Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00236/12.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/11/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:FATURAS FALSAS; ÓNUS PROBATÓRIO A CARGO DA AT; DEVER DE INQUISITÓRIO;
Sumário:I – Quando a administração tributária desconsidera as faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.° da Lei Geral Tributária, competindo à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da fatura não corresponde à realidade.

II - Se os indícios colhidos pela AT em sede inspetiva apenas dizem respeito ao emitente das faturas sem que nada tenha sido apurado em relação ao Recorrente e se, no procedimento de inspeção, foi rejeitada a diligência de inquirição de testemunhas, identificados como pessoas que trabalharam para a sociedade emitente das faturas, e como tal referidas por uma das testemunhas inquiridas nos autos, é de concluir que os indícios colhidos pela AT não são suficientes para sustentar a liquidação impugnada.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:F.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

1.1. F., devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 28.07.2017, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por ela apresentada contra a liquidação de IRS do ano de 2008, na parte relativa às despesas de conservação declaradas no cômputo do rendimento líquido da categoria F, não aceites pela AT.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:

«A. A. A douta Sentença sob recurso, julgou improcedente a presente impugnação, mantendo a liquidação de IRS do ano de 2008.
B. A liquidação de IRS impugnada nos autos, resulta de uma acção de inspecção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária, ao sujeito passivo F., impugnante, com vista a comprovar as despesas de conservação declaradas no cômputo do rendimento líquido da categoria F – Rendimentos Prediais.
C. Os rendimentos da categoria F, declarados pela impugnante, correspondem a 62,5% dado tratar-se de imóveis em regime de compropriedade.
D. Foram apresentadas á Autoridade Tributaria e Aduaneira, despesas de conservação tituladas pelas facturas n.ºs 80065, 80066, 80123, 80130 e 80139 emitidas pela sociedade D., Ida NIPC (...).
E. As despesas foram pela ATA desconsideradas por falta de credibilidade.
F. O Recorrente disponibilizou á ATA os meios de pagamento, cheques, emitidos à ordem da D. e que por aquela empresa foram depositados.
G. O recorrente dispôs-se a facultar o acesso ao local das obras para a inspecção tributaria verificar da sua execução e arrolou como testemunhas os operários que executaram as obras.
H. A Administração Tributaria e Aduaneira, por intermédio do serviço de fiscalização, recusou a inquirição das testemunhas arroladas em manifesta violação do princípio do inquisitório, consignado pelo artigo no artigo 58.º da LGT, violando assim os princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade consignado no art.º 266.º da C.R.P.
I. A recorrente cumpriu com o princípio da colaboração conforme disposto no consignado no artigo 59.º da L.G.T.
J. A recorrente impugnou judicialmente a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2008, juntando como prova facturas, cheques e arrolando testemunhas.
K. O Tribunal “A Quo” deu por provadas a emissão das facturas 80065 no valor de €14.120,70, factura n.º 80066, no valor de €64.977,00, factura n.º 80123, no valor de 24.391,18, fada n.º 80130 no valor de € 25.410,00, factura n.º 80139 no valor de € 10769,00 todas emitidas a favor do impugnante.
L. Deu o Tribunal “A Quo” por provada a emissão do cheque n.º 2836639784, válido até 11.06.2007, no valor de €24.391,18, a emissão do cheque n.º 8443416187, no valor de €14.120,70, a emissão do cheque n.º 8443416188, no valor de €64.977,00, a emissão do cheque n.º 9136639777, no valor de €25.410,00, a emissão do cheque n.º 8236639778, no valor de €10.769,00, todos a favor da D..
M. O Tribunal “A Quo” deu por provado que no cumprimento da Ordem de Serviço nº 01200200904393 e 01200904395 os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto desencadearam procedimento inspectivo a F., visando o IRS dos anos de 2007 e 2008.
N. O Tribunal “A Quo” deu por provado que em 5.12.2011 foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2011 5005147155 do ano de 2008 em nome de F. no montante de €42.411,92.
O. O Tribunal na sentença proferida e na sua apreciação não considerou a existente da violação do princípio do contraditório.
P. O impugnante havia colaborado com a ATA nos termos do artigo 59.º da LGT.
Q. A ATA ao não ter ouvido as testemunhas indicadas, de forma culposa, tornou impossível, perante si, a prova do onerado, violando assim as normas jurídicas consignadas nos artigos 58º, 59.º ambas da LGT e 266.º da CRP, nomeadamente os princípios do inquisitório, da colaboração das partes, da justiça e da imparcialidade.
R. O Tribunal perante a factualidade constante nos autos e processo apenso, na sua decisão viola o disposto no n.º 2 do artigo 344.º do C.C., inversão do ónus da prova.
S. O Tribunal erra, quando na sentença, considera que com os elementos recolhidos pelo SIT, o impugnante deixou de contar com a presunção de veracidade da sua declaração, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.
T. Foram assim violadas as disposições legais contidas no artigo n.º 266.º da CRP, artigos 58.º 59.º n.º 3 d), 75.º n.º 1 todos da LGT e art.º 74 nº 1 e n.º 3 em conjunção com o artigo 344 n.º 2 do C.C.
U. Da interpretação das normas violadas deveria o Tribunal ter dado procedência por provada à impugnação e por via disto ordenado a anulação da liquidação adicional do imposto IRS.
Sem prescindir
V. Da factualidade dada por provada encontra-se a emissão das facturas constantes dos autos bem com a emissão dos cheques para pagamento, o procedimento inspectivo e a liquidação adicional.
W. As testemunhas depuseram de forma livre, espontânea e esclarecida demonstrando terem conhecimento da factualidade em causa.
X. A testemunha L. declarou que as obras constantes das facturas foram feitas e pagas.
Y. A Testemunha P. declarou ter estado nas obras, acompanhado de 3 colegas, que identificou, mencionando os trabalhos que naquelas obras efectuou e indicando conhecer a sede da sociedade D..
Z. A razão de ciência de urna testemunha, afere-se tomando em conta o tempo decorrido, o grau de conhecimento que detém sob os factos, se realmente esteve presente, conhece, viu, ouviu, interveio.
AA. Deve o Tribunal atender no que refere à agilidade da resposta, ao grau académico muito baixo ou inexistente que algumas testemunhas possuem e que leva a respostas menos desenvoltas.
BB. Da conjunção dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos prestados, deveria na sentença o tribunal ter dado por provada a execução das obras constantes das facturas.
CC. A não consideração dos documentos juntos aos autos com a não consideração dos depoimentos das testemunhas arroladas, levou a que factos concretos, execução das obras, pagamento das facturas fossem incorrectamente julgados, conforme al a) n.º 1 art.º 640.º do CPC.
DD. Os depoimentos gravados das testemunhas e constantes da motivação conforme al. b) do n.º 1 do art.º 640.º do C.P.C., reflectem a razão de ciência das testemunhas, e impunha, decisão diversa sob os pontos de facto impugnados, execução das obras e o pagamento das facturas.
EE. Consequentemente, atendendo aos depoimentos das testemunhas L. no ficheiro áudio CP_0310143609558_01.wma com o tempo de áudio 01:11.03, e aos 00,07,01 e ao depoimento da Testemunha P. no ficheiro áudio, CP 0310143609558 01.wma, com o tempo áudio 01:11:03 e aos 00.43.36, 0044.05, 00.44,07 e 00.44.14 nos termos da al. c) n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., impunha-se decisão diversa, pelo que deveria ter o tribunal dado por provado a execução das obras constantes das facturas juntas aos autos e pagamento dos cheques emitidos ao fornecedor D..
A sentença proferida, porque cumprido o ónus que incumbe ao impugnante, foi em sede de julgamento violado o artigo 74.º da LGT e 342 n.º 2 e n.º 3 do CC e artigo 100 n.º 1 do C.P.P.T.

Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via disso revogando-se a sentença, e consequentemente ordenando-se a anulação da liquidação adicional em sede de IRS.»
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1.3. A Recorrida Fazenda Pública não presentou contra-alegações.
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1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 184 a 191, concluindo que o recurso não merece provimento.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente e não havendo questões de conhecimento oficioso de que importe conhecer, cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto, por errada valoração da prova testemunhal produzida, e de direito, designadamente por não considerar cumprido o ónus probatório a cargo do ora Recorrente.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

3.1.1. A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. D. emitiu em 17.03.2008 em nome de F. a factura n.º 80065, de onde decorre o seguinte: “(...) Obra: Rua (...). Preparar paredes para pintura Serviço de pintura geral em paredes tectos e madeiras Substituição de autoclismo das casas de banho Serviço de pichelaria Colocação de móveis de cozinha com respectiva banca de lavar louça Substituição de cabos, disjuntores e tomadas fichas em todo o andar Substituição de cilindro de água (...)” no valor de €14.120,70 – cfr. fls. 29 do processo administrativo (PA) junto aos autos.
2. D. emitiu em 30.03.2008 em nome de F. a factura n.º 80066, de onde decorre o seguinte: “(...) Data Venc.: 30.03.2008 Cond. Pag: Pronto Pagamento Obra: Rua (…) retirar todo o azulejo existente Picar toda a parede e endireitar a mesma para colocação de novo azuleja Colocação de azulejo até altura de um metro e meio aproximadamente em todas as paredes envolventes do prédio Retirar tijoleira na zona das lavagens e preparar chão para colocação de tijoleira Anti derrapante no chão das lavagens Tapar rachadelas nas paredes e arear as mesmas Pintar todas as paredes interiores até ao tecto Raspar tectos e pintar os mesmos assim como todas as madeiras existentes Pintar portões de chapa e ferro por dentro e por fora a cor cinzento serviço pintura geral em paredes Tectos e madeiras Substituição de autoclismo WC Serviço de pichelaria Substituição de disjuntores e tomadas e fichas em todo o prédio (...)” no valor de €64.977,00 – cfr. fls. 30 e 31 do PA junto aos autos.
3. D. emitiu em 30.05.2008 em nome de F. a factura n.º 80123, de onde decorre o seguinte: “(...) Obra: Rua (...) reparação de humidade existente; Retirar azulejos, Picar paredes, substituir tubos de água arear e colocação novamente de azulejos; Serviço de pintura (...)” no valor de €24.391,18 – cfr. fls. 32 do PA junto aos autos.
4. Em 30.05.2008 L. emitiu o cheque n.º 2836639784, válido até 11.06.2007 em nome de D., no valor de €24.391,18 – cfr. fls. 121 dos autos.
5. Em 1.06.2008 L. emitiu o cheque n.º 8443416187 em nome de D., no valor de €14.120,70 – cfr. fls. 119 dos autos.
6. Em 5.06.2008 L. emitiu o cheque n.º 8443416188 em nome de D., no valor de €64.977,00 – cfr. fls. 120 dos autos.
7. D. emitiu em 11.06.2008 em nome de F. a factura n.º 80130, de onde decorre o seguinte: “(...) Obra: Travessa da (…) Serviço de pintura, serviço de electricista; Serviço de picheleiro; Colocação de tectos falsos, Emassar e pintar, (...)”, no valor de €25.410,00 – cfr. fls. 33 do PA junto aos autos.
8. Em 11.06.2008 L. emitiu o cheque n.º 9136639777, válido até 11.06.2007 em nome de D., no valor de €25.410,00 – cfr. fls. 122 dos autos.
9. D. emitiu em 30.06.2008 em nome de F. a factura n.º 80139, de onde decorre o seguinte: “(...) Obra: Rua (...) Picar paredes, tapar rachadelas, Emassar paredes e tectos; Pintar, Substituição de autoclismos; Envernizar todas as madeiras, reposição de estores (...)”, no valor de €10.769,00 – cfr. fls. 134 do PA junto aos autos.
10. Em 10.07.2008 L. emitiu o cheque n.º 8236639778, válido até 11.06.2007 em nome de D., no valor de €10.769,00 – cfr. fls. 123 dos autos.
11. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200200904393 e OI200904395 os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto desencadearam procedimento inspectivo a F., visando o IRS dos anos de 2007 e 2008 – cfr. fls. 112 a 123 do PA junto aos autos e que se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. Em 5.12.2011 foi emitida a liquidação adicional de IRS n.º 2011 5005147155 do ano de 2008 em nome de F. no montante de €42.411,92 – cfr. fls. 25 dos autos.
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Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil e ainda na prova testemunhal produzida.
Com efeito, foi a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova conjugada que, à luz da experiência, sedimentaram a convicção do Tribunal.
No que respeita à prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas levada a cabo, a formação da convicção do Tribunal baseou-se essencialmente numa apreciação livre (cfr. artigo 396.º do Código Civil e artigo 607.º n.º 5 do CPC), atendendo, para tal efeito, à razão de ciência apresentada por cada uma das testemunhas inquiridas, recorrendo, ainda o Tribunal, às regras da experiência comum.
L., farmacêutica, filha do Impugnante, foi inquirida a toda a factualidade constante no articulado inicial.
O depoimento prestado não se mostrou imparcial. Com efeito, atendendo à forma como a testemunha prestou o seu depoimento foi notório que esta não logrou manter o distanciamento que se impunha, denotando impaciência e mesmo revolta pela constante fiscalização de que são alvo por parte da AT.
Tal comportamento advém do facto da testemunha também ter sido inspecionada pelos Serviços de Inspecção Tributária tendo aqueles serviços desconsiderado os serviços prestados titulados pelas facturas em questão nos presentes autos, tendo inclusive intentado impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o n.º 1110/12.7BEPRT.
Mesmo que assim não fosse, não vislumbra o Tribunal como fosse de considerar o depoimento prestado, uma vez que não foi percetível a razão da ciência e quaisquer circunstâncias que pudessem justificar o conhecimento directo da realização das obras em causa nos autos.
Isto é, se a testemunha não acompanhava a actividade exercida pela sociedade do ex-marido, tendo afirmado que não presenciou as obras, tendo “visto somente por alto”, não demonstrando conhecer os trabalhadores que as realizaram, assim como a sua ligação à emitente das facturas, não se depreende que a sua razão de ciência vá mais além do conhecimento da realização das obras.
Aliás, apesar de confrontada com as facturas em questão nos autos, o depoimento quanto aos serviços que as mesmas titulam foi genérico, por afirmar que as obras eram sempre da mesma ordem, tendo declarado tão só que as mesmas foram realizadas, facturadas e pagas por confronto com os documentos inclusos nos autos.
P., prestou serviços de eletricista à sociedade D. entre 2007 e 2008, ajudando também com a colocação de tijoleira.
Foi indicado aos factos constantes nos artigos 35.º a 39.º da petição inicial. O seu depoimento pautou-se por inconsistências que o Tribunal se foi apercebendo ao longo da inquirição, denotando-se alguma confusão com as obras em que trabalhou e em que momento, facto perfeitamente perceptível, atento o decurso dos anos.
Foi afirmado pela testemunha que não passava recibos nem fazia qualquer desconto para a Segurança Social, pelo trabalho prestado para a sociedade D. nem estava coletado nas Finanças.
Declarou receber €5/hora pelos serviços prestados, assim como o seu colega, sendo Paulo Resende que levava os materiais para as obras.
Quanto a trabalhos efectuados na Rua (…), afirmou ter lá trabalhado no Verão na loja e nos apartamentos no 1º andar, tendo realizado trabalhos de electricidade, colocado tijoleira e autoclismo e ajudado a colocar pladur.
Relativamente à obra da Rua (…) titubeou por vezes, afirmando lá ter trabalhado há 2 anos atrás (2013/2104) e em 2008 no inverno. Declarou lá ter sido colocado azulejo, tijoleira e pintados os portões de ferro, tendo a maior obra sido realizada em 2013/2014, lá tendo trabalhado mais ou menos meio ano.
No que respeita à Travessa (…), referiu lá ter efectuado serviços de pintura, electricidade e tijoleira no Inverno durante 1 mês e meio.».
3.1.2. Aditamento à matéria de facto
Ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo artigo 662.º, n.º 1, do CPC, e porque tal se mostra essencial para a decisão desta causa, acordamos em aditar à factualidade provada os seguintes factos:
13. Os cheques mencionados nos pontos 4., 5., 6., 8. e 10. do probatório constam dos autos em frente e verso, extraindo-se dos mesmos que foram sacados sobre conta do Banco BPN titulada por Lisete Maria Dias Sá Camboa, que os emitiu a favor de “D., Lda.”, tendo esta procedido ao respetivo endosso (cfr. fls. 19 a do processo físico).
14. Consta do Relatório de inspeção tributária que o sujeito passivo exerceu o seu direito de audiência prévia, o qual foi apreciado da seguinte forma:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…) – cfr. fls. 19 a 21 do PA apenso.

3.2. DE DIREITO

A AT não admitiu a dedução, aos rendimentos da categoria F declarados pelo Recorrente para o ano de 2008, das despesas de conservação tituladas pelas faturas discriminadas nos pontos 1., 2., 3., 7., e 9. do probatório em virtude de as mesmas «não se apresentarem devidamente convincentes, em termos de finalidade alvejada, ou seja, de serem consideradas relevantes, em termos de apuramento do Rendimento Líquido da Categoria F.».

O Tribunal a quo considerou, em síntese, que a AT demonstrou factos que sustentavam a dúvida fundada sobre a materialidade daquelas faturas e que o Impugnante, por sua vez, não logrou provar que os serviços nelas descritos foram efetivamente prestados.

Sobre questões idênticas, ainda que respeitantes a faturas emitidas no ano de 2007 e relativamente a outro dos herdeiros dos imóveis a que, alegadamente, respeitam as despesas de manutenção em crise, foi proferido acórdão em 11.02.2021, no processo n.º 259/12.0BEPRT, que a aqui Relatora subscreveu como 1.ª Adjunta. Tendo em vista a aplicação uniforme do direito, recuperamos para este processo o que ali foi decidido, alterando, nos locais adequados, apenas o que for específico dos presentes autos.
«(…)

Como tem sido jurisprudência uniforme deste Tribunal Central Administrativo Norte, quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.° da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade.

Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção - cfr. entre outros, Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 24/01/2008, processo nº 01834/04 Viseu, de 24/01/2008, processo nº 2887/04 Viseu, de 27/01/2011, processo nº 455/05.7BEPNF e de 18/03/2011, processo nº 456/05BEPNF.

Diga-se ainda que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação, pois que, como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova" (Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154), o que significa que a AT não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo, invocando factos que traduzam uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade - artigo 75° da LGT.

Ora, indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que "permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência" - citado por José Luís Saldanha Sanches, A Quantificação da Obrigação Tributária, 2ª edição, pág. 311, sendo que nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

Nestas condições, é jurisprudência firme que quando a administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.° da Lei Geral Tributária, competindo à administração tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, sendo que, feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção cfr. Acd. do TCAN processo 1111/12.5BEPRT, 27/10/2016..

A questão a dirimir, prende-se, em nossa opinião, em saber se a prova que o Recorrente ofereceu é ou não suficiente para considerar afastados os indícios objectivos recolhidos em sede de procedimento inspectivo que apontavam para a falta de veracidade das operações tituladas pelas facturas nºs [80065, 80066, 80123, 80130 e 82139], na medida em que a prova produzida pelo impugnante/recorrente circunscreveu-se à junção de cópias dos cheques utilizados no pagamento das facturas, cuja análise critica foi efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária e ao depoimento da testemunha por si arrolada – L., depoimento que na sentença recorrida se considerou que padece da afectação da credibilidade da respectiva depoente.

Vejamos.
O Tribunal a quo começou por analisar os indícios de simulação que resultaram apurados em sede inspectiva e que foram levados ao probatório, declarando que “(…) de forma isolada, os elementos reunidos pela AT até poderiam não traduzir por si só, indícios de falta de materialidade dos serviços titulados pelas facturas, no entanto, conexos e à luz das regras da experiência comum, representam indícios sérios e credíveis da simulação aventada pela AT.
Isto porque, à AT não foi comprovada a realização das obras por parte do emitente das facturas, uma vez que não foi apresentado qualquer documento para além das facturas e cheques da realização das mesmas como seja orçamentos respeitantes às obras, contratos dos serviços prestados e/ou sequer autos de medição
Ademais, quer do escopo da sociedade emitente, quer do quadro de pessoal àquela afecta, não resulta a possibilidade da realização daqueles serviços.
Por outro lado, da declaração anual apresentada (anexos O e P) não decorre que a sociedade emitente tenha subcontratado pessoal para a prestação dos sobreditos serviços e/ou que tenha adquirido os materiais necessários à sua realização.
Por último, ressalva-se que tais indícios poderiam ter sido explicados e justificados em sede do procedimento inspectivo aquando da notificação prosseguida pelos SIT, atendendo ao dever de colaboração que impende sobre os contribuintes (artigo 48.º n.º 2 do CPPT), que, in casu, não existiu por parte do Impugnante ao não ter remetido e/ou dado qualquer explicação sobre a inexistência dos elementos requeridos pelos SIT. “
Aliás, no exercício do direito de audição prosseguido no âmbito da acção inspectiva, o Impugnante também não remeteu tais elementos e/ou os referenciou, não apresentando também nessa sede qualquer explicação para a sua não existência ou mesmo judicialmente.
Como tal, os elementos coligidos pela AT configuram elementos probatórios objectivos, que permitem a sustentação de que poderemos estar perante a emissão de facturas às quais não correspondeu qualquer prestação de serviços.”

Depois, e concretamente no que concerne ao depoimento prestado por L., o tribunal a quo na motivação apresentada sustentou a desconsideração do depoimento nos seguintes moldes: “ (…) L., farmacêutica, filha do Impugnante, foi inquirida a toda a factualidade constante no articulado inicial.
O depoimento prestado não se mostrou imparcial. Com efeito, atendendo à forma como a testemunha prestou o seu depoimento foi notório que esta não logrou manter o distanciamento que se impunha, denotando-se alguma impaciência e mesmo alguma revolta pela constante fiscalização de que são alvo por parte da AT.
Tal comportamento advém do facto da testemunha também ter sido inspecionada pelos Serviços de Inspecção Tributária, tendo aqueles serviços desconsiderado os serviços prestados titulados pelas facturas em questão nos presentes autos, tendo inclusivamente intentado impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o n.º 1110/12.7BEPRT.
Mesmo que assim não fosse, não vislumbra o tribunal como fosse de considerar o depoimento prestado, uma vez que não foi perceptível a razão de ciência e quaisquer circunstâncias que pudessem justificar o conhecimento directo da realização das obras em causa nos autos.
Isto é, se a testemunha não acompanhava a actividade exercida pela sociedade do ex-marido, tendo afirmado que não presenciou as obras, tendo “visto somente por alto”, não demonstrando conhecer os trabalhadores que as realizaram, bem como a sua ligação à emitente das facturas, não se depreende que a sua razão de ciência vá mais além do conhecimento da realização das obras.
Aliás, apesar de confrontada com as facturas em questão nos autos, o depoimento quanto aos serviços que as mesmas titulam foi genérico, por firmar que as obras eram sempre da mesma ordem, tendo declarado que as mesmas foram realizadas, facturadas e pagas por confronto com os documentos inclusos nos autos”.

Antes do mais, impõe-se apurar se os indícios objectivos colhidos pela AT em sede inspectiva, que apontavam para a falta de veracidade das operações tituladas pelas referidas facturas, são suficientes para desconsiderar o valor das mesmas, tal como considerou o tribunal a quo. Podendo desde já adiantar-se que assim não entendemos.

Concretizemos.
É que, a AT colheu indícios no emitente da facturação que desconsidera, mas não apurou junto do utilizador, aqui Recorrente, se os serviços titulados pelas ditas facturas foram ou não efectuados.

A AT, em sede inspectiva, desvalorizou completamente o valor dos cheques emitidos para pagamento das facturas e devidamente descontados pela emitente das mesmas (como resulta do ponto 13 aditado ao probatório), não cuidou de verificar in loco se os serviços descritos nas facturas foram de facto prestados, não investigou o rasto do dinheiro, não ouviu as testemunhas que lhe foram indicadas pelo impugnante/Recorrente no exercício do direito de audição e que, alegadamente, seriam trabalhadores da emitente das facturas (cfr. al. 14 do probatório), ou seja, absteve-se de apurar na esfera jurídica do Recorrente a existência das concretas operações tituladas pelas facturas em causa, o que correlacionado com os indícios colhidos no emitente poderiam ou não sustentar a conclusão a que chegou.

De facto, no que aos indícios diz respeito, o Recorrente refere que a AT, em sede inspectiva, não cumpriu com o princípio do inquisitório, uma vez que: “O Recorrente disponibilizou à AT os meios de pagamento, cheques, emitidos à ordem da D. e que por aquela empresa foram depositados (conclusão F) do recurso). O Recorrente dispôs-se a facultar o acesso ao local das obras para a inspecção tributária verificar da sua execução e arrolou como testemunhas os operários que executaram as obras (conclusão G) do recurso) ”, tendo a AT recusado a inquirição das testemunhas violando o principio do inquisitório consignado no art. 58º da LGT, assim como os princípios da legalidade, justiça e imparcialidade consignados no art. 266º da CRP (conclusão H do recurso).

Efectivamente, e como acima foi dito, resulta da factualidade aditada que o Recorrente em sede de audição ao relatório inspectivo indicou testemunhas para serem ouvidas, alegando que trabalharam para a sociedade emitente das facturas e nas obras que aquelas titulam, sendo certo que tal inquirição foi rejeitada pela AT.

Ora, a realização de tais diligências poderia ter esclarecido a AT no que diz respeito à veracidade dos serviços prestados e titulados pelas facturas, afigurando-se violado o princípio do inquisitório naquela sede, (…).
(…)
Ora, tendo por assente que os indícios colhidos pela AT em sede inspectiva apenas dizem respeito ao emitente das facturas, sem que nada tenha sido apurado em relação ao Recorrente e que, aquando da inspecção, foi rejeitada a diligência de inquirição do A. e do P., identificados como pessoas que trabalharam para a sociedade emitente das facturas, articulando, ainda, tal facto com as pessoas que a testemunha indica como trabalhadores da D. (o P. e o C.), facilmente se conclui que os indícios colhidos pela AT não são suficientes para sustentar a liquidação impugnada.

Diga-se, por último, que acerca desta questão, e por se tratar da mesma sociedade emitente e das mesmas facturas, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniforme do direito (art. 8º, nº 2 do Código Civil), permitimo-nos reproduzir o que já foi decidido neste TCAN no processo nº 1111/12.5BEPRT, em 27/10/2016 (relativo a L. e às facturas do ano de 2007, (…), entendimento que inteiramente se subscreve.

Assim, diz o aquele aresto que: “Na verdade, embora se possa dizer que os indícios colhidos pela AT também não são exuberantes, na medida em que o que verdadeiramente importa apurar é se os serviços facturados foram efectivamente prestados pelo emitente, independentemente da sua situação, pois que, por exemplo, um sujeito passivo pode não ter assalariados inscritos na segurança social, não reter e/ ou não entregar ao Estado o imposto sobre remunerações pagas, nem declarar à AT operações com terceiros fornecedores de bens e serviços, sem que isso represente de per si um indício forte da irrealidade das operações facturadas, sendo certo que a capacidade empresarial do emitente nem sempre poderá ser apreendida e medida a partir da sua estrutura de custos declarada (com assalariados e operações com terceiros), bastando pensar, no sector da construção civil, na recorrente situação de alocação de trabalho indiferenciado com recurso a mão-de-obra clandestina.
Por outro lado, quanto à sua actividade, não se afigura despropositado que uma empresa como a descrita no RIT possa ter interesse no tipo de serviços descritos nas facturas identificadas nos autos, até em função dos laços familiares descritos nos autos de acordo com aquilo que se mostra consagrado no probatório.
Depois, quanto aos meios de pagamento, o RIT aponta que embora os cheques tenham sido movimentados no Banco, não merecem credibilidade pois a ora Recorrida é esposa do único sócio da empresa D., o que significa que dispensou maior indagação sobre a matéria, o que equivale a dizer que nem sequer foi à procura do rasto do dinheiro, sendo este um dos indicadores mais seguros da falsidade das operações facturadas, situação que, em função do já exposto, não se apresenta de forma clara como um indício forte nos termos defendidos pela AT.
(…)
Ora, o pertinente aresto acima identificado aponta para uma descrição mais circunstanciada e, nessa medida, mais clara da situação em apreço, por referência aos elementos típicos da relação estabelecida entre os vários agentes envolvidos, verificando-se que, no caso presente, essa análise passa pela alusão a um conjunto de elementos que têm de ser lidos em conjunto em função do enquadramento da matéria que parte daquilo que é descrito no próprio RIT, o que inculca a ideia de que se dá por adquirida a operação e parte-se para a consideração de um conjunto de factores que, como que, credibilizam ou não a operação.
Isto para dizer que, muitas vezes, a prática que é seguida nos Tribunais de 1ª Instância segue aquilo que é apontado nos presentes autos, o que podendo conhecer substancial melhoria em termos técnicos, não deixa de ter de ser ponderado por este Tribunal ad quem em função do enquadramento da situação em apreço.
Assim sendo, cremos que os elementos descritos no probatório, tomados no seu conjunto, são suficientes (argumento tantas vezes utilizado para legitimar a actuação da AT no que diz respeito aos indícios apresentados), tal como se decidiu, para evidenciar a materialidade das operações subjacentes às facturas descritas nos autos, na medida em que, lendo e relendo a matéria de facto apurada nos autos, tem de entender-se que existe, em termos globais, matéria capaz de viabilizar a pretensão da Recorrida em função a prova documental valorada e da credibilidade conferida à prova testemunhal, o que significa que a matéria disponível é suficiente para a caracterização e enquadramento da actividade da ora Recorrida, nomeadamente com referência às obras em causa, situação que, no seu conjunto, e de forma consistente, permite a leitura das facturas correspondentes.
Deste modo, é ponto assente que a Recorrida logrou provar que adquiriu os serviços que constam das facturas e que os mesmos lhe foram prestados pelo emitente das mesmas, o que significa que, tendo feito tal prova, a impugnação teria, como sucedeu, de proceder neste âmbito e, assim, bem andou a sentença recorrida ao atender a pretensão da Recorrida nesta matéria.”.».

Perante o assim considerado, é de conceder provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação.



4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação.
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Custas a cargo da Fazenda Pública, em ambas as instâncias porque nas duas decai, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, que, porém, não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.
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Porto, 11 de março de 2021

Maria do Rosário Pais - Relatora
Tiago Afonso Lopes de Miranda - 1.º Adjunto
Cristina da Nova - 2.ª Adjunta