Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00257/23.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL;
EXCEPÇÃO INVOCADA NA CONTESTAÇÃO OFICIOSAMENTE NOTIFICADA;
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO;
Sumário:
I – A resposta à contestação, prevista no artigo 113.º, n.º 2 ex vi artigo 211.º, n.º 1, ambos do CPPT, visa assegurar o exercício do contraditório relativamente às questões que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido.

II - A audição do oponente deve ser cumprida através da prolação de despacho do juiz, dispondo o oponente do prazo geral de 10 dias contado sobre a data dessa notificação, face ao disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPC.

III - O facto de a contestação ter sido oficiosamente notificada à oponente pela Unidade Orgânica não permite concluir que a mesma se tivesse por notificada para se pronunciar sobre a excepção invocada, pelo que tal notificação oficiosa não tornava inútil a prolação de despacho judicial a ordenar a notificação para que a mesma fosse ouvida, tal como prevê o artigo 113.º, n.º 2 do CPPT.

IV - Não tendo a Recorrente sido notificada para se pronunciar sobre a excepção invocada em sede de contestação, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes ao momento em que tal notificação deveria ter ocorrido e não ocorreu, a determinar a anulação da sentença recorrida.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

[SCom01...], Lda., contribuinte fiscal n.º ...61, com domicílio fiscal na Rua ..., ..., em ..., interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 13/06/2023, que extinguiu a instância desta oposição judicial, ao processo de execução fiscal n.º ...26, instaurado para cobrança de créditos da Segurança Social, referentes a Junho de 2013, no montante de € 10.810,80, por inutilidade superveniente da lide.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“a) A Oponente deduzir Oposição à Execução peticionando que, sic:
A) ser declarada suspensa a presente execução nos termos do art. 212º CPPT.
B) Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 219º, nº 3, 227º, nº 1 e 191º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, ser declarada a nulidade da citação.
C) Ser declarada a ilegalidade das penhoras bancárias feitas e o seu imediato cancelamento e comunicação às Instituições Bancárias respetivas.
D) Em qualquer dos casos, ser anulada uma penhora bancária por excesso de penhora, e ser a outra penhora convertida em caução para suspensão da presente execução,
E) Ser ainda anulada a nota de reposição e extinta a execução por inexistência de dívida que subjaz ao título executivo.
b) A oposição à execução tem fundamento nos termos do art. 204º, nº 1, d), h) e i) CPPT.
c) A oposição à execução foi admitida liminarmente (art. 209º CPPT).
d) A Exequente foi notificada e contestou nos termos do art. 210º CPPT e juntou todo o processo declarativo e executivo.
e) O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer alegando igualmente a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide uma vez que o processo executivo estava extinto pelo pagamento e que a pretensão da Oponente era a oposição à penhora.
f) De seguida foi proferida logo sentença pelo Meritíssimo Juiz a quo.
g) Ora, nos termos do art. 211º CPPT, não são admitidos mais articulados após a contestação da Exequente.
h) Nos termos do art. 3º, nº 4 Código Processo Civil, ex vi do art. 2º, e) CPPT, sic, “Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”
i) Assim, a Oponente não se remeteu ao silêncio, mas tão só aguardou o desenrolar do processo para exercer o seu direito ao contraditório e se pronunciar no lugar e momento próprio que a lei determina: na audiência prévia, ou não havendo, no início da audiência final.
j) Acresce ainda que na notificação da contestação à Oponente apenas refere que, sic, “Fica por este meio notificado, relativamente ao processo supra identificado da contestação apresentada”. Isto é, não é notificada a Oponente para responder às exceções logo de imediato ou que o deveria fazer antes da audiência prévia ou da audiência final como determina a lei.
k) Assim, não podia o Meritíssimo Juiz a quo ter proferido logo sentença como o fez, violando as normas legais do art. 3º, nºs 3 e 4 Código Processo Civil, mas antes deveria ter marcado audiência précia, ou dispensando-a, marcar a audiência final.
l) A inobservância pelo Tribunal do estipulado no art. 3º, nºs 3 e 4 Código Processo Civil é susceptível de influir no exame ou decisão da causa (Vide, entre outros, nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 572/11.4TBCND.C1, proferido em 13.11.2012).
m) Assim, está a sentença proferida ferida de nulidade, nulidade essa que aqui desde já se invoca para os devidos efeitos legais.
n) Contudo, e sem prescindir, jamais se poderia extinguir a presente instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, considerando-se que houve o pagamento da quantia exequenda no processo executivo que determinou a sua extinção.
o) Na verdade, e sem prejuízo do direito ao contraditório de que a Oponente não prescinde, analisada a oposição à execução da Oponente no seu todo, jamais se pode dar como provado e fundamentado na sentença que, sic, “presente oposição ficou sem objecto uma vez que a Oponente já viu satisfeita a sua pretensão, pelo que a solução do litígio deixou de ter interesse ou utilidade dado que o resultado visado já foi atingido por outro meio”.
p) É que, contrariamente ao afirmado pelo Ministério Público e pelo Meritíssimo Juiz a quo, não estamos perante uma oposição à penhora, mas uma oposição à execução com fundamento no art. 204º, nº 1, d), h) e i) CPPT, onde se alega falta de citação, inexistência da dívida e prescrição cuja procedência conduzirá à extinção do processo executivo e, consequentemente, a quaisquer penhoras feitas.
q) Ao que acresce ainda o fato de, contrariamente ao que a Exequente afirma e que o Ex.mo Magistrado do Ministério Público acompanha, não houve pagamento da quantia exequenda, mas sim penhora dos saldos bancários da Executada/Oponente, sem que sequer previamente tenha sido citada.
r) Assim, não se pode concluir que uma vez feita uma penhora dum saldo bancário no âmbito do processo executivo, tal equivale ao pagamento da quantia exequenda e se extinga a execução pelo pagamento, quando existe uma oposição à execução.
s) Entender-se como se julgou na sentença proferida, é subverter o direito à oposição à execução da Executada, impedindo o seu efeito útil, pelo fato da Executada ter sido penhorada na sua conta bancária e ter lá o montante suficiente para fazer face à quantia exequenda, juros e custas prováveis! Pergunta-se: uma vez conseguida a penhora no montante suficiente para fazer face à quantia exequenda, juros e custas prováveis deixa a Executada/Oponente fica precludido o direito da Executada/Oponente de deduzir oposição à execução? Qual o seu fundamento legal?
t) Acresce ainda que a sentença proferida é totalmente omissa relativamente ao pedido da Oponente quanto às faltas de citação e inexistência da dívida e prescrição peticionada na oposição à execução.
u) Assim, claro está que não se verifica qualquer inutilidade superveniente da lide, estando a sentença proferida ferida de nulidade nos termos do art. 668º, nº 1, alíneas b) e d) do Código Processo Civil.
v) E, consequentemente, deve a sentença proferida ser declarada nula e que os autos sejam remetidos ao Tribunal a quo para que aí se dê cumprimento ao princípio do contraditório e, após, se determine o prosseguimento dos autos conforme for entendido de direito. Assim decidindo, e com o douto suprimento, farão V. Ex.as, Venerandos Desembargadores, a costumada e inteira JUSTIÇA.”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do recurso, requerendo a notificação da Recorrente para, no prazo de 5 dias, nos termos do artigo 639.º, n.º 3 do CPC, vir apresentar conclusões sintetizadas das alegações de recurso.
Não foi dado seguimento a esta promoção da digníssima Magistrada do Ministério Público, uma vez que, apesar de reconhecermos que as conclusões apresentadas são mera reprodução das alegações do recurso, ainda assim, são facilmente apreensíveis, permitindo, sem qualquer dificuldade, identificar o objecto do recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se o processo enferma de nulidade processual ao extinguir-se a instância por impossibilidade superveniente da lide sem permitir, previamente, o exercício do contraditório e se a decisão recorrida incorre em nulidade, por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Estão explicitados na decisão recorrida os fundamentos de facto e de direito que se julgaram relevantes para a decisão proferida.
Contudo, para melhor compreensão, passamos a transcrever a decisão prolatada em primeira instância:
“[SCom01...], LDA.”, Contribuinte Fiscal nº ...61, com domicílio fiscal na Rua ..., em ..., deduziu a presente oposição ao Processo de Execução nº ...26, instaurado para cobrança de créditos da Segurança Social referentes a Junho de 2013, no montante de € 10.810,80, articulado que concluiu pelo pedido de extinção do processo de execução.
Entretanto, o Exequente deu conta do pagamento da quantia exequenda, em 28/4/2022, que comprovou documentalmente, e da correspondente extinção do processo de execução em 4/5/2022, e requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (sitaf 465).
A Oponente, notificada de tal articulado, remeteu-se ao silêncio (sitaf 474).
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pois “Como resulta do teor da contestação, bem como da informação prestada pelo “IGFSS” a págs. 62 do Sitaf, o processo de execução fiscal encontra-se extinto, pelo pagamento. Sendo finalidade da oposição à execução fiscal a sua extinção, afigura-se que estamos perante circunstância que torna inútil o prosseguimento da lide. Assim, nos termos do artigo 277º al. e) do CPCivil, aplicável por força do artº 2º al. e) do CPPT, somos de parecer que se declare extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide”. Subsidiariamente, pugnou pela improcedência da oposição uma vez que “tal como se infere do teor da petição inicial, a oponente pretende questionar a legalidade das penhoras efectuadas no âmbito do processo fiscal (penhoras de saldos bancários, melhor identificadas nos autos – cfr. informação págs. 62 do Sitaf)
Sucede que, como é pacífico jurisprudência «no processo de execução fiscal, a oposição à penhora é deduzida através da reclamação prevista nos arts. 276º e 278º do CPPT» - cfr. Acórdão do STA de 2010.2004, proc. 979/04.” (sitaf 477).
O pagamento efectuado torna inútil a prossecução e o conhecimento da lide posto que o pagamento da quantia exequenda implica a extinção do processo de execução, pretensão visada pela Oponente. Como refere Jorge Lopes de Sousa in “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado”, IV volume, págs. 244 e 245, “(…) a finalidade da oposição à execução fiscal é apurar se a execução deve ou não prosseguir contra o oponente e, no caso de não poder prosseguir, decidir se se deve suspender ou extinguir a execução. Com a extinção da execução fiscal, fica definitivamente assente que a execução não prossegue contra o oponente, pelo que está concretizado o objectivo da oposição”.
Destarte, a presente oposição ficou sem objecto uma vez que a Oponente já viu satisfeita a sua pretensão, pelo que a solução do litígio deixou de ter interesse ou utilidade dado que o resultado visado já foi atingido por outro meio.
Por outro lado, as demais questões suscitadas, respeitantes à legalidade das penhoras efectuadas, não podem ser apreciadas nos presentes autos pois, como acertadamente refere o Ministério Público, “«a nulidade da citação para a execução fiscal não serve de fundamento à respectiva oposição devendo ser arguida no processo executivo que prosseguirá depois de suprida a nulidade» (Acs. do STA de 28.02.2007, proc. 0803/04 e de 3.12.2008, proc. 0671/08). A arguição de nulidades, como a falta de citação ou de notificação deve ser invocada no próprio processo de execução, cabendo ao requerente submeter o requerimento de arguição de nulidades ao órgão de execução fiscal e, na eventualidade de indeferimento, então, haverá lugar o recurso à via judicial para apreciação desse concreto acto de indeferimento.”.
Assim sendo, em consonância com o disposto no artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, julga-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. (…)”

2. O Direito

Emerge das conclusões l) e m) das alegações do recurso que a inobservância pelo tribunal “quo” do estipulado no artigo 3.º, nºs 3 e 4 Código Processo Civil é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, pelo está a sentença recorrida ferida de nulidade, nulidade essa expressamente invocada para os devidos efeitos legais.
Cabe, assim, começar por analisar o vício de nulidade processual imputada à sentença recorrida, por violação do princípio do contraditório decorrente da falta de notificação da Recorrente para se pronunciar sobre a excepção invocada pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. (IGFSS, I.P.) na contestação apresentada.
Analisado todo o processamento prévio que subjaz à presente instância recursória, constata-se que a contestação apresentada pelo IGFSS, I.P. incorpora defesa por excepção e por impugnação.
Com efeito, excepcionando, defendeu o IGFSS, I.P. que «(…) Em virtude dos pagamentos referidos no ponto 2, a 2022-05-04, deu-se a extinção do Processo por Pagamento Voluntário, conforme print infra constante na base de dados do Sistema de Informação da Segurança Social. Ora, com a extinção da execução fiscal a presente ação fica carecida de objecto, o que conduz, inevitavelmente, à inviabilidade do prosseguimento destes autos. Nesta senda, não se justificando a manutenção da lide, deve a instância extinguir-se por impossibilidade superveniente, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. (…)» [cfr. artigos 3.º, 4.º e 5.º da contestação].
A questão suscitada pela Recorrente é a de saber se se impunha a prolação de despacho determinando-lhe a notificação para se pronunciar sobre a arguida excepção e, em caso afirmativo, que consequências podem daí resultar para a decisão de fundo a tomar no processo.
Advirta-se, entretanto, que a Recorrente parece confundir nulidades da sentença com nulidades processuais.
Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC, sendo que as mencionadas nas alíneas b) a e) desse inciso normativo só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário e, se o admitir, o recurso poderá ter como fundamento qualquer dessas nulidades (n.º 4 desse artigo 615º do CPC), possibilitando-se, no próprio recurso de apelação, a invocação acessória de alguma das nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º do CPC.
Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos artigos 186.º e seguintes do CPC.
Algumas dessas nulidades processuais - as principais, típicas ou nominadas - são especificamente reguladas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo que aquelas a que se reportam os artigos 186.º e 191.º do CPC só podem ser arguidas até à contestação ou neste articulado, enquanto que as previstas nos artigos 187.º e 194.º do CPC podem ser suscitadas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas.
Vejamos, então, a situação concreta.
Recebida a contestação, e sem que os autos tivessem sido conclusos ao Meritíssimo Juiz a quo, a competente Unidade Orgânica dirigiu, em 19/04/2023, ofício de notificação da contestação para o escritório do Ilustre Mandatário, através do qual deu conta do teor dessa contestação apresentada (fls. 465 do SITAF).
Em face da suscitada inutilidade superveniente da lide, o Meritíssimo Juiz a quo determinou que os autos fossem apresentados ao Ministério Público e, após a emissão do respectivo parecer, foi proferida de imediato a decisão de que ora se recorre, sem que facultasse à Recorrente a oportunidade para se pronunciar quanto à matéria de excepção.
É, perante esta dinâmica processual, que importa apurar se se impunha a prolação de despacho determinando a notificação da Recorrente para se pronunciar sobre a arguida excepção e, em caso afirmativo, que consequências podem daí resultar para a decisão de fundo a tomar no processo.
Preceitua o n.º 3 do artigo 3.º do CPC que «o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.»
Visa tal preceito o aprofundamento do exercício do direito do contraditório, enquanto princípio estruturante do processo civil, garantindo a discussão entre as partes, por forma a evitar as denominadas “decisões-surpresa”, quanto a decisão de questões de direito ou de facto sem que as partes tenham tido oportunidade de sobre elas se pronunciarem. (cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 379/381.4).
Ou, dito de uma outra forma, «O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo.» (cfr. José Lebre de Freitas, in “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto”, 1996, pág. 96, e in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 8).
No âmbito do processo tributário, e também por respeito ao princípio do contraditório, o n.º 2 do artigo 113.º do CPPT impõe que o impugnante seja ouvido se o representante da Fazenda Pública suscitar [na contestação] questão que obste ao conhecimento do pedido. Tal comando é igualmente aplicável ao processo de oposição, pois, embora se insira na secção IV do Capítulo II que regula o processo de impugnação, o mesmo é aplicável ao processo de oposição por força do disposto no artigo 211.º, n.º 1 do CPPT.
Destes normativos legais resulta, sem dúvida, a obrigatoriedade legal de notificação da contestação ao oponente - de forma a ser assegurado o princípio do contraditório - sempre que for suscitada questão que obste ao conhecimento do mérito da oposição.
No caso vertente, ficou, efectivamente, demonstrado que o Tribunal a quo não concedeu expressamente à Recorrente a oportunidade de intervir processualmente por forma a pronunciar-se sobre a excepção invocada pelo IGFSS, I.P., sendo para tal exigível a prolação de despacho com vista a que a mesma fosse ouvida.
Em apoio do que se vem de referir socorremo-nos do discurso fundamentador do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 26/06/2014, proferido no âmbito do processo n.º 05597/12, designadamente, do seguinte excerto que se transcreve:
«(…), entendemos que o facto de a contestação ter sido oficiosamente notificada não apaga a nulidade cometida traduzida na falta de expressa notificação dos impugnantes para se pronunciarem sobre a excepção invocada pela Fazenda, nem degrada os efeitos que tal omissão acarreta, designadamente os que decorrem da não observância do consagrado no artigo 3º, nº3 do CPC (…), quando aí se dispõe que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Note-se que a lei processual tributária não prevê qualquer articulado de resposta à contestação (réplica), apenas se prevendo a audição do impugnante para pronúncia sobre questões que obstem ao conhecimento do pedido, ou seja, sobre excepções dilatórias. Essa pronúncia, que como já dissemos, pressupõe que o impugnante seja notificado para tal, deve ter lugar no prazo geral de 10 dias a contar de tal notificação e não a contar da notificação da contestação (de resto, a notificação oficiosa da contestação, por parte da secretaria, não concede – nem poderia conceder - qualquer prazo para que o impugnante se pronuncie sobre qualquer questão). Ao juiz do processo tributário caberá identificar a invocação de excepção(ões) em sede de contestação e convidar o impugnante a sobre ela(s) se pronunciar. Tal não se verificou no caso sub judice.
O facto de a contestação ter sido oficiosamente notificada aos impugnantes não permite concluir que os mesmos se tivessem por notificados para se pronunciarem sobre a excepção invocada, pelo que tal notificação oficiosa não tornava inútil a prolação de despacho judicial a ordenar a notificação para que os mesmos fossem ouvidos, tal como prevê o artigo 113º, nº2 do CPPT.
Chamamos, aqui, à colação o acórdão do STA, de 25/11/09, proferido no processo nº 761/09, no qual, sobre o artigo 113º, nº 2 do CPPT, se considerou o seguinte:
“(…) Donde resulta que a resposta à contestação, prevista no CPPT, não se destina, ao contrário do que acontece com a réplica prevista no art.º 502.º do CPC, à defesa de todas as excepções (peremptórias e dilatórias) arguidas na contestação. Este preceito do CPPT regula apenas, e de forma expressa, o modo de assegurar o contraditório relativamente às questões que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido (excepções dilatórias – art.º 493.º, n.º 2 do CPC).
Por outras palavras, a resposta à contestação, prevista no art.º 113º, n.º 2 do CPPT, destina-se exclusivamente a assegurar o contraditório relativamente a questões que a Fazenda Pública tenha suscitado e que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido, viabilizando a defesa material do impugnante contra tais questões, em consonância, aliás, como o preceituado no n.º 3 do art.º 3.º do CPC.
E essa audição do impugnante deve ser cumprida através da prolação de despacho do juiz, dispondo o impugnante do prazo geral de 10 dias contado sobre a data dessa notificação, face ao disposto no art.º 153º, n.º 1 do CPC”. (sublinhado nosso)
Temos assim que concluir que não poderia deixar de ser concedida aos impugnantes a expressa oportunidade de intervir processualmente por forma a pronunciarem-se sobre a excepção invocada pela Fazenda Pública, sendo para tal exigível a prolação de despacho com vista a que os mesmos fossem ouvidos. Realce-se que, deste ponto de vista, a notificação para pronúncia que se exige, e que foi omitida, é relativa à excepção invocada pela Fazenda na contestação, não sendo legalmente imposta a notificação do parecer do MP que se pronuncia - aderindo - sobre essa mesma excepção (assim não seria, naturalmente, se a questão tivesse sido suscitada pelo MP ex novo, caso em que não apenas deveriam ser notificados os impugnantes, como a Fazenda Pública). (…)
Feito este esclarecimento, conclui-se, pois, que, não tendo os Recorrentes sido notificados para se pronunciarem sobre a excepção invocada em sede de contestação apresentada pela Fazenda Pública, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes ao momento em que tal notificação deveria ter ocorrido e não ocorreu, a determinar, naturalmente, a anulação da sentença recorrida – cfr. artigos 201º do CPC e 98º, nº 3, do CPPT.
Em concreto, tal significa a anulação de todo o processado posterior à remessa dos autos ao EMMP para emissão de parecer, já que, antes da prolação deste parecer, deve ter lugar a notificação que visa dar cumprimento ao disposto no artigo 113º, nº2 do CPPT e que aqui foi omitida
E, nesta linha argumentativa, que se acolhe, e sem necessidade de ulteriores considerações, perante a ocorrência da assinalada omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, impõe-se, ainda, acentuar que o processo não ilustra devidamente alguns aspectos essenciais, o que reforça a susceptibilidade de a decisão poder não ser a mesma após audição da oponente.
Com efeito, a decisão recorrida parece omitir a ponderação acerca da invocação na petição de oposição da questão da prescrição. Nesse contexto, importaria verificar se o pagamento terá sido espontâneo ou voluntário, pois, conforme se pode concluir do exame da sentença recorrida, a mesma não efectua a destrinça entre pagamento espontâneo e voluntário, somente o primeiro podendo constituir pressuposto do decretamento da impossibilidade superveniente da lide (recorde-se que uma das causas de pedir constantes do articulado inicial do presente processo consiste na prescrição da dívida exequenda - cfr. artigo 37.º da petição).
Por outro lado, em sede de oposição à execução fiscal, não pode julgar-se verificada a impossibilidade superveniente da lide em face do despacho de extinção da execução, sem que esteja demonstrado que o executado foi notificado desse despacho e contra ele não reagiu ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, visto que só então se pode considerar assente a decisão de extinção da execução fiscal - cfr. Acórdão do STA, de 20/06/2012, proferido no recurso n.º 537/12.
Não tendo a Recorrente sido notificada para se pronunciar sobre a excepção invocada em sede de contestação, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes ao momento em que tal notificação deveria ter ocorrido e não ocorreu, a determinar a anulação da sentença recorrida, nos termos do artigo 195.º, n.º 2 do CPC e artigo 98.º, n.º 3 do CPPT.
Ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso.
Pelo exposto, urge conceder provimento ao recurso, anular o processado a partir, inclusive, do despacho que determinou a apresentação dos autos ao Ministério Público para se pronunciar sobre a excepção invocada, incluindo a decisão recorrida, e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de a oponente ser notificada para, no prazo de 10 dias (artigo 149.º, n.º 1 do CPC), se pronunciar sobre a excepção invocada na contestação, nos termos do artigo 113.º, n.º 2 do CPPT, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Conclusões/Sumário

I – A resposta à contestação, prevista no artigo 113.º, n.º 2 ex vi artigo 211.º, n.º 1, ambos do CPPT, visa assegurar o exercício do contraditório relativamente às questões que sejam susceptíveis de obstar ao conhecimento do pedido.
II - A audição do oponente deve ser cumprida através da prolação de despacho do juiz, dispondo o oponente do prazo geral de 10 dias contado sobre a data dessa notificação, face ao disposto no artigo 149.º, n.º 1 do CPC.
III - O facto de a contestação ter sido oficiosamente notificada à oponente pela Unidade Orgânica não permite concluir que a mesma se tivesse por notificada para se pronunciar sobre a excepção invocada, pelo que tal notificação oficiosa não tornava inútil a prolação de despacho judicial a ordenar a notificação para que a mesma fosse ouvida, tal como prevê o artigo 113.º, n.º 2 do CPPT.
IV - Não tendo a Recorrente sido notificada para se pronunciar sobre a excepção invocada em sede de contestação, ocorreu no processo uma omissão susceptível de influir no exame e na decisão da causa, que tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes ao momento em que tal notificação deveria ter ocorrido e não ocorreu, a determinar a anulação da sentença recorrida.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular o processado a partir, inclusive, do despacho que determinou a apresentação dos autos ao Ministério Público para se pronunciar sobre a excepção invocada, incluindo a decisão recorrida, e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de a oponente ser notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a excepção invocada na contestação, nos termos do artigo 113.º, n.º 2 do CPPT, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

Custas a cargo do Recorrido, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 23 de Novembro de 2023

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
Cláudia Almeida