado de 15 de fevereiro de 2021, cuja construção está titulada pelo Alvará de licença n.º 45/2021, emitido em .../.../... a .../.../..., atento o pedido de adopção de providência cautelar atinente à suspensão da eficácia de um acto administrativo, e porque em face do disposto no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA, logo que foi operada a sua citação para os termos dos autos, devia o Requerido assim como a Contra interessada ter prosseguido pelos termos e condições que reputasse de mais adequadas em ordem a que fosse sustida a construção de edificação, o que não aconteceu.

Tendo os autos baixado ao TAF de Braga, aí foram prosseguidos os ulteriores termos de processo tidos por devidos e assim valorados pelo Tribunal a quo, tendo em vista a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, o que assim foi levado a cabo por via da realização de Audiência final onde foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes.

Neste patamar.

No que é atinente às providências peticionadas, as mesmas têm subjacente, em suma, a invocação por parte dos Requerentes de que o procedimento licenciatório da edificação, incluindo a alteração do loteamento para que foi emitido o alvará n.º ...0, enferma de várias invalidades, algumas determinantes da nulidade dos actos de licenciamento, por erros nos pressupostos de facto e de direito que determinaram o licenciamento, designadamente de violação de lei e de regulamento, tendo para tanto alegado estarem preenchidos os requisitos determinantes do decretamento das providências cautelares a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA [periculum in mora e fumus iuris] e n.º 2 [sobreposição dos interesses que defendem face aos contrapostos interesses - do Município e da Contra interessada], até que venha a ser proferida Sentença com trânsito em julgado na acção principal já intentada.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Prosseguindo então.

Parte da matéria de base que está patente na Sentença recorrida, já foi objecto de apreciação por parte deste TCA Norte, embora com a constituição de um diferente colectivo.

São vastas as Alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes, assim como as respectivas conclusões, que por vezes se alastram a considerações que não preenchem o sentido jurídico e processual a que se referem as “conclusões das Alegações” a que se reporta o artigo 637.º, n.º 2 do CPC, assacando por vezes os Recorrentes à decisão do Tribunal, e ao mesmo segmento, quer a ocorrência de nulidade a que se reporta o artigo 615.º do CPC, quer de erro de julgamento, o que são realidades completamente diferentes.

Os Recorridos [o Município ... e a Contra interessada], apresentaram Contra alegações, pelas quais, em suma e a final, contrariaram, in totum, os argumentos esgrimidos pelos Recorrentes.

Tanto quanto conseguimos apreender, os Requerentes sustentam nas conclusões das suas Alegações de recurso, a ocorrência:

(i1) de várias nulidades atinentes à Sentença recorrida;
(i2) de vários erros de julgamento em matéria de facto;
(i3) de vários erros de julgamento em matéria de direito.

Cumpre então e desde já, apreciar da eventual ocorrência das invocadas nulidades da Sentença recorrida, como assim sustentado pelos Recorrentes, a que se reportam as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

E por reporte às nulidades imputadas à Sentença recorrida, cumpre para aqui extrair o artigo 615.º do CPC, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
[…]
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Enquanto Tribunal de recurso e tendo subjacente o disposto no artigo 627.º, n.º 1 do CPC, este TCA Norte conhece dos recursos jurisdicionais interpostos onde devem ser evidenciadas as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Liminarmente, julgamos que não ocorrem as nulidades assacadas à Sentença recorrida, e que ao invés, estamos é perante eventuais erros de julgamento.


Vejamos.

Em sede das questões que lhe cumpria resolver [Cfr. artigos 607.º, n.º 2 e 608.º, ambos do CPC], apreciou e decidiu o Tribunal a quo que era devido “…o conhecimento de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras, permitido ou imposto por lei, devendo analisar-se, em primeira linha, as questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido cautelar […] e mais ainda, que “Em sede de mérito cautelar, cumpre saber se, no caso em apreço, os requisitos consignados no art. 120.º, n.os 1 e 2, se encontram (ou não) preenchidos, com vista ao decretamento da providência cautelar requerida.

Tratando os autos de um processo cautelar, que se caracteriza pela sumariedade da sua instrução, e estando assim em causa a apreciação da tutela cautelar requerida pelos Requerentes ora Recorrentes, o que importava ser prosseguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, era saber a final se estavam ou não verificados todos os requisitos, que são de verificação cumulativa, tendentes à adopção das providências cautelares por parte do Tribunal.

E tal foi efectuado no âmbito do julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, nos estritos termos em que o mesmo veio a fundamentar a sua decisão, e é por via dessa fundamentação, de facto e de direito colhida pelo Tribunal a quo, que será apreciado por este Tribunal de recurso sobre se incorreu o mesmo em algum erro de julgamento.

Lida a Sentença recorrida dela se extrai que a Mm.ª Juíza, depois de fixar a factualidade que entendeu por relevante [provada e não provada], e com referência aos elementos de prova que a suportam, enunciou as razões que conduziram à improcedência dos pedidos formulados, tendo estribando juridicamente a sua posição, especificando os fundamentos de facto e de direito que de acordo com a sua convicção justificam a decisão, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC.

Tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais julgou não verificado o fumus iuris, assim como o periculum in mora, e julgado prejudicada apreciação do requisito da ponderação de interesses, assim tendo vindo a negar provimento à pretensão deduzida pelos Requerentes, e se o suscitado em sede das invocadas nulidades estivesse certo, isto é, se fosse merecedor de este Tribunal de recurso lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padeceria de nulidade por a Mm.ª Juíza não ter apreciado questões que devia ter apreciado, ou por não ter identificado outros factos provados e não provados, ou por padecer de fundamentação, mas antes com a ocorrência de eventual erro de julgamento, seja de facto e/ou de direito, que é sancionável com a revogação da Sentença.

Com efeito, realidade diversa da que vem sustentada pelos Recorrentes [Cfr. conclusões 2, 28, 59 e 66 das Alegações de recurso] é a do eventual erro de julgamento, por discordância com o julgamento da matéria de facto tirada pelo Tribunal a quo, assim como com a fundamentação de direito por si assumida em face das questões a solucionar por si fixadas, tudo em face das invalidades invocadas ocorrer pelos Requerentes, o qual veio a julgar, em sumaria cognitio e segundo um juízo perfunctório, que não se encontrava desde logo verificado o requisito do fumus, e que devia assim improceder o pedido formulado.

Em face dos plúrimos fundamentos de facto e de direito que foram invocados pelos Requerentes, e apreciada que foi a requerida produção de prova, e em várias vertentes, para efeitos da dilucidação em torno do bem fundado dessa sustentação, o que importa apreciar é por que termos e pressupostos é que apreciou e decidiu o Tribunal a quo para efeitos de julgar não verificados os requisitos do fumus iuris e o periculum in mora, e a final, pelo não decretamento das providências cautelares requeridas.

Falece assim a invocação da ocorrência das nulidades imputadas à Sentença.

Neste patamar.

Cumpre agora apreciar e decidir sobre a ocorrência dos invocados erros de julgamento em torno da apreciação e fixação da matéria de facto, constante do probatório, dada como provada e não provada pelo Tribunal a quo, assim como da matéria que os Recorrentes entendem dever ser levada ao probatório, a que se opõem os Recorridos.

Os Recorrentes sustentam que o Tribunal a quo errou no julgamento proferido em torno dos factos dados como provados levados aos pontos 8, 11, 12, 13, 14, 16 e 21 do probatório, assim como em torno dos factos dados como não provados, constantes dos pontos i), ii), iii) e iv), como assim elencados na Sentença recorrida, e bem assim, que há factos não considerados pelo Tribunal a quo, ou que foram por si considerados mas de forma diversa da que assim entendem os Recorrentes dever ser fixada no probatório.

Vamos tratar este conjunto de 3 questões de forma separada, e para já, cumpre para aqui extrair os pontos 8, 11, 12, 13, 14, 16 e 21 do probatório fixado na Sentença recorrida, como segue:

8. Tem-se, aqui, presente o Plano Director Municipal (PDM) do Município ... – aprovado em 2008 e actualmente em vigor […]”.

11. Tem-se, aqui, presente o teor de todo o processo de obras n.º ...20 (incluindo a sua tramitação) […]”

12. Mediante Ofício datado de 03 de Outubro de 2022 – e na sequência de ter sido instada para o efeito por parte do Requerido com a instrução de todos os documentos devidos –, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – A.R.H. Norte declarou que, “embora na cartografia militar esteja demarcada uma linha de drenagem natural que atravessa os lotes em causa, constatou-se que a pretensão incide sobre uma zona urbana consolidada onde não existem quaisquer evidências da existência de qualquer leito definido, incluindo a montante e a jusante. Face ao exposto, considerando que a pretensão não interfere com o Domínio Hídrico, comunica-se a V. Exa a que não existe lugar à emissão de qualquer parecer no âmbito da afetação dos recursos hídricos” […]”

13. O Parecer da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) – A.R.H. Norte referido em 12) tem o seguinte teor, a saber: […]”.

14. A representação de uma “conduta de águas pluviais”, na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de ... (PUVAB) assenta em erro material e lapso de escrita, atento o prédio identificado em 5) e em 6) não constituir uma “parcela privada de leito” nem “margem de águas públicas” […]”.

16. Tem-se, aqui, presente o Relatório de Peritagem Técnica respeitante à obra licenciada referida em 7) e em 9) a 11) […]”.

21. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes dos autos cautelares e dos respectivos Processos Administrativos-Instrutores (PA´s) […]”.

Vejamos pois.

Nos termos e para efeitos do julgamento da matéria de facto, releva o princípio da livre apreciação da prova, no sentido de que “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, devendo na decisão sobre a matéria de facto constar a especificação dos fundamentos que foram decisivos à tomada de posição sobre a materialidade controvertida relevante para a decisão a proferir, de acordo com o direito a aplicar ao caso concreto – Cfr. artigos 607.º, n.ºs e 5, e 662.º, ambos do CPC.

Em face do que sustentam os Recorrentes, em torno dos identificados pontos fixados no probatório, assiste-lhes razão, ainda que apenas em parte, já que são apenas os factos que delimitam a aplicação do direito, e é sobre eles que o direito deve ser convocado e aplicado pelo Tribunal.

Enquanto Tribunal de recurso, este TCA Norte apenas procede à alteração da decisão da matéria de facto [por retirada ou aditamento de factos ao probatório] quando, depois de apreciar os termos e a razoabilidade da convicção probatória prosseguida pelo Juiz do Tribunal a quo, e em face do que lhe vem presente pelas conclusões das Alegações de recurso, se vier a julgar que a mesma padece de deficiências – cfr., entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 348; Cfr. ainda Acórdão deste TCAN, datado de 06 de dezembro de 2013, proferido no Processo n.º 01035/05BEVIS.

Cotejando os identificados pontos do probatório fixado pelo Tribunal a quo, deles resulta que nem todos traduzem ou se reportam à alegação de factos.

Em conformidade com o que assim resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, a decisão em torno da matéria de facto apenas deve contemplar factos, e não matéria de direito, conclusiva ou contendo juízos de valor.

Como refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, página 187, “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas […]”.

Por seu turno, José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª Edição, páginas. 206 a 215, Coimbra Editora, refere que […] a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior; b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
[…]
Entendemos por factos materiais as ocorrências da vida real, isto é, ou os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens.
[…]
Em conclusão: O juiz, ao organizar o questionário, deve evitar cuidadosamente que nele entrem noções, fórmulas, categorias, figuras ou conceitos jurídicos; deve inserir nos quesitos unicamente factos materiais e concretos.
[…]”.

Feitos estes considerandos, cumpre então apreciar e decidir.

Ora, em torno do quanto foi fixado sob os pontos 8, 11, 16 e 21 da matéria de facto assente, não constituem os mesmos qualquer facto, sendo para tanto irrelevante a fundamentação que em cada um deles consta dada pelo Tribunal a quo.

Enquanto factos, dar por “presente“ a existência do PDM ..., o processo de obras, o Relatório de Peritagem Técnica, assim como de todos os documentos constantes dos autos cautelares e dos respectivos Processos Administrativos-Instrutores (PA´s), tal não caracteriza a existência de qualquer facto material e concreto que estivesse carecido de prova, ou que revista facto instrumental para efeitos da decisão a proferir.

Mas de todo o modo, como assim julgamos, a técnica assim prosseguida pelo Tribunal a quo não revela qualquer consequência prática, designadamente para efeitos de ter julgado improcedente o pedido de adopção de tutela cautelar, pois que, de resto, assim não o identificaram os Recorrentes, ou seja, que foi por ter identificado esses factos, que o Tribunal a quo veio a errar no julgamento de direito que veio a tirar a final, e que deva assim por essa razão este TCA Norte revogar a Sentença recorrida.

Razão pela qual, atenta a fundamentação expendida supra, se mantêm os identificados pontos no probatório.

Quanto ao vertido sob os pontos 12 e 13 do probatório, e em torno do que o Tribunal a quo deu como provado, daí resulta apenas, que a Agência Portuguesa do Ambiente endereçou aquele concreto ofício à Câmara Municipal ..., com referência a matéria que está em discussão nos autos, o que encerra consequência diversa do julgamento que o Tribunal a quo veio depois a tirar sobre o teor dessa comunicação, ou seja, em face da apreciação crítica que do seu teor veio a fazer e da convocação do direito que fez incidir sobre esses factos.

Pelo que, não assiste por aqui razão aos Recorrentes.

Quanto ao vertido sob o ponto 14 do probatório, estamos perante um facto notoriamente conclusivo, e que assenta ainda em pressupostos erradamente considerados pelo Tribunal a quo.

Vejamos.

Embora tal não conste de forma clara do facto, a fixação dessa matéria tem subjacente a consideração pelo Tribunal a quo, de ter julgado provado em sede da matéria de facto, que na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de ... está representada uma “conduta de águas pluviais”.

Ora, para além de a discussão da questão de facto se ter centrado em torno de saber sobre se a parcela de terreno da Contra interessada é atravessada ou não por uma linha de água [como assim resulta transversal da gravação áudio da Audiência final onde foram inquiridas as testemunhas arroladas pelas partes, que ouvimos em reprodução na sua integralidade], ao contrário do que vem constante da fundamentação deste facto 14, nunca se colocou a questão, nem tal foi objecto de produção de prova, mormente de índole testemunhal, de saber sobre se está patente no PUVAB a existência de uma “conduta de águas pluviais“, e que essa sua representação tenha ocorrido por erro material e lapso de escrita.

Para além disso, o Tribunal a quo veio a efectuar, em termos que a lei de processo não permite, uma fusão entre os factos que julgou dar como provados, por assim resultantes da instrução dos autos, vertendo fundamentação que em si consubstancia, não a “fundamentação“, a prova desse facto, mas sim a enunciação de uma plêiade de outros factos, que enquanto realidades do mundo exterior, e por si só, carecem eles próprios de prova adequada e da respectiva fundamentação.

De maneira que este facto n.º 14 tem de ser removido do probatório.

Os Recorrentes insurgem-se ainda quanto a ter o Tribunal a quo dado como não provados os factos que foram identificados na Sentença recorrida como i), ii), iii) e iv).

Trata-se, essencialmente, de matéria que havia sido alegada pelos Requerentes no âmbito do Requerimento inicial e/ou demais requerimentos por si apresentados ulteriormente.

Para aqui extraímos esses factos [dados como não provados], como constantes da Sentença recorrida, como segue:

“[…]
III.II. Com relevância para a apreciação e decisão da causa cautelar (mormente, da questão que supra se elegeu), o Tribunal julga indiciariamente não provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
(i) Os pressupostos físicos em que a Contra-Interessada leva a cabo a obra (edificação nos Lotes n.º ... e ...) – designadamente, o índice de construção, a área de terreno, o âmbito de implantação e a capacidade construtiva do terreno patenteados no acto licenciatório e no Alvará de licença de construção n.º ...21 não se coadunam com a realidade fáctica nem com o consignado no PDM de 2008 e nem com o consignado no PUVAB […].
(ii) O acto suspendendo não respeitou, em termos fácticos, o consignado no RGEU (art. 59.º), no PUVAB (arts. 30.º e 31.º) e em normas regulamentares, no tocante às fachadas dos edifícios confrontantes, à organização funcional e distribuição interior do edifício, às instalações sanitárias, às condições físicas da edificação, ao Plano de Acessibilidades e ao plano de segurança incêndio, e enquadramento nos solos urbanizados de média densidade, que não alta densidade de tipo II […]”.
(iii) Existe uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessa o terreno (objecto do acto de licenciamento suspendendo) pertencente à Contra-Interessada, mormente os Lotes n.º ... […]”
(iv) A existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, é determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes […]”.

Cumpre apreciar.

Desde já julgamos que a decisão contida na Sentença recorrida em torno dos factos que o Tribunal a quo deu como não provados, não pode manter-se.

Vejamos pois, por que termos e pressupostos é que tal assim deve ser julgado.

O enunciado sob os pontos i), ii) e iv), atenta a sua redacção, e independentemente da fundamentação em sede da matéria de facto em que se sustentou o Tribunal a quo para efeitos de os julgar como não provados, encerra juízos conclusivos, razão pela qual, tendo subjacente o disposto no artigo 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 do CPC, não podiam sequer ser tidos e mantidos como matéria de facto.

Quanto ao enunciado sob o ponto iii), a sua apreciação encontra-se prejudicada pela alteração que já introduzimos supra ao probatório, quer pela revogação do facto 14 constante do probatório, quer pelo aditamento que fizemos do facto n.º 8C, para onde por facilidade remetemos, e que é assim fundamento determinante da revogação deste facto dado como não provado.

Para além de julgarmos ainda, que errou o Tribunal a quo ao considerar que “… nenhuma prova minimamente consistente foi produzida quanto a tal factualidade.”, e que, “… ao invés, foi produzida prova em sentido contrário; ou seja, foi produzida prova quanto à inexistência de uma “linha de água” e/ou “curso de água” […] que supostamente atravessaria os Lotes n.º ... e ... da Contra interessada.”, já que houve dois depoimentos, das testemunhas «DD» e «RR», e que a menos que o Tribunal a quo tivesse desconsiderado em absoluto os seus depoimentos, pelas razões que pudesse vir a enunciar, sempre em face desses depoimentos, as duas testemunhas depuseram em termos que permitia ao Tribunal intuir, formar convicção ou manter dúvida sobre a existência dessa linha de água.

O que o Tribunal a quo apresentou em sede da fundamentação do facto iii), foi uma multiplicidade de outros factos para vir a dar esse facto como não provado, assim como a uma interpretação dos depoimentos prestados que não tem total correspondência com a realidade da prova testemunhal produzida.

Como já referimos supra a propósito do facto n.º 14 do probatório, o Tribunal a quo efectuou uma fusão entre os factos que julgou dar como provados, por assim resultantes da instrução dos autos, vertendo fundamentação que em si consubstancia, não a “fundamentação“, a prova desse facto, mas sim a enunciação de uma quantidade de outros factos, que enquanto realidades do mundo exterior, e por si só, carecem eles próprios de prova adequada e da respectiva fundamentação.

Fundamentou o Tribunal a quo, como a seguir extraímos:

“[…]
Finalmente, sempre se diga, que a testemunha «DD», e demais testemunhas arroladas pelos Requerentes que prestaram depoimento a propósito de tal matéria, em nada alteraram o facto de a operação urbanística em questão não interferir com o domínio hídrico; antes demonstram que não sabem o que é uma “linha de água” para os efeitos previstos no PUVAB. As testemunhas confundiram aquilo que podem ser lençóis freáticos ou aquíferos no local – o que também não se conseguiu descortinar, com “leitos ou margens de águas públicas”: locais, estes sim, em que é proibida a execução de quaisquer obras sem prévio parecer favorável. Certo é que, o local – onde está a ser construída a obra cujo projecto foi aprovado pelo acto suspendendo –, como se observa sem dificuldade nas fotos juntas aos autos, não é uma parcela privada de leito ou margem de águas públicas na acepção do no n.º 2 do art. 21.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, como não o é também a zona urbana em torno da edificação em questão pretensamente atravessada pela “linha de água”, incluindo os prédios dos Requerentes. Daí que, in casu, não era necessário que o acto suspendendo tivesse sido precedido de autorização por parte da APA].
[…]”

Como já apreciamos supra, o Tribunal a quo podia é certo, de forma fundamentada, dar ou não credibilidade a esses depoimentos, mas o que resulta da audição dos seus depoimentos é que os mesmos depuseram, identificando o concreto terreno, designadamente em razão da sua formação académica e por viverem na localidade desde os 6 anos de idade [no caso da «DD»] ou conhecerem a localidade há mais de 46 anos [no cado de «RR»].

Salientamos que a testemunha «DD» se identificou perante o Tribunal a quo como geógrafa, e como exercendo funções no Município ... na área do ordenamento do território, e a testemunha «RR» se identificou como arquitecto, razão pela qual sempre julgamos que os seus depoimentos teriam de ter alguma reconhecida consistência.

Quanto ao enunciado sob o ponto iv), a factualidade a que se reporta não pode ser dada como não provada, como também não pode ser dada como provada, por padecerem ainda de alguma incongruência os termos em que assim foi fixado.

Com efeito, a mera existência de uma “linha de água” ou “curso de água”, não é determinante da impermeabilização de terrenos, sendo claro, por experiência de vida, que a construção em terrenos é que pode ser determinante da sua impermeabilização [dos terrenos] atentos os termos da sua área de implantação.

Aqui chegados.

Cumpre agora apreciar em torno da matéria de facto requerida aditar por parte dos Recorrentes, conforme por si apresentado sob as conclusões 19, 22, 31, 33, 34, 37, 38, 41, 42 e 44 das suas Alegações de recurso.

Quanto ao enunciado sob as conclusões 19 e 22, a sua apreciação encontra-se já prejudicada em face do aditamento que este TCA Norte efectuou em sede dos pontos 8E e 10A do probatório, tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, para onde por facilidade se remete.

Quanto ao enunciado sob as conclusões 31 e 33, a sua apreciação também se encontra prejudicada quer em face da apreciação que prosseguimos em torno do julgamento efectuado pelo Tribunal a quo versando a factualidade que deu como não provada, quer em face do aditamento que este TCA Norte efectuou em sede do probatório, tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, para onde por facilidade se remete.

Com efeito, a matéria a que se reportam os Recorrentes sob as conclusões 31 e 33 (pontos 23 e 24), é a mesma que já apreciamos supra e que visava os factos dados como não provados como iii) e iv) na Sentença recorrida.

Efectivamente, quanto ao que vem constante na conclusão 31 (n.º 23), e 33 (n.º 23) pese embora o depoimento da testemunha «GG» [que fez referência a uma mina, à fonte das Perdizes, à ..., ao ribeiro, e à ...], não foi contudo feita prova cabal da existência física da “linha de água” e/ou “curso de água” a atravessar o terreno da Contra interessada.

Enfatizando, o que julgamos inequivocamente provado [e não apenas indiciariamente], é que está representada na Planta de condicionantes do PUVAB uma linha de água, e que essa linha de água assim representada atravessa o terreno da Contra interessada [Cfr. ponto 8C do probatório].

Em torno do que vem constante nas conclusões 31 (n.º 24) e 33 (n.º 24), trata-se de matéria iminentemente conclusiva, e que padece de incongruência, que não pode ser levada à matéria de facto [assim como não pode resultar não provado, como já apreciamos supra].

Relativamente ao que vem constante na conclusão 34 (n.ºs 25, 26, 27, 28, 29 e 30), estando em causa matéria de facto que os Recorrentes entendem não ter sido fixada pelo Tribunal a quo, e que o devia ter sido, impendia sobre os Recorrentes o ónus de dar cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC [ou seja, indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida].

Resulta do vertido nos identificados pontos 25 a 30, que os Recorrentes apenas indicam para prova daquela matéria de facto, para que seja dada como provada, “cfr. fls. e cfr. p.a.”, o que é manifestamente insuficiente, em ordem a ser alterado o probatório nos termos pretendidos. Por outro lado ainda, a identificação da prova testemunhal que no entender dos Recorrentes é determinante da prova dessa matéria, não pode ser conducente à fixação dessa factualidade, na medida em que a mesma tem de ter um necessário suporte documental, e uma exegese de ordem eminentemente técnica, assente em concretos pressupostos de facto cujo âmbito de conhecimento vai muito para além do que é devido prosseguir em sede da apreciação do pedido e da prova para efeitos da concessão de tutela cautelar.

Ou seja, sempre julgamos que se trata de matéria que reveste complexidade técnica, que impõe a convocação, para além de diversos regimes jurídicos, de uma adequada prova dos dados métricos/quantitativos invocados, que não cabe ser levada a cabo no âmbito de um processo cautelar, e por via da apreciação de depoimentos prestados por testemunhas, ainda que qualificados em razão da sua formação académica e/ou profissional.

Queremos significar que, não cabe a este TCA Norte opcionar pelo maior bem prestado depoimento de qualquer das testemunhas arroladas para efeitos de dar ou não por cumprida a legalidade urbanística em torno da garantia pelo respeito por todas as normas dispostos pelo legislador, incluindo por via de instrumentos de gestão territorial elaborados pelo Município ....

Parte este TCA Norte do princípio, todavia, o que encerra verosimilhança plausível, de que os serviços do Requerido Município emitiram o acto de licenciamento visando a edificação em causa no terreno da Contra interessada, no pressuposto de que foram devidamente observados por parte de quem executou o projecto [a Contra interessada, ou alguém a seu mando], designadamente, os afastamentos, e os índices de implantação e de construção.

O que apreciamos supra quanto ao vertido na conclusão 34, aqui damos por enunciado em torno da apreciação que fazemos do invocado sob as conclusões 37 (n.ºs 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31), e 38.

Com efeito, a matéria em causa requer uma análise factual e jurídica aprofundada, que não cabe levar a cabo num processo cautelar, dada a sumariedade da sua tramitação, principalmente quando no julgamento prosseguido por este TCA Norte, o que importa apreciar e decidir é se ocorre fundamento, como sustentado pelos Recorrentes, para dar como verificado, desde logo, o fumus iuris, sem que para tanto seja relevante e/ou se imponha a quantidade de erros de julgamento que nesse domínio e para esse efeito, possam vir sindicados pelos Recorrentes.

Em torno da área de terreno [Cfr. conclusão 38], sendo controvertida qual a área que foi apresentada como sendo detida pela Contra interessada no seu terreno, e que o Município considerou para efeitos de licenciamento, e se para esse efeito foi considerada área em quantidade não integrada previamente nos lotes 1 e 2, também essa matéria há-de passar por uma prova essencialmente técnica e documental.

Quanto ao enunciado sob as conclusões 41, 42 e 44 (pontos n.ºs 31, 32 e 33) julgamos tratar-se de matéria que não resultou cabalmente provada nestes autos de processo cautelar, seja por parte dos Requerentes, seja pelo Requerido e/ou pela Contra interessada.

Face ao enunciado sob a conclusão 44, ponto 34, embora julguemos tratar-se de matéria que não é controvertida, não dilucidamos nem os Recorrentes alegam da relevância em torno da sua fixação no probatório.

O que assim julgamos resultar da instrução dos autos, com particular incidência no que foi o resultado da inquirição das testemunhas arroladas, é que a Contra interessada é proprietária dos lotes 1 e 2, que assim resultaram formados na sequência de um loteamento para que foi emitido o alvará n.º ...0 [Cfr. ponto 5 do probatório], quanto ao que veio a ser requerido o licenciamento de uma única construção nesses dois lotes, que aí está já edificada, como sendo um único terreno de implantação, aproveitando assim a capacidade constructiva que advém dessa união física.

Face ao que resulta dos autos, essa alteração foi levada a cabo pela Contra interessada e licenciada pelo Município ..., e foi nesse pressuposto que o licenciamento por via do Alvará n.º ...1 [Cfr. ponto 10 do probatório] foi concedido pela Câmara Municipal.

Aqui chegados, julgamos assim estabilizado o julgamento da matéria de facto.

Cumpre agora apreciar o recurso em matéria de direito, versando a Sentença recorrida, que conheceu da não verificação do fumus iuris, assim como do periculum in mora, vindo a julgar prejudicada a apreciação da ponderação dos interesses, e a final, a julgar improcedente o pedido dos Requerentes, por estarem em causa requisitos de verificação cumulativa.

Para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2 do CPTA, o pedido de providências cautelares e a sua adopção regem-se pela tramitação e segundo os critérios enunciados no Título IV do CPTA, que compreende os artigos 112.º a 134.º deste Código, sendo que sob o artigo 120.º vêm dispostos os critérios para a concessão de tutela cautelar.

E aí se dispõe sob o n.º 1 desse normativo, que as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 do mesmo normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção da providência ou das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

É fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, que o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e que indague da aparência do bom direito invocado pelo Requerente, no sentido de aferir sobre se é provável que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente, requisitos estes que são de verificação cumulativa, e neste sentido, sendo julgado não verificado um deles, fica prejudicado o conhecimento do outro.

Ponto é saber sobre que termos e pressupostos de facto é que o Tribunal a quo vem a conhecer e a julgar para efeitos de apreciar e decidir em torno do preenchimento dos respectivos requisitos.

Atenta a natureza das providências cautelares requeridas, e por regra, o Tribunal deve levar a cabo uma apreciação sumária da prova apresentada, sendo que esta tem de ter relevância para a questão decidenda, considerando a violação das normas invocadas e a posição do Requerente, e o confronto entre os seus interesses e os interesses públicos, avaliada em função das circunstâncias de facto concretas alegadas de parte a parte.

Neste patamar.

Em sede do julgamento da matéria de facto, sob o ponto III da Sentença recorrida, o Tribunal a quo referiu o que segue:

Início da transcrição
“Com relevância para a apreciação e decisão da causa cautelar (mormente, da questão que supra se elegeu), o Tribunal julga indiciariamente provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:“
Fim da transcrição

Ou seja, decidiu o Tribunal a quo que para a apreciação das questões que lhe cumpria solucionar, que já tinha identificado e seleccionado a factualidade essencial e instrumental que teve por relevante segundo as várias soluções plausíveis em direito.

Ora, depois de enunciar o regime jurídico que julgou ser convocável para efeitos da decisão a proferir, a saber, a apreciação e decisão da requerida tutela cautelar tendo por base a verificação dos requisitos a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, em face do discurso fundamentador que o Tribunal veio a aportar na Sentença recorrida, decidiu conforme para aqui se extracta o que segue:

Início da transcrição
“[…]
IV. Fundamentação de Direito [subsunção jurídica da factualidade indiciariamente apurada]
Como supra se expôs, a questão que se coloca, no caso em apreço, prende-se em saber se, face aos elementos carreados para os autos cautelares, será ou não de deferir as providências requeridas.
Antes de mais, convém esclarecer que o processo cautelar – tal como Aroso de Almeida [Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 437-443] o explicita – caracteriza-se pelos traços da instrumentalidade, da provisoriedade e da sumariedade.
Assim, no tocante à primeira característica – a da instrumentalidade –, esta reflecte-se, essencialmente, no facto do processo cautelar ter como função assegurar a utilidade da sentença que vier a ser proferida no processo principal, do qual depende.
Quanto à segunda especificidade – a da provisoriedade –, esta transparece no facto de uma providência cautelar não poder antecipar, a título definitivo, a constituição de situações que só a decisão a proferir no processo principal pode determinar a título categórico.
Finalmente, no que respeita à terceira característica – a da sumariedade –, tal implica que o Tribunal deva proceder a meras apreciações perfunctórias, fundadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que só devem ter lugar no processo principal.
[…]
Todavia, compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 1) a 21) e supra indiciariamente julgada não provada em (i) a (iii) – e para a qual, aqui, se remete por uma questão de economia processual –, desde já, se adianta que não assiste razão aos Requerentes, não se verificando, in casu, o requisito inerente ao fumus boni iuris. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
Senão, vejamos.
Resulta do teor dos actos suspendendos, que contrariamente ao alegado pelos Requerentes, os mesmos contêm, de forma clara e inequívoca o seu sentido, alcance e os efeitos, bem como contêm a identificação de quem os pratica com a menção à respectiva delegação de poderes e a identificação adequada do destinatário, a sua fundamentação. Pelo que improcede o pretenso vício de forma por falta de fundamentação de facto e de direito, não violando os actos suspendendos o art. 151º, nºs 1, alíneas a, b), c), d) e e) e o nº 2 do CPA.
Da mesma forma, os actos suspendendos não enfermam de nenhum vício procedimental. Isto porque – contrariamente ao alegado pelos Requerentes – o prédio (propriedade da Contra-Interessada e onde se encontra a realizar a obra licenciada pelo Requerido) não constitui nenhuma parcela privada de leito nem margem de águas públicas. Com efeito, o Plano Director Municipal (PDM) do Município ... – aprovado em 2008 e actualmente em vigor –, não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio propriedade da Contra-Interessada. Sendo que a manutenção da representação de uma “conduta de águas pluviais”, na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de ... (PUVAB) assenta em erro material e lapso de escrita.
Por conseguinte, os actos suspendendos não violam o consignado nos arts. 8º e 11.º do Regulamento do PUVAB, nem no n.º 2, do art. 21.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, porquanto jamais teria de ter sido solicitado, no processo de licenciamento n.º LE_EDI_30/2020, parecer algum externo ou autorização à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ou a qualquer outra entidade com jurisdição sobre o domínio hídrico. Daí que os actos suspendendos não violem o art. 68.º, alíneas a) e c) do RJUE, nem o PUVAB.
De forma idêntica, os actos suspendendos não padecem do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, dado que a área do terreno considerada de 683,00m2 e a área de construção proposta e aceite de 1.398,36m2 não violam a alínea f), do n.º 2, do art. 31.º do Regulamento do PUVAB nem o art. 68.º do RJUE. Com efeito, a situação em análise enquadra-se, no âmbito do PUVAB, como sendo solo de urbanização programada de alta densidade de tipo II, integrando-se na Planta de Zonamento do PUVAB. Mais, o prédio da Contra-Interessada é uno, não constando o Processo Administrativo-Instrutor (PA), que o Requerido tenha medido erradamente a área do terreno em questão. Simplesmente, os Requerentes é que não concordaram com o levantamento topográfico constante do mesmo. Assim sendo, afigura-se perfeitamente legal o licenciamento da área de construção proposta e aceite de 1.398,36m2; Área Bruta da edificação: 2.127,41m2; Volumetria da edificação: 4.534,12m 3; Área de implantação da edificação: 351,52m2; Área útil da edificação: 1.717,12m2; Área habitável da edificação: 711,60m2. Número de pisos: 5 sendo 4 acima da cota da soleira e 1 abaixo; Cércea da edificação: 11,7 metros; e, Número de fogos: 12 (3T1 + 6T2 + 3T3), 3 estabelecimentos de comércio e/ou serviços. Por conseguinte, os actos suspendendos não violam o art. 31.º, n.º 2, alíneas e) e f), do Regulamento do PUVAB, nem o art. 68.º do RJUE, e nem os arts. 161.º, 162.º, n.º 2, alíneas c), j) e l), do CPA.
Acresce que os actos suspendendos também não violam o art. 59.º do RGEU nem normas regulamentares aplicáveis e nem o PUAVB. Com efeito, decorre do processo administrativo-instrutor (PA), que os actos suspendendos cumprem com o definido no projecto licenciado relativamente às fachadas dos edifícios confrontantes, quer lateralmente quer no tardoz. Mais, relativamente à organização funcional e distribuição interior do edifício, não existe nenhum incumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, afigurando-se aceitável a dimensão e funcionalidade dos lugares de estacionamento (inter alia, os lugares n.º 1 a 4, 9 e 10, 14 e 16, e 19 a 21, da ... de implantação) que se encontram de acordo com o exigível pelo PUAVB. Também as instalações sanitárias e o Plano de Acessibilidades observam o Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto. Constata-se, assim, que o projecto licenciado não viola o disposto no art. 21.º, n.º 2, a.1), a.3), b.1), b.2) do Regulamento do PUVAB (não padecendo de vícios de erro nos pressupostos). Também do processo administrativo-instrutor, consta o plano de segurança incêndio que se traduz na ficha de segurança incêndio; não tendo o Requerido incorrido em erro nem em violação da lei.
Finalmente, a falta de notificação aos Requerentes do acto de licenciamento não viola o consignado nos arts. 38.º, 115.º, n.º 1, e 121.º do CPA, porquanto os Requerentes, nos termos legais, não teriam de ser, em caso algum, notificados dos actos suspendendos nem de qualquer decisão proferida no âmbito do procedimento de licenciamento em questão. Em suma, o Requerido não violou o consignado nos arts. 12.º, 38.º, 67.º, 68.º, 110.º, 111.º, 114.º, 161.º, n.º 1, n.º 2, d), g) e l), 162.º e 163.º do CPA).
Finalmente, sempre se diga, que o facto de a “linha de água” estar representada na planta de condicionantes do PUVAB – ainda que na realidade essa linha de água não exista – não obrigava o Requerido a solicitar parecer junto da APA antes da prática do acto de licenciamento. E, ainda que assim se não entendesse, uma tal omissão não implicaria a nulidade do acto suspendendo. Isto porque, solução diversa seria injusta porquanto, caso o acto suspendendo fosse declarado nulo por via da violação da exigência de parecer prévio favorável da APA, ainda assim a Contra-Interessada poderia formular novo pedido de licenciamento em cujo âmbito o Requerido teria de proceder a tal consulta, antes de decidir – o que culminaria com a decisão que já conhecemos: a dispensa de parecer por parte daquela entidade e a prática do acto de licenciamento, nos mesmíssimos termos. Temos, portanto, a aplicação ao caso em apreço do princípio do aproveitamento do acto consignado na lei e na jurisprudência. Mais, poder-se-ia dar o caso de, a uma tal decisão de nulidade, se seguir a aprovação e publicação do PDM ... – que como as testemunhas esclareceram revogará o PUVAB –; e, nesse caso, nem sequer existiria essa obrigatoriedade. Acresce que, examinada toda a prova documental e considerada a prova testemunhal produzida, resulta inequivocamente que o local – onde está a ser construída a obra cujo projecto foi aprovado pelo acto suspendendo – não é atravessado por qualquer linha de água: o que exclui a aplicação das normas do Regime Hídrico, e por conseguinte, a necessidade de um prévio parecer favorável da APA.
Ante o exposto, e tal como alegado pelo Requerido e pela Contra-Interessada, o comportamento dos Requerentes enquadra-se no instituto do abuso de direito previsto no art. 334.º do C.C.. Isto porque, existe abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado. Ora, in casu, confrontados com a ausência de qualquer linha de água na edificação da Contra-Interessada, os Requerentes persistem na invocação da nulidade do acto que veio a licenciar a operação urbanística com base num argumento unicamente formal, apesar de bem saberem que assenta num mero erro. Daí que, ainda que lhes assista o direito a invocar a invalidade do acto suspendendo com este fundamento, os Requerentes excedem manifestamente os limites da boa-fé, os ditames da justiça e os objectivos pretendidos pelo legislador com a previsão da sanção administrativa, quando o fazem nestas circunstâncias – o que ofende o sentimento jurídico dominante. E, o sancionamento deste tipo de conduta é justamente a supressão do direito dos Requerentes (o que também por esta via demonstra a ausência do fumus bonus iuris).
Ante o exposto, os actos suspendendos afiguram-se indiciariamente legais e válidos; devendo ser mantidos na ordem jurídica.
[…]
Desde logo, compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 1) a 21) e supra indiciariamente julgada não provada em (iii) a (v) – e para a qual, aqui, se remete por uma questão de economia processual –, desde já, se adianta que não assiste razão aos Requerentes, não se verificando, in casu, o requisito inerente ao periculum in mora [sublinhado da autoria deste TCA Norte]. Com efeito, os Requerentes não lograram comprovar o por si alegado quanto (a) à existência de uma “linha de água” e/ou “curso de água” (não navegável nem flutuável) que atravessaria o terreno pertencente à Contra-Interessada (mormente os Lotes n.º ...), (b) nem lograram comprovar o por si alegado quanto à pretensa existência da “linha de água” ou “curso de água”, no terreno pertencente à Contra-Interessada, ser determinante da impermeabilização dos terrenos, com riscos e prejuízos para os imóveis vizinhos e dos Requerentes consubstanciados em inundações nos terrenos, inundações nas caves, no aluimento de terras e inundações das fundações dos imóveis dos Requerentes; e, nem lograram comprovar que a construção do prédio por parte da Contra-Interessada comporta a desvalorização em mais de 80% dos imóveis dos Requerentes. Assim, ficou igualmente demonstrado que nenhum periculum in mora existe quanto ao invocado risco de afectar interesses gerais, como os do ordenamento do território e planeamento do território, na vertente da protecção do domínio hídrico, e muito menos há qualquer risco de inundação, aluimento, derrocada. Finalmente, quanto aos supostos interesses patrimoniais ou expectativas dos Requerentes, dir-se-á que ou não são tutelados (como é o caso de ver inalteradas as redondezas da sua moradia), ou não são irreversíveis (até porque se o acto fosse ilegal seria ordenada a reposição ao estado anterior) nem irreparáveis (pois os danos que invoca sempre são quantificáveis e susceptíveis de futura reparação caso o acto de licenciamento viesse a ser julgado ilegal.
Verifica-se, assim, que, no caso em apreço, não se verifica o requisito inerente ao periculum in mora.
*
Consequentemente, não se encontrando preenchidos os requisitos inerentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, tal importa a não adopção das providências requeridas pelos Requerentes – isto porque, reitera-se, somente, no caso do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos consignados no art. 120.º, n.os 1 e 2, do CPTA [sublinhado da autoria deste TCA Norte], é que a providência requerida poderia ser adoptada; não havendo pois que conhecer do último requisito supra enunciado (ponderação de interesses públicos e privados em presença) cujo conhecimento ficou prejudicado pela não verificação dos requisitos respeitantes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora [cf. art. 608.º, n.º 2, do CPC ex vi do art. 1.º, in fine, do CPTA].
[…]”
Fim da transcrição

Em face do que deixamos extraído supra, apreciou e decidiu o Tribunal a quo, liminarmente, que em face da matéria de facto por si dada como provada, e não provada, constante do probatório, que os requisitos do fumus iuris e do periculum in mora não podiam ser julgados como verificados, e que tinham assim de ser julgados improcedentes os pedidos formulados a final do Requerimento inicial.

Como assim resulta da Sentença proferida, apreciou e decidiu assim o Tribunal a quo, em suma, que os actos suspendendos se afiguram indiciariamente legais e válidos e que devem ser mantidos na ordem jurídica, por não ter sido violado pelo Requerido e pela Contra interessada qualquer normativo no âmbito do procedimento de licenciamento da construção, nem violado o PUVAB.

Ora, como assim julgamos, em face do julgamento que fizemos incidir por via do recurso visando a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo [provada e não provada], o julgamento de direito que veio a ser por si [Tribunal recorrido] tirado, não pode manter-se.

Conforme já assim havia sido apreciado por este TCA Norte, no Acórdão proferido em 23 de junho de 2023, e por experiência de vida, estando invocadas várias invalidades a um procedimento, algumas padecentes de nulidade, e a virem as mesmas a ter-se por verificadas, a não sustação do início das obras, no caso [como assim pedido], levará a que toda a área onde está ser executada a obra vai ficar profundamente afectada, desde logo face ao que suscitam os Requerentes, de que sob ela passa uma linha de água, essa área vai ficar impermeabilizada, no que importarão desde logo, danos de natureza ambiental.

Se esses pressupostos se verificam, essa é já matéria a ser apreciada na acção principal e não neste processo cautelar intentado como incidente.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte daquele Acórdão deste TCA Norte, datado de 23 de junho de 2023, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Porém, em torno de ser provável ou não que a acção principal venha a ser julgada procedente, no que consubstancia a apreciação do fumus iuris no âmbito do processo cautelar, tal passa pela apreciação, em sumaria cognitio por parte do Tribunal a quo [tendo subjacente os pressupostos da instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade], que para tanto deve efectuar a devida instrução dos autos tendente a esse julgamento.
E tal ocorrerá, desde logo, se o Tribunal vier a apreciar que padecendo os procedimentos e decisões tomadas [por via de acção, ou por omissão, por não terem sido previamente obtidas as licenças e pareceres prévios], que estão os mesmos feridos de nulidade ou anulabilidade, e desse modo, daqui deriva, que o início das obras será determinante, como sustentam os Requerentes, de perigo.
Vejamos.
Intentado o processo cautelar, por via do qual os Requerentes peticionaram a final a adopção pelo Tribunal a quo de duas providências cautelares, ambas de natureza conservatória, cabia ao Tribunal garantir o exercício do direito ao contraditório, e que as partes pudessem exercer o seu direito à prova e à contra prova, após o que, averiguados que estejam os factos necessários para efeitos de conhecimento do mérito da pretensão cautelar, deve fixar no probatório aqueles que resultaram provados e não provados, e com a sua apreciação crítica, apreciar depois da verificação dos requisitos que são determinantes para efeitos do decretamento das providências cautelares, a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA.
Ora, a apreciação das invalidades invocadas pelos Requerentes para efeitos de sustentação da verificação do fumus iuris, deve ser prosseguido pelo Tribunal a quo tendente à formulação de um juízo perfunctório, por forma a aferir da existência ou não da probabilidade da pretensão da acção principal.
Não cabendo ao Tribunal efectuar um julgamento exaustivo em torno dessas invalidades, sob pena de esvaziamento da decisão a proferir na acção principal, o Tribunal não pode todavia deixar de se pronunciar sobre as invalidades apontadas, fixando para tanto a matéria de facto que assim resulte da actividade instrutória, dos autos e das posições adversariais das partes.
[…]
Compulsado o Requerimento inicial, assim como os demais requerimentos que os Requerentes apresentaram nos autos e que neles foram mantidos pelo Tribunal a quo, resulta claro sobre quais os termos e os pressupostos por via dos quais requerem o decretamento das providências, na base do preenchimento do triplo requisito [fumus, periculum e ponderação de interesses], e que a não sustação da execução da obra poderá vir a reverter numa situação de facto consumado, tendo subjacente um pressuposto de base e que para nós é essencial, que assenta no facto de a construção que a Contra interessada leva a cabo, estar autorizada e planificada para ser construída sob uma linha de água, cuja área de implantação vai por isso ser impermeabilizada, para além que a edificação vai ser dividida em várias fracções, para habitação, comércio e serviços, que sendo colocadas no mercado, vão ser vendidas, e adquirida a sua propriedade por terceiros que não sendo intervenientes nos autos, levará à criação de uma situação de facto consumado de muito difícil resolução face à eventualidade, que não pode ser arredada, de a edificação que está a ser construída pela Contra interessada ter de ser demolida e reposto o solo e subsolo no estado anterior ao que neles se encontrava antes de neles ter sido levada a cabo a operação urbanística.
[…]
Com efeito, não resulta dos autos que alguma vez o Município ... tenha alguma vez dado início a um procedimento de alteração do PUVAB com fundamento em erro de escrita, nem resulta dos autos, que mesmo após a sua citação para os termos dos autos, o Município tenha iniciado procedimento tendente à alteração desse instrumento de gestão territorial, por forma a introduzir-lhe rectificação nesse sentido, pelo que é errado, é ousado até que o Tribunal a quo tenha efectuado um julgamento no sentido da existência desse erro de escrita.
E estando identificada a linha de água no PUVAB, regulamento este que até por ter sido elaborado pelo Requerido Município reveste um sentido de dupla vinculatividade da sua acção, ao invés de invocar nos autos de que se trata de um lapso de escrita, e se existe de facto, o que devia ter procedido era à sua rectificação, se materialmente devida, ou no limite e entretanto, solicitar a emissão de parecer das entidades com competência no domínio hídrico, as quais podiam no âmbito das suas atribuições e competências e em torno da existência da linha de água, e da realização da obra de construção sobre essa linha de água, o que tivessem por conveniente.
Não tendo o Município promovido a intervenção dessas entidades no procedimento tendente à emissão do acto de licenciamento, e a mostrar-se necessário, o mesmo virá efectivamente a enfermar de nulidade, assim como o Alvará de licença de construção.
E é claro, que a ter-se como provado, ainda que indiciariamente, a existência da linha de água [e não de conduta de água], por aqui teria o Tribunal a quo ter dado como preenchido, na sua máxima intensidade, o critério do fumus, o que tem todavia de passar pela necessária ampliação da matéria de facto, por forma a apreciar perfunctoriamente, se o acto de licenciamento viola a lei, o PUVAB e padece de nulidade face ao disposto nos artigos 68.º e 69.º ambos do RJUE.
Face ao que resulta do PUVAB, onde há evidência da representação da “linha de água”, o Requerido estava vinculado a fazer consulta às entidades, e se for caso disso, invocar junto das mesmas, que a linha de água se tratava a final, de uma conduta de águas pluviais e que até já foi desviada, pois que o PUVAB [Plano de Urbanização de ...] é um regulamento urbanístico da responsabilidade e autoria do Município [que foi publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 227, de 26 de Novembro, II Serie, Deliberação n.º ...07, tendo sido alterado pelo Aviso n.º ...12, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 39, de 23 de fevereiro], e como lhe está ínsito, nele intervieram, entre outras entidades, a Administração dos Recursos Hídricos [actualmente denominada APA] e do mesmo continua a constar a linha de água na respectiva planta de condicionantes.
[…]
De resto e a final, como assim sustentam os Recorrentes sob as conclusões 141 a 145, sendo ao Requerido Município que cabe o ónus da prova de que não passa no local qualquer linha de água para efeitos de prolação do acto de licenciamento da construção, e nesse domínio de que estavam reunidos os necessários pressupostos de facto e de direito, não podia o Tribunal a quo decidir pela não verificação do fumus sem a produção de prova adicional, como lha haviam requerido as partes, mormente os Requerentes ora Recorrentes.
[…]”
Fim da transcrição

O quanto deixamos extraído supra assoma relevância e actualidade nos presentes autos, em face do recurso jurisdicional interposto pelos Requerentes ora Recorrentes visando a Sentença recorrida, mesmo em face da realização da audiência contraditória das partes em ordem a fazer-se a produção de prova testemunhal que haviam requerido.

Vejamos.

Feita a produção de prova, com o que deparamos na Sentença recorrida é que o Tribunal a quo formou uma convicção errada, por assente em pressupostos que não se verificam, no sentido de que uma dada realidade física está representada num instrumento de gestão territorial elaborado pelo Município ... [aprovado pela Assembleia Municipal, mediante proposta da Câmara Municipal], na decorrência do que considera ser [por assim terem deposto as testemunhas por si identificadas] a manifestação de um erro material e lapso de escrita, e que a ser assim, que tal é passível de ser suprido por via de prova assente em prova testemunhal.

Como assim julgamos, aqui radica a questão nuclear que incumbia ao Tribunal a quo apreciar nos termos e para efeitos da decisão a proferir, isto é, da verificação ou não dos pressupostos determinantes do decretamento das providências cautelares, tendo começado pelo conhecimento do fumus iuris.

E assim colocado o thema decidendum, assim como a quaestio decidenda, para efeitos de aferição do fumus iuris, em face do que resultou da instrução levada a cabo nos autos, de entre a factualidade que o Tribunal a quo devia ter levado ao probatório, seguindo a metodologia por si preconizada, era, designadamente de que tendo presente o PUVAB publicado e alterado, era que, nesse Plano de Urbanização está constante uma Planta de condicionantes à escala de 1:5000, datada de setembro de 2005, que tem uma legenda – condicionantes, e que em sede da protecção do património, no domínio hídrico, identifica “linha de águas não navegáveis nem flutuaveis“, a cor azul cobalto contínuo [com ramificação], havendo outra identificação a cor azul cobalto contínuo [com triângulo], relativa a infraestruturas básicas – “linha eléctrica de média tensão.“ [Cfr. o ponto 8C do probatório].

Em face do que está patenteado no PUVAB, estamos perante uma realidade identificada pelo Município ..., em instrumento de gestão territorial, de feição regulamentar, provinda do seu seio, por si emitido no âmbito de concreta competência legal disposta pelo legislador ordinário em ordem a ser alcançado esse desiderato [como referido no Plano publicado, nos termos do n.º 1 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 380/99 de 22 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro].

Como assim consta da Certidão publicada no Diário da República, a Assembleia Municipal ..., sob proposta da Câmara Municipal, aprovou, em 15 de Setembro de 2005, o Plano de Urbanização da Vila do ... nos termos do n.º 1 do artigo 79.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, sendo que a sua publicação no Diário da República, ocorreu no dia 26 de novembro de 2007, operando a sua entrada em vigor no dia seguinte, dia 27 de novembro de 2007 [Cfr. artigo 62.º do Regulamento do PUVAB].

Esse Plano de Urbanização constitui uma ocorrência da vida real, efectuada por actos de homens e de instituições, operando a partir da sua entrada em vigor uma mudança no mundo exterior, sendo um facto material e concreto, e se bem que possa ser objecto de interpretação, nas suas normas escritas e desenhadas, quer pelos seus emitentes quer pelos seus destinatários, o que não pode de todo efectuar-se é um “apagamento“ do que aí foi consignado, assente no pressuposto de que parte do que aí se escreveu ou foi inscrito, enferma de um erro material e lapso de escrita, sem que seja previamente prosseguida qualquer actuação, seja provendo, designadamente, por essa rectificação [se disso for/fosse o caso], ou a revisão do Plano.

Como assim prestaram depoimento as testemunhas «FF» e «JJ», funcionários da Câmara Municipal ..., Técnicos superiores na área do urbanismo e ordenamento do território, que depuseram no sentido de estar erradamente representada no Plano de Urbanização, mormente, na sua planta de condicionantes, a realidade física existente em ..., em torno da [in]existência de uma linha de água que provém de uma zona a montante e que atravessa o terreno da Contra interessada, e advindo esse conhecimento pelo menos a partir da data em que os Requerentes apresentaram reclamação, e nessa eventualidade, estava o Município ..., por via dos seus órgãos representativos, constituído no dever de dar início, designadamente, a um procedimento oficioso tendente a rectificar o Plano de Urbanização, na parte que tivesse de ser rectificado, com fundamento em padecer de um erro material/lapso de escrita, ou a desencadear a sua revisão.

Pelo que resulta do depoimento dessas testemunhas, estava formado o entendimento comum de que o PUVAB encerrava uma errada representação de uma linha de água, que no seu entender não existe no local, e que nunca foi objecto de alteração pelo facto de em face dos seus termos escritos e desenhados, o disposto nesse Plano de Urbanização nunca ter prejudicado ninguém.

Enquanto acto regulamentar com expressão urbanística, os órgãos do Município ..., estão estritamente vinculados pelo que foi o resultado das suas opções urbanísticas, resultando numa actuação contrária ao Estado de Direito, à rule of law, ao bloco de legalidade e ao princípio da juridicidade, a não decisão em conformidade com a matriz anteriormente fixada, a pretexto da existência de um erro material ou erro de escrita.

Com relevo para a decisão a proferir, para aqui extraímos algumas normas do PUVAB [publicado no Diário da República, 2.ª série, em 26 de novembro de 2007], como segue:

“Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma constitui o Regulamento do Plano de Urbanização da Vila do ... e estabelece as regras a que deve obedecer a ocupação, o uso e a transformação do solo abrangido pelo Plano de Urbanização da Vila do ..., adiante designado abreviadamente por PUVAB. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
Artigo 2.º
Âmbito territorial
O presente regulamento aplica-se a toda a área delimitada na planta de zonamento e designada como Limite do Plano de Urbanização da Vila do .... [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Artigo 4.º
Composição do Plano
1 - O PUVAB é constituído por:
a) Regulamento; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
b) Planta de zonamento à escala 1:5000;
c) Planta de condicionantes à escala 1:5000. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Artigo 5.º
Instrumentos de gestão territorial a observar
O PUVAB altera o Plano Director Municipal [sublinhado da autoria deste TCA Norte], aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 85/95, publicada no Diário da República, n.º 205, de 5 Setembro de 1995 (1.ª Série D), pelo que dentro dos limites da sua intervenção apenas este tem aplicação.
Artigo 6.º
Vinculação e utilização
1 - As disposições do PUVAB são de cumprimento obrigatório, tanto nas acções da responsabilidade da Administração Pública, como nas da iniciativa privada. [sublinhado da autoria deste TCA Norte].
2 - Para efeitos de definição dos condicionamentos à edificabilidade, são sempre considerados cumulativamente os referentes à planta de zonamento e à planta de condicionantes, segundo a legislação em vigor.
[…]
Artigo 8.º
Identificação
1 - Na área de intervenção do PUVAB, aplicam-se todas as servidões administrativas e restrições de utilidade pública ao uso dos solos previstas na legislação em vigor, designadamente as seguintes: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) Domínio público hídrico: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a.1) Leitos e margens dos cursos de água. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Artigo 9.º
Regime jurídico
O regime jurídico do uso, ocupação e transformação do solo nas áreas abrangidas pelas servidões e restrições identificadas no artigo anterior, obedece à legislação aplicável. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Artigo 11.º
Cursos de água não navegáveis nem flutuáveis
Estão sujeitas ao regime hídrico as linhas de escoamento de água identificados na planta de zonamento. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Disposições finais
Artigo 60.º
Revogação
É revogado o Plano Director Municipal, aprovado pela resolução do Conselho de Ministros n.º 85/95, publicada no Diário da República, n.º 205, de 5 Setembro de 1995 (1.ª série), dentro dos limites identificados na planta de zonamento do PUVAB. [sublinhados da autoria deste TCA Norte]
Artigo 61.º
Revisão
O PUVAB será revisto logo que a Câmara Municipal ... considere inadequadas as suas disposições vinculativas ou os pressupostos que serviram de base à sua elaboração e, obrigatoriamente, no prazo de 10 anos a contar da sua entrada em vigor.” [sublinhado da autoria deste TCA Norte]

Do que assim resulta desde logo dos normativos acima extraídos, é que o Regulamento do PUVAB se aplica a toda a sua área delimitada na Planta de zonamento a ele anexa, e que o Plano de Urbanização é constituído, para além do próprio Regulamento, pela Planta de condicionantes, sendo as suas disposições de cumprimento obrigatório nas acções que sejam quer da responsabilidade da Administração Pública [in casu, do Município ...], quer da iniciativa privada [in casu, da Contra interessada], mais nele vindo disposto, que o mesmo “… será revisto logo que a Câmara Municipal ... considere inadequadas as suas disposições vinculativas ou os pressupostos que serviram de base à sua elaboração e, obrigatoriamente, no prazo de 10 anos a contar da sua entrada em vigor. [Cfr. artigo 61.º do Regulamento].

O PUVAB foi objecto de revisão, conforme assim foi objecto de publicação no Diário da República, 2.ª série, n.º 39, de 23 de fevereiro de 2012, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação, e nele continua constante, na Planta de condicionantes, a representação da linha de água, nos precisos termos e pressupostos que constavam da sua redacção inicial, publicada em 2007.

Ou seja, em face desta alteração ao Plano de Urbanização, como publicado em 2012, e até essa data, os órgãos do Município ... não entenderam necessário alterar as disposições vinculativas do PUVAB, ou os pressupostos que estiveram na base da sua elaboração, nem o vieram a efectuar, como objectivamente fixado, no prazo de 10 anos contados da sua entrada em vigor, ou seja, até 27 de novembro de 2017, ou considerando mesmo a alteração introduzida e publicada em 23 de fevereiro de 2012, até 24 de fevereiro de 2022.

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro [com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, pela Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, pela Lei n.º 56/2007, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de Setembro, pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 181/2009, de 07 de agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 2/2011, de 06 de janeiro], veio desenvolver as bases da política de ordenamento do território e urbanismo, dele para aqui se extraindo os normativos que seguem:

“[…]
Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma desenvolve as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.
Artigo 2.º
Sistema de gestão territorial
1 - A política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se organiza, num quadro de interacção coordenada, em três âmbitos: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) O âmbito nacional;
b) O âmbito regional;
c) O âmbito municipal. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O âmbito nacional é concretizado através dos seguintes instrumentos:
a) O Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território;
b) Os planos sectoriais com incidência territorial;
c) Os planos especiais de ordenamento do território, compreendendo os planos de ordenamento de áreas protegidas, os planos de ordenamento de albufeiras de águas públicas, os planos de ordenamento da orla costeira e os planos de ordenamento dos estuários.
3 - O âmbito regional é concretizado através dos planos regionais de ordenamento do território.
4 - O âmbito municipal é concretizado através dos seguintes instrumentos:
a) Os planos intermunicipais de ordenamento do território;
b) Os planos municipais de ordenamento do território, compreendendo os planos directores municipais, os planos de urbanização e os planos de pormenor. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
Artigo 3.º
Vinculação jurídica
1 - O Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, os planos sectoriais com incidência territorial, os planos regionais de ordenamento do território e os planos intermunicipais de ordenamento do território vinculam as entidades públicas.
2 - Os planos municipais de ordenamento do território e os planos especiais de ordenamento do território vinculam as entidades públicas e ainda directa e imediatamente os particulares. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Artigo 103.º
Invalidade dos actos
São nulos os actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial aplicável. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]”

Ou seja, desde a sua entrada em vigor, até à sua revogação, o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, manteve praticamente inalteradas aquelas normas legais.

Tendo o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, que lhe introduziu alterações profundas, de todo o modo, em torno do que estava vertido naquele outro diploma face ao que constituía o seu objecto, o sistema de gestão territorial, a vinculação jurídica, e a invalidade dos actos praticados em violação de qualquer instrumento de gestão territorial, mantiveram-se essas previsões normativas inalteradas no que é a sua essencialidade [Cfr. artigo 1.º, 2.º, 3.º, e 130.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio].

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, cumpre para aqui convocar o Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio [que revoga, entre o mais, o Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, com efeitos reportados a 13 de julho de 2015].

Como assim consignado no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, por via deste diploma legal eram desenvolvidas as bases da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional, intermunicipal e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos normas desse diploma legal, como segue:



“Artigo 2.º
Sistema de gestão territorial
1 - A política de ordenamento do território e de urbanismo assenta no sistema de gestão territorial, que se organiza, num quadro de interação coordenada, em quatro âmbitos: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) O âmbito nacional;
b) O âmbito regional;
c) O âmbito intermunicipal;
d) O âmbito municipal. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O âmbito nacional é concretizado através dos seguintes instrumentos:
a) O programa nacional da política de ordenamento do território;
b) Os programas setoriais;
c) Os programas especiais.
3 - O âmbito regional é concretizado através dos programas regionais.
4 - O âmbito intermunicipal é concretizado através dos seguintes instrumentos:
a) Os programas intermunicipais;
b) O plano diretor intermunicipal;
c) Os planos de urbanização intermunicipais;
d) Os planos de pormenor intermunicipais.
5 - O âmbito municipal é concretizado através dos seguintes planos: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) O plano diretor municipal;
b) Os planos de urbanização; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
c) Os planos de pormenor.
Artigo 3.º
Vinculação jurídica
1 - Os programas territoriais vinculam as entidades públicas.
2 - Os planos territoriais vinculam as entidades públicas e, direta e imediatamente, os particulares. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a vinculação direta e imediata dos particulares relativamente às normas de intervenção sobre a ocupação e utilização dos espaços florestais.
4 - São nulas as orientações e as normas dos programas e dos planos territoriais que extravasem o respetivo âmbito material.
5 - As normas dos programas territoriais que, em função da sua incidência territorial urbanística, condicionem a ocupação, uso e transformação do solo são obrigatoriamente integradas nos planos territoriais.
Artigo 4.º
Fundamento técnico
1 - Os programas e os planos territoriais devem explicitar, de forma clara, os fundamentos das respetivas previsões, indicações e determinações, a estabelecer com base no conhecimento sistematicamente adquirido:
a) Das características físicas, morfológicas e ecológicas do território;
b) Dos recursos naturais e do património arquitetónico e arqueológico;
c) Da dinâmica demográfica natural e migratória;
d) Das transformações ambientais, económicas, sociais e culturais;
e) Das assimetrias regionais e das condições de acesso às infraestruturas, aos equipamentos, aos serviços e às funções urbanas.
2 - Os programas e os planos territoriais devem conter os indicadores qualitativos e Quantitativos para efeitos da avaliação prevista no capítulo VIII.
[…]”

Seja em face do disposto no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, seja do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, os planos territoriais/municipais vinculam directa e imediatamente as entidades públicas e os particulares, como de resto assim veio a dispor o artigo 6.º, n.º 1 do PUVAB, sendo que a violação de qualquer instrumento de gestão territorial, o que é o caso do Regulamento PUVAB, importa na nulidade dos actos praticados [Cfr. artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, e artigo 130.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio].



Dispõe ainda o artigo 68.º do RJUE [tempus regit actum], como segue:

“Artigo 68.º
Nulidades
Sem prejuízo da possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos nos termos gerais de direito, bem como do disposto no artigo 70.º, são nulas as licenças, as autorizações de utilização e as decisões relativas a pedidos de informação prévia previstos no presente diploma que:
a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
[…]
c) Não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações.” [sublinhado da autoria deste TCA Norte].

Por outro lado ainda, o Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio [aprovado na constância da vigência do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro], assim como o Decreto-Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro [aprovado na constância da vigência do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, vieram garantir, entre o mais, a actualização quer dos conceitos técnicos do ordenamento do território e do urbanismo, quer dos conceitos, parâmetros e simbologia a utilizar nos instrumentos de gestão urbanística.

Neste conspecto, para aqui extraímos normativos do Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio, assim como o Decreto-Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro, como segue:

(i) Do Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio:

“Artigo 1.º
Âmbito
O presente decreto regulamentar fixa os conceitos técnicos nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo a utilizar pelos instrumentos de gestão territorial. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
Artigo 2.º
Definição dos conceitos técnicos
1 - Os conceitos técnicos, respectivas definições e abreviaturas constam do anexo ao presente decreto regulamentar, que dele faz parte integrante.
2 - A utilização dos conceitos técnicos fixados no presente decreto regulamentar dispensa a respectiva definição nos instrumentos de gestão territorial.
Artigo 3.º
Vinculação
1 - Os conceitos técnicos fixados nos termos do presente decreto regulamentar são de utilização obrigatória nos instrumentos de gestão territorial, não sendo admissíveis outros conceitos, designações, definições ou abreviaturas para o mesmo conteúdo e finalidade. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Nos casos em que se revele necessário o recurso a conceitos técnicos não abrangidos pelo presente decreto regulamentar, devem ser utilizados os conceitos técnicos definidos na legislação aplicável e, na ausência destes, os conceitos técnicos constantes de documentos oficiais de natureza normativa produzidos pelas entidades nacionais legalmente competentes em razão da matéria em causa.
[…]
Artigo 5.º
Actualização e revisão
A Direcção-Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano é a entidade competente para:
a) Acompanhar e avaliar regularmente a aplicação dos conceitos técnicos estabelecidos nos termos do presente decreto regulamentar;
b) Promover e disponibilizar os trabalhos técnicos conducentes à revisão e actualização dos conceitos técnicos, sempre que os mesmos se mostrem desactualizados.
Artigo 6.º
Regime transitório
1 - O presente decreto regulamentar aplica-se aos procedimentos já iniciados à data da sua entrada em vigor.
2 - Excepcionam -se do disposto no número anterior:
a) Os procedimentos relativos aos planos directores municipais relativamente aos quais a comissão de acompanhamento tenha já emitido o respectivo parecer final;
b) Os procedimentos relativos aos planos de urbanização e planos de pormenor cujas propostas tenham sido apresentadas, à data da entrada em vigor do presente decreto regulamentar, à comissão de coordenação e desenvolvimento regional territorialmente competente para efeitos de realização de conferência de serviços.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
O presente decreto regulamentar entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
[…]”

(ii) Do Decreto-Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro:

“Artigo 1.º
Âmbito
O presente decreto regulamentar fixa os conceitos técnicos nos domínios do ordenamento do território e do urbanismo, designadamente os relativos aos indicadores e parâmetros, bem como os relativos à simbologia e à sistematização gráfica, a utilizar nos instrumentos de gestão territorial. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
Artigo 2.º
Objeto e sistematização
1 - Os conceitos técnicos a que se refere o artigo anterior são agrupados em dois anexos, correspondendo o anexo i ao presente decreto‑lei e do qual faz parte integrante, aos conceitos relativos a indicadores e parâmetros, e o anexo ii ao presente decreto‑lei e do qual faz parte integrante, aos conceitos relativos à simbologia e à sistematização gráfica, os quais fazem parte integrante do presente decreto regulamentar.
2 - A Direcão‑Geral do Território (DGT) assegura a publicitação dos anexos, mencionados no número anterior, através do sistema nacional de informação territorial.
Artigo 3.º
Definição, monitorização e atualização dos conceitos
À DGT compete:
a) Acompanhar e avaliar regularmente a aplicação dos conceitos técnicos estabelecidos pelo presente decreto regulamentar;
b) Propor a atualização das definições dos conceitos técnicos, sempre que as mesmas se mostrem desatualizadas;
c) Propor a inclusão de novos conceitos técnicos e respetivas definições, tendo por fonte o disposto em diploma legal e, na sua falta, insuficiência ou indeterminação, as definições consensualmente aceites pela comunidade técnica e científica;
Artigo 4.º
Vinculação
1 - A utilização dos conceitos técnicos fixados nos termos do presente decreto regulamentar dispensa a respetiva definição nos instrumentos de gestão territorial.
2 - Os conceitos técnicos, como tal fixados pelo presente decreto regulamentar, são de utilização obrigatória nos instrumentos de gestão territorial, não sendo admissíveis outros conceitos, designações, definições ou abreviaturas para o mesmo conteúdo e finalidade. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
3 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a efetiva utilização dos conceitos em cada tipo de instrumento de gestão territorial deve ter em conta o seu objeto e conteúdo material e, no que se refere ao anexo ii ao presente decreto‑lei, as suas características regulamentares ou esquemáticas e ilustrativas das suas peças gráficas.
4 - Nos casos em que se revele necessário o recurso a conceitos técnicos não abrangidos pelo presente decreto regulamentar, devem ser utilizados, prioritariamente, conceitos técnicos definidos na legislação aplicável, quando for o caso, ou conceitos técnicos constantes de documentos oficiais de natureza normativa produzidos pelas entidades nacionais legalmente competentes em razão da matéria.
[…]
Artigo 6.º
Norma revogatória
É revogado o Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio, sem prejuízo da sua aplicação aos procedimentos já iniciados à data da entrada em vigor do presente decreto regulamentar, com as adaptações que decorram do quadro legal em vigor.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
O presente decreto regulamentar entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, devendo ser aplicado aos procedimentos de elaboração e revisão de instrumentos de gestão territorial cuja decisão de início lhe seja posterior e ainda aos procedimentos de alteração de instrumentos de gestão territorial que já consagrem os conceitos agora estabelecidos.
[…]”

Por seu turno, a Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, veio estabelecer a titularidade dos recursos hídricos.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos normativos desse diploma legal, como segue:

[…]
Artigo 1.º
Âmbito
1 - Os recursos hídricos a que se aplica esta lei compreendem as águas, abrangendo ainda os respectivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Em função da titularidade, os recursos hídricos compreendem os recursos dominiais, ou pertencentes ao domínio público, e os recursos patrimoniais, pertencentes a entidades públicas ou particulares. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]


Artigo 2.º
Domínio público hídrico
1 - O domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial e o domínio público das restantes águas. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O domínio público hídrico pode pertencer ao Estado, às Regiões Autónomas e aos municípios e freguesias.
[…]
Artigo 5.º
Domínio público lacustre e fluvial
O domínio público lacustre e fluvial compreende: [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
a) Cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos, nos termos do artigo seguinte;
b) Lagos e lagoas navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos, e ainda as margens pertencentes a entes públicos, nos termos do artigo seguinte;
c) Cursos de água não navegáveis nem flutuáveis, com os respectivos leitos e margens, desde que localizados em terrenos públicos, ou os que por lei sejam reconhecidos como aproveitáveis para fins de utilidade pública, como a produção de energia eléctrica, irrigação, ou canalização de água para consumo público;
d) Canais e valas navegáveis ou flutuáveis, ou abertos por entes públicos, e as respectivas águas;
e) Albufeiras criadas para fins de utilidade pública, nomeadamente produção de energia eléctrica ou irrigação, com os respectivos leitos;
f) Lagos e lagoas não navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos e margens, formados pela natureza em terrenos públicos;
g) Lagos e lagoas circundados por diferentes prédios particulares ou existentes dentro de um prédio particular, quando tais lagos e lagoas sejam alimentados por corrente pública;
h) Cursos de água não navegáveis nem flutuáveis nascidos em prédios privados, logo que as suas águas transponham, abandonadas, os limites dos terrenos ou prédios onde nasceram ou para onde foram conduzidas pelo seu dono, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
Artigo 7.º
Domínio público hídrico das restantes águas
O domínio público hídrico das restantes águas compreende:
a) Águas nascidas e águas subterrâneas existentes em terrenos ou prédios públicos;
b) Águas nascidas em prédios privados, logo que transponham abandonadas os limites dos terrenos ou prédios onde nasceram ou para onde foram conduzidas pelo seu dono, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
c) Águas pluviais que caiam em terrenos públicos ou que, abandonadas, neles corram; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
d) Águas pluviais que caiam em algum terreno particular, quando transpuserem abandonadas os limites do mesmo prédio, se no final forem lançar-se no mar ou em outras águas públicas; [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
e) Águas das fontes públicas e dos poços e reservatórios públicos, incluindo todos os que vêm sendo continuamente usados pelo público ou administrados por entidades públicas.
[…]
Artigo 21.º
Servidões administrativas sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas
1 - Todas as parcelas privadas de leitos ou margens de águas públicas estão sujeitas às servidões estabelecidas por lei e nomeadamente a uma servidão de uso público, no interesse geral de acesso às águas e de passagem ao longo das águas da pesca, da navegação e da flutuação, quando se trate de águas navegáveis ou flutuáveis, e ainda da fiscalização e policiamento das águas pelas entidades competentes. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Nas parcelas privadas de leitos ou margens de águas públicas, bem como no respectivo subsolo ou no espaço aéreo correspondente, não é permitida a execução de quaisquer obras permanentes ou temporárias sem autorização da entidade a quem couber a jurisdição sobre a utilização das águas públicas correspondentes. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
3 - Os proprietários de parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas devem mantê-las em bom estado de conservação e estão sujeitos a todas as obrigações que a lei estabelecer no que respeita à execução de obras hidráulicas necessárias à gestão adequada das águas públicas em causa, nomeadamente de correcção, regularização, conservação, desobstrução e limpeza.
4 - O Estado, através das administrações das regiões hidrográficas, ou dos organismos a quem estas houverem delegado competências, as regiões autónomas nos respetivos territórios, e o município, no caso de linhas de água em aglomerado urbano, podem substituir-se aos proprietários, realizando as obras necessárias à limpeza e desobstrução das águas públicas por conta deles.
5 - Se da execução das obras referidas no n.º 4 resultarem prejuízos que excedam os encargos resultantes das obrigações legais dos proprietários, o organismo público responsável pelos mesmos indemnizá-los-á.
6 - Se se tornar necessário para a execução de quaisquer das obras referidas no n.º 4 qualquer porção de terreno particular, ainda que situado para além das margens, o Estado ou as regiões autónomas nos respetivos territórios, podem expropriá-la.
[…]”

Conforme já apreciamos supra, a dilucidação das questões suscitadas nos autos, designadamente em torno da violação ou não do índice de implantação e do índice de construção, dada a sua natureza eminentemente técnica, e que entronca também com a aplicabilidade ou não do Decreto-Regulamentar n.º 9/2009, de 29 de maio, ou do que o revogou [o Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro] dada a profundidade do conhecimento que sobre ele tem de recair, e estando nós no âmbito de um processo cautelar, aquela matéria, em torno das invocadas invalidades apontadas ao acto suspendendo, terá de ser objecto de conhecimento mais aprofundado em sede do conhecimento do mérito do pedido formulado na acção principal.

Sempre julgamos, desde já, que tendo o PUVAB sido publicado em Diário da República no ano de 2007, e atento o disposto no Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro, que lhe é temporalmente posterior, a sua dimensão normativa, por via da definição de conceitos de ordem técnica que veio dispor, devia ser objecto de previsão no PUVAB, dentro do prazo de revisão obrigatório, previsto de 10 anos, ou na 1.ª revisão que ocorresse após a entrada em vigor daquele Decreto Regulamentar.

Tendo o PUVAB sido alterado como assim publicado no Diário da República, em 23 de fevereiro de 2012, nesta data, estando já em vigor o Decreto Regulamentar 9/2009, de 20 de maio, e em face das alterações que o Município lhe quis introduzir, visando essencialmente a alteração dos índices [como assim depuseram as testemunhas «DD» e «FF»] para além dessas, estava legalmente vinculado pelo Decreto Regulamentar n.º 9/2009, de 20 de maio, como assim julgamos, a adequar as suas nomenclaturas técnico-jurídicas ao que esse Regulamento veio a prever e dispor.

Assim como, qualquer procedimento de revisão que venha entretanto a ser levado a cabo ao PU assim como ao PDM, tem de levar em linha de conta as definições enunciadas pelo Decreto Regulamentar n.º 5/2019, de 27 de setembro.

Como assim resulta da instrução dos autos, o PUVAB foi objecto de revisão, que não visou “rectificação” da identificação da realidade física das linhas de água, antes apenas, como assim referiu a testemunha «FF», os índices de implantação.

Como assim resultou provado [Cfr. ponto 8C do probatório], no PUVAB está representada uma “linha de água”, tendo um início identificado a montante, e um fim, a jusante, pois que desagua num rio, sendo que esta “linha” atravessa de facto o prédio da Contra interessada.

Essa “linha de água” está representada no PUVAB, e tem efeitos vinculativos quer para o Município ..., quer para a Contra interessada.

A sua existência física é que pode encerrar algumas dúvidas, mas para a sua negação não podem ser considerados apenas os depoimentos das testemunhas que exercem funções a favor do Município ... e desconsiderados os depoimentos de outras testemunhas, que até em razão da sua formação académica e ocupação profissional devem ser dignas de crédito, a menos que o seu depoimento fosse julgado absolutamente imprestável.

A “linha de água” está representada num instrumento de gestão territorial, e que tem supremacia sobre o Plano Director Municipal. Se ela existe na realidade, isto é, sobre se ela está lá patente na actualidade, ou se já existiu, num passado mais próximo ou mais longínquo, encerra uma contextualidade que pode ter origem em vários cenários e fundamentos.

Assim, quanto à “linha de água” representada no PUVAB, há fortes indícios nos autos de a mesma nunca ter sido considerada pelo Município ... para efeitos de apreciação e licenciamento de quaisquer operações urbanísticas por si aprovadas no passado, seja em sede do disposto no PDM de 1995, seja no PUVAB de 2007, e se o eventualmente o foi alguma vez, que sempre não lhe foi dada a relevante significância devida.

Em face do disposto no artigo 61.º do PUVAB, tendo os serviços municipais entendido como inadequada, por não representativa da realidade física existente em ..., a existência de linhas de água patenteadas na Planta de zonamento e na Planta de condicionantes, mas dado o seu carácter vinculativo, devia ter procedido à sua revisão logo que constatado o facto, portanto, a todo o tempo, por não verificados os pressupostos de facto que serviram de base à sua elaboração, e obrigatoriamente, no prazo de 10 anos a contar da sua entrada em vigor.

Como assim julgamos, tem também de ser dado algum crédito ao depoimento da testemunha «SS», quando o mesmo referiu que construiu 1 edifício em 4 lotes de terreno do mesmo loteamento que está em apreço nos autos, pois que esta testemunha evidenciou ter conhecimento de uma concreta realidade local/espacial e constructiva, que não pode ser tida por despicienda.

Com efeito, referiu o mesmo, em termos que mereceu a nossa especial atenção, que os 4 lotes em causa foram por si comprados em 1994, os quais estão situados na parte cimeira do loteamento, e que aquando, pelo menos, da sua construção [por termos e pressupostos que o Município ... não poderá deixar de saber e conhecer quais são/foram], foi-lhe determinado pela Câmara Municipal que construísse sobre estacaria e sobre gravilha, por forma a ser cuidado do não bloqueio das águas que por aí passavam, e que estão no alinhamento da “linha de agua” patente no PUVAB e que vem também a atravessar o terreno da Contra interessada.

Também a testemunha «NN», que foi Vereador da Câmara Municipal ..., também com o Pelouro das Obras Particulares, embora com referência a matéria de facto não directamente relacionada com a construção a que se reportam os autos, levada a cabo pela Contra interessada, referiu a dado passo do seu depoimento, o conhecimento que tem de a Escola [como assim referiu] ter sido construída sobre estacaria.

Por seu turno, como assim depôs o autor do projecto, «QQ», o edifício licenciado pelo Município e construído pela Contra interessada, “tem paredes de betão a toda a volta”. [Cfr. ponto 10B do probatório].

Por experiência de vida, se tivermos presente que no PUVAB está representada uma linha de água, que vai desembocar num curso de água, e que o seu percurso no terreno sempre tem, forçosa e necessariamente, de respeitar as condições morfológicas do solo assim como a lei da gravidade, forçoso é pois de concluir e julgar que, existindo, ou tendo existido no passado, mais distante ou mais recente, uma linha de água, ainda que de fraco ou insignificativo caudal, e se forem/se foram sendo construídas barreiras físicas no seu caminho, por via da implantação de paredes em betão ou de alvenaria, seja muita ou pouca água que corra/possa correr nessa linha de água representada no PUVAB, sendo um elemento da natureza que se regula por leis da física, em face de uma barreira que lhe seja presente, a linha de água ou submerge por baixo dessa estrutura [não sendo provável que a transponha por cima] ou segue para um dos lados da barreira, ou dividindo-se pelos dois lados.

O que tudo acaba por levar a que a linha de água prevista no PUVAB [que assim foi graficamente referenciada em face do constante em anteriores mapas cartográficos] pode hoje não existir, ou não ser visível, por força da intervenção técnica e humana em torno do seu curso original, e para o que pode ter contribuído a construção das novas infraestruturas introduzidas nesse local na Estrada Nacional.

Como assim resulta do probatório, assim fixado por interposição deste TCA Norte, no âmbito e para efeitos do pedido de licenciamento requerida pela Contra interessada, sendo manifestamente patente, em face do que consta do PUVAB, da sua Planta de condicionantes, que pelo terreno da Contra interessada passa uma linha de água, a não consulta prévia de entidades é determinante da nulidade das licenças que tenham sido concedias ao seu abrigo normativo, mormente que o Município ... tenha concedido em sede de licenciamento de construção.

Em face da nulidade com que é fulminado o procedimento licenciatório, e nele, consequentemente, as decisões que a final foram produzidas, designadamente o acto suspendendo pelo qual emitido o Alvará de licença n.º 45/2021, não pode ser aproveitado, a qualquer título, o que foi o resultado do pedido de parecer à Agência Portuguesa do Ambiente por parte do Município ... [Cfr. pontos 12 e 13 do probatório], e por duas de razões essenciais: porque não foi o mesmo requerido previamente, como assim decorre do disposto nos artigos 8.º, n.º 1, alínea a) e a1) e 11.º ambos do Regulamento do PUVAB, nos artigos 3.º, n.º 2 e 130.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, e nos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 5.º, alínea h), 7.º, alíneas b) e d) e 21.º, n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro; e porque o parecer emitido pela APA, a que se reportam os pontos 12 e 13 do probatório, assenta ele próprio em erro nos seus pressupostos de facto e de direito, violando expressamente o disposto no artigo 20.º, n.º 1 do RJUE, que a final se vem a manifestar na emissão de um documento, em sede de um procedimento incidental iniciado junto de si pelo Município ..., pois que na Planta de condicionantes do PUVAB vem expressamente consagrada a representação física de uma linha de água que vem a desaguar num curso de água.

A lei e o Regulamento, que o Requerido [assim como a Contra interessada] deve observar, sendo um limite à sua actuação, é sobretudo o fundamento da sua acção, pelo que, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, mas antes, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça.

O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.

De maneira que, neste conspecto, porque o acto de licenciamento titulado pelo Alvará n.º ...21, emitido em .../.../... a .../.../... pelo Vereador da Câmara Municipal ..., não está/pode não estar conforme com o bloco de legalidade, numa avaliação sumária, julgamos assim que é provável que a pretensão formulada pelos Requerentes, em sede da acção principal, venha a ser julgada procedente, estando assim verificado quer o periculum in mora quer o fumus iuris, e como assim ainda julgamos, efectuada a ponderação de interesses em presença também o requisito a que se reporta o artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

Com efeito, atento o estado dos autos, mormente, a natureza da providência cautelar requerida, o tribunal leva a cabo uma apreciação sumária da prova apresentada, sendo que esta tem de ter relevância para a questão decidenda, considerando a violação das normas invocadas e o confronto entre os interesses dos Requerentes e do interesse público [assim como o interesse da Contra interessada], avaliada em função das circunstâncias de facto concretas alegadas de parte a parte, e dos factos provados, ainda que indiciariamente, não sobrevindo assim nenhuma razão para que em sede da ponderação dos interesses em presença, o acto deva continuar válido na sua eficácia, e que a Contra interessada possa continuar a construção da edificação.

Conforme refere Ana Gouveia Martins, in A Tutela Cautelar no Contencioso Administrativo, página 505: ”Será necessário mas suficiente que a produção dos danos seja credível e razoavelmente fundada, com base num juízo de séria probabilidade. Ao tribunal compete proceder a um juízo de “dupla prognose, fáctica e normativa: factos prováveis de que a execução seja causa adequada”.

Por seu lado, José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, sustenta que “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

Termos em que, por julgarmos estar em causa uma evidente predominância do interesse público, do ambiente e da observância da tutela urbanística, em particular do disposto num instrumento de gestão territorial de âmbito municipal, deve assim ser jugado procedente o pedido de tutela cautelar requerido pelos Requerentes ora Recorrentes, devendo suspender-se a eficácia do acto de licenciamento da edificação em apreço nos autos, titulado pelo Alvará de licença n.º 45/2021, assim como ser sustida a construção da edificação até que seja conhecido do mérito da causa que cabe levar a cabo na acção principal [Cfr. artigo 113.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA].

***

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo cautelar; Juízo perfunctório; Tutela jurisdicional efectiva; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Princípio da legalidade.

1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver suspensa a eficácia de um acto administrativo que autoriza e licencia uma edificação, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

4 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

5 - A lei e o Regulamento, que o Requerido [assim como a Contra interessada] deve observar, sendo um limite à sua actuação, é sobretudo o fundamento da sua acção, pelo que, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, mas antes, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça.

6 - O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.


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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelos Recorrentes «AA», «BB», e «CC»;
B) Em revogar a Sentença recorrida;
E em substituição,
C) Em julgar procedente o pedido de adopção de tutela cautelar formulado pelos Requerentes a final do Requerimento inicial.

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Custas a cargo dos Recorridos [Requerido e Contra interessada] – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
*


Porto, 18 de agosto de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator, de turno
José Oliveira, de turno
Tiago de Miranda, de turno