Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01222/22.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:INSTITUTO HABITAÇÃO REABILITAÇÃO URBANA. IP. ;
REGIME ARRENDAMENTO FIM SOCIAL - RENDA APOIADA E RENDA SOCIAL;
INTERESSE AGIR; AUTO TUTELA DECLARATIVA E EXECUTIVA;
Sumário:1 . Interesse em agir é uma excepção dilatória inominada insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento, da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu.

2 . O interesse em agir é também apelidado de “interesse de agir”, “interesse processual”, “causa legítima da acção”, “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir, ou necessidade de tutela jurídica.

3 . O interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no art.º 20.º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão.

4 . Nos casos em que a resolução e despejo tenham por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos e despesas, o legislador conferiu à Administração o poder de unilateralmente decidir/ordenar a resolução do contrato de arrendamento e o despejo, tal como de os executar, munindo-a, assim, sem sombra de dúvidas, de autênticos poderes de auto-tutela declarativa e auto-tutela executiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I RELATÓRIO
1. O INSTITUTO da HABITAÇÃO e da REABILITAÇÃO URBANA, I.P. (IHRU, IP.), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 6 de Junho de 2022, que, no âmbito da Acção Administrativa que instaurou contra AA, residente na Rua ..., ..., na qual peticionou a resolução do contrato de arrendamento, a entrega do imóvel e ainda a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas e vincendas acrescidas de juros de mora e, subsidiariamente, a condenação do mesmo no pagamento das rendas em atraso, acrescida de 30 % do valor em dívida, julgou verificada a excepção dilatória inominada da falta de interesse em agir e assim indeferiu liminarmente a petição inicial.
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2. Nas suas alegações recursivas, o A./Recorrente - IHRU - IP - formulou as seguintes conclusões:
A) Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja atual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo;
B) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do art.2º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Diretivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa;
C) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).
D) Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 d e19 de dezembro foram revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.
E) A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.
Mas ainda que não se concorde inteiramente com o alegado, sempre se terá como claro e inequívoco que:
F) Os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa;
G) Na verdade, o diploma em causa – Lei nº 81/2014 de 19/12 – salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.
H) Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.
I) Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de ação do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.
J) Ademais, como bem refere a Doutrina mais avisada, para que haja interesse em agir exige-se apenas uma necessidade de recorrer aos tribunais justificada, razoável e fundada. Não tem de se traduzir numa necessidade absoluta e/ou única para a realização da pretensão deduzida pelo senhorio (vide A. Varela in Manual de Processo Civil, pg. 179).
K) Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P”.
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3. Notificado da interposição da acção e do recurso – art.º 641.º, n.º7 do Cód. Proc. Civil -, o R./Recorrido AA não apresentou contestação/contra-alegações.
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4. A Digna Magistrada do M.º P.º neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, em douto e fundamentado Parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso, sendo que as partes, notificadas deste Parecer, nada disseram.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
A decisão recorrida, sem que, concretamente, fixe qualquer factualidade, tem o seguinte conteúdo:
Para estribar as suas pretensões, o Autor substancia, em suma, que, pese embora haja atribuído ao Réu, em regime de arrendamento para fins habitacionais, o imóvel sito no Bairro ..., Rua ..., ... ..., este não procedeu ao pagamento de um total de 93 rendas vencidas desde Maio de 2014 a Junho de 2022, no valor de EUR 389,67, o que, na sua perspectiva, lhe confere, além do mais, o direito a resolver tal contrato de arrendamento, nos termos dos artigos 1083.º do CC e do artigo 14.º da Lei n.º 06/2006, de 27 de Fevereiro.
(...)
Como é bom de ver, o que está em causa nos presentes autos é o alegado (in) cumprimento do contrato de arrendamento apoiado celebrado entre Autor e Réu, que se mostra vertido no documento n.º ... da petição inicial, por falta de pagamento de rendas vencidas por parte deste.
Tal contrato foi, como não poderia deixar de ser, submetido ao regime jurídico do então DL n.º 166/93, de 07 de Maio que, enfim, estabelecia o regime de renda apoiada no âmbito dos contratos de arrendamento social.
Esse DL n.º 166/93, de 07 de Maio foi revogado pela Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro. Contudo, a alínea a) do n.º 2 do artigo 39.º desta Lei é peremptória em determinar que, no plano transitório, tal Lei é aplicável a todos os “contratos existentes à data da sua entrada em vigor ao abrigo de regimes de arrendamento de fim social, nomeadamente de renda apoiada e de renda social”.
Daí que actualmente não sobrem quaisquer dúvidas de que aos contratos pendentes, como é o caso do dos presentes autos, se aplica, no que para aqui releva, o regime da Lei n.º 81/2014, de 19 de dezembro.
De igual forma, é inquestionável que o Autor se trata de uma pessoa colectiva pertencente à administração indirecta do Estado e que, portanto, se subsume à fattispecie prevista no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 81/2014, de 19 de Dezembro na redacção introduzida pela Lei n.º 32/2016, de 24 de Agosto.
Ora, neste campo, convém, desde logo, assinalar que o contrato de arrendamento apoiado se trata de um contrato administrativo, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º da citada Lei, cujo objecto é, no entanto, passível de acto administrativo, já que a atribuição do direito a uma habitação depende da prática de um acto administrativo que o formalize na sequência de concurso (artigos 5.º a 16.º-A) e defina o respectivo conteúdo (artigos 18.º a 24.º), ainda que dentro dos limites que se mostram consagrados pelo legislador, além do mais, na citada Lei (note-se, porém, que o Código dos Contratos Públicos, incluindo a sua substantiva Parte III, lhe é inaplicável em virtude do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º deste diploma).
Mas, para o efeito, o legislador, no artigo 28.º da citada Lei, não deixou qualquer dúvida no sentido de que, quando exista fundamento para a sua resolução e consequente despejo, cabe às entidades previstas no n.º 1 do artigo 2.º - como é o caso do IHRU, I.P. -, levar a cabo os procedimentos subsequentes, o que naturalmente passa pela emissão de um acto administrativo para efeitos do artigo 148.º do CPA e, sendo caso disso, da subsequente execução coerciva, em conformidade com o disposto nos artigos 175.º e seguintes do CPA.
A este título, o n.º 3 do artigo 28.º da citada Lei esclarece que, quando tal despejo tenha por fundamento a “falta de pagamento de rendas, encargos e despesas” (v.g. referentes à administração, conservação e fruição de partes comuns), a decisão de promoção da correspondente execução deve ser também tomada em simultâneo com a ordem de despejo.
Em face do que se acaba de descrever, não sobram dúvidas de que, tal como concluído no âmbito dos Acórdãos do TCA-Sul, de 18/06/2020, processo n.º 644/18.4BESNT e de 19/05/2022, processo n.º 689/18.4BESNT e, bem assim, do TCA-Norte, de 08.04.2022, processo n.º 2504/19.2BEPRT, nos casos em que a resolução e despejo tenham por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos e despesas, o legislador conferiu à Administração o poder de unilateralmente decidir/ordenar a resolução do contrato de arrendamento e o despejo, tal como de os executar, munindo-a, assim, sem sombra de dúvidas, de autênticos poderes de auto-tutela declarativa (artigo 148.º do CPA) e auto-tutela executiva (artigos 173.º a 183.º do CPA).
Neste campo, importa não olvidar que o interesse em agir se trata de um pressuposto processual pelo qual a parte justifica a carência da tutela judiciária, e que decorre da situação, objectivamente existente, de necessidade de protecção judicial do interesse (substantivo) do autor, visando-se evitar, por um lado, que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo para organizarem a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica, e por outro, sobrecarregar os tribunais com acções desnecessárias [cf. vejam-se, entre outros, MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pp. 79 a 86; ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, 1982, pp. 251 a 255; ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 179 a 189; VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa, 8ª ed., pp. 306 a 310; AROSO DE ALMEIDA, in O Novo Regime de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., pp. 59 a 61].
No entanto, em face do que expôs, não há como não concluir que, no caso concreto, o Autor carece de interesse em agir para peticionar, seja a declaração da resolução do contrato de arrendamento apoiado em questão, seja o pagamento das prestações pecuniárias que, nessa sequência, almeja obter, já que, como se viu, neste capítulo, o legislador o dotou dos necessários poderes jurídico-administrativos para definir unilateralmente a esfera jurídica do Réu.

2. MATÉRIA de DIREITO
No caso dos autos, delimitando o objecto do recurso, atentas, por um lado, as conclusões das alegações supra transcritas, por outro, a sentença recorrida, a única questão que importa elucidar reside apenas no alegado erro de julgamento/direito.
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Entendemos que não assiste razão ao Recorrente, em consonância com a posição da Digna Magistrada do M.º P.º, no seu douto Parecer que segue e remete para jurisprudência recente deste TCA, como veremos.
Na verdade, esta questão foi objecto de decisões recentes de tribunais superiores da jurisdição administrativa, seja deste TCA Norte, nomeadamente o Ac. de 27/5/2022, in Proc. 654/18.1BEBRG que, submetido a Recurso de Revista – art.º 150.º do CPTA – veio o STA, em doutra apreciação preliminar, de 3/11/2022, entender que, não se verificando os requisitos legalmente previstos, não havia razões para a reapreciação pelo STA, transitando, deste modo, em julgado a decisão do TCA Norte e com as quais concordamos, pelo que, à míngua de diversa e diferente discórdia do IHRU,IP, remetemos, data vénia, para a fundamentação propendida naquele aresto, donde resulta:
Atendendo, à alegada falta de interesse agir, sendo esta uma exceção dilatória inominada insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento, da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu, estribou-se o Tribunal a quo, no entendimento que o Apelante tem mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos, por força do DL 81/2014, de 19 de dezembro, alterado com a Lei 32/2016 de 24 de agosto.
Alicerçou-se, e bem, no Acórdão do TCA Sul de 18/6/2020, proferido no âmbito do processo nº 644/18.4BESNT.
Como aí se salienta, sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a mesma há de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.
Com relevo, transcrevem-se as citadas disposições legais pertinentes para o caso:
Artigo 17.º, n.º 3: “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”.
“Artigo 28.º Despejo
1 – Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.
2 – São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação.
3 – Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.
4 – (Revogado.)
5 – Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
6 – (...).
Artigo 28.º-A
Resolução alternativa de conflitos
As entidades locadoras podem recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da presente lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal sempre que não haja acordo entre as partes.”.
A que acresce ainda o artigo 35.º, n.º 3: “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º.”.
Do quadro legal descrito extrai-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo.
O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exatos termos em que a lei o definir.
No que se respeita ao despejo, estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao Autor levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências.
O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo de autotutela declarativa, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos.
A Administração dispõe do poder de determinar a resolução do contrato de arrendamento.
Por isso, se prevê no citado artigo 28.º, n.º 5 que quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
O senhorio tem a competência legal para decretar o despejo, assim como de fazer seus os bens móveis deixados na habitação, o que implica o reconhecimento legal não apenas da propriedade do imóvel, mas da posse do arrendado e, ainda, da propriedade dos bens móveis na mesma deixados que não sejam reclamados pelo inquilino.
Tal pressupõe que caiba à Administração o poder de determinar o despejo administrativo.
Acresce ainda em auxílio da interpretação expendida que, segundo o artigo 28.º-A do diploma em análise, o inquilino pode recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal, sempre que não haja acordo entre as partes.
Tal disposição traduz que apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato e do despejo ou da sua execução e a pretenda contestar, pode recorrer à via judicial ou recorrer aos meios de resolução alternativa de conflitos.
Deste modo, apenas quando não haja o acordo entre as partes existirá um litígio carente de resolução, a qual, por isso, não se atribui a sua resolução ao próprio órgão administrativo.
Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos.
Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente dirimido.
Como sentenciado, aplicando o aresto transcrito, com as necessárias adaptações, ao caso concreto, depreende-se que nos termos do artigo 28.º da Lei 32/2016 de 24.08, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, são da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos, no caso o Conselho Diretivo, as decisões relativas ao despejo. Quando a causa resolutiva seja a falta de pagamento de rendas, o n.º 3 do artigo 28.º, ainda estabelece que a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que não é o caso dos autos.
A única situação em que se verifica o uso à via judicial administrativa é quando o inquilino se oponha ou conteste a decisão administrativa de despejo.
Portanto, a Autora dispõe de meios de autotutela - declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura da presente ação, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no artigo 28.º da Lei n.º 32/2016 de 24.08.
À falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.
“O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, 1989, pág. 6.
Sobre o interesse em agir pronuncia-se Vieira de Andrade como sendo um pressuposto que exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido - em “A Justiça Administrativa”, 2017, 16ª ed., pág. 292 e seguintes.
O interesse em agir apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”.
Como se sumariou no Acórdão da RL de 19/01/2017, proc. 3583/16.0T8SNT.L1-2 “I - O interesse em agir é também apelidado de “interesse de agir”, “interesse processual”, “causa legítima da acção”, “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir, ou necessidade de tutela jurídica. “Como resulta de todas estas designações, consiste na necessidade de recorrer ao processo” (...).
Com efeito, o interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no artigo 20º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão.
Segundo o STJ - Acórdão de 09/5/2018, proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1 - “.....II) O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes; III) Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade;
Na situação vertente, reitera-se, à falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
Efectivamente não se evidencia qualquer meio contencioso pelo qual o inquilino haja impugnado qualquer acto, administrativo ou contratual.
A intervenção do Tribunal, em lugar do Ente Público tomar as decisões administrativas que lhe compete, no âmbito das suas atribuições e competência dos seus órgãos, e nos termos da lei, redundaria numa clara violação do princípio da separação de poderes”.
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Por sua vez, no aresto do STA, supra referido, em apreciação preliminar de admissão (ou não) da Revista – art.º 150.º do CPTA – consta dessa pronúncia decisória definitiva:
“(..) o Recorrente reafirma a sua alegacão de que não dispõe de meios de autotutela — declarativa e executiva — para proceder ao despejo.
No entanto, o Recorrente não é convincente.
Com efeito, nada contrapõe em concreto quanto a interpretação que as instancias fizeram, de forma convergente, do mecanismo previsto no art. 28º, nºs 1 e 2 da Lei nº 81/2014 de atribuição da competência da decisão de despejo, bem como dos procedimentos subsequentes por via administrativa.
Ora, no juízo sumário que aqui cabe fazer, o acórdão recorrido mostra-se coerente e fundamentado quanto a decisão de julgar procedente a excepcão de falta de interesse em agir, face a tal mecanismo previsto na Lei nº81/2014, tendo seguido jurisprudência do TCA Sul (ac. de 18.06.2020, proc. nº 644/1 8.4BESNT em matéria em tudo semelhante à dos presentes autos) bem como do STJ (ac.de 09.05.2018, proc. nº 673/13.4TTLSB.L1.S1) e na doutrina quanto ao entendimento sobre a figura do “interesse em agir”, afigurando-se acertado quanto ao decidido, sendo que os concretos fundamentos da solução a que chegou não são postos em causa na presente revista.
Assim, não se justifica a admissão da revista, não se vendo que seja necessária para uma melhor aplicação do direito”.
*
Importa, sem mais – por desnecessário -, em negação de provimento ao recurso, manter a decisão judicial do TAF do Porto.
III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
*
Custas pelo A./Recorrente.
*
Notifique-se.
DN.

Porto, 10 de Fevereiro de 2023


Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho