Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01972/18.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:OBRAS COERCIVAS; DOMÍNIO HÍDRICO MARÍTIMO DO ESTADO; DERROCADA
Sumário:1 – Qualquer rio, bem como a respetiva margem, de uma largura de 50 metros desde o seu leito, é considerado, nos termos da Lei nº 54/2005, como pertencente ao domínio público marítimo, pertença do Estado Português.

2 – Em qualquer caso, a referida Lei nº 54/2005 possibilitou o reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos, por via Judicial.

3 – Embora o Registo Predial constitua presunção de que o direito de propriedade pertence ao titular inscrito, tal presunção criada pelo registo predial é, até ao reconhecimento judicial, inoperante.

4 – A necessária decisão judicial prevista no artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, destina-se, antes de mais, a que seja reconhecida excecionalmente ao titular inscrito de bem inserido no domínio hídrico, o direito de propriedade sobre um imóvel.

5 – Até ao referido reconhecimento judicial da titularidade privada de faixas de terreno situada no domínio hídrico e uma vez que o particular está impedido de qualquer intervenção na mesma, não poderá ser responsabilizado por qualquer derrocada que se venha a ocorrer no referido terreno.

6 – Tendo o reconhecimento judicial da titularidade privada de faixa de terreno situada no domínio hídrico, ocorrido após a verificação de derrocada, não era ao titular exigível o cumprimento dos deveres descritos nos artigos 89º e seguintes do RJUE, nem, correspondentemente, serem-lhe imputados quaisquer encargos suportados pela Administração Pública com a execução coerciva de obras que se vieram a revelar necessárias para assegurar a segurança e saúde públicas, à luz do previsto no artigo 108º do RJUE, por idêntica razão.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Município (...)
Recorrido 1:O., SA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

I Relatório

O Município (...), devidamente identificado nos autos, no âmbito da ação administrativa intentada por O., SA, tendente a “impugnar o despacho proferido pela Diretora de Finanças e Património a 26/06/2018, (…) que indeferiu a reclamação do ato de revisão da liquidação das despesas por execução de obras coercivas”, inconformado com o Sentença proferida em 8 de fevereiro de 2021, no TAF do Porto, que julgou a Ação procedente, veio em 10 de março de 2021, recorrer Jurisdicionalmente da referida decisão.

Formula o aqui Recorrente/Município nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a ação administrativa intentada pela ora Recorrida e, consequentemente, anulou o despacho proferido pela Diretora Municipal de Finanças e Património do Réu, a 26.06.2018, que indeferiu a reclamação do ato de revisão de liquidação das despesas por execução de obras coercivas ao abrigo do artigo 108º do RJUE, com todas as consequências legais.
B. A sentença do tribunal a quo entendeu que o ato impugnado deveria ser anulado por considerar que não foi reconhecida a qualidade de proprietária à Autora ora Recorrida, pelo menos até agosto de 2014, e por isso não impendiam sobre si os deveres elencados nos artigos 89.º e seguintes do RJUE, não podendo ser imputados quaisquer encargos suportados pela Administração Pública com a execução coerciva de obras.
C. A sentença recorrida enferma do vício de erro de julgamento, porquanto da mesma resulta uma distorção da realidade factual e da aplicação do direito.
D. A descrição da factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo está errada e imprecisa em alguns pontos, mais concretamente no que concerne à ordem cronológica dos factos e à menção aos processos de licenciamento.
E. Em 23.12.2009, a Recorrida apresentou junto dos serviços do Recorrente um pedido de licenciamento de obras de ampliação e de alteração para a instalação de uma unidade hoteleira, a realizar no prédio sito na Avenida (...), ao qual foi atribuído o nº 122936/09/CMP.
F. Esse pedido de licenciamento foi objeto de indeferimento i) por estar em desconformidade com o disposto no artigo 11º e 42º do RPDMP e ii) por não ter as aprovações das entidades da administração central que nos termos da lei, devem emitir parecer, designadamente Direção Regional de Cultura do Norte e ARH do Norte IP - Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P.
G. Foi no âmbito desde processo 122936/09/CMP, e não do processo subsequente, conforme referido na sentença, que a Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. emitiu parecer.
H. Em 08.11.2010 a Recorrida instaurou junto das Varas Cíveis a ação contra o Estado Português, à luz do previsto no artigo 15.º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, e só em 24.12.2010, ou seja, após a instauração dessa ação, apresentou a Recorrida novo pedido de licenciamento, que deu origem ao processo autuado sob o n.º P/115188/10/CMP.
I. Em 26.03.2013 ocorreu a derrocada na Avenida (...), estando, à data, em curso o referido processo de licenciamento de obra para o edificado com o registo n.º 115188/10/CMP, conforme se verifica no ponto J) da factualidade provada.
J. Processo esse que, conforme já referido, foi apresentado pela Recorrida durante a pendência da ação cível instaurada contra o Estado Português, tendo sido emitido o respetivo alvará de obras n.º ALV/444/13/DMU em 07.06.2013, ou seja, antes de ter sido proferida a sentença na referida ação.
K. De acordo com o artigo 7º do Código do Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
L. Os particulares que registaram a seu favor a propriedade dos terrenos implantados em parcelas do domínio público, gozam nessa medida da presunção da titularidade não só de que o direito existe, tal como consta do registo, como de que pertence, nesses precisos termos, ao titular inscrito, pelo que não podem os mesmos, sob pena de violação do princípio da segurança, perder a condição de titulares daqueles terrenos, sabendo-se, ademais, que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil).
M. Os interessados no reconhecimento da sua propriedade beneficiam de uma presunção juris tantum, sem prejuízo dos direitos de terceiros, o que equivale a considerar que até prova em contrário a ilidir a presunção, nos termos gerais do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, o terreno é particular.
N. Veja-se a fundamentação invocada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 326/2015 “Sucede, assim, que no momento em que determinada lei vem dispor que certas categorias de coisas são dominiais, quando até aí não o eram, o preceito legal não pode ter eficácia de fazer automaticamente incluir no domínio público todas as coisas enquadráveis naquelas categorias: se elas já pertenciam ao património do Estado, integram-se automaticamente no seu domínio público; mas se eram propriedade particular, como tal têm de continuar, enquanto não forem expropriadas mediante adequada indemnização, pois o contrário equivaleria pura e simplesmente a um confisco”.
O. Neste sentido, pronunciou-se Manuel António do Carmo Bargado, em o reconhecimento da propriedade privada sobre terrenos do domínio público hídrico: “ao fazer ingressar automaticamente no domínio público as parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, pertencentes a particulares que não intentem a respetiva ação judicial de reconhecimento até 1 de Janeiro de 2014, o artigo 15.º, nº 1, da Lei n. 54/2005, constitui uma medida legislativa expropriativa do direito de propriedade daqueles particulares, que não só ficam privados do respetivo direito como não terão direito a perceber a adequada indemnização, o que equivale a um confisco, violando desse modo o disposto no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição.”
P. Com efeito, e conforme vêm salientando tanto a doutrina como a própria jurisprudência constitucional, os limites quantitativos fixados por lei para o domínio público hídrico não correspondem a uma integração automática dos terrenos inseridos dentro de tais limites no domínio público.
Q. Pelo contrário, a própria lei prevê a possibilidade de se efetuar o reconhecimento da propriedade privada sobre parcelas de leitos ou margens presumivelmente públicos.
R. Considera-se que o imóvel em apreciação só integraria definitivamente o domínio público mediante a respetiva expropriação e consequente indemnização, isto se não tivesse sido intentada a respetiva ação judicial de reconhecimento.
S. O imóvel nunca deixou de ser propriedade da Recorrida e sempre esteve na sua esfera jurídica.
T. Estamos perante uma obrigação “propter rem”, ou seja, uma obrigação inerente à coisa em si, sendo que a coisa (prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial (…) era à data da derrocada propriedade da Recorrida pelo que é a mesma responsável pelas despesas que foram geradas durante o período em que foi proprietária, nomeadamente, e para o que releva, as despesas imputadas a título de execução coerciva das obras.
U. A sentença proferida no âmbito da ação judicial atrás identificada e que opôs a Recorrida ao Estado Português, apenas veio confirmar que o prédio em litígio pertencia à Recorrida, como esta defendia – incluindo a parcela que se encontra a menos de 50 metros da margem do Rio Douro, ou melhor, a menos de 50 metros da linha que limita o leito das águas – e, assim, que a Recorrida era a titular do direito de propriedade, de que se arrogava.
V. Considera o Tribunal a quo que estamos perante uma ação declarativa de condenação, posição essa que o Recorrente não concorda porquanto não se pede uma determinada prestação, nem está ou pode estar em causa a violação de um direito (artigo 10.º, n.º 3,alínea b) do CPC).
W. O que esteve em causa na referida ação foi a declaração da propriedade privada de determinada parcela da margem que se entendia que já pertencia à Autora, mas que se pretendia ver judicialmente declarada, pelo que, estávamos perante uma ação de simples apreciação positiva.
X. Apesar de ter sido intentada pela Recorrida a ação judicial de reconhecimento de direito de propriedade em 08.11.2010, cuja sentença transitou em julgado em abril de 2014, considerou-se a Recorrida com legitimidade para apresentar em 24.12.2010, junto dos serviços do Recorrente, o pedido de licenciamento P/115188/10/CMP.
Y. Esse processo de licenciamento encontrava-se a tramitar à data da ocorrência da derrocada.
Z. Não se pode olvidar que a Recorrida sempre se apresentou e sempre atuou na qualidade de proprietária e detentora do imóvel, mesmo antes do seu direito de propriedade ter sido declarado judicialmente.
AA. Apenas se eximiu dessa qualidade no que diz respeito ao pagamento das despesas por execução de obras coercivas.
BB. Ainda que a Recorrida considerasse que as despesas relativas à execução de obras coercivas deveriam ser da responsabilidade do Estado Português, uma vez que se encontrava a ser discutida entre eles a titularidade do imóvel, deveria ser a própria, através dos meios judiciais adequados, a exigir o reembolso dessas despesas junto do Estado Português, após o pagamento das mesmas junto dos serviços do Recorrente.
CC. Uma vez que a Recorrida figurava como proprietária do bem imóvel em causa, na respetiva Conservatória do Registo Predial, não cabia ao Recorrente imputar os custos a qualquer outra entidade.
DD. Foi declarado e reconhecido o direito de propriedade da Recorrida sobre o imóvel, tendo esta beneficiado das obras executadas pelo Recorrente, sem nunca ter procedido a qualquer pagamento pelas mesmas.
EE. Não pode o Recorrente – Administração Pública – ficar em prejuízo pelos encargos suportados com a execução coerciva de obras que se revelavam necessárias para assegurar a segurança e saúde públicas, quando essas obras são legalmente da responsabilidade do proprietário do imóvel, in casu, da Recorrida.
FF. Por todo o exposto, deverá ser revogada a sentença recorrida julgando-se a ação administrativa improcedente in totum e mantendo-se o ato impugnado como válido na ordem jurídica.
TERMOS EM QUE, Deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos expostos, com as legais consequências daí decorrentes, com o que será feita SÃ E COSTUMEIRA JUSTIÇA.”

A Recorrida/O., SA veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 30 de março de 2021, tendo concluído:

“A) A recorrente não pediu a reapreciação da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, pelo que a mesma tem de se considerar definitivamente assente;
B) Desta factualidade resulta, em substância, provado que a Administração da Região Hidrográfica do Norte, IP/APA – Agência Portuguesa do Ambiente, enquanto entidade gestora do domínio público hídrico marítimo;
a. Pelo ofício de 29 de setembro de 2010 declarou que:
i. O imóvel ajuizado integrava o domínio público marítimo;
ii. Indeferia o pedido de licenciamento do hotel;
iii. Devendo a recorrida instaurar ação judicial com vista ao reconhecimento do seu direito;
b. Em 12 de julho de 2012 a Agência Portuguesa do Ambiente fez publicar o aviso nº 9511/2012 a publicitar um pedido de utilização privativa de uma parcela do domínio público marítimo, pelo prazo de 5 anos, destinada à instalação e exploração de uma unidade hoteleira da Avenida (...);
C) Da sobredita factualidade resulta também e em substância provado que:
a. A recorrente indeferiu o pedido de licenciamento da recorrida pelo facto de não ter sido aprovado pelas entidades da administração central que, nos termos da lei,, deviam emitir parecer.
b. Em 22 de agosto de 2013 o Departamento Municipal de proteção civil emitiu informação nº I/46128/13/CMP, na qual declara que “o prédio em questão pertence ao Estado Português , sendo administrado pela ARH-Norte;
c. Em 25 de novembro de 2013 a Chefe de Divisão Municipal da Receita da Recorrente emitiu o despacho de anulação da notificação para pagamento feita à O., SA nº I/97135/13/CMP, uma vez que o prédio em causa não era propriedade da recorrida, mas antes do Estado Português;
d. Em 3 de dezembro de 2013 a recorrente comunicou à ARH-Norte que dispunha de 20 dias para pagar os custos resultantes da derrocada no valor de €69.256,14;
D) Desta factualidade e dos documentos que a suportam, resulta inequivocamente provado que entre o início do ano de 2010, data da aquisição do imóvel pela recorrida, e 28 de abril de 2014, data do transito em julgado da sentença proferida na ação movida pela O., SA contra o Estado Português, quer a ARH – Norte, quer a recorrente consideravam que o prédio ajuizado integrava o domínio público hídrico marítimo, sendo propriedade do Estado Português, quer a ARH-Norte, quer a recorrente consideravam que o prédio ajuizado integrava o domínio público hídrico marítimo, sendo propriedade do Estado Português;
E) Donde a recorrida não podia, como não pôde, proceder à execução de obras de conservação e manutenção do edificado e evitar a derrocada;
F) Em face da matéria provada o Tribunal a quo decidiu que a recorrida não estava obrigada ao dever de conservação do imóvel nos termos dos artigos 89 e seguintes do RJUE;
G) Dever que em 26 de março de 2013 impendia sobre o Estado Português, dado que o bem em causa pertencia ao domínio público hídrico marítimo;
H) Sendo que somente em 28 de abril de 2014, com o transito em julgado da sentença, a recorrida afastou a presunção da dominialidade pública e viu reconhecido constitutivamente o seu direito de propriedade;
I) Ou seja, inexiste qualquer direito da recorrente sobre a recorrida relativamente às despesas suportadas com a derrocada, as quais são da responsabilidade do Estado Português.
Termos em que se requer a V Exas se dignem negar provimento ao presente recurso interposto pela recorrente e confirmar a douta sentença recorrida com as legais consequências.”

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 8 de abril de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 30 de abril de 2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de verificar se se terá verificado o recursivamente invocado erro de julgamento, porquanto, de acordo com o Recorrente, da Sentença resultará uma distorção da realidade factual e da aplicação do direito, sendo que o Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto

O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade, como provada, a qual aqui se reproduz:
“A) A 17/12/2009, a Autora celebrou um designado “contrato de compra” do bem imóvel sito na Avenida (...), descrito sob o nº 374/20090325 – freguesia de (...), na 2ª Conservatória do Registo Predial (...) e inscrito na matriz sob o nº 2412 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 7);
B) A 23/12/2009, a Autora apresentou junto dos serviços do Réu um pedido de licenciamento de obras de ampliação e de alteração a realizar no prédio sito na Avenida (...), ao qual foi atribuído o nº 122936/09/CMP (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 10);
C) O pedido de licenciamento identificado em B) foi objeto de decisão de indeferimento, pelo facto de se encontrar em desconformidade com o Regulamento do Plano Diretor Municipal (...) e ainda pelo facto de não terem sido apresentadas as aprovações das entidades da administração central que, nos termos da lei, devem emitir parecer (cf. idem);
D) A Autora instaurou, subsequentemente, novo pedido de licenciamento de obras de ampliação e de alteração a realizar no identificado prédio, o qual foi autuado sob o nº 1590/2010/CMP (cf. fls. 75 do PA);
E) A 28/09/2010, e no âmbito do procedimento de licenciamento identificado em D), a Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P., ouvida que foi para o efeito, emitiu o seguinte parecer: “Assunto: Ampliação e reabilitação de um edifício destinado a hotel de 4 estrelas, na Av. (...). Reportando-se ao assunto em epígrafe e após reapreciação do pedido apresentado, comunico a V. Exª que, ao contrário do que por lapso se informou, a construção do hotel, mesmo respeitando a atual área edificada, pelo facto de se implantar em terreno que se presume integrar o domínio público marítimo, nos termos do disposto no artigo 3º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, só pode ser autorizada através de um contrato de concessão, face ao disposto na Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro. Este contrato, nos termos do disposto nos artigos 21º e 23º do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de Maio, terá que ser precedido de um procedimento concursal, procedimento este que, pelas razões que V. Exª facilmente compreenderá, é inoportuno nas atuais circunstâncias. Assim, embora do ponto de vista técnico não se veja inconveniente na construção do hotel, o pedido é indeferido. Mais comunico a V. Exª que o pedido de reconhecimento de propriedade privada deverá incidir sobre o terreno situado na margem do rio Douro, conforme dispõe o artigo 15º da citada Lei nº 54/2005, e não sobre o edifício existente. (…)” (cf. idem);
F) A 08/11/2010, a Autora instaurou junto das Varas Cíveis do Porto uma ação contra o Estado Português, à luz do previsto no artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, peticionando a declaração e o reconhecimento de que o imóvel constituído por edificação e terreno, sito na Avenida (...), era objeto de propriedade particular, por título legítimo, antes de 31 de Dezembro de 1864 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 7);
G) A 12/07/2012, a Agência Portuguesa do Ambiente fez publicar na 2ª Série do Diário da República o aviso nº 9511/2012, do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) torna-se público que deu entrada na Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. (ARH do Norte, I.P.), um pedido de utilização privativa de uma parcela do domínio público marítimo, pelo prazo de 5 anos, destinado à instalação e exploração de uma unidade hoteleira, com as seguintes características: (…) Localização – margem direita do rio Douro, Avenida (...), n.º 16 a 44. Convidam-se todos os interessados para, querendo, requerer para si junto da ARH do Norte, I.P., um pedido idêntico para a atribuição de título de utilização de recursos hídricos com o objeto e finalidade ora publicitados, bem como a apresentar objeções à atribuição do referido título de utilização (…)” (cf. fls. 76 do PA);
H) A 26/03/2013, ocorreu uma derrocada na Avenida (...) (cf. acordo das partes e fls. 5 e seguintes do PA);
I) Nessa mesma data, os serviços do Réu procederam a uma avaliação do edificado, com o objetivo de se analisar as consequências para a segurança pública – transeuntes e utilizadores da via pública – face ao estado de debilidade estrutural da parte restante não desmoronada dos elementos construtivos do edificado (cf. idem);
J) No seguimento da realização de tal vistoria, a 07/05/2013, o Departamento Municipal de Proteção Civil do Réu elaborou a informação técnica nº I/81387/13/CMP, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) 1.2. Antecedentes processuais: - Além da situação descrita nesta informação/processo, são desconhecidos no âmbito das competências deste Departamento outros antecedentes relacionados com o edificado em causa, existindo no entanto em curso o processo de licenciamento de obra para o edificado com o registo nº 115188/10/CMP. 1.3. Interessados: Proprietário: O., Lda. e Outros – Rua (…) (…) 2. Descrição da situação: (…) 2.2. Durante essa avaliação verificou-se que a parte restante não desmoronada dos elementos construtivos do edificado em função da debilidade estrutural dos mesmos, constituía graves perigos para a segurança pública, dado ser passível de continuidade de derrocada e por deslizamento afetar a via pública – Av. (...). 2.3. Ora de acordo com o n.º 1 do art. 89 Dec. Lei 555/99 de 16 de Dezembro, na redação dada pela Leo nº 26/10 de 30 de Março compete aos proprietários ou legal representante o dever de conservar o edificado, proceder à fiscalização/observação do estado de conservação dos seus prédios, realizando todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético. Acresce que, de acordo com o art. 89º-A o proprietário não pode, dolosamente, provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, provocar a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético. 2.4. Perante estes factos, reveladores de um perigo grave para a segurança pública e do consequente estado de necessidade verificado, o Município, considerados os princípios especiais consagrados na Lei nº 27/06 de 3 de Julho, e nos termos e a coberto do disposto no n.º 7 do artigo 90.º do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 26/10, de 30 de Março, solicitou à D., EM, DMPCASU e DMVP/DM Trânsito os recursos humanos e meios materiais a fim de se promover de imediato às medidas adequadas e no momento, consideradas estritamente necessárias para mitigar os riscos para a segurança pública e que consistiram na demolição total, da parte restante do edificado supra referenciado, incluindo a remoção de lixos, entulhos e escombros resultantes dos desmoronamentos ocorridos aquando da derrocada do edificado, incluindo os resultantes da presente intervenção, com posterior vedação em rede tipo «malha-sol» e rafa do terreno resultante da derrocada do edificado, nomeadamente na zona confinante com a via pública, tendo sido necessário a colocação de grades e sinalização de proibição de trânsito e de perigos, a fim de proceder à intervenção em condições de segurança para os utilizadores da via pública. 2.5. As obras assim efetuadas corresponderam a uma despesa para o Município que devem ser imputadas ao infrator, nos termos do disposto no artigo 108.º do RJUE, pelo que deverá remeter-se a nota interna à DMFP para cobrança da mesma. 3. Proposta de Despacho. Face ao exposto, proponho que o Sr. Vereador com o Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude: 3.1. Ratifique os atos praticados com fundamento no estado de necessidade, nos termos supra descritos. 3.2. Envio de notas de débito dos trabalhos executados pela D., EM, DMPCASU e DMVP/DM Trânsito para respetiva cobrança ao proprietário. Mais se propõe: 3.3 – Que findo o prazo de 10 dias, após conhecimento da presente informação, o proprietário não manifestar a intenção e nodo de atuação para promover, a suas expensas, à remoção dos escombros – pedras – do local onde se encontram depositadas ao encargo da Autarquia – terreno das Areias – serão os mesmos transportados e removidos, pela Autarquia, a vazadouro próprio e final e com as custas inerentes a esta intervenção ao encargo dos proprietários. 3.4. Notificação da presente informação ao proprietário, referenciada no ponto 1.3 e de que independentemente das obras, coercivamente, acima executadas terá a responsabilidade civil e criminal, para com terceiros originados pela não devida manutenção da sua propriedade, e nomeadamente para os utilizadores das vias públicas referenciadas neste processo.” (cf. fls. 5 e seguintes do PA);
K) A 31/05/2013, o Vereador com o Pelouro da Proteção Civil, Fiscalização e Juventude, do executivo do Réu, apôs despacho de concordância com a informação nº I/81387/13/CMP, ratificando os atos processados (cf. fls. 7 do PA);
L) A 12/11/2013, por carta registada com aviso de receção, e através da informação nº I/197135/13/CMP, o Réu comunicou à Autora que, na sequência da execução, em 26, 27, 28, 29 de Março e 2, 3, 4 e 5 de Abril de 2013 de trabalhos relativos a remoção de escombros e demolição da fachada em risco de queda, e consolidação dos restantes elementos estruturais no prédio sito na Avenida (...), nº 16 a 44, e à luz do previsto no artigo 108º do RJUE, dispunha do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da quantia de € 69.256,14 (cf. fls. 8 e seguintes do PA);
M) A 22/08/2013, o Departamento Municipal de Proteção Civil emitiu a informação nº I/46128/13/CMP, da qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) 1.1.2. Em 07-05-2013 foi elaborada a medida de tutela imediata de salvaguarda de segurança pública I/81387/13/CMP para o edificado supra referenciado, à data desocupado/devoluto e relacionada com a necessidade de intervenção imediata, face ao estado da debilidade estrutural da parte restante não desmoronados dos elementos construtivos do edificado e como tal passível de continuidade de derrocada e por deslizamento «atingir» a via pública – Av. (...) – constituindo, como tal, graves riscos para a segurança pública. 1.1.3. Em 03-06-2013, o proprietário, então referenciado, foi notificado da medida de tutela. 1.1.4. Em 07-06-2013, deu entrada o requerimento n.º 65698/13/CMP, com anexação de documentos. (…) 1.3. Interessados: - Proprietários: - O., Lda. e Outros (…); - Estado Português, representado por: Administração da Região Hidrográfica do Norte I.P. (…). 2. Descrição da situação atual. Reanalisado o processo verifica-se que: 2.1. Análise de requerimentos. Analisado o requerimento n.º 65698/13/CMP, e de acordo com o exposto pelo requerente e documentos anexos, o prédio em questão pertence ao Estado Português, sendo administrado pela ARH-Norte. (…) 3. Proposta de Despacho. Face ao exposto, proponho que seja retificado o presente procedimento: - Envio de cópia da presente informação bem como da I/81387/13/CMP aos interessados no ponto 1.3., para conhecimento.” (cf. fls. 11 e seguintes do PA);
N) A 25/11/2013, pela Chefe da Divisão Municipal de Receita do Réu foi emitido despacho de anulação da notificação I/97135/13/CMP, uma vez que o prédio em causa não era propriedade da Autora, mas antes do Estado Português (cf. fls. 13 do PA);
O) Na mesma data, o despacho identificado em N) foi comunicado à Autora (cf. fls. 14 do PA);
P) A 03/12/2013, e sob a I/205714/13/CMP, o Réu comunicou à Administração da Região Hidrográfica do Norte, I.P. que, na sequência da execução, em 26, 27, 28, 29 de Março e 2, 3, 4 e 5 de Abril de 2013 de trabalhos relativos a remoção de escombros e demolição da fachada em risco de queda, e consolidação dos restantes elementos estruturais no prédio sito na Avenida (...), nº 16 a 44, e à luz do previsto no artigo 108º do RJUE, dispunha do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da quantia de € 69.256,14 (cf. fls. 15 e seguintes do PA);
Q) A 25/02/2014, a 1ª Vara Cível do Porto proferiu sentença, que transitou em julgado a 28/04/2014, no âmbito do processo instaurado pela Autora contra o Estado Português, que correu termos sob o nº 1071/10.7TVPRT, e na qual se declarou e reconheceu que o imóvel constituído por edificação e terreno, sito na Avenida (...), , , atualmente propriedade da Autora, já era objeto de propriedade particular, por título legítimo, antes de 31 de Dezembro de 1864 (cf. fls. 27 e seguintes do PA);
R) A 15/07/2014, a Agência Portuguesa do Ambiente comunicou ao Réu o teor da sentença identificada em Q) (cf. fls. 26 do PA);
S) A 06/08/2014, e através da I/136476/14/CMP, a Chefe de Divisão Municipal de Receita do Réu comunicou à Agência Portuguesa do Ambiente que, verificando-se que esta última não era proprietária do imóvel objeto de realização de obras coercivas em Abril de 2013, ficou sem efeito o teor da comunicação I7205714/13/CMP, de 03/12/2013 (cf. fls. 46 do PA);
T) Na mesma data, e através da I/136616/14/CMP, a Chefe de Divisão Municipal de Receita do Réu comunicou à Autora que, uma vez que determinou a sentença proferida no âmbito do processo nº 1071/10.7TVPRT que era esta entidade a proprietária do imóvel sito na Av. (…), dispunha do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da quantia de € 69.256,14, pelos trabalhos realizados em 2013 (cf. fls. 48 do PA);
U) A 25/06/2014, a Autora dirigiu ao Réu um requerimento, do qual consta, designadamente, o seguinte: “(…) 4. A derrocada ocorrida em Março de 2013 na Avenida (...), envolveu além do imóvel sito nos , os prédios com ele confinantes, pertencentes ao Senhor Escultor J., e às Estradas de Portugal. Daqui decorre, desde logo, que a responsabilidade, se existisse, nunca poderia ser assacada em exclusivo a esta empresa. 5. Como consta do Procº nº 18443/04/CMP os deslizamentos de terras no identificado local remontam, pelo menos, a 28 de Março de 2001, quando essa Câmara fez um Aviso sobre esta matéria (…). De tal modo que foi proposta a demolição da cobertura e do interior, incluindo a remoção dos entulhos e lixos a vazadouro e o entaipamento dos vãos. Demolição que o DMGUF dessa Câmara rejeitou, tendo então a cabeça de casal da herança proposto a venda do imóvel a essa Câmara, o que não se concretizou. 6. No total desconhecimento destes factos a signatária diligenciou a compra do imóvel (…), o que veio a acontecer em inícios de 2010, como o certifica o registo predial que se junta (…). 7. De imediato a O., SA deu entrada na Câmara Municipal (...), com um processo de licenciamento relativo à reabilitação do edificado, a que foi atribuído o Procº nº 115188/10. 8. Para surpresa da signatária, pois à data desconhecia o teor da Lei nº 54/2005, essa Câmara solicitou a emissão de parecer à Administração da Região Hidrográfica do Norte, IP (ARH) e esta não deferiu o licenciamento para a reabilitação do edificado dado que o mesmo integrava o domínio público hídrico (…). Isto é, as edificações em apreço eram propriedade do Estado Português e estavam sobre a gestão da Administração da Região Hidrográfica do Norte, IP (…). De tal modo era assim que a Agência Portuguesa do Ambiente fez publicar o Aviso nº 9511/2012, em 12 de Julho de 2012, a publicitar um pedido de utilização privativa de uma parcela do domínio público marítimo, pelo prazo de 5 anos, destinado à instalação de uma unidade hoteleira na Avenida (...), (Doc. nº 7). 9. Face à posição da mencionada ARH esta empresa viu-se forçada a discutir judicialmente o seu direito de propriedade com o Estado Português, o que fez através do Procº nº 1071/10.7TVPRT, da 1ª Vara Cível do Porto. Este processo acabou por ser julgado procedente por ser julgado procedente por sentença transitada em julgado apenas em 28 de Abril de 2014. 10. Daqui decorre que entre a data da aquisição do imóvel ocorrida no início do ano de 2010 e 28 de Abril de 2014, a signatária não podia, nem pôde, fazer qualquer intervenção no edificado, por força da posição do Estado Português. Designadamente não pôde fazer qualquer trabalho de consolidação do imóvel. Sendo que o Estado Português não fez, nem permitiu que fosse feita a reabilitação do edificado. 11. Não pode pois esta empresa ser responsabilizada pela derrocada de um edifício e pelos custos decorrentes da mesma, pois mau grado a sua pretensão de reabilitar o edificado plasmada no Procº nº 115118/10, imediatamente instaurado após a compra do mesmo, essa reabilitação foi impedida pelo Estado Português que se arrogou proprietário do mesmo e impediu o licenciamento do projeto, condição indispensável à realização das obras. Ao que aliás a própria Câmara adere reconhecendo-o expressamente ao declarar no ofício de 25 de Novembro de 2013, que a O., SA não era proprietária do imóvel objeto da intervenção pelos serviços municipais. 12. Por último, não foi fornecido o detalhe dos custos dos trabalhos realizados pela Câmara, que esta empresa acompanhou e registou, montante que não se harmoniza com a sua natureza e duração, pelo que se requer que nos seja fornecido esse detalhe. No que diz respeito ao pagamento de 25% o mesmo nunca seria devido, porque esta empresa estava legalmente impedida de realizar esses trabalhos. Nestes termos, vem requerer-se a V Exª se digne ordenar a anulação da notificação I/136614/14/CMP, de 6 de Agosto de 2014, relativa ao pagamento de € 69.256,14 pela O., SA como é de lei e inteira justiça.” (cf. fls. 51 e seguintes do PA);
V) A 30/12/2015, a Direção Municipal de Finanças e Património proferiu parecer quanto ao pedido de anulação de pagamento formulado pela Autora, reputando que o procedimento adotado obedeceu às normas legais e regulamentares aplicáveis (cf. fls. 84 do PA);
W) Em Junho e Julho de 2016, e no seguimento de pedido formulado pelo Departamento Municipal de Proteção Civil do Réu, o Departamento Municipal de Mobilidade e Gestão da Via Pública e a D., EM, prestaram informações quanto ao custo dos trabalhos levados a cabo na intervenção realizada na Avenida (…), as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas (cf. fls. 86 e seguintes do PA);
X) A 10/05/2017, através da I/153602/17/CMP, o Réu comunicou à Autora que, na sequência da execução, em 26, 27, 28, 29 de Março e 2, 3, 4 e 5 de Abril de 2013 de trabalhos relativos a remoção de escombros e demolição da fachada em risco de queda, e consolidação dos restantes elementos estruturais no prédio sito na Avenida (...), nº 16 a 44, e à luz do previsto no artigo 108º do RJUE, dispunha do prazo de 20 dias para proceder ao pagamento da quantia de € 69.976,14 (cf. fls. 93 e seguintes do PA);
Y) A 30/05/2017, a Autora dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal do Réu uma designada “reclamação graciosa” do auto de revisão de liquidação, descrita em X), e da qual constam os argumentos já por si aduzidos na pronúncia datada de 25/06/2014, mais constando, designadamente, o seguinte: “(…) 16. Acresce que a sociedade reclamante não está de acordo com os custos imputados pela D., EM relativamente a esses trabalhos; 17. De acordo com os elementos recolhidos pela sociedade reclamante, e que englobam o seu imóvel e dos proprietários confinantes, apurou-se o seguinte: a) No local estiveram trabalhadores e máquinas durante a tarde do dia 26, o dia 27, a manhã do dia 28 de Março de 2013, que terão removido um volume de detritos não superior a 300 m3; b) Foram utilizadas 2 máquinas durante 1 dia e dois meios dias com manobradores, num total de 40 horas [2 x (5+10+5)]. Sendo o custo por hora de € 30,00, o custo total das máquinas ascende a € 1.200,00. Os dois ajudantes trabalharam durante 40 horas, ao custo horário de € 12,00, pelo que o respetivo custo ascendeu a € 480,00. Por último, o custo de transporte a vazadouro ascendeu a € 1.350,00 (300 m3 x €4,50). Ou seja os trabalhos não custaram mais de € 3.030,00. Não se aceitando, por isso, o valor de € 57.557,73 debitado pela D., EM, bem como o respetivo agravamento em € 11.698,62. 18. Por último refira-se que a derrocada e remoção englobou os prédios confinantes, desconhecendo-se se aos respectivos proprietários foram imputados idênticos custos. Termos em que se requer a V Exª se digne ordenar, novamente, a anulação da notificação efetuada através do ofício I/153602/17/CMP, de 10.05.2017, relativa ao pagamento de € 69.256,14 pela O., com as legais consequências.” (cf. fls. 95 e seguintes do PA);
Z) A 07/11/2017, a Direção Municipal de Serviços Jurídicos do Réu, ouvida que foi para o efeito, emitiu parecer sobre a reclamação apresentada pela Autora, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se, designadamente, o seguinte: “(…) B) Do mérito da Reclamação. 1. Sobre este tema, e previamente à tomada de quaisquer outras considerações, somos de opinião, que os particulares que registaram a seu favor a propriedade de prédios implantados em parcelas presumidas como de domínio público hídrico, nos termos da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, gozam de uma presunção de titularidade não só de que o direito (de propriedade) existe, tal como consta do registo, como de que lhes pertence, nesses precisos termos, pelo que não podem os mesmos, sob pena de violação dos mais elementares princípios de direito, perder a condição de titulares daqueles prédios, só porque não interpuseram uma ação judicial destinada a obter o reconhecimento de um direito. 2. E, salvo melhor opinião, foi sempre esta a convicção da exponente, isto é, de que era titular do direito de propriedade aludido nos presentes autos. Aliás, e como bem refere a exponente, quando adquiriu a propriedade apresentou pedido de licenciamento na Câmara Municipal, nessa qualidade, tendo posteriormente sido surpreendida com a existência da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro. Isto dito, 3. A Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, revogando legislação anterior existente, veio estabelecer a titularidade dos recursos hídricos, mediante a concretização do conceito de recursos hídricos e da definição da respetiva titularidade. 4. A regra é que os recursos hídricos pertencem ao domínio público; e sobre esta questão nada há a apontar; contudo, como bem sabemos, na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º, a lei estabelece uma presunção de dominialidade dos leitos e margens das águas públicas, de onde se extrai que, salvo prova em contrário, os recursos aí mencionados são recursos dominiais. 5. E, é precisamente este tema que nos interessa, para a resolução da questão que nos vem colocada. Isto é, a exponente viu-se confrontada com a necessidade de provar que propriedade era sua (privada) e que já era objeto de propriedade particular, por título legítimo, antes de 31 de Dezembro de 1864. Para tanto, 6. Instaurou uma ação declarativa contra o Estado Português pedindo que «se declare e reconheça que o imóvel constituído por edificação e terreno, sito na Avenida (...), n.ºs 16 a 44, (…) sua propriedade, já era objeto de propriedade particular, por título legítimo antes de 31 de Dezembro de 1864». 7. Da sentença resulta que «A pretensão da A. formulada na presente ação tem a sua justificação na alegada circunstância de a estrema do ajuizado prédio da Autora na sua frente ribeirinha e que confronta com a Avenida (...), ilidir a presunção da dominialidade pública que abrange parte da referida faixa de 50 metros da margem do Rio Douro, com base na demonstração de que o seu identificado prédio já era objeto de propriedade particular (…)»; «(…) face à factualidade que resultou provada, tem de se concluir que a Autora logrou satisfazer o ónus da prova que lhe incumbia, já que provou que efetivamente o seu prédio (…) é objeto de propriedade privada desde data anterior a 31.12.1864 (…)»; pelo que a ação foi julgada totalmente procedente. A Autora viu assim declarado e reconhecido que o imóvel (…), «atualmente sua propriedade, já era objeto de propriedade particular (…)». 8. E o impacto da sentença proferida naquela ação meramente declarativa é precisamente esse; ou seja, na nossa opinião, o objetivo desta ação foi o de ver declarado que o prédio da exponente – incluindo a parcela que se encontra a menos de 50 metros da margem do Rio Douro, ou melhor, a menos de 50 metros da linha que limita o leito das águas – já lhe pertencia (isto é, que a exponente era titular do direito de propriedade, que se arrogava). Assim sendo, 9. Dúvidas não temos que estamos perante uma obrigação «propter rem», ou seja, uma obrigação que é inerente à coisa em si, sendo que a coisa (prédio descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial (...) sob o n.º 374/2009325 – Freguesia de S. Nicolau, e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o art. 2412), era à data da derrocada propriedade da exponente pelo que é a mesma responsável pelas despesas que foram geradas durante o período em que foi proprietária, nomeadamente, e para o que releva, as despesas imputadas a título de execução coerciva das obras. Sem prejuízo e à cautela, 10. Porque se mostram falsas, por inexatas, as alegações apresentadas pela reclamante sinalizadas nos números VI a X do Ponto II do presente parecer jurídico, extraímos do pedido de licenciamento que correu termos sob o P.º n.º 115188/10/CMP, o seguinte: a. No dia 29/04/2013, enquanto requerente do pedido de licenciamento, vem informar os autos de que «ocorreu uma derrocada parcial no prédio (…), que em conjunto com a posterior intervenção da Proteção Civil resultou na demolição de parte da construção existente; A requerente vem comprometer-se a executar a obra de acordo com o projeto de arquitetura aprovado, que engloba a reconstrução da fachada efetuada pela derrocada.»; b. Foi emitido o ALV/444/13/CMP, de onde resulta que: «Através do Reqto. N.º 94890/12/CMP a requerente apresentou cópia do parecer favorável emitido pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente, permitindo também a ocupação do domínio público marítimo pelo prazo de 5 anos; A requerente juntou anteriormente cópia da Petição apresentada junto do Tribunal para reconhecimento do direito de propriedade de bens imóveis. Com esta petição pretende a requerente comprovar a sua propriedade sobre o imóvel em causa, fazendo posteriormente prova disso junto da APA e dos serviços da CMP». Por fim, 11. Conforme informação prestada pelo Departamento Municipal de Proteção Civil encontra-se em tramitação na Câmara Municipal, um outro processo, para um prédio localizado na proximidade do prédio, aqui em apreço, e que também foi alvo de uma intervenção no âmbito de uma derrocada. V – Conclusões. Tendo presente o supra exposto, propomos: A) A prolação de despacho de improcedência da reclamação graciosa apresentada pela exponente, nos termos e fundamentos que antecedem; B) O processo seja conduzido para a Divisão Municipal de Receita para os devidos efeitos legais.” (cf. fls. 119 e seguintes do PA);
AA) A 06/03/2018, os serviços do Réu comunicaram à Autora, por carta registada com aviso de receção, a sua intenção de indeferir a reclamação por esta apresentada, para exercício do direito de pronúncia, mais a informando que não seria devido o acréscimo de 25% sobre o montante despendido em materiais, mão-de-obra e deslocações (cf. fls. 129 e seguintes do PA);
BB) A 20/03/2018, a Autora remeteu aos serviços do Réu a sua pronúncia escrita, na qual arguiu a prescrição do direito do Réu a reaver os montantes peticionados, atento o decurso do prazo previsto no artigo 498º do Código Civil; alegou que, entre 28/09/2010 e 28/04/2014, esteve impedida de intervir no identificado imóvel, por operação do preceituado na Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, reafirmando que não dispõe o Réu de qualquer direito sobre si, emergente da derrocada ocorrida a 26/03/2013; e, por fim, impugnando o montante peticionando, afirmando que os custos dos trabalhos de remoção de escombros e mitigação de riscos não custaram mais de € 3.030,00 (cf. fls. 132 e seguintes do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas);
CC) A 06/06/2018, os serviços do Réu emitiram a informação nº I/188070/18/CMP, na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “(…) Na presente exposição a requerente reitera os argumentos anteriormente utilizados e que foram já alvo de apreciação nos pareceres realizados e comunicados. Não obstante, invoca agora a prescrição da dívida por terem decorrido mais de 3 anos desde a derrocada, questão que deverá ser esclarecida por incorrer em erro. Ora, de acordo com o Art.º 15º nº 1 do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) «as dívidas por taxas às autarquias locais prescrevem no prazo de oito anos a contar da data em que o facto tributário ocorreu». Assim, considerando o facto tributário (2013) – no caso em apreço a data da intervenção coerciva por parte dos serviços municipais – considera-se que a dívida não se encontra prescrita, dado só terem decorrido 5 anos sobre o mesmo. Mais se refere que, o direito à liquidação por parte do município vem estabelecido no artigo 45.º da Lei Geral Tributária, que no seu n.º 1, estabelece: «O direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de 4 anos, quando a lei não fixar outro». Ora, de facto, considerando que o requerente foi notificado dentro do prazo estipulado para o efeito e ainda não decorreram 8 anos desde a ocorrência do facto tributário, não se pode considerar o direito à liquidação caducado ou a dívida prescrita. Considerada sanada a questão da alegada prescrição, apesar dos serviços municipais já se terem pronunciado anteriormente sobre os fundamentos presentes nos pontos 2), 3) e 4) da presente informação, reitera-se a posição destes serviços informando que: O ato administrativo relativo à anulação da notificação para pagamento I/197135/13/CMP de 12/11/2013, foi realizado em face do contexto à data explanado pelo requerente. Consultado o despacho formal de 25/11/2013, que originou o ofício de anulação I/204911/13/CMP, de 25/11/2013, constata-se que a decisão baseou-se na alegação por parte da entidade «O.» ao referir não ser a proprietária do imóvel uma vez que se tratava de uma parcela do domínio privado marítimo, propriedade do Estado Português. Posteriormente, após culminado processo judicial nº 1071/10.7TVPRT que correu termos na 1ª Vara Cível do Porto, a sentença determinou o reconhecimento da propriedade privada do referido imóvel à entidade «O.». Assim, nestes termos, os serviços municipais efetuaram um novo ato de liquidação e consequente notificação para pagamento dos custos incorridos pela intervenção municipal realizada, remetida ao então identificado e judicialmente reconhecido proprietário do imóvel. Deste modo limitaram-se os serviços municipais a cumprir com o estipulado no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, notificando o proprietário do imóvel objeto das obras coercivas. Relativamente aos custos imputados, os mesmos encontram-se de acordo com a Nota Interna nº 1047, realizada pela D. E.M., refletindo os custos com a intervenção, tendo os mesmos sido oportunamente discriminados no processo administrativo (fls. 89-91), após solicitação do requerente no requerimento 91562/14/CMP de 27-08-2014, e comunicados através do ofício I/153602/CMP de 10-05-2017. Deste modo, encontrando-se os custos fundamentados, não se verifica existirem motivos para solicitar aos serviços competentes uma nova apreciação e parecer sobre os mesmos. Por último, no que concerne à ausência de legitimidade para intervir no imóvel, pronunciarem-se os serviços jurídicos deste município através do parecer I/348268/17/CMP, reiterando-se na íntegra o seu teor e posição. Em face do anteriormente exposto, propõe-se a indeferimento da reclamação apresentada pelo NUD 175996/17/CMP, de 30/05, com fundamento na informação da DMSJ com ref.ª I/348268/17/CMP de 07/11, devendo o requerente proceder à regularização da fatura nº 004/752. (…)” (cf. fls. 165 e seguintes do PA);
DD) A 25/06/2018, a Chefe da Divisão Municipal de Receita do Réu proferiu despacho a indeferir a reclamação apresentada pela Autora, com base na informação descrita no ponto CC) (cf. fls. 167 do PA);
EE) A 03/07/2018, e por carta registada com aviso de receção, o Réu comunicou à Autora a decisão referida em DD), mais a informando de que deveria proceder à regularização da fatura nº 004/752, no valor de € 58.277,47 (cf. fls. 168 e seguintes do PA);
FF) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 26/07/2018 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).”

IV – Do Direito

Desde logo, e no que aqui releva, consta do discurso fundamentador da Sentença Recorrida, o seguinte:
“(…)
Da alegada inexistência de qualquer direito do Réu sobre a Autora:
Veio a Autora arguir que, mal se tornou proprietária do bem imóvel em discussão, cuidou de instaurar, junto dos serviços do Réu, um pedido de licenciamento de obras de reabilitação do edificado. Invoca que foi com total surpresa que se deparou com a emissão de parecer desfavorável da ARH, tendo como fundamento o facto de o edificado integrar o domínio público hídrico, uma vez que à data desconhecia o teor da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro. Sublinha que, não só lhe foi indeferido o pedido de licenciamento, como era tal o convencimento das autoridades públicas de que tal bem integrava a dominialidade pública que, logo a 12/07/2012, tratou a Agência Portuguesa do Ambiente (doravante abreviadamente APA) de publicitar a realização de um procedimento concursal para a concessão de utilização privativa de uma parcela do domínio público marítimo, pelo prazo de 5 anos, destinado à instalação de uma unidade hoteleira na Avenida (...), . Invoca que, entre a data de aquisição do imóvel, em Janeiro de 2010, e a da prolação da sentença pela 1ª Vara Cível do Porto que reconheceu a propriedade privada do imóvel, a 28/04/2014, não podia a Autora, como não pôde, fazer qualquer intervenção no edificado, por força da posição adotada pelo Estado Português e da recusa de licenciamento por parte do Réu. Conclui, assim, que não pode a Autora ser responsabilizada pela derrocada de um edifício, e pelos custos à mesma inerentes. Reforça que, à luz do previsto nos artigos 3º e 4º da referida Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, para poder a Autora intervir urbanisticamente na parcela em apreço, não lhe bastava exibir o título de aquisição, tendo ainda de obter o reconhecimento judicial do seu direito, para fazer precludir a presunção de dominialidade pública. Nestes termos, pugna pela inexistência do direito do Réu sobre a Autora emergente da derrocada de 26/03/2013.
Em sede de contestação, reiterou o Réu o que consta do parecer emitido pelos seus serviços jurídicos a 07/11/2017. Mais alega que o impacto que a sentença proferida na ação judicial meramente declarativa que a Autora invoca é precisamente esse, ou seja, a declaração de que o prédio da Autora, incluindo a parcela que se encontra a menos de 50 metros da margem do Rio Douro já lhe pertencia. Conclui que foi na qualidade de proprietária que a Autora sempre acuou, a qual não era impeditiva de assegurar as necessárias diligências no sentido de conservação do edificado, em última instância, e se necessário fosse, ao abrigo também ela do estado de necessidade.
Nesta sede, já não assiste razão ao Réu.
(…)
Compete, assim, aos proprietários de edificações a realização de obras de conservação ordinárias, como também quaisquer obras de conservação que se revelem necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade, ou à melhoria do arranjo estético.
Preceitua ainda o artigo 89º-A do mesmo diploma legal uma proibição ao proprietário de, dolosamente, provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou de salubridade, provocar a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético.
Desde já se sublinha que, na determinação de tais deveres, cuida o legislador de os fazer impender sobre o proprietário da edificação, que a nenhuma outra entidade.
(…)
Vejamos. Decorre de forma cristalina do exposto quadro jurídico que o dever de conservação e manutenção das edificações incumbe ao respetivo proprietário. Mais resulta, de forma indiscutível, que caso não observe tal proprietário os referidos deveres, e se verifiquem riscos para a segurança e saúde públicas, pode a Administração substituir-se ao proprietário na execução das obras que se revelem necessárias para preservar tais interesses públicos, motivo pelo qual se denominam as mesmas de “coercivas”, imputando-lhe a, final, os custos e despesas suportados com tal atividade.
Tal leitura, além de pacífica, não é de forma alguma posta em causa pelas partes no presente litígio.
Com resulta das posições por estas manifestadas nos respectivos articulados, o cerne da presente questão prende-se, assim, com a determinação de quem assumia o papel de proprietário do edificado, à data da ocorrência da derrocada, para assim aferir a quem compete arcar com os custos das obras levadas a cabo pela autarquia para a preservação da saúde e segurança públicas.
Na ótica propugnada pela Autora, a mesma só veio a ser reconhecida como proprietária do edifício em Abril de 2014, pelo que, por imposição legal, bem como pela posição manifestada pelo Réu no pedido de licenciamento apresentado, lhe estava vedado, em momento anterior, proceder à realização de quaisquer operações urbanísticas, designadamente, de conservação e manutenção.
Já de acordo com o defendido pelo Réu, a Autora foi sempre a proprietária do bem imóvel, tendo-se a limitado a sentença proferida pelo Tribunal Judicial em Abril de 2014 a reconhecer tal direito de propriedade, que nunca deixou de existir.
Não colhe este argumento do Réu.
Efetivamente, conforme resulta do probatório coligido, a Autora adquiriu a totalidade do bem imóvel ora em discussão em Janeiro de 2010, sendo que logo durante este mês, cuidou aquela de apresentar, junto dos serviços do Réu, um pedido de licenciamento, para a realização de obras de reabilitação e ampliação do edificado.
Mais resultou provado que, em sede de audição de entidades externas, ao longo do procedimento administrativo de licenciamento que correu termos nos serviços do Réu, emitiu a ARH um parecer desfavorável à realização de tal operação urbanística, com o argumento de que, nos termos do previsto nos artigos 3º e 4º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, o edifício sito na Avenida (...), , pertencia ao domínio público marítimo. Tal parecer acabou por determinar o indeferimento do licenciamento.
Na verdade, a referida Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, veio regular e estabelecer a titularidade dos recursos hídricos, estipulando, nos seus artigos 3º e 4º, o seguinte:
“Artigo 3º - Domínio Público Marítimo
O domínio público marítimo compreende:
a) As águas costeiras e territoriais;
b) As águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas;
c) O leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés;
d) Os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva;
e) As margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés.
Artigo 4º - Titularidade do Domínio Público Marítimo
O domínio público marítimo pertence ao Estado.”
(…)
Nestes termos, qualquer rio, bem como a respetiva margem, de uma largura de 50 metros desde o seu leito, se consideram ser, por via da presente lei, domínio público marítimo, pertença do Estado Português.
Ora, dúvidas não existem, nem tal foi colocado em causa pelas partes, que o edifício em causa nos presente autos se situava num local coincidente com uma margem, conforme o definido no artigo 11º da Lei nº 54/2005.
Não obstante o que vem dito, abriu o referido diploma legal a porta à possibilidade do reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos.
(…)
Como advém da matéria de facto assente, confrontada que foi a Autora com a emissão do parecer da ARH, de 28/09/2010, que reputou o edificado como pertencendo ao domínio público marítimo, logo procurou salvaguardar a sua posição, lançando mão de tal via judicial, a 08/11/2010, e peticionando o reconhecimento da sua propriedade privada sobre o mesmo, o que só veio a ocorrer em Abril de 2014.
Se, por um lado, não se pode olvidar que a Autora surgia, já desde Janeiro de 2010, como proprietária do bem imóvel em causa, na respetiva Conservatória do Registo Predial, e tal registo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define (cf. artigo 7º do Código de Registo Predial), por outro lado, considera este Tribunal que tal presunção criada pelo registo predial era, atentas as circunstâncias concretas, inoperante.
É que coexistia, com tal presunção, uma determinação legal de que a propriedade do bem era pública, apenas deixando de o ser mediante uma decisão judicial, transitada em julgado, que determinasse que a mesma era, afinal, privada.
Destarte, e contrariamente ao afirmado pelo Réu, a referida sentença, tal como prevista no artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, destina-se, antes de mais, a que seja reconhecida à Autora o direito de propriedade sobre um imóvel, que o mesmo se integra na sua própria esfera jurídica, pelo que estamos defronte de uma ação declarativa de condenação. Com efeito, neste caso, é bem patente a autonomia dos efeitos jurídicos dessa condenação neste tipo de ações, quando, concretizando o reconhecimento de um direito, impõe a um terceiro uma obrigação passiva – afloramento da obrigação passiva universal de exclusão que sobre todos impende com relação aos direitos absolutos – de não perturbar o seu legítimo exercício.
Só tendo sido proferida tal sentença judicial de reconhecimento de direito de propriedade à Autora em Abril de 2014, resulta claro, e sem margem para dúvidas, que durante o período de tempo que mediou entre Janeiro de 2010 e Agosto de 2014 (data de trânsito em julgado da decisão judicial), estava aquela legalmente impedida de realizar qualquer operação urbanística sobre o edifício em causa, por não ter legitimidade para o efeito.
Aliás, foi o próprio Réu quem indeferiu tal pretensão formulada pela Autora, no âmbito do processo nº 1590/2010/CMP, ainda no ano de 2010.
Por outro lado, e como resulta do probatório coligido, foi absoluta a consideração de que o bem em causa pertencia ao domínio público por parte de todas as entidades envolvidas, não só o Réu, mas também a ARH e a APA. Aliás, prontamente procedeu esta última entidade, logo em Julho de 2012, ao lançamento de um procedimento concursal tendente à concessão, para exploração privada, do indicado edifício… assim o considerando como propriedade do Estado Português.
Finalmente, e analisando os pressupostos de que dependia o reconhecimento dos direitos adquiridos por particulares, conforme previsto no artigo 15º da Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, realce-se que eram os mesmos exigentes. Na realidade, e independentemente da validade do título de aquisição do bem imóvel pela Autora, em Janeiro de 2010, se não lograsse esta provar que o mesmo já era objeto de propriedade privada, por título legítimo, desde 31 de Dezembro de 1864, permaneceria o bem no âmbito e esfera de dominialidade pública. Nestes termos, sempre se impõe considerar que a referida ação teve efeitos constitutivos, de reconhecimento de direito, que não estritamente declarativos.
Nem mesmo numa situação de estado de necessidade poderia a Autora proceder à execução de obras de conservação e manutenção do edificado, não só por se considerar, à data, que tal bem era do domínio público, não detendo aquela qualquer prerrogativa de autoridade pública, como também sob pena de incorrer numa prática criminalmente punida (designadamente, crime de dano, por ofensa a propriedade de terceiros).
Face ao que se tem vindo a expor, resulta claro que não podia, nem pode, o Réu, legitimamente, fazer imputar os custos em que incorreu com a execução de tais obras à Autora, porquanto sempre lhe foi negada, pelos próprios serviços da Administração, a possibilidade de realizar obras de reabilitação, como também, pelo menos de Janeiro de 2010 a Agosto de 2014, foi o referido edifício considerado como pertencendo ao domínio público hídrico, ou seja, na esfera jurídica de responsabilidade do Estado Português.
Não lhe era, pois, exigível que desse cumprimento aos deveres descritos nos artigos 89º e seguintes do RJUE, uma vez que não foi reconhecida a sua qualidade de proprietária do bem, pelo menos até Agosto de 2014. Ou seja, em momento muito posterior ao da ocorrência da derrocada.
Sublinhe-se que foi, aliás, a Autora diligente na sua atuação e no respeito dos deveres que sobre si impendiam, providenciando com brevidade a apresentação de pedido de licenciamento das obras de reabilitação de que a obra carecia, e de imediato avançando com a interposição da ação judicial prevista no artigo 15º da Lei nº 54/2005, quando se deparou com tal óbice, não sendo, de forma alguma, o seu comportamento censurável, seja de que modo for. E note-se que o artigo 108º do RJUE contém, em si, um juízo de censurabilidade sobre a inércia do proprietário de uma edificação, pelo uso deliberado do termo “infrator”, ou seja, aquele que não cumpre ou observa com os ditames legais. O que in casu manifestamente não sucedeu.
Tudo isto exposto, uma vez que não impendiam sobre a Autora os deveres elencados nos artigos 89º e seguintes do RJUE, à data da ocorrência da derrocada, por não lhe ter sido reconhecida a propriedade do bem e se ter considerado que pertencia o mesmo à dominialidade pública, tampouco lhe podiam ser imputados quaisquer encargos suportados pela Administração Pública com a execução coerciva de obras que se vieram a revelar necessárias para assegurar a segurança e saúde públicas, à luz do previsto no artigo 108º do RJUE, por idêntica razão.
Tais encargos apenas poderiam ser imputados ao então proprietário do bem, legalmente reputado como tal, e que infringiu os deveres de conservação e manutenção do edificado, ou seja, o Estado Português.
Consequentemente, assiste razão à Autora nos argumentos por si aduzidos, incorrendo o ato impugnado em vício de violação de lei, o que desde já se declara.(…)”

Analisemos agora o recursivamente suscitado, referindo-se desde já que se não vislumbram razões de censura relativamente à Sentença Recorrida.

Refira-se, desde logo, que o Recurso, embora questione alguns dos factos provados fixados em 1ª instância, em bom rigor, em momento algum impugna os mesmos, e menos ainda apresenta quaisquer factos ou circunstâncias suscetíveis de determinar fundadamente essa alteração, em face do que se tem a matéria de facto fixada, como assente.

É incontornável que só em 28 de abril de 2014 ficou definitivamente assente, com o trânsito em julgado da decisão judicial que o declarou, a titularidade da aqui Recorrida, relativamente ao controvertido prédio, sendo que as entidades públicas entendiam que o mesmo integrava, pelo menos em parte, o domínio público hídrico marítimo, o que sempre foi inviabilizando toda e qualquer intervenção da Recorrida no mesmo.

Aliás, denotando as incongruências de todo o procedimento, a própria APA – Agência Portuguesa do Ambiente, chegou em 12/07/2012, a publicitar a realização de um procedimento concursal para a concessão de utilização privativa de uma parcela do domínio público marítimo, pelo prazo de 5 anos, destinado à instalação de uma unidade hoteleira na Avenida (...), , quando a referida parcela já era titulada no Registo Predial pela Recorrida desde janeiro de 2010, faltando-lhe apenas o referido reconhecimento judicial, atento o estatuído no Artº 15º da Lei nº 54/2005.

Assim, mal se compreende como poderia a Recorrida ser responsabilizada pela derrocada ocorrida em 26/03/2013 de um prédio relativamente ao qual estava impedida de efetuar qualquer intervenção, atenta a sua então suposta ilegitimidade.

Na realidade, mal se compreenderia que à Recorrida fosse sucessivamente negada a possibilidade de intervenção no controvertido prédio, para depois lhe serem imputados os custos resultantes da sua derrocada.

Em qualquer caso, para dissipar quaisquer dúvidas, façamos uma breve visita guiada ao regime normativo aplicável.

Resultava do artigo 89º do RJUE, na redação então em vigor, o seguinte:
“1 - As edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, a câmara municipal pode a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a execução de obras de conservação necessárias à correção de más condições de segurança ou de salubridade.
3 - A câmara municipal pode, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.
4 - Os atos referidos nos números anteriores são eficazes a partir da sua notificação ao proprietário.”

Refere ainda o artigo 91º do RJUE, o seguinte:
“1 - Quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89.º, não apresentar os elementos instrutórios no prazo fixado para o efeito, ou estes forem objeto de rejeição, ou não concluir aquelas obras dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata.
2 - À execução coerciva das obras referidas no número anterior, incluindo todos os atos preparatórios necessários, como sejam levantamentos, sondagens, realização de estudos ou projetos, aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 107.º, 108.º e 108.º-B.”

Já quanto à posse administrativa e execução coerciva de obras, refere-se no artigo 107º do RJUE:
“1 - Sem prejuízo da responsabilidade criminal, em caso de incumprimento de qualquer das medidas de tutela da legalidade urbanística previstas nos artigos anteriores, o presidente da câmara pode determinar a posse administrativa do imóvel onde está a ser realizada a obra por forma a permitir a execução coerciva de tais medidas.
2 - O ato administrativo que tiver determinado a posse administrativa é notificado ao dono da obra e aos demais titulares de direitos reais sobre o imóvel por carta registada com aviso de receção.
3 - A posse administrativa é realizada pelos funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras, mediante a elaboração de um auto onde, para além de se identificar o ato referido no número anterior, é especificado o estado em que se encontra o terreno, a obra e as demais construções existentes no local, bem como os equipamentos que ali se encontrarem.
4 - Tratando-se da execução coerciva de uma ordem de embargo, os funcionários municipais responsáveis pela fiscalização de obras procedem à selagem do estaleiro da obra e dos respectivos equipamentos.
5 - Em casos devidamente justificados, o presidente da câmara pode autorizar a transferência ou a retirada dos equipamentos do local de realização da obra, por sua iniciativa ou a requerimento do dono da obra ou do seu empreiteiro.
6 - O dono da obra ou o seu empreiteiro devem ser notificados sempre que os equipamentos sejam depositados noutro local.
7 - A posse administrativa do terreno e dos equipamentos mantém-se pelo período necessário à execução coerciva da respetiva medida de tutela da legalidade urbanística, caducando no termo do prazo fixado para a mesma.
8 - Tratando-se de execução coerciva de uma ordem de demolição ou de trabalhos de correção ou alteração de obras, estas devem ser executadas no mesmo prazo que havia sido concedido para o efeito ao seu destinatário, contando-se aquele prazo a partir da data de início da posse administrativa.
9 - A execução a que se refere o número anterior pode ser feita por administração direta ou em regime de empreitada por ajuste direto, mediante consulta a três empresas titulares de alvará de empreiteiro de obras públicas de classe e categoria adequadas à natureza e valor das obras.”

Refere-se ainda no artigo 108º do RJUE:
“1 - As quantias relativas às despesas realizadas nos termos do artigo anterior, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que a Administração tenha de suportar para o efeito, são de conta do infrator.
2 - Quando aquelas quantias não forem pagas voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, são cobradas judicialmente em processo de execução fiscal, servindo de título executivo certidão, passada pelos serviços competentes, comprovativa das despesas efetuadas, podendo ainda a câmara aceitar, para extinção da dívida, dação em cumprimento ou em função do cumprimento nos termos da lei.
3 - O crédito referido no n.º 1 goza de privilégio imobiliário sobre o lote ou terrenos onde se situa a edificação, graduado a seguir aos créditos referidos na alínea b) do artigo 748.º do Código Civil.”

É certo que decorre do regime jurídico aplicável, e no essencial supra transcrito, que o dever de conservação e manutenção das edificações incumbe ao proprietário, sendo que, não o fazendo voluntariamente, a Administração pode substituir-se ao mesmo na realização das obras necessárias, imputando-lhe a, final, os custos suportados.

Aqui chegados, é incontornável que a Recorrida embora beneficiasse da presunção da titularidade do referido prédio, em decorrência do Registo Predial, só veio, no entanto, a ser reconhecida judicialmente como titular do controvertido prédio em Abril de 2014.

E não se diga, em qualquer caso, que a Recorrida, mercê do Registo Predial a seu favor, sempre teria de manter o edificado, uma vez que o próprio pedido de licenciamento de intervenção no veio a ser indeferido, nomeadamente, por sobressaírem dúvidas relativamente à sua legitimidade.

Com efeito, resulta da prova fixada, que a Recorrida adquiriu a totalidade do controvertido prédio em Janeiro de 2010, só que o pedido de licenciamento de intervenção no edificado foi objeto de Parecer desfavorável da ARH/APA, exatamente por o prédio integrar supostamente o domínio público marítimo.

Tal parecer veio a suportar o indeferimento do licenciamento.

Efetivamente a Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, que veio a servir de suporte ao referido indeferimento, refere nos seus artigos 3º e 4º, o seguinte:
“Artigo 3º - Domínio Público Marítimo
O domínio público marítimo compreende:
a) As águas costeiras e territoriais;
b) As águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas;
c) O leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés;
d) Os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva;
e) As margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés.
Artigo 4º - Titularidade do Domínio Público Marítimo
O domínio público marítimo pertence ao Estado.”

Por ouro lado, refere-se no Artº 11º do referido diploma, o seguinte:
“1 - Entende-se por margem uma faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas.
2 - A margem das águas do mar, bem como a das águas navegáveis ou flutuáveis sujeitas à jurisdição dos órgãos locais da Direcção-Geral da Autoridade Marítima ou das autoridades portuárias, tem a largura de 50 m.
3 - A margem das restantes águas navegáveis ou flutuáveis, bem como das albufeiras públicas de serviço público, tem a largura de 30 m.
4 - A margem das águas não navegáveis nem flutuáveis, nomeadamente torrentes, barrancos e córregos de caudal descontínuo, tem a largura de 10 m.
5 - Quando tiver natureza de praia em extensão superior à estabelecida nos números anteriores, a margem estende-se até onde o terreno apresentar tal natureza.
6 - A largura da margem conta-se a partir da linha limite do leito. Se, porém, esta linha atingir arribas alcantiladas, a largura da margem é contada a partir da crista do alcantil. (…)”

Os equívocos do presente processo e procedimento terão pois resultado da circunstância do controvertido edifício titulado pela Recorrida se situar, pelo menos em parte, em local coincidente com uma margem, nos termos do referido artigo 11º da Lei nº 54/2005, ainda que a referida Lei, permita salvaguardar direitos adquiridos de particulares relativamente a parcelas de leitos e margens.

Efetivamente, refere o Artº 15º da referida Lei nº 54/2005, que:
“1 - Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, cabendo ao Ministério Público, quando esteja em causa a defesa de interesses coletivos públicos subjacentes à titularidade dos recursos dominiais, contestar as respetivas ações, agindo em nome próprio.
2 - Quem pretenda obter o reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis deve provar documentalmente que tais terrenos eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de Dezembro de 1864 ou, se se tratar de arribas alcantiladas, antes de 22 de Março de 1868. (…)”

A lei, independentemente das questões de constitucionalidade então suscitadas, é clara ao afirmar que o Recurso à via Judicial tem por objetivo o “reconhecimento da sua propriedade”, o que sem necessidade de particular desenvolvimento ou aprofundamento, significa, singelamente, que antes de declaração judicial não está reconhecida a propriedade do titular registado.

Terá sido pois em face do referido regime legal e do facto da ARH ter emitido Parecer desfavorável à intervenção urbanística da Recorrida, por alegadamente o edificado se integrar no domínio hídrico, que a Recorrida terá recorrido à via Judicial, o que veio a determinar o reconhecimento da sua legitimidade e titularidade face ao referido Prédio, em Abril de 2014, quando já havia ocorrido a derrocada.

Efetivamente, até ao referido reconhecimento judicial, de pouco servia à Recorrida a presunção de titularidade do referido prédio em decorrência do Registo Predial em seu nome, pois que estava impedida de no mesmo efetivar qualquer intervenção.

Na realidade, até ao referido reconhecimento judicial, foi prevalecendo aqueloutra presunção constante do diploma citado, de acordo com a qual o prédio se inseria no Domínio Hídrico Marítimo do Estado (Lei nº 54/2005).

Aqui chegados, uma vez que o reconhecimento judicial da titularidade do controvertido prédio por parte da Recorrida só ocorreu em Abril de 2014, o que a impedia de legitimamente proceder as qualquer intervenção no edificado que veio a sofrer uma derrocada, não poderá a mesma ser retroativamente responsabilizada pelo ocorrido.

Acresce, que as tentativas anteriores a 2014 da Recorrida para intervir no edificado, foram objeto de parecer negativo da ARH/APA e de indeferimento da CMP, por alegada falta de legitimidade.

Não é despiciente o facto já referido, da própria APA – Agência Portuguesa do Ambiente, ter em Julho de 2012, procedido ao lançamento de um procedimento concursal tendente à concessão, para exploração privada, do controvertido edificado, enquanto prédio pertencente ao Estado Português.

Assim, se fosse caso disso, a imputação dos custos decorrentes da derrocada sempre teriam de ser imputados ao Estado, uma vez que a titularidade privada de terreno situado em área abrangido pelo regime hídrico marítimo, sempre carecia obrigatoriamente de reconhecimento judicial, o qual só ocorreu em abril de 2014.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente
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Porto, 2 de julho de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Paulo Ferreira de Magalhães