Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00234/17.9BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/28/2019
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO; ERRO NA FORMA DO PROCESSO; CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO; INTEMPESTIVIDADE COMO LIMITE À CONVOLAÇÃO PROCESSUAL;
PORTARIA QUE ESTABELECE OS MODELOS A QUE DEVEM OBEDECER OS ARTICULADOS DO CONTENCIOSO DOS PROCEDIMENTOS DE MASSA; ALÍNEA B) E D) DO Nº1 DO ARTº. 615º DO CPC; ARTIGO 99º DO CPTA.
Sumário:
I- A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia [art. 668º nº 1 d) do CPC], traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 607º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só ocorre quando o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.
II- Preceitua-se na al. b) do nº1 do artº. 615º do CPC que “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.
III- Porém, esse vício só ocorre quando houver falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação [de facto ou de direito em que assenta a decisão], e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada.
IV- O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal.
V- Não há lugar à convolação da ação administrativa na fórmula processual correta – ação administrativa urgente - sempre que se mostre ultrapassado o prazo de 1 mês previsto no artigo 99º, nº. 2 do C.P.T.A. para o exercício do direito de ação por parte do Autor, por esta intempestividade constituir um limite à convolação, sendo que, nesta situação, não tem lugar a aplicação do principio pro actione na lógica do convite ao aperfeiçoamento, porque se trata se matéria excetiva insuprível.
VI- Os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, com assento constitucional [artigos 20º e 268º nºs 3, 4 e 5, CRP], exigem que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos, e que o Estado, que tem o monopólio da administração da Justiça, forneça aos cidadãos, dela carentes, todos os meios necessários para a poderem efetivar, ou seja, para poderem obter a tutela pretendida.
VII- O que não impõem, nem o legislador ordinário nem o constitucional, é que a tutela jurisdicional efetiva tenha de ser feita a todo o custo, passando por cima das normas processuais, numa abertura da via judicial a todo o custo.
VIII- Sopesando ser sobejamente conhecido o ensino da mais clássica doutrina segundo o qual onde o legislador não achou oportuno distinguir não deverá o interprete da norma faze-lo, sob pena de correr o risco de lhe conferir um alcance que o redator da mesma não lhe quis conferir, contrariando, assim, o disposto no nº. 2 do artigo 9º do Código Civil, haverá de se entender que o legislador, no artigo 99º, nº. 2 do C.P.T.A., não exprimiu a vontade de admitir a possibilidade de se entender que a entrada em vigor do prazo de propositura ali previsto está condicionada à publicação de Portaria prevista no nº. 3 do mesmo preceito legal. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:ASPP
Recorrido 1:CHTMAD, E.P.E.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
ASPP, devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, [doravante T.A.F. de Mirandela], de 30.06.2018, proferido no âmbito da Ação Administrativa que intentou contra o CHTMAD, E.P.E. [CHTMAD], que julgou procedente a suscitada exceção de erro na forma de processo, e perante a inadmissibilidade da convolação dos presentes autos na forma processual adequada [contencioso dos procedimentos de massa], em virtude da caducidade do direito de ação, absolveu o Réu da presente instância.
Em alegações, o Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso:
(…)
A) Entendeu o Tribunal a quo concluir pelo erro na forma de processo e, bem assim, pela intempestividade da ação, em consequência do alegado erro na forma do processo;
B) Todavia, entre outras razões que irão ser apresentadas, o Tribunal a quo laborou em erro e, pior do que isso, a sua sentença é nula por omissão de pronúncia, como decorre do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 608° n° 2 e 615°, n° 1, alínea d), ambos do CPC, aplicáveis ex vi art. 1° do CPTA;
C) Com efeito, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
D) Por outro lado, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras;
E) Assim, deveria ter-se pronunciado quanto ao petitório, o que não fez, cm ostensivo erro de julgamento, por concluir a decisão em crise, pelo erro na forma de processo e, bem assim, pela intempestividade da acção, em consequência do alegado erro na forma do processo;
F) É, salvo o devido respeito, por demais clarividente que, nem ate 07 de Julho de 2017, nem agora passado mais de um ano, foi ainda publicada a Portaria a que alude o n° 3, do art. 99° do CPTA;
G) Mas, mesmo quanto a esta situação, vejamos que também aqui o Tribunal a quo se deixou levar pela versão do Réu ora Recorrido, sem analisar a fundo ou com o cuidado expectável, a questão que lhe foi submetida;
H) Ademais, a decisão em crise enferma ainda da nulidade prevista na alínea b), do n° 1 do art. 615° do CPC, porquanto concluiu pela intempestividade da acção, não sem antes referir que... “...Nada se suscitando relativamente à adequação da causa de pedir e do pedido ao meio processual correcto e para o qual se visa convolar, pois que é por demais evidente que estes se encontram perfeitamente adequados e alinhados com a natureza e finalidade da acção de contencioso dos procedimentos de massa (art.º 99º, n." 1 do CPTA), importa apreciar um requisito essencial que se prende com a tempestividade da apresentação da petição inicial, pois que a acção de contencioso dos procedimentos de massa está sujeita a prazo, sendo este diferente daquele que a lei determina para a propositura da acção administrativa... ”;
I) O que equivale a dizer que decidiu sobre um facto não demonstrado, nem provado, apenas remetendo para o documento número 4 junto com a P.I. (uma lista com nomes) que tal procedimento concursal contava com mais de 50 participantes, na medida em que não foram especificados factos (algo diferente de um documento) que eram absolutamente essenciais para se alcançar a conclusão de direito que o Tribunal a quo alcançou;
J) E, desta forma, a decisão em crise violou o disposto no art. 154°, n° 1 do CPC, o qual estatui que: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. ”;
K) Outrossim, determina o n° 3, do art. 607° do CPC que na sentença deve “o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final’’',
L) Pelo que, in casu, temos como decorrência do disposto na alínea b), do n° 1, do art. 615° do CPC que a decisão cm crise é nula por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que a deveriam ter justificado;
M) Acresce que, o aresto sob recurso errou ao considerar o erro na forma de processo e a intempestividade da acção, quer - como refere - por não ter sido usado o mecanismo previsto de “contencioso de procedimentos de massa”, quer por ter considerado que a acção teria de ser intentada no prazo de um mês, previsto no art. 99° do CPTA, pois tal prazo só se aplica a acções intentadas através de um modelo de “articulados” que ainda não foi (mesmo nesta data e mais de um ano após ter sido intentada a acção administrativa destes autos) sequer criado, pelo que não há justificação legal para julgar a presente acção extemporânea, tanto mais que foi cumprido o prazo geral previsto no art. 58° do CPTA;
N) É vasta a Doutrina, embora ainda recente a Jurisprudência nesta matéria, que considera que... “A Portaria prevista no n° 3, do art° 99° do CPTA configura um verdadeiro Regulamento de Execução destinado a concretizar os "articulados" desta nova forma processual de "procedimentos de massa" e a dar-lhe execução, pelo que, enquanto o seu Regulamento de execução não for publicado, nem tais "articulados" nem o seu "prazo" entrarão em vigor (v., neste sentido, ESTEVES DE OLIVEIRA, in "CPA Comentado", Vol. //, Almedina, pág. 38; FREITAS DO AMARAL, in 'Direito Administrativo”, 111, 1989, pág. 110; COUTINHO DE ABREU, in "Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade", Almedina, 1987, págs. 58 e 59);
O) Jurisprudencialmente, neste sentido, o Acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n° 184/17.9BEBRG (TCA Sul n° 15708/18), em que foi Relator o Sr. Juiz Desembargador Dr. António Paulo Esteves Aguiar de Vasconcelos;
P) Considera o Recorrente que com tal decisão, mal andou o Tribunal a quo, ao decidir que foi intempestiva a acção administrativa intentada e que existiu erro na forma do processo, porquanto os prazos de caducidade decorrentes do art. 99° do CPTA, ainda nem sequer estão em vigor, violando assim o princípio da legalidade e o próprio art.° 99° do CPTA, tanto mais que foi cumprido o prazo geral de 3 meses previsto no art. 58° do CPTA;
Q) Ainda, visto o caso sub judicio de outro prisma, o Tribunal a quo ao considerar já ser em Julho de 2017 aplicável o “prazo” de 1 mês para a interposição da impugnação do procedimento de massa, mas não o seu “articulado” que a tal “prazo” obedece, violou flagrante e frontalmente o direito à tutela jurisdicional efectiva (268° n° 4 da CRP) e o art. 58°, n° 1, al. b), do CPTA, pois reduziu a um terço o prazo geral fixado na lei para a impugnação de actos administrativos;
R) Ademais, foi o próprio legislador quem condicionou e ainda hoje condiciona, a entrada em vigor daquele “prazo” à publicação do respectivo modelo de “articulado”, pelo que a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo não tem qualquer estribo na letra, nem no espírito da lei;
S) Acresce que, a decisão em crise, ao negar-se a julgar o presente processo incorreu em erro de julgamento, tendo violado dessa forma o Princípio pro actione - segundo o qual as normas jurídicas devem ser interpretadas no sentido de se favorecer o acesso à justiça e não no sentido de impedir o acesso à mesma — o qual impunha que se interpretasse o art° 99° do CPTA no sentido de este impor o prazo de 1 mês apenas para a propositura de acções através de "articulados" ( a aprovar por Portaria) c já não através de petições iniciais comuns;
T) Igualmente, importa salientar que o aresto em recurso incorreu numa interpretação materialmente inconstitucional do art° 99° do CPTA por violação do direito fundamental de acesso à justiça consagrado no art. 268° da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de impor o prazo de caducidade de 1 mês cm acções de massa não interpostas pelos "articulados" (a aprovar por Portaria) mas sim por petição inicial normal, pois assim o administrado terá apenas o prazo de 1 mês para elaborar uma p.i. e decompor mais de 50 curricula, enquanto outro administrado que não num concurso de massa dispõe do prazo de 3 meses para decompor, por norma, um único curriculum;
U) Com efeito, o n° 3 do artigo 99° do CPTA refere expressamente que " O modelo a que devem obedecer os articulados é estabelecido por Portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça". Assim, os articulados a utilizar nesta nova forma processual terão, necessariamente que seguir um determinado modelo e esse modelo será definido por Portaria, o que significa que quando estivermos perante um procedimento de massa será esse, imperiosamente, o modelo de articulado a utilizar no prazo de um mês;
V) Resulta assim, que enquanto tal Portaria não for publicada, não existirá qualquer modelo de "articulado" a utilizar para interpor um procedimento de massa, pelo que forçosamente os referidos procedimentos terão que ser interpostos pela utilização de petições iniciais "normais";
W) Sendo forçoso concluir que a referida Portaria deverá ser considerada um Regulamento de Execução que, como tal, viabiliza a aplicação e execução da lei aos casos concretos (cfr. FREITAS DO AMARAL, in "DIREITO ADMINISTRATIVO", VOL. III, 1989, pág. 18), pelo que, enquanto não for publicada e não existirem quaisquer "articulados" regulamentados, necessariamente não se aplica o prazo de caducidade dos mesmos, sob pena de entrar em vigor o prazo, mas não a peça processual a que se aplica tal prazo. Por outras palavras, enquanto não for publicada a Portaria, os articulados obedecem aos critérios gerais dos artigos 78° e 83° do CPTA;
X) Razão pela qual, a decisão em crise, ao considerar intempestiva a presente acção por não ter sido interposta no prazo de um mês e não ter havido recurso “ao meio processual de contencioso de procedimentos em massa”, incorreu em erro de julgamento, pois tal prazo só se aplica a acções interpostas através de um modelo de articulados que não foi sequer criado, pelo que não havia motivos para julgar extemporânea a presente acção, tanto mais que foi cumprido o prazo geral previsto no artigo 58° do CPTA , face ao uso dos meios de impugnação administrativa ( cfr. artigos 193° e 198° do CPA);
Y) Ademais, a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, pro actione, e da obtenção da justiça material (arts. 20, n° 4 e 268, n° 5 da CRP ) e, com os quais se pretende que a justiça não seja denegada por meras opções de ordem processual;
Z) Por último, com a decisão ora em crise, o Tribunal a quo negou frontalmente o acesso à justiça ao aqui Recorrente, privando-o de ver a sua pretensão dirimida, sendo certo que o cumprimento do Princípio pro actione e da confiança das partes impunha que o Tribunal a quo atendesse à vontade do legislador e aguardasse pela publicação da Portaria — e criação de modelos de "articulados" — para então considerar extemporâneas todas as acções interpostas depois de um mês fixado para a apresentação de tais “articulados”, pelo que a decisão deverá ser revogada, só assim sendo de direito e da mais elementar Justiça!
Nestes termos, c nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser tido como totalmente procedente, e cm consequência ser:
a) Declarada nula a decisão recorrida, pelos sobreditos termos, e ordenada a sua baixa à primeira instância para o seu normal prosseguimento, quanto à matéria omitida na sua pronúncia e à subsequente tramitação como acção administrativa, só assim se fazendo a costumada Justiça!! (…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Recorrido apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
“(…)
1. O douto Despacho recorrido, que julgou "...verificada a excepção de erro na forma de processo e inadmissível a convolação dos presentes autos na forma processual adequada (contencioso dos procedimentos de massa), em virtude da caducidade do direito de acção e, consequentemente, absolveu ..." o Réu da instância, é totalmente irrepreensível, peio que o recurso proposto pelo Autor é totalmente improcedente.
2. O Autor sustenta o seu recurso em dois argumentos: i) num alegado erro de julgamento, resultante do facto de o prazo de um mês previsto no n.° 2 do artigo 99.° do CPTA só ser aplicável a partir da data em que se encontrar aprovada a Portaria prevista no n.° 3 daquele preceito; ii) numa alegada omissão de pronúncia.
3. Ora, qualquer dos referidos argumentos é totalmente improcedente.
4. Em primeiro lugar, não se consegue compreender a que título pode o Autor sustentar que o prazo estabelecido no n.° 2 do artigo 99.° está dependente da aprovação de uma portaria que se encontra prevista no n.° 3 do mesmo artigo e que tem um objecto totalmente diverso...
5. Com efeito, e como resulta expressa e inequivocamente do n.° 3 do artigo 99.° do CPTA, o objecto da Portaria ali referida é apenas a regulação do modelo dos articulados, pelo que só esta matéria será objecto da referida Portaria - e, consequentemente, nada legitima ou justifica a interpretação sustentada pelo Autor nas suas alegações...
6. O prazo de um mês previsto no n.° 2 do artigo 99.° do CPTA encontra-se, assim, em vigor desde que entrou em vigor a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 2 de Outubro, ou seja, 60 dias após a publicação daquele diploma (cfr. artigo 15.°, n.° 1), como expressa e inequivocamente estabeleceu o legislador.
7. Assim, é totalmente improcedente o erro de julgamento invocado pelo Autor.
8. Depois, e em segundo lugar, em momento nenhum o Autor concretiza qual a alegada omissão de pronúncia em que incorreu o douto Despacho recorrido...
9. Recorde-se, de resto, que devidamente confrontado com as excepções atempadamente suscitadas pelo Réu, o Autor optou por nem sequer se pronunciar, não se compreendendo por isso como pode agora vir suscitar uma alegada omissão de pronúncia - que nem sequer concretiza...
10. Assim, também a nulidade resultante de uma alegada omissão de pronúncia é totalmente insustentável.
TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO TOTALMENTE IMPROCEDENTE (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de sustentação, a negar a existência de qualquer nulidade da decisão recorrida.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) Nulidade de sentença, por omissão de pronúncia; (ii) Nulidade de sentença, por falta de especificação dos fundamentos de factos e de direito que justificam a decisão; e (iii) Erro de julgamento de direito, designadamente por violação do disposto no artigo 99º do C.P.T.A. e por ofensa dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, pro actione e da obtenção da justiça material.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos:
“(…)
1. Por aviso de abertura publicado no dia 07/02/2017, quer no sítio do CHTMAD, E.P.E. (CHTMAD) na internet quer no Jornal de Notícias, foi aberto procedimento concursal para a constituição de uma bolsa para reserva de recrutamento de enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado a termo certo ou incerto (cf. aviso de abertura que integra o processo administrativo apenso aos presentes autos);
2. Ao referido concurso foram apresentadas cerca de 1124 candidaturas, entre as quais a do A. ASPP (cf. documento n.° 01 junto aos autos com a contestação);
3. Em 07/03/2017 foi publicada a Acta n.° 2, na qual o Júri do procedimento propôs a admissão de cerca de 906 candidatos e a exclusão de cerca de 218, entre os quais o aqui A. (cf. documento n.° 01 junto aos autos com a contestação);
4. Em 09/03/2017 o A. apresentou, via correio electrónico, reclamação da proposta da sua exclusão do procedimento (cf. documento n.° 03 junto aos autos com a petição inicial);
5. Em 22/03/2017, por mensagem de correio electrónico enviada para o A., o Júri comunicou ao A. a decisão de indeferimento da reclamação, concluindo pela exclusão do A. do procedimento concursal (cf. comunicação que integra o processo administrativo);
6. Por requerimento apresentado em 08/05/2017, o A. interpôs recurso hierárquico da decisão do Júri, sobre a qual recaiu deliberação de indeferimento em 11/05/2017 (cf. documentos n.ºs 03 e 09 juntos aos autos com a petição inicial);
7. Por ofício com referência Doc. n.° 217/2017-CA, enviado por correio registado com aviso de recepção em 15/05/2017 e recepcionada pelo A. em 18/05/2017, foi o A. notificado da deliberação do Conselho de Administração do R. referida no ponto anterior (cf. documento n.° 08 junto aos autos com a petição inicial);
8. Em 17/05/2017 o A. apresentou, através de mensagem de correio electrónico, um requerimento consubstanciando um “aditamento ao recurso hierárquico de 5 de Maio de 2017”, juntando um documento (cf. documento n.° 15 junto aos autos com a petição inicial);
9. Por requerimento expedido por correio registado em 25/05/2017, o A. informou não ter sido notificado da fundamentação da decisão de indeferimento de 11/05/2017 (cf. documento n.° 16 junto aos autos com a petição inicial);
10. Por carta registada de 26/05/2017 o R. respondeu ao requerimento referido no ponto 10., informando que não tinha o dever legal de o decidir (cf. documentos que integram o processo administrativo apenso aos presentes autos);
11. Por ofício com referência Doc. n.° 256/2017-CA, datado de 30/05/2017, remetido por correio registado, o R., verificando que o ofício referido no ponto 9. não foi remetido ao A. com a fundamentação da deliberação comunicada e por forma a suprir tal deficiência, enviou ao A. certidão do extracto da Acta n.° 18/2017 da reunião do Conselho de Administração de 11/05/2017 e da informação/parecer do Serviço Jurídico datada de 10/05/2017 (cf. documento n.° 09 junto aos autos com a petição inicial);
12. Em 25/07/2017 foi homologada pelo Conselho de Administração do R. a lista de classificação final com 246 candidatos (cf. documentos de fls. 63 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
13. A petição inicial que deu origem aos presentes autos de acção administrativa foi apresentada em juízo, via correio electrónico, em 07/07/2017 (cf. documento de fls. 01 do SITAF).
(…)”
*
III.2 - DO DIREITO
Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
I- Da nulidade imputada à decisão recorrida, por omissão de pronúncia
O Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea d) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Sustenta, para tanto, brevitatis causae, que o Tribunal não se pronunciou questões que devia conhecer, mormente quanto ao alegado no petitório.
Quid iuris?
De acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”
A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.
O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.
Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT: cujo teor ora parcialmente se transcreve: “(…) “As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.
Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.
Munidos destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que o Tribunal a quo não deixou de conhecer de qualquer questão de que devesse conhecer.
Na verdade, o Autor, aqui Recorrente, pediu ao T.A.F. de Mirandela a condenação do Réu a reconhecer verificados e preenchidos todos os requisitos e condições de admissão ao concurso e, consequentemente, a readmiti-lo ao procedimento concursal visado nos autos, ou, caso assim não se entendesse, a declaração de nulidade do ato de exclusão de concurso e a condenação do Réu a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais e morais causados pela falta de reconhecimento da sua inscrição na Ordem dos Enfermeiros como membro efetivo.
Ora, tendo o Réu suscitado matéria excetiva, como seja, a caducidade do direito de ação concatenada com o erro na forma do processo, tinha o Tribunal a quo que conhecer desta defesa por exceção.
Se tinha que dela conhecer, e sabendo-se que a referida matéria excetiva, que se julgou verificada, obsta ao prosseguimento do processo, designadamente nos termos do disposto no artigo 89º, nº. 1, alínea k) do C.P.T.A., na versão anterior ao Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02.10, então não há qualquer omissão de pronúncia, uma vez que esta não se abrange as questões submetidas pelas partes, mormente quanto ao mérito da ação, cujo conhecimento resulte prejudicado pela solução dada a outras, como acontece no caso em apreço.
Concludentemente, a sentença recorrida não padece da assacada nulidade por omissão de pronúncia [fundada na violação dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e artigos 95.º e 71.º n.º 1 do CPTA], a qual improcede.
II- Da nulidade imputada à decisão recorrida, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão
Vem ainda o Recorrente a nulidade da sentença recorrida, desta feita, com fundamento na alínea b) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Defende, para tanto, no mais essencial, que não foram especificados os factos que eram absolutamente essenciais para se alcançar a conclusão de que “objeto confesso” dos autos prende-se com um contencioso dos procedimentos de massa, sendo-lhe, por isso, aplicável um prazo de propositura de ação diferente do que está previsto para a ação administrativa.
Não obstante as doutas alegações, falece-lhe, porém, razão.
Como é consabido, existem duas causas de nulidade da sentença com base em vícios de fundamentação.
A primeira, prevista na alínea b) do nº. 1 do artigo 615º do C.P.C., consiste na falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A segunda, prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 615º do C.P.C, consiste na oposição entre os factos fixados e a decisão, seja por inconcludência seja por radical antagonismo, mas sempre no sentido de que a decisão tomada seria incompatível com a fundamentação de facto relevada.
No caso versado, sendo insofismável que vem invocada a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, constitui convicção deste Tribunal que a sentença, objeto do presente recurso jurisdicional, não padece da arguida nulidade.
Na verdade, como se decidiu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 16.02.2018, tirado no processo nº. 00483/09.3BEPRT, consultável em www.dgsi.pt:” (…) É entendimento pacífico o de que apenas padece de nulidade por falta de fundamentação a decisão judicial que careça, em absoluto, de fundamentação de facto ou de direito; a simples deficiência, mediocridade ou erro de fundamentação afeta o valor doutrinal da decisão que, por isso, poderá ser revogada ou alterada, mas não produz nulidade (artigos 666º, n.º 3, e 668º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 1995; artigos 613º, n.º 3, e 615º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil de 2013; Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p. 140; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11.9.2007, recurso 059/07). Neste sentido se pronunciou também o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.01.2017, no processo 00371/16.7 AVR (…)”.
Como se viu supra, a arguição da nulidade em análise prende-se com a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que suportam a conclusão atingida pelo Tribunal a quo de estamos na presença de um contencioso dos procedimentos de massa.
Ora, neste particular conspecto, verifica-se que foi coligida a seguinte factualidade no probatório:
“(…)
1. Por aviso de abertura publicado no dia 07/02/2017, quer no sítio do CHTMAD, E.P.E. (CHTMAD) na internet quer no Jornal de Notícias, foi aberto procedimento concursal para a constituição de uma bolsa para reserva de recrutamento de enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado a termo certo ou incerto (cf. aviso de abertura que integra o processo administrativo apenso aos presentes autos);
2. Ao referido concurso foram apresentadas cerca de 1124 candidaturas, entre as quais a do A. ASPP (cf. documento n.° 01 junto aos autos com a contestação);
(…)”.
Mais se constata ter-se discorrido na sentença recorrida no domínio versado o seguinte:
“(…)
Analisada a petição inicial, verifica-se que o objecto dos presentes autos contende com a prática de acto administrativo no âmbito de um procedimento de recrutamento, organizado, aberto e lançado pelo CHTMAD, E.P.E., como melhor se alcança dos pedidos formulados pelo A., identificados nas alíneas a), b) e d) do petitório, assim como da causa de pedir por este erigida em esteio daquela sua pretensão, designadamente dos art.ºs I a XIX da petição inicial, no qual participam mais de 50 participantes [cf. documento n.° 04 junto aos autos com a petição inicial].
Alegando ter sido confrontado com a prática de um acto de exclusão do referido procedimento de recrutamento, vem pedir a condenação à prática do acto administrativo que considera devido e que o readmita naquele procedimento e, subsidiariamente, pede a sua anulação.
Acontece que, com a reforma do contencioso administrativo, recentemente operada pelo Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02 de Outubro, foi introduzida, no leque dos meios processuais urgentes, mais concretamente no art.° 99° do CPTA, uma nova acção administrativa aplicável ao contencioso dos procedimentos de massa, onde se integram, precisamente, os procedimentos de recrutamento com mais de 50 participantes — cf. art.° 99°, n.° 1, alínea c) do CPTA.
E define o n.° 2 daquele preceito que esta acção urgente, salvo disposição legal em contrário (que contemple prazo especial), deverá ser proposta no prazo de um mês, devendo ser intentada no Tribunal da sede da entidade demandada.
Como já se deixou referido supra, o presente litígio é relativo a um procedimento de recrutamento no qual participaram, manifestamente, mais de 50 candidatos, pelo que o meio processual adequado para o A. obter tutela para os interesses que visa proteger é a acção de contencioso dos actos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa prevista nos art.ºs 97°, n.° 1, alínea b) e 99° do CPTA e não a acção administrativa de impugnação de actos e condenação à prática de actos prevista no art.° 37°, n° 1, alíneas a) e b) do CPTA, tal como sucedeu in casu.
Ademais, importa referir que a acção de contencioso dos procedimentos de massa, tal como vem expressamente referida no corpo do n.° 1 do art.° 99° do CPTA, é dirigida única e exclusivamente aos actos administrativos praticados no âmbito desses procedimentos de massa, donde não cabe a formulação de pedidos de intimação, de prestação ou ainda a impugnação (ou condenação à prática de) normas.
Com efeito, este novo meio processual urgente vem conferir uma tutela urgente às diversas pretensões de invalidação de actos e de condenação à prática de actos devidos nos procedimentos que abrange, por forma a serem julgados com brevidade, de forma concentrada (uma vez que a apensação das diferentes acções propostas no âmbito do mesmo procedimento de massa e que reúnam os pressupostos de admissibilidade previstos para a coligação e a cumulação de pedidos é obrigatória — cf. art.° 99°, n.° 4 do CPTA), de forma a salvaguardar a tutela jurisdicional efectiva e a não comprometer o termo atempado dos procedimentos em causa.
Apelando à doutrina, refere ESPERANÇA MEALHA [in “Contencioso (urgente) dos procedimentos de massa”, Cadernos de Justiça Administrativa n.° 106, Julho/Agosto de 2014, pág. 80 ] que o contencioso dos procedimentos de massa vem apresentado pelo legislador com uma restrição do seu objecto, limitado “a um contencioso de atos administrativos (atos e omissões), concretamente: (i) pretensões de invalidação de atos (anulação, declaração de nulidade, de inexistência) e (ii) pretensões de condenação à prática de atos devidos”, limitação que se compreende pela previsibilidade de um elevado número de peticionantes (e de contrainteressados), cujas pretensões deverão ser agregadas num único processo, o qual tem carácter urgente” sendo “avisado — senão mesmo indispensável — restringir o objecto do processo ao seu núcleo essencial, aquele que, afinal, motiva e justifica a urgência e a aglomeração dos processos”.
Comungando da ideia de um contencioso de actos administrativos, pronunciam-se MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA [in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almeida, 2017, pp. 788 e 789 (anotação n.° 3 ao art.° 99°)], referindo que “o objecto do contencioso dos procedimentos de massa está circunscrito ao contencioso dos atos administrativos, englobando os pedidos de anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos e os pedidos de condenação à prática de ato administrativo. Parece ter-se pretendido excluir, deste modo, qualquer outro dos pedidos dedutíveis no âmbito da mesma relação jurídica, como sejam os pedidos de declaração de ilegalidade de normas conformadoras do procedimento ou os pedidos de reparação de danos resultantes da prática de atos ilícitos”.
Donde, a acção administrativa, forma processual pela qual correm actualmente os presentes autos, não é o meio processual adequado às pretensões de invalidação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido por si dirigidas contra o acto de exclusão praticado no procedimento de recrutamento em causa, impõe-se aferir da Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela possibilidade de convolação dos presentes autos de acção administrativa em contencioso dos procedimentos de massa.
(…)”
E mais adiante:
“(…)
Nada se suscitando relativamente à adequação da causa de pedir e do pedido ao meio processual correcto e para o qual se visa convolar, pois que é por demais evidente que estes se encontram perfeitamente adequados e alinhados com a natureza e finalidade da acção de contencioso dos procedimentos de massa (art.° 99°, n.° 1 do CPTA), importa apreciar um requisito essencial que se prende com a tempestividade da apresentação da petição inicial, pois que a acção de contencioso dos procedimentos de massa está sujeita a prazo, sendo este diferente daquele que a lei determina para a propositura da acção administrativa.
(…)”.
Em face do quadro fáctico e jurídico delineado no despacho saneador/sentença recorrido, e que se vem ora de transcrever, não podemos de modo algum concluir que a sentença seja [totalmente] omissa quanto aos fundamentos de facto e de direito em que assenta a conclusão de que estamos na presença de um contencioso dos procedimentos de massa, tal como previsto no artigo 99º do C.P.T.A.
Poderemos questionar-nos se a fundamentação é suficiente, correta e adequada em face das questões de facto e de direito envolvidas.
Mas saber se a fundamentação da sentença reúne estes requisitos não é matéria que se insira no vício de nulidade sentença por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.
Improcedem, portanto, as conclusões das alegações de recurso vertidas nas alíneas H) a L) .
III- Do imputado erro de julgamento de direito, designadamente por violação do disposto no artigo 99º do C.P.T.A. e por ofensa dos princípios da tutela jurisdicional efetiva, pro actione e da obtenção da justiça material.
Cumpre, agora, apreciar se o Tribunal a quo, ao julgar procedente a exceção de erro na forma de processo, e, nessa sequência, perante a impossibilidade de convolação do processo na fórmula processual correta decorrente da caducidade do direito de ação, consequentemente, determinar a absolvição do Réu da instância, incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação do direito.
Para facilidade de análise, convoquemos, no que ao direito concerne, o que discorreu na 1ª instância:
“(…)
Colhida e seleccionada a factualidade relevante, chega o momento de apreciar e decidir a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pelo R., desde logo para efeitos de aferir a possibilidade de convolação dos presentes autos em acção de contencioso dos procedimentos de massa.
Resulta do disposto no n.° 2 do art.° 99° do CPTA que, salvos os casos em que a lei disponha expressamente de forma diferente, o prazo de propositura das acções referentes ao contencioso dos procedimentos de massa é de um mês.
Tal disposição, além de afastar o regime geral em matéria de prazos previsto no art.° 58°, n.° 1 do CPTA, para a impugnação de actos administrativos, e no art.° 69° do mesmo Código, para a condenação à prática de acto devido, consagra um prazo único independentemente do vício que afecte o acto e da qualidade em que intervém o demandante.
Assim, o n.° 2 do art.° 99° do CPTA, ao fixar o prazo de um mês, sobrepõe-se a qualquer das regras do n.° 1 do art.° 58° do mesmo Código, não se podendo distinguir entre a impugnação de actos nulos ou de actos anuláveis — neste sentido, vd. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, Almedina, 2017, pp. 789 e 790.
Donde, resulta que o A. dispunha de um prazo de um mês para impugnar o acto que o excluiu do procedimento concursal em causa.
Vejamos se o fez em tempo.
Resulta do probatório [pontos 3., 4. e 5.] que em 07/03/2017 foi publicitada a Acta n.° 2 do Júri do concurso que, contendo a lista de candidatos excluídos, excluiu o A. daquele concurso, tendo este reclamado de tal decisão em 09/03/2017, o que foi indeferido em 22/03/2017.
Inconformado com tal decisão de indeferimento da sua reclamação, o A. recorreu hierarquicamente da mesma em 08/05/2017, tendo este seu recurso sido indeferido por deliberação do Conselho de Administração do R. de 11/05/2017, que lhe foi notificada, por carta registada com aviso de recepção, em 18/05/2017 [cf. pontos 6. e 7. do probatório].
Porém, uma vez que com aquela última notificação não havia seguido a fundamentação da deliberação de indeferimento do recurso hierárquico, o R., por ofício expedido em 30/05/2017 por correio registado, remeteu ao A. a fundamentação daquele acto [cf. ponto 11. do probatório].
Ora, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.° 59° do CPTA, em regra, os prazos de impugnação só começam a correr na data em que o acto publicado deva produzir efeitos, no caso de ter de ser publicado, ou na data da notificação, da publicação ou do conhecimento do acto ou da sua execução, consoante o que ocorra em primeiro lugar, quando o acto não tenha de ser publicado.
Porém, a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar (art.° 59°, n.° 4 do CPTA).
No caso em apreço, o facto de o A. ter interposto recurso hierárquico fez interromper o decurso do prazo de impugnação contenciosa do acto que o excluiu do procedimento concursal e que se havia iniciado com a sua notificação ao A..
Tal prazo (re)iniciou, assim, a sua contagem com a notificação ao A. da decisão do R. que recaiu sobre aquele recurso hierárquico.
Acontece que, tal notificação — tal como reconheceu o próprio R. no procedimento administrativo [cf. ponto 11. do probatório] — tendo dado a conhecer ao A. o sentido da decisão, indicando o autor da decisão e a data em que foi proferida, não comunicou ao A. a fundamentação da mesma, o que obrigou o A. a requerer ao R. a passagem de certidão contendo a indicação em falta, in casu a fundamentação em que se estribou a decisão de indeferimento que recaiu sobre o seu recurso hierárquico (art.° 60°, n.ºs 1 e 2 do CPTA). Circunstância que, de igual forma, interrompeu o prazo de impugnação até à notificação ao A. daquela fundamentação (art.° 60°, n.° 3 do CPTA).
Todavia, emerge da factualidade assente que a fundamentação foi comunicada ao A. por ofício expedido por correio registado em 30/05/2017, presumindo-se este notificado da mesma em 02/06/2017 (terceiro dia útil posterior ao do registo), nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 113° do CPA.
Conclui-se, assim, que o A. foi notificado em 02/06/2017 da fundamentação do acto que indeferiu o seu recurso hierárquico, iniciando-se no dia imediatamente seguinte (03/06/2017) o prazo de impugnação judicial da decisão que o excluiu do procedimento concursal.
Destarte, sendo de um mês o prazo de impugnação contenciosa daquele acto, por força do já referido art.° 99°, n.° 2 do CPTA, e configurando-se este como um prazo substantivo que se conta nos termos do art.° 279° do Código Civil (CC), o prazo de propositura da acção de contencioso dos procedimentos de massa terminou no dia 03/07/2017 [cf. alínea c) do art.° 279° do CC].
Refira-se que, por se tratar de um prazo de natureza substantiva, está afastada a possibilidade de aplicação do regime especial de prática de acto num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo a que se refere o art.° 139°, n.° 5 do CPC — neste sentido, vd. Acórdãos do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23/06/1992 (proc. n.° 27094) e de 22/03/1994 (proc. n.° 33401), os quais ainda hoje se mantêm actuais, mas também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16/02/2006 (proc. n.° 00229/05.5BEMDL).
Por conseguinte, tendo a petição inicial que deu origem aos presentes autos sido apresentada em juízo no dia 07/07/2017 [cf. ponto 13. do probatório], nessa data havia já caducado o direito de acção do A..
Assim, devendo ter sido instaurada acção de contencioso dos procedimentos de massa e não a acção administrativa e encontrando-se esgotado o prazo de instauração de acção de contencioso dos procedimentos de massa à data da apresentação da petição inicial que deu origem aos presentes autos, mostra-se impossível a convolação dos mesmos nesta forma processual por se mostrar caducado o direito de acção do A..
Em face do exposto, julgo verificada a excepção de erro na forma de processo e inadmissível a convolação dos presentes autos na forma processual adequada (contencioso dos procedimentos de massa), em virtude da caducidade do direito de acção e, consequentemente, absolvo o R. CHTMAD, E.P.E. da presente instância.
(…)”.
Adiante-se, desde já, que o assim decidido é de manter.
O erro na forma de processo constitui nulidade processual de conhecimento oficioso [cfr. artigos 193.º, 196.º e 200.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA], e consiste no uso, pelo Autor, de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão [vide Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, págs. 400 e 401].
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal.
O pedido é o efeito jurídico que se pretende obter, ou seja, a finalidade, o resultado que se quer alcançar.
Ora, escrutinando o pedido e causa de pedir aventadas pelo Autor, aqui Recorrente, desde já se avança que, efetivamente, vislumbra-se a ocorrência de erro na forma do processo.
Na verdade, e como se referiu supra, por intermédio da ação em juízo, o Autor, aqui Recorrente, veio peticionar a condenação do Réu a reconhecer verificados e preenchidos todos os requisitos e condições de admissão ao concurso e, consequentemente, a readmiti-lo ao procedimento concursal visado nos autos, ou, caso assim não se entenda, a declaração de nulidade do ato de exclusão de concurso e a condenação do Réu a pagar-lhe uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelos danos patrimoniais e morais causados pela falta de reconhecimento da sua inscrição na Ordem dos Enfermeiros como membro efetivo.
Ora, conforme emerge grandemente do disposto no artigo 99º do C.P.T.A., o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios: a) Concursos de pessoal; b) Procedimentos de realização de provas; c) Procedimentos de recrutamento.
Assim, estando em causa um procedimento concursal para a constituição de uma bolsa para reserva de recrutamento de enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado a termo certo ou incerto, ao qual foram apresentadas cerca de 1124 candidaturas, entre as quais a do A. ASPP [cf. pontos 1 e 2 do probatório coligido nos autos], assoma evidente que estamos na presença de um contencioso de procedimentos de massa.
Desta feita, sendo aplicável ao contencioso de procedimentos de massa a fórmula processual prevista no artigo 97º do CPTA, ou seja, a ação administrativa urgente, impera concluir que o presente meio processual - ação administrativa - apresenta-se como a forma de processo incorreta, ponderando o estatuído nos preceitos legais que se vem de referir.
Em concomitância, saliente-se que não há lugar a convolação dos autos na fórmula processual correta – ação administrativa urgente -, porque os autos mostram-nos [cfr. pontos 1 a 11 do probatório coligido] que se mostra largamente ultrapassado o prazo de um mês previsto no artigo 99º, nº. 2 do CPTA para o exercício do direito de ação por parte do Recorrente, constituindo esta intempestividade um limite à convolação.
E nestas situações, não tem lugar à aplicação do principio pro actione na lógica do convite ao aperfeiçoamento, porque se trata se matéria excetiva insuprível.
Efetivamente, e como se sumariou no acórdão deste T.C.A.N. nº 02969/14.9BEBRG, de 14.07.2017:
“(…)
O poder inquisitório do juiz, aconselhará a que se adote uma interpretação que não possa vir a penalizar o Autor em decorrência de um lapso do seu mandatário, viabilizando-se que o “dever” de boa gestão processual, permita o aperfeiçoamento da Petição, quanto à identificação da entidade demandada, em homenagem ao princípio “Pro Actione, adotando-se assim “mecanismos de simplificação e agilização processual”, com vista a, em “prazo razoável”, o tribunal decidir da “justa composição do litígio”, por forma a que o Autor não possa ficar sem tutela.
O convite ao aperfeiçoamento só não será admissível, havendo lugar a decisão de absolvição da instância, quando estejamos em presença da exceção dilatória insuprível que não consinta a renovação da instância [v.g., a inimpugnabilidade do ato, a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito de ação, a litispendência, o caso julgado] (…)”
Sendo assim, não se descortina, quanto ao aspeto ora tratado, quaisquer razões legais sustentáveis para sustentar a invocada violação do princípio pro actione.
Refira-se ainda que o decidido pelo Tribunal a quo recorrido em nada contende com os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva.
É que estes princípios não se traduzem numa abertura da via judicial a todo o custo.
Tais princípios, com assento constitucional [artigos 20º e 268º nºs 3, 4 e 5, CRP], exigem que a todos esteja aberta a via judicial, para defender as pretensões legítimas e ver reconhecidos os seus direitos, e que o Estado, que tem o monopólio da administração da Justiça, forneça aos cidadãos, dela carentes, todos os meios necessários para a poderem efetivar, ou seja, para poderem obter a tutela pretendida.
O que não impõem, nem o legislador ordinário nem o constitucional, é que a tutela jurisdicional efetiva tenha de ser feita a todo o custo, passando por cima das normas processuais.
Aliás, se as criou, se existem, é para serem respeitadas, sem que isso signifique coartar aqueles princípios, uma vez que o acesso ao direito e a tutela efetiva está assegurada dentro dos limites da legalidade, e não apesar deles.
Verificando-se que o julgamento de direito em torno da suscitada questão prévia de erro na forma de processo se encontra bem realizada na sentença recorrida, e tendo em conta quanto acaba de ser dito, há que considerar que o ali decidido em nada contende com o princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 2.º do CPTA e na Constituição da República Portuguesa.
Derradeiramente, saliente-se que não tem razão o Recorrente quando pugna que o prazo para a propositura da ação, regulado no n.° 2 do artigo 99.° do CPTA, tem a sua vigência dependente da aprovação da Portaria mencionada no n.° 3 do mesmo artigo, pois esta solução não ter qualquer proximidade com a letra da lei.
Efetivamente, sopesando ser sobejamente conhecido o ensino da mais clássica doutrina segundo o qual onde o legislador não achou oportuno distinguir não deverá o interprete da norma fazê-lo, sob pena de correr o risco de lhe conferir um alcance que o redator da mesma não lhe quis conferir, contrariando, assim, o disposto no nº. 2 do artigo 9º do Código Civil, haverá de se entender que o legislador, no artigo 99º, nº. 2 do C.P.T.A., não exprimiu a vontade de admitir a possibilidade de se entender que a entrada em vigor do prazo de propositura ali previsto está condicionada à publicação de tal Portaria.
De facto, a Portaria ali mencionada apenas tem que ver com os modelos a que devem obedecer os articulados, sendo que, enquanto a mesma não for publicada, os mesmos obedecem aos critérios gerais dos artigos 78.° e 83.º do CPTA.
Neste sentido, veja-se Mário Aroso de Almeida/Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina 2017, anotação ao art° 99, p. 792 : “Segundo o n.° 3, é estabelecido por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça o modelo a que devem obedecer os articulados. Essa é igualmente uma medida de simplificação processual que se destina a padronizar a elaboração das peças processuais, permitindo facilitar a identificação dos processos que incidam sobre a mesma temática e melhor apreender os aspetos centrais que interessa analisar. E justifica-se na medida em que, podendo estar em causa múltiplas ações propostas separadamente, importa identificar as ações que tenham por objeto o mesmo ato e suscitem questões de idêntica natureza. Enquanto não for publicada a portaria, os articulados obedecem aos critérios gerais dos artigos 78.° e 83.°”
Nesta esteira, é de manifesta evidência que falha logo a invocada tese de “(…) que a interpretação sufragada pelo Tribunal a quo não tem qualquer estribo na letra, nem no espírito da lei (…)”.
O que serve para concluir que a sentença recorrida não merece qualquer censura no que concerne ao seu julgamento de direito.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se a sentença recorrida.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* * *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em negar provimento ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
Porto, 28 de junho de 2019
Ass. Ricardo de Oliveira e Sousa
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco