Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02642/22.4BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/13/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:DEFESA POR EXCEPÇÃO;
DEFESA POR IMPUGNAÇÃO; RÉPLICA;
ARTIGO 85.º-A, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS;
Sumário:1. A defesa por excepção peremptória traduz-se na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, determinando a improcedência total ou parcial do pedido – artigos 571º, n.º2, 2ª parte, e 576º, n.º3, ambos do Código de Processo Civil

2. A defesa por impugnação consiste em contradizer os factos articulados na petição inicial ou em afirmar que esses factos não podem produzir os efeitos pretendidos pelo autor - artigo artigos 571º, n.º2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.

3. Se o réu invoca factos novos, em concreto que a autora contribui com o seu comportamento para a prescrição do crime e para o agravamento dos danos, factos novos esses que têm por consequência jurídica a diminuição ou exclusão da indemnização devida – artigo 570º do Código Civil – e se aponta uma deficiência do articulado inicial que, a não ser suprida, tem como consequência a improcedência, ao menos parcial, da acção, está a defender-se por excepção.

4. Neste caso é admissível a réplica - artigo 85.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL do despacho da M.ma Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 04.05.2023, pelo qual foi ordenado o desentranhamento da réplica que apresentou na acção que moveu contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão ora recorrida violou o disposto no artigo 85º- A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como o artigo 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por se tratar de uma resposta às exceções aduzidas em sede de contestação.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

I - O Mmo. Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, cometeu erro de julgamento ao determinar o desentranhamento da Réplica apresentada pelo Autor.

II - Considera a aqui Recorrente que a Réplica apresentada é processualmente admissível, ao abrigo do disposto no artigo 85.°-A do CPTA, e bem assim ao abrigo do Princípio do Contraditório e da igualdade de armas, uma vez que a Recorrente apenas se limita responder a matéria de exceção invocada pelo Recorrido, porquanto:

III - O Recorrido defende-se na sua contestação invocando uma exceção inominada (ainda que não a identifique e a classifique enquanto defesa por impugnação), e que só pode ser tida como uma exceção perentória, uma vez que toda a argumentação expressa nos artigos 16° e 19°, 40° a 42°, 68°, 71° a 73° da contestação, introduz a juízo factos novos, distintos dos factos invocados como causa de pedir no articulado inicial para deles retirar efeitos que podem conduzir à improcedência total ou parcial da ação, motivo pelo qual o Recorrente utilizou o meio processual adequado à sua resposta, defendendo-se das exceções invocadas,

IV - O Professor Manuel de Andrade in “Noções elementares de processo civil” Coimbra Editora/1979, págs.130/131, ensina que as exceções perentórias são “ ... as que se traduzem na invocação de factos ou causa impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da ação – a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante. O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos que lhe teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ...

V - A decisão ora recorrida padece, assim, de erro , violando o disposto no Art.° 85 A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, bem como o artigo 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por se tratar de uma resposta às exceções aduzidas em sede de contestação.

VI - Não se pode olvidar, que o principio do contraditório, é hoje entendido como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indiretamente, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.

VI - Devendo o despacho proferido, ser substituído por outro que em face do exposto, determine a manutenção nos autos da Réplica apresentada.

*

II –Matéria de facto.

Com interesse para o presente recurso mostram-se os seguintes factos, documentados no processo:

1. O Autor apresentou a seguinte petição inicial em acção intentada contra o Estado Português (cfr. certidão junta aos autos):

“(…)

.
1. O Autor, apresentou queixa crime contra «BB», solicitadora portadora da Ced. Prof. n.º ..., com escritório em Rua ... ... ; imputando-lhe

2.A pratica de um crime de difamação p.e.p pelos arts.ºs 180º e 182º do Código Penal; porquanto

3. Aquela na qualidade de procuradora do pai do Autor, «CC», falecido a .../.../2022, e na sequência de correspondência trocada, via email, com o aqui Autor, após o decesso do progenitor daquele, endereçou

4. Ao então ilustre patrono do Autor, Dr. «DD», portador da Ced Prof. 9655P , com domicilio profissional em Praça ...; email, em que

5. Injuriou o Autor, afirmando que aquele não tinha prestado qualquer auxilio ou assistência ao pai, bem sabendo que tal afirmação não correspondia nem corresponde á verdade, tal como resulta dos docs. n.ºs ... a ..., que ora se juntam e cujo teor considera-se reproduzido para os devidos e legais efeitos; protestando

6. O Autor, juntar certidões dos documentos n.ºs ... a ..., aludidos supra, mas também dos documentos que indicará infra; logo que as mesmas lhe sejam disponibilizadas, tal como resulta do requerimento que se junta como doc. n.º ...

7. No seguimento da apresentação da queixa crime, por parte do Autor, «BB» foi constituída arguida, e instaurado inquérito com o n.º 576/20...., que corre termos na Procuradoria da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Vila do Conde, tendo o

8. O Autor constituindo-se Assistente no processo (Ut. doc.n.º ... cujo teor considera-se reproduzido para os devidos e legais efeitos).

SUCEDE PORÉM QUE, E

9. Pese embora as inúmeras diligências levadas a cabo pelo Autor, que por diversas vezes requereu junto do Ministério Público que o seu então Patrono Dr. «DD», fosse notificado para juntar aos autos, o email contendo as afirmações injuriosas proferidas por «BB»; tal como resulta dos documentos n.ºs ... e ... que ora se juntam e cujo teor considera-se reproduzido para os devidos e legais efeitos; tal notificação

10. Apenas foi efectuada a 07 de Abril do corrente ano (doc. ref.º ...56) - Ut. Doc. n.º ... cujo teor se considera reproduzido para os devidos e legais efeitos.

11. O Ministério Público, a 01 de Junho do corrente ano, proferiu despacho de arquivamento dos autos, no qual refere e passa-se a transcrever:

– “ Compulsados os autos resulta, então que, apesar de não se saber em concreto em que data a denunciada «BB» enviou ao então Mandatário do assistente, Dr. «DD», o e-mail cujo teor, o assistente considera ofensivo da sua honra, a mesma será muito próxima do dia 30 de Janeiro de 2020, data em que o assistente teve conhecimento do mesmo … Efectivamente notificado que foi para proceder à junção de cópia do e-mail, o Dr. «DD» não a remeteu, invocando o sigilo profissional, mais referindo que iria requerer junto da Ordem dos Advogados o seu levantamento … Assim, sendo é forçoso concluir que o procedimento criminal referente aos factos imputados á arguida prescreveu em 30-01-2022, nos termos das disposições conjugadas dos art. 118-º n.º 1 alínea c), 121º, n.º 1, al. a) e art.º 181º, n.º 1, todos do Código Penal” (sublinhado nosso) – Ut. doc. n.º ...0 cujo teor se considera reproduzido para os devidos e legais efeitos.

ORA

12. Atendendo à data constante da notificação remetida ao Dr. «DD», constata-se que aquela, não obstante a insistência do Autor para que o email fosse junto aos autos, foi enviada estando já prescrito o processo crime. Com efeito

13. Em conformidade com o despacho proferido pelo(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Publico, supra parcialmente transcrito; o procedimento criminal pelos factos imputados á Arguida («BB») prescreveu em 30 de Janeiro de 2022, ou seja cerca de 3 meses antes de ser remetida notificação para a junção do email, contendo as afirmações difamatórias; elemento essencial para demonstrar a existência de crime.

DOS FUNDAMENTOS DA ACÇÃO

14. Assiste ao Autor, bem como a todos os cidadãos, no âmbito da Tutela jurisdicional efectiva consagrada nos arts.ºs 20º e 268º da Constituição da Republica Portuguesa, o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.

15. O Autor apresentou junto do Ministério Publico, denúncia pela prática de um crime de difamação, indicando o elemento que suportava o crime, o qual não podia juntar diretamente, pelo que insistiu na notificação do seu então patrono.

16. Notificação que a Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Publico, que é a autoridade judiciária a quem compete dirigir o inquérito, apenas ordenou que fosse realizada a 07 de Abril do corrente ano; data em que como se referiu, o procedimento criminal estaria prescrito.

17. Ora, o exercício da acção penal assume um papel central no conjunto das atribuições do Ministério Público, no âmbito desse exercício evidencia-se a direcção do inquérito, nos termos do artigo 53.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal; fase que compreende, o conjunto de diligências que visa investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles, descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação, - art.sº 262.º, n.º 1 e 263º ambos do Código de Processo Penal.

18. Consubstanciando o inquérito, a fase em que devem ser realizados, pelo Ministério Público, todos os actos necessários para fundamentar a acusação ou o arquivamento. Donde se afigura patente a orientação da actividade investigatória para a decisão do inquérito.

19. No caso em apreço, e considerando os factos elencados supra, suportados pelos documentos juntos, afigura-se que o(a) Digno(a) Magistrado(a) do Ministério Publico, salvo o devido respeito, não cumpriu as funções que lhe são conferidas por lei, não dirigiu activamente o inquérito, nomeadamente recolhendo provas, em ordem à decisão sobre a acusação.

20. Face à actuação do Ministério Publico, em deixar prescrever o crime denunciado, o Estado Português incorre em responsabilidade civil extracontratual nos termos do Art.º 12º da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2008 de 17 de Julho, decorrente da violação do direito a uma decisão jurisdicional em prazo razoável; devendo indemnizar o Autor pelos danos causados.

NA VERDADE

21. A ilicitude decorrente do atraso na tramitação do inquérito, no incumprimento dos prazos processuais e do dever de celeridade, ocasionou prescrição do procedimento criminal; ocasionando ao Autor danos não patrimoniais.

22. O Autor que sempre prestou apoio ao pai, sempre o auxiliou em especial após o decesso da mãe, sentiu-se humilhado, atingido no seu bom nome e reputação; (direito constitucionalmente protegido Art.º 26º da CRP) com as afirmações da Arguida – «BB» - de que não lhe teria prestado qualquer auxilio ou assistência.

23. O Autor sentiu-se triste, revoltado, inquieto e nervoso, não esquecendo em nenhum momento tal acontecimento, o que afectou e afecta não só o seu desempenho profissional, é funcionário da Câmara Municipal ..., onde exerce funções com a categoria de Assistente Técnico , necessitando de estar focado no exercício das mesmas.

24. Mas também a sua vida quotidiana, em que como se disse, ao não conseguir esquecer as afirmações proferidas por «BB», e pelas quais não foi punida, o Autor tem dificuldade em adormecer o que o obriga á toma regular de Alprazolan (1mg),sendo que por efeito deste e da desconsideração ocorrida e da autoria do próprio MP, vive num constante estado de depressão e ansiedade, obrigando-o à toma continua e diária de Flouxetina (20mg), para superar ou minimizar o estado de saúde, que da referida situação resultou – protesta juntar receitas dos medicamentos prescritos.

25. Danos que se agravaram consideravelmente, com a prolação do despacho de arquivamento, que inviabilizou que «BB» fosse julgada e punida pelo crime que cometeu em virtude da inércia do Ministério Publico.

26. Os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, não se traduzem em meros incómodos, inerentes ás vicissitudes normais da vida em sociedade; foi -lhe imputado um juízo ofensivo da sua honra e consideração, sempre prestou apoio ao pai, visitando-o e auxiliando quando necessário nas tarefas quotidianas.

27. Por causa directa e necessária da actuação do Ministério Publico, ao deixar prescrever o processo crime em causa, resultam deste modo para o Autor danos não patrimoniais, que atenta a sua gravidade merecem a tutela do direito; considerando

28. O Autor que a indemnização para o ressarcir por todos os danos não patrimoniais, supra descritos, não deverá ser inferior a Eur. 8.000,00.

29. A presente acção é própria, as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciaria.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e por via dela, ser o Réu condenado:

- A pagar ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos, o montante de Eur. 8.000,00.

(…)”.

2. O Réu, Estado Português, apresentou a seguinte contestação, representado pelo Ministério Público:

“(…)

PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR

1.º O A. propôs a presente ação administrativa de condenação por responsabilidade civil extracontratual contra o R. Estado Português, peticionando a condenação deste a pagar ao Autor pelos danos não patrimoniais sofridos o montante de Eur. 8.000,00.

2.º O A. fundamenta o pedido, tal como a ação é por si configurada – o que consubstancia a respetiva causa de pedir –, nos danos não patrimoniais alegadamente por si sofridos em virtude do inquérito crime n.º 576/20.... da Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Vila do Conde, iniciado com base em queixa crime por si apresentada contra «BB» pela prática de um crime de difamação, ter sofrido atrasos na sua tramitação o que levou à prescrição do processo crime.

Vejamos:

DOS FACTOS

3.º O R. Estado Português aceita unicamente os factos invocados na petição inicial que remetam para documentos, nomeadamente os integrantes do Processo de Inquérito com o n.º 576/20.... da Secção de ... do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, mas apenas nos precisos termos que constem desses documentos, devidamente contextualizados em termos de tramitação processual, sem se aceitar as conclusões, ilações, opiniões ou enquadramentos jurídicos que acerca dos mesmos foram feitos.

4.º Concretamente, o Réu aceita a matéria factual constante dos artigos 1.º, 7.º e 8.º da petição inicial.

5.º Aceita ainda parcialmente o disposto nos artigos seguintes, com as correções, clarificações, sentidos ou esclarecimentos que se apontam:

- 2.º, aceita que o A. declarou requerer “procedimento criminal por injúria” (cf. doc. ... junto com a p.i.);
- 3.º a 6.º, aceita que o teor da queixa crime apresentada pelo A. corresponde ao conteúdo do doc. ... junto com a p.i.;
- 9.º, aceita que o A. requereu através dos requerimentos juntos com a p.i. como docs. ... e ... a notificação do Dr. «DD» para juntar aos autos o email que lhe terá sido enviado por «BB»;
-10.º, aceita que a notificação ao Dr. «DD» foi efetuada através do doc. ... da p.i.;
- 11.º, aceita que o teor do despacho do Ministério Público de 30 de maio de 2022 (notificado a a de junho de 2022) é o que consta do documento junto com a p.i. como doc. ...0.


6.º O Réu Estado Português impugna por desconhecer e não ter obrigação de conhecer se corresponde à verdade, os factos pessoais relativos à vida do A. e danos invocados, nomeadamente o alegado nos artigos 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 27.º e 28.º da petição inicial.

7.º Impugna ainda os artigos que contêm matéria conclusiva ou de direito (e que o Réu não aceita quando entendida em sentido validador da matéria concretamente impugnada), nomeadamente os artigos 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º e 21.º da petição inicial.

8.º Na verdade, não se aceitam os artigos constantes do parágrafo anterior nos termos em que vêm narrados, nem os juízos de valor sobre eles enunciados, por serem meramente conclusivos, por conterem matéria de direito, bem como por consubstanciarem meras considerações, ilações, interpretações e conclusões jurídicas acerca dos factos alegados.

9.º Não se aceita, igualmente, o conteúdo e a ocorrência dos alegados prejuízos não patrimoniais, e respetivo quantum indemnizatório que, para os devidos efeitos, igualmente se impugnam.

10.º Devem ainda ser considerados impugnados todos os factos que estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, nos termos do art. 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Acresce que,

11.º Para correta aferição dos factos invocados pelo Autor relativos ao processo de inquérito n.º 576/20.... importa analisá-los no contexto de toda a tramitação processual ocorrida, pelo que se entende essencial a apensação de tal processo aos presentes autos (conforme se irá requerer).

12.º Reputam-se relevantes para apreciação da presente causa, nomeadamente, os seguintes “momentos” da tramitação do processo de inquérito n.º 576/20.... :

a) Em 30 de julho de 2020, pelas 23:58h, o A. apresentou na esquadra da PSP ... queixa crime, juntando uma exposição na qual requereu “Procedimento criminal por injúria contra a solicitadora «BB»” e ainda “Abertura de inquérito para apuramento de procedimento criminal por eventual: furto, descaminho e associação criminosa contra todos os intervenientes que não contactaram os herdeiros de «EE» (…), de entre eles, a solicitadora mencionada, a companheira do progenitor pai, residente na ..., a funcionária da CM..., «FF» e a Vereadora «GG»” - cf. doc. ... junto com a p.i.;
b) No corpo da exposição o A. alegava que, na sequência de factos ocorridos após 15 de janeiro de 2020 (nomeadamente após o envio de um email aí junto como doc. ..., datado de 22 de janeiro de 2020), o seu patrono à data, Dr. «DD», enviou um email à solicitadora «BB» comunicando-lhe que representava o A. e os seus interesses sobre os bens de partilha da herança de «EE» [mãe do Autor], ao qual a mesma respondeu “injuriando o subscritor, dizendo que o mesmo não prestou qualquer auxílio ou assistência ao progenitor seu pai, quando na verdade, sempre lhe foi prestado todo o auxílio e apoio, nomeadamente após a morte da progenitora” – cf. doc. ... junto com a p.i.;
c) O processo de inquérito foi distribuído a 4 de agosto de 2020 (em férias judiciais), conforme consta do canto superior direito do doc. ... junto com a presente contestação;
d) Em 07-08-2020 o A. juntou requerimento a requerer a consulta do processo e a sua constituição como assistente (a fls. 8 do processo crime) – cf. doc. ... junto com a p.i., do qual constam diversos requerimentos que foram sendo juntos pelo A.;
e) No mesmo dia 07-08-2020 o A. juntou requerimento no qual, nomeadamente, pedia a notificação do Dr. «DD» para juntar ao processo “o mail recebido e enviado pela primeira das denunciadas, «BB», e de cujo conteúdo deu conhecimento ao requerente em 30 de janeiro de 2020 e onde se entende ter aquele proferido as injúrias que neste merecem ser apreciadas, para além dos demais eventuais crimes” (a fls. 9 do processo crime, negrito nosso);
f) Por despacho de 23-10-2020 foi admitida a consulta dos autos (a fls. 19 do processo crime);
g) Por despacho de 16-12-2020 foi determinado que se oficiasse o Centro Distrital ... relativamente ao pedido de apoio judiciário do A. (a fls. 23 do processo crime);
h) Em 02-02-2021 o A. juntou requerimento a pedir “a sindicância do processo” (a fls. 25 do processo crime);
i) Em 02-02-2021 o A. juntou requerimento a pedir a consulta do processo (a fls. 26 do processo crime);
j) Em 08-02-2021 foi proferido despacho sobre os requerimentos do A., ordenando a sua notificação para prestar esclarecimentos (a fls. 27 do processo crime);
k) Em 17-02-2021 o A. juntou requerimento, solicitando resposta aos pedidos de 07-08-2020 (a fls. 31 do processo crime);
l) Em 17-02-2021 o A. juntou requerimento a informar a identificação do patrono que lhe foi nomeado: Dr. «HH» (a fls. 32 do processo crime);
m) Em 18-02-2021 o A. juntou requerimento dirigido à Procuradora Geral da República, queixando-se do comportamento da magistrada do M.P. e do funcionário e por não ter sido efetuada qualquer diligência (a fls. 35 a 37 do processo crime);
n) Em 10-03-2021 o A. juntou requerimento a requerer que a denunciada identificasse a companheira do seu pai (a fls. 41 do processo crime);
o) Em 31-03-2021 foi proferido despacho a ordenar a remessa dos autos ao JIC para apreciação do pedido de constituição como assistente, a extração de certidão para procedimento criminal contra a companheira do pai do A. e a conclusão dos autos à Procuradora Dirigente do DIAP para apreciação da exposição dirigida à PGR (a fls. 42/43 do processo crime);
p) Em 12-04-2021 foi proferido despacho pelo Juiz de Instrução Criminal de admissão da constituição do aqui A. como assistente (a fls. 49 do processo crime);
q) Em 19-04-2021 foi proferido Despacho da Procuradora Dirigente, consignando o encaminhamento dos requerimentos do A. dirigidos à PGR (a fls. 52 a 54 do processo crime);
r) A fls. 58/59 do processo crime foi junta informação da Câmara Municipal ...;
s) Em 08-05-2021 foi proferido despacho de delegação no OPC competente a realização das diligências de inquérito, pelo prazo de 120 dias (a fls. 65/66 do processo crime);
t) Em 27-12-2021 foram expedidas convocatórias pela PSP (a fls. 83 do processo crime);
u) Em 10-02-2022 o A. juntou requerimento a requerer consulta do processo e cópia dos depoimentos bem como do mail enviado pela solicitadora «BB» ao advogado «DD» (a fls. 86 do processo crime);
v) Em 10-02-2022 o A. juntou requerimento dirigido à PGR, requerendo a aceleração processual, a sindicância do processo, procedimento disciplinar e criminal contra os titulares, bem como procedimento disciplinar contra o inspetor nomeado para investigar a primeira “participação” disciplinar (a fls. 87 a 89 do processo crime);
w) Por despacho de 11-02-2022 foi deferida a consulta do processo e mandado instruir apenso de aceleração processual (a fls. 93/94 do processo crime);
x) Por despacho de 14-02-2022 foi consignado o encaminhamento do pedido de aceleração processual e determinada a conclusão do processo ao Procurador Dirigente atenta a exposição dirigida à PGR (a fls. 97/98 do processo crime);
y) Do despacho de 15-02-2022 do Procurador Dirigente consta que a exposição endereçada à PGR foi remetida ao Chefe de Gabinete (a fls. 103/104 do processo crime);
z) Em 15-02-2022 o A. juntou requerimento dirigido à PGR (a fls. 105/106 do processo crime);
aa) Por despacho 16-02-2022 foi ordenada a conclusão dos autos ao Procurador Dirigente (a fls. 107/108 do processo crime);
bb) Do despacho de 17-02-2022 do Procurador Dirigente consta que remeteu exposição à PGR (a fls. 109/110 do processo crime); cc) Por despacho de 18-02-2022 foi determinada a devolução dos autos ao OPC para diligências (a fls. 11/112 do Processo crime);
dd) Em 02-03-2022 o A. prestou declarações na qualidade de queixoso/assistente (a fls. 116 do processo crime);
ee) Por email de 25-02-2022 foi comunicada ao processo a decisão do pedido de aceleração processual, tendo sido concedido o prazo de 90 dias para encerramento do inquérito (fls.120 do processo crime); ff) Em 02-03-2022 o A. juntou requerimento dirigido à Procuradora Geral da República, pedindo a substituição do magistrado titular do processo (a fls. 167/167 do processo crime);
gg) Em março de 2022 (dia ilegível) o A. juntou requerimento dirigido à Procuradora Geral da República (a fls. 169/170 do processo crime);
hh) Em 02-03-2022 foi proferido despacho a ordenar a remessa dos autos ao Procurador Dirigente (a fls. 174/175 do processo crime);
ii) Do despacho de 03-03-2022 do Procurador Dirigente consta que o expediente foi enviado à PGR (a fls. 176 do processo crime);
jj) Em 07-03-2022 foi proferido despacho ordenando a notificação do assistente em resposta a requerimentos deste (a fls. 177/178 do processo crime);
kk) Em 11-03-2022 «BB» foi constituída arguida e interrogada (fls. 190 a 194 do processo crime);
ll) Em 30-05-2022 foi proferido o despacho cuja cópia foi junta pelo A. com a p.i. como doc. ...0, do qual consta que, relativamente ao eventual crime de difamação, “o procedimento criminal referente aos factos imputados à arguida prescreveu em 30-01-2022” (a fls. 301/302 do processo crime);
mm) Em 14-07-2022 foi proferido despacho final de arquivamento do inquérito, no qual foi considerado que a factualidade denunciada seria suscetível de, em abstrato, integrar a prática de um crime de difamação e de um crime de furto ou abuso de confiança, respetivamente previstos e punidos pelos artigos 180.º, 182.º, 203.º e 205.º CP; foi ordenada a extração de certidão para o DIAP de Vila Nova de Gaia relativamente ao eventual crime de abuso de confiança respeitante ao ouro e álbuns de fotografias alegadamente apropriados pela companheira do pai; quanto ao crime de difamação, atenta a falta de acusação particular, foi arquivado por ser legalmente inadmissível o procedimento criminal; os crimes de furto e abuso de confiança foram arquivados nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CP – despacho que se encontra a fls. 335/344 do processo crime e cuja cópia é junta à presente contestação como doc. ...;
nn) Em 11-08-2022 o A. juntou aos autos requerimento de abertura de instrução (a fls. 373/375 do processo crime);
oo) Por despacho 10-01-2023 do Juiz de Instrução Criminal foi indeferida a abertura da instrução por inadmissibilidade (a fls. 445/446 do processo crime) – cf. doc. ... junto com a presente contestação.

13.º Resulta da exposição dos factos supra, que:

- o alegado crime de difamação terá sido praticado em 30 de janeiro de 2020;
- o A. apresentou queixa em 30 de julho de 2020, no término dos 6 meses para a apresentação de queixa e “véspera” de férias judiciais;
- a denunciada relativamente a tal crime foi constituída arguida em 11 de março de 2022; pelo que tal crime prescreveu a 30 de janeiro de 2022, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 118.º, n.º 1, al. d), 121.º, n.º 1, al. a) e 180.º, n.º 1, todos do Código Penal.


14.º Verifica-se, pois, que a duração do inquérito desde a apresentação da queixa crime até à prescrição foi de um ano e meio, sendo que o facto da prescrição ter sido declarada posteriormente se revela anódino e irrelevante na preclusão do direito pelo decurso do tempo.

15.º Cumpre, pois, analisar o processado, durante esse ano e meio , para aferir qual seria o prazo razoável de duração do inquérito até à constituição de arguida quanto ao crime de difamação (não olvidando que o inquérito tinha por objeto também outros crimes).

16.º Resultando claro dessa análise que, no decurso do processo, o A. apresentou numerosos requerimentos, demonstrando uma intervenção muito superior ao habitual por parte de um queixoso / assistente e provocando constantemente a necessidade de prolação de despachos e intervenções hierárquicas.

17.º Nomeadamente, e apenas até à data da prolação do despacho de 30 de maio de 2022, no qual foi constatada a verificação da prescrição do eventual crime de difamação, o A. apresentou: dois requerimentos em 7 de agosto de 2020, dois requerimentos em 2 de fevereiro de 2021, um deles dirigido à Procuradora-Geral da República, dois requerimentos em 17 de fevereiro de 2021, um requerimento em 18 de fevereiro de 2021 dirigido à Procuradora-Geral da República, um requerimento em 10 de março de 2021, dois requerimentos em 10 de fevereiro de 2022, um deles dirigido à Procuradora-Geral da República, um requerimento em 15 de fevereiro de 2022 dirigido à Procuradora-Geral da República e dois requerimentos em 2 de março de 2022 dirigido à Procuradora-Geral da República – cf. doc. ... ora junto.

18.º O processado em causa originou, inclusivamente, a abertura de quatro apensos (A, B, C e D), um deles de aceleração processual e três de escusa das sucessivas magistradas titulares do processo (atentas as diversas exposições do A. à PGR “contra” as mesmas) - cf. doc. ... ora junto.

19.º Verifica-se, pois, que os sucessivos requerimentos e exposições do A. no processo de inquérito 576/20.... geraram uma atividade processual acrescida, contribuindo para a falta de tramitação célere do mesmo.

20.º Relativamente aos danos que o Autor invoca, acima já impugnados, verifica-se que os mesmos dizem mais respeito aos factos imputados à arguida (cf. art. 22.º a 24.º da p.i.) do que diretamente ao atraso do processo, conforme decorre do art. 25.º da p.i. ao referir que o arquivamento do processo agravou tais danos.

21.º Acresce que não se compreende o valor que o A. atribui a tais danos (€ 8.000,00), sendo tal valor muito superior ao que o A. poderia obter num eventual pedido cível, na hipótese altamente incerta da arguida vir a ser acusada e condenada pelo crime de difamação.

22.º De todo o exposto resulta que o montante ora peticionado ao Estado Português é exorbitante e infundado.

DO DIREITO

23.º No ordenamento jurídico português o direito a uma decisão em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva – vide art.º 20º, nº 4 e 5 e art.º 268º, nº 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa – e a infração a esse direito poderá constituir o Estado em responsabilidade civil extracontratual – art.º 22º da Constituição da República Portuguesa, art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro – e em consequente obrigação de indemnização.

24.º No entanto, correspondendo este tipo de responsabilidade, no essencial, ao conceito de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no art.º 483º, n.º 1 do Código Civil, para se verificar responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, terão que se verificar cumulativamente, e ser demonstrados, os seguintes pressupostos:

a) O facto (comportamento voluntário que pode revestir a forma de ação ou omissão);
b) A ilicitude (ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios);
c) A culpa (nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto);
d) O dano (lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante pela sua gravidade);
e) O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano (apurado segundo a teoria da causalidade adequada, na sua formulação negativa).

25.º Ou seja, o Réu Estado Português apenas poderá ser responsabilizado pelo pagamento da peticionada indemnização se da factualidade a apurar resultar que o processo que fundamenta aquele pedido foi julgado para além do «prazo razoável», que esse atraso se ficou a dever a culpa dos serviços do Estado na administração da justiça, que daí decorreram danos para o A. e que existe uma relação direta entre essa demora e os prejuízos cujo ressarcimento se peticiona.

26.º Importa, assim, apreciar os requisitos da responsabilidade civil fundada na prática de ato ilícito e verificar se no caso em apreço estão preenchidos todos esses pressupostos.

a) Do facto ilícito

27.º O art.º 20º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito a uma “decisão judicial em prazo razoável”.

28.º Nos termos do art.º 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78, de 13.10, e aplicável nos termos do art.º 8º da Constituição da República Portuguesa, “qualquer pessoa tem direito a que a causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (…)”.

29.º Em ambos os preceitos a exigência de celeridade vem associada à exigência de equidade, associando ainda o art.º 6º § 1º da Convenção dos Direitos do Homem a exigência de celeridade a um processo justo ou, em termos amplos, à qualidade da justiça.

30.º Conforme refere Irineu Cabral Barreto, in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 4ª edição, 2010, pág. 184, “a determinação da razoabilidade do prazo não pode ter um tratamento dogmático, requerendo o exame da situação concreta, onde se ponderem todas as circunstâncias inerentes apreciadas globalmente” (sublinhado nosso).

31.º Assim, para atestar de um ilícito atraso da justiça não basta balizar os marcos temporais de início e fim de um processo, nem, como tal, apenas afirmar que um processo demorou certo número de anos a ser decidido,

32.º Pois haverá que ter em conta, para concretizar a definição do conceito de “prazo razoável” constante dos normativos citados, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes (do STA e do TEDH), os seguintes parâmetros, a apreciar casuisticamente, de acordo com as circunstâncias de cada caso:

a) A natureza e complexidade do processo;
b) O comportamento do requerente e dos órgãos do poder judicial, executivo e legislativo;
c) A duração média da espécie processual;
d) As ocorrências especiais, os incidentes suscitados, devendo ainda excluir-se todo o tempo de atraso injustificado que se deva imputar à atuação da parte que pede a indemnização e ainda a ocorrência de fatores alheios ao funcionamento e controle dos tribunais.

33.º Na verdade, a duração de um processo judicial nem sempre é imputável apenas ao sistema judiciário, havendo vários fatores, como os supra referidos, que a determinam, uns de natureza objetiva, outros de natureza subjetiva.

34.º Ou seja, conforme tem sido entendimento dominante da jurisprudência sobre a matéria, só se pode afirmar que um processo foi decidido para além do «prazo razoável» quando o mesmo foi julgado para além do momento em que, em circunstâncias normais, face às suas caraterísticas apreciadas casuisticamente, deveria ter sido decidido, e que esse atraso se ficou a dever ao deficiente e culposo funcionamento da administração da justiça.

35.º Apenas a morosidade imputável ao Estado pode levar à sua condenação pela inobservância da exigência do “prazo razoável”.

36.º Para a duração razoável standard de um processo judicial convém ter igualmente em conta a jurisprudência do TEDH, de acordo com a qual a duração média - que corresponde à «duração razoável» - de um processo em 1ª instância será de cerca de 3 anos, e a de todo o processo - incluindo recursos e eventual execução - deve corresponder, por regra, a um período que vai de 4 a 6 anos, salvo casos especiais.

37.º Contudo, estando em causa um processo de inquérito que investiga um crime cujo prazo de prescrição é de dois anos, tal prazo de duração razoável tem que ser naturalmente mais curto.

38.º Sendo certo que o art. 276.º do Código de Processo Penal estabelece os prazos de duração máxima do inquérito (que, no caso, seria de 8 meses), embora tais prazos tenham natureza meramente indicativa.

39.º Da análise do referido processo n.º 576/20...., conforme a cronologia patente no art. 12.º desta contestação, resulta que a duração do inquérito desde a apresentação da queixa até à prescrição do eventual crime de difamação foi de um ano e meio.

40.º Cumpre notar que parte do processo 576/20.... decorreu durante a situação de pandemia COVID19, com os condicionamentos e constrangimentos decorrentes dos sucessivos estados de emergência e de calamidade que são factos notórios e do conhecimento público,

41.º Tendo provocado atrasos no funcionamento dos tribunais, o que configura claramente a “ocorrência de fatores alheios ao funcionamento e controle dos tribunais”.

42.º Atendendo ainda ao facto de a queixa ter sido apresentada literalmente nas vésperas das férias judiciais (sendo que o processo em causa não corre nas férias) e à atividade processual acrescida motivada pelos requerimentos do A. (acima descrita, nomeadamente nos artigos 17.º e 18.º) parece-nos que a duração razoável para a tramitação do processo até à interrupção da prescrição seria de um ano.

43.º Se considerarmos, então, que, face às circunstâncias do caso concreto já expostas, seria razoável que a denunciada fosse constituída arguida no final de um ano, interrompendo a prescrição, temos que o inquérito durou, efetivamente, seis meses mais do que do aceitável.

44.º Portanto, admitimos a existência in casu de ilicitude (por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, sem que haja causa de justificação) do Estado Português pela duração irrazoável do processo em seis meses.

b) Da Culpa

45.º A culpa consiste no nexo de imputação ético jurídico, que liga o facto à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto.

46.º O art.º 10º, nº 1 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, dispõe que “a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor”,

47.º Estabelecendo o n.º 2 desse artigo que “sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos jurídicos ilícitos”.

c) Dos Danos

48.º Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito e culposo tenha causado prejuízo a alguém.

49.º O dano é, pois, o prejuízo real ou a perda efetiva que o lesado sofreu nos seus interesses, sendo que de acordo com a natureza dos interesses afetados, o dano pode ser patrimonial ou não patrimonial – art.º 3º, nº 3 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

50.º No caso, o A. invoca a verificação de alegados danos não patrimoniais como consequência de tal delonga processual.

51.º No entanto, da leitura da petição inicial, resulta manifesto que, conforme acima já apontado, não são suficientemente concretizados factos que consubstanciem eventuais danos relativos diretamente à conduta do Réu Estado através da alegada omissão de decisão em prazo razoável.

52.º Ora, por um lado não se aceita a ocorrência dos alegados prejuízos que extravasem o denominado dano moral comum,

53.º E, por outro lado, sempre se mostraria inadequado e exagerado o pedido quanto a eles, pelo que se impugnou o quantum indemnizatório pedido pelo A.

54.º Com efeito, dispõe o art.º 496º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, e não à luz de fatores subjetivos.

55.º Assim, para o preenchimento do conceito de gravidade exigido por este normativo, não basta uma mera alegação conclusiva e abstrata, sendo que, de acordo com a doutrina e jurisprudência absolutamente dominantes sobre a matéria, as contrariedades, os simples incómodos ou as meras preocupações de ordem psíquica não se integram nas violações que pela sua gravidade a lei pretende ressarcir.

56.º Por outro lado, sempre seria necessário que tais realidades se mostrassem objetivamente concretizadas, que a sua amplitude, intensidade e duração se revelasse descrita e demonstrada, para que se pudesse concluir se o dano seria, ou não, grave e merecedor de tutela jurídica,

57.º O que o A. não faz, pelo que não é de acolher a existência dos danos não patrimoniais por si alegados que extravasem o denominado dano comum, correspondente aos danos normalmente produzidos nestas situações.

58.º Quanto a estes, a jurisprudência perfilhada pelo TEDH vem presumindo a existência de danos não patrimoniais como consequência da demora excessiva de um processo judicial, entendendo aquele tribunal que esses danos não patrimoniais são danos comuns, que decorrem das regras da vida.

59.º No caso do atraso na justiça, são danos que emergem do próprio atraso da justiça e que são aptos, em condições de normalidade, de criar sentimentos de angústia, frustração e injustiça no cidadão, em geral.

60.º Quanto à alegação e prova destes danos não patrimoniais comuns, o TEDH só as requer quando estes danos excedam os normalmente produzidos nestas situações, sendo que dos factos alegados, conforme supra referido, não resultam danos não patrimoniais superiores aos comuns.

61.º No entanto, cumpre salientar, como assinalou o TEDH no acórdão Riccardi Pizzati c. Itália, de 29.03.2006, que a presunção de dano não patrimonial é ilidível, aceitando-se que haja casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral (vide art.º 346º e 351º do Código Civil), sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente.

62.º No caso, tendo em conta que o A. apenas apresentou queixa ao fim de seis meses após os factos, que referido inquérito n.º 576/20.... investigava outros crimes (tendo acabado por ser arquivado na íntegra relativamente a todos os crimes) e que a abertura de instrução foi indeferida,

63.º Tal originou uma consequente diminuição do grau de ilicitude daí decorrente – com um menor desvalor da ação e do resultado – pelo que deverá tal circunstância ser tida em consideração no montante indemnizatório a atribuir ao A. pelo tempo excessivo de seis meses.

64.º
A jurisprudência dos tribunais superiores tem fixado montantes indemnizatórios para danos morais diretamente decorrentes do atraso da justiça que tem rondado o valor dos € 1.000 por cada ano de pendência processual para além do que seria expectável.

65.º Todavia, tendo em conta o circunstancialismo supra referido, entendemos que, no máximo, mostrar-se-ia adequado e proporcional, de acordo com critérios de equidade, fixar, no máximo, o montante indemnizatório proporcional a € 500 por cada ano de pendência processual para além do que seria expectável, ou seja, para um atraso de seis meses, o montante de € 250,00.

d) Do nexo de causalidade

66.º Finalmente, para que haja obrigação de indemnizar seria ainda necessário que se demonstrasse a existência de nexo de causalidade entre um eventual atraso na tramitação do processo e os danos alegados,

67.º Ora, também nesta vertente seria necessário que o A. demonstrasse que os danos por si alegados como produzidos na sua esfera jurídica teriam sido exclusivamente provocados pela alegada tramitação anómala e culposa do processo em causa.

68.º O que, manifestamente, não faz, pois imputa primordialmente os danos por si alegados à conduta da arguida.

69.º Assim, com exclusão do supra referido dano moral comum, os restantes danos invocados pelo A., tal como configura a ação, não podem seguramente resultar exclusivamente de qualquer atraso na tramitação do processo em causa,

70.º Logo, inexiste nexo de causalidade relativamente a tais danos invocados pelo A., pelo que, relativamente aos mesmos, mais uma vez teremos que concluir que não se verificam os pressupostos cumulativamente exigíveis da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por delonga na prolação de decisão judicial, pelo que, também por este motivo, o R. Estado Português terá que ser totalmente absolvido desses pedidos.


71.º Sem conceder, cumpre ainda reforçar em sede de nexo de causalidade, tendo em conta o atraso na apresentação da queixa crime e a atuação processual do A. no inquérito n.º 576/20.... acima descrita, que o tempo que o processo demorou até ser decidido definitivamente quanto ao crime de difamação também se deveu a responsabilidade do próprio A.

72.º Pelo que sempre estaríamos perante uma situação em que o comportamento processual do lesado teria originado a produção dos danos alegados, nos termos e para os efeitos do art.º 4º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, com as consequências, previstas nessa norma, daí resultantes,

73.º O que sempre configuraria, nesta parte, uma causa de interrupção do nexo de causalidade entre o facto e o dano (vide, neste sentido, Paulo Otero, “Causas de exclusão da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por facto ilícito”, in “Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia”, Volume II, FDUL, 2010, pág. 981 e 982).

Nestes termos, e nos melhores de direito deve a presente ação ser julgada apenas parcialmente procedente e, em consequência, ser o R. Estado Português condenado no pagamento de indemnização ao A., a fixar, no máximo, em 250 € (fixando-se a proporção do decaimento para o autor, no mínimo, em 96,875% e para o R. Estado Português, no máximo, em 3,125%).
(…)”.

3. O Autor veio então apresentar a seguinte réplica:

“(…)
1. O Réu nos artigos 16º a 20º da contestação, defende-se por excepção peremptória ao invocar factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito do Autor.

2.Com efeito, defende o Réu nos artigos 16º a 19º, que a falta de tramitação célere do processo de inquérito n.º 576/20...., da Procuradoria da República da Comarca do Porto, DIAP – Secção de Vila do Conde, deveu-se a “... sucessivos requerimentos e exposições do Autor ...” que “...geraram uma actividade processual acrescida”; depreendendo-se que

3. Tal actividade processual acrescida tenha sido a causa da prescrição do processo crime, pelo menos no que tange ao crime de difamação; sendo certo que

4. O Réu, reconhece/ confessa que, e passa-se a transcrever:

- “... o que causou a prescrição do processo quanto ao crime de difamação foi a não constituição atempada da denunciada como arguida” - cfr. nota de rodapé n.º 2 da pag. 7, que para os devidos e legais efeitos deve ser considerada como integrando matéria alegada na contestação.

5. Ora, no que tange á constituição de «BB» como Arguida, tendo o Autor apresentado queixa crime em 30 de Julho de 2020, e apresentado requerimento para a constituição como assistente em 07 de Agosto do mesmo ano; constituição que

6. Foi admitida em 12 de Abril de 2021, por despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal, tal como como descrito no artigo 12º da contestação, pelo que o Réu

7.Ou melhor o Ministério Publico, dispunha já de condições para ordenar a constituição como arguida de «BB», nos termos do disposto no Art.º 58º n.º 1 al a) do CPP, não se compreendendo a razão pela qual aquela só foi constituída arguida em 11 de Março de 2022, ou seja aproximadamente 11 meses depois de ter sido admitida a constituição como assistente do Autor

8.Os requeriment8os apresentados pelo Autor, aliado ao facto de o inquérito ter por objecto outros crimes, não justificam de forma alguma, nem podem, que se tenha deixado prescrever o crime de difamação. Não olvidemos que

9. O Ministério Publico, é a autoridade judiciaria que dirige a fase de inquérito sendo dotado de independência funcional, ou seja não responde perante qualquer outra autoridade judiciaria, controlando-se a si mesmo; sendo ainda de

10. Evidenciar que o crime denunciado, não implicava uma especial complexidade na investigação.

11. No que tange aos danos sofridos pelo Autor, e ao contrario do que é alegado na contestação, estão directamente relacionados com o atraso do processo ; o facto de ter sido utilizada a expressão “...agravou tais danos”, não permite concluir sem mais que a prescrição do procedimento criminal por crime de difamação não tenha causado danos não patrimoniais.

12. Não sendo de todo exorbitante e infundado o montante peticionado.

COM EFEITO

13. No que se refere aos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, para além de estarem concretizados ao contrário do alegado pelo Réu, sempre se referira por mera cautela de patrocínio que

14. A jurisprudência nacional em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) defendem que o dano não patrimonial das pessoas lesadas pela falta de decisão em prazo razoável merece a tutela do direito mesmo que não se efetue uma específica prova de ter causado grande sofrimento ou sensível alteração da vida ou de comportamentos, depressão ou outra situação clinicamente caracterizável como de sofrimento psicológico e moral.

15. Como defende Isabel Celeste Fonseca, “Violação do prazo razoável e reparação do dano …”, em anotação ao Acórdão do STA de 09.10.2008, P. 0319/80, CJA 72, 46, n. 18: - “O dano não patrimonial para ser indemnizado não necessita de atingir suficiente gravidade, antes pelo contrario o dano não patrimonial é um dano in re ipsa necessariamente insito no dano decorrente da violação do direito à prolação de sentença em prazo razoável, sendo certo que no que concerne á sua prova se prescinde de todo em todo dela “.

16. Relativamente ao quantum indemnizatório, ao contrario do alegado pelo Réu, como se disse, o montante peticionado não é de todo exorbitante e infundado.

17. É entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência estrasburguesa que a indemnização por danos não patrimoniais deve ser determinada com base no tempo de duração total do processo, e não só por cada ano considerado de atraso, à razão de uma quantia compreendida entre 1.000,00 e 1.500,00 euros por cada ano de pendência – vide Ac. TCAS prolatado a 10.12.2019, proc. n.º 1966/09.0BEPRT,

18. Na verdade, o artº. 41º. da Convenção manda atribuir uma “reparação razoável” às vítimas da violação do “prazo razoável “ e que o TE, seguido pelos tribunais nacionais, tem entendido que a indemnização deve ser fixada entre 1.000,00 e 1.500,00 euros por cada ano de duração do processo, e não só por cada ano de atraso.

19. No caso em apreço, o processo iniciou-se com a apresentação da queixa pelo Autor em 30 de Julho de 2020, tendo sido proferido a 30 de Maio de 2022, despacho do qual consta “...o procedimento criminal referentes aos factos imputados á arguida prescreveu em 30.01.2022”, ou seja

20. O processo, desde o seu inicio, durou 1 ano e 10 meses; considerando o Réu nos artigos 43º e 44º da contestação que “... seria razoável que a denunciada fosse constituída arguida no final de um ano, interrompendo a prescrição, temos que o inquérito durou, efetivamente, seis meses mais do que o aceitável … portanto admitimos a existência in casu de ilicitude … do Estado Português pela duração irrazoável do processo a seis meses” (sublinhado nosso)

21. Não se afigura, de todo, excessivo o montante indemnizatório peticionado, atendendo a que, (e pese embora o Réu reconheça mas desvalorize a violação do direito do Autor a uma decisão em prazo razoável), por força da prescrição do procedimento criminal, este extinguiu-se, o que acarreta a desresponsabilização e impunidade da arguida «BB»; ou seja e ao

22. Contrário do que sucede em muitos outros casos de responsabilidade civil extracontratual do estado, por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, no caso em apreço a decisão final do processo não foi proferida, nem o poderá ser.

23. Ocorre, assim um agravamento da ilicitude que fundamenta o montante indemnizatório peticionado.

24. Sendo, no mínimo absurdo e irrisório, o montante de Eur. 250,00 proposto pelo Réu, face á culpabilidade daquele, que resto assumiu na contestação,

25. Com respeito aos restantes pressupostos de que depende o preenchimento da responsabilidade civil extracontratual do estado, defende o Réu como aliás seria de esperar, que também não se encontram preenchidos no caso em apreço.

26. Ora e no que tange ao facto ilícito, não obstante o Réu ter confessado a sua ocorrência, dado o prazo razoável do procedimento ter sido ultrapassado, ainda assim

27. Tal responsabilidade não pode ser assacada ao Réu, em virtude não só do comportamento do Autor que motivou um atraso injustificado do procedimento, mas também da ocorrência de factores alheios ao funcionamento e controle dos tribunais, in casu a pandemia de COVID 19.

28. No que diz respeito ao comportamento do Autor, nenhuma eventual e mencionada vicissitude, era impeditiva para que o MP, não só ordenasse a constituição como arguida de «BB» , mas também

29. Procedesse á recolha atempada da matéria probatória, como de resto foi desde logo requerida pelo Autor aquando da queixa apresentada na PSP ... em 30 de julho de 2020.

30. Para além do referido pedido, o Autor requereu por mais duas vezes, durante a tramitação do processo e em tempo, para que o Ministério Publico promovesse pela recolha da matéria probatória, facto que Ministério Publico ignorou..

31. Assim, e ao contrário do que é alegado na contestação, o Autor não provocou qualquer vicissitude, mas antes e isso sim, insistiu para que o Ministério Publico estivesse atento à recolha da prova e aos prazos de prescrição do crime apontado, tendo inclusive deduzido

32. É de evidenciar que aquele apenas utilizou os meios processuais que lhe são facultados pela lei interna, para defender os seus interesses, o que não pode ser considerado para excluir a responsabilidade do Estado em razão da duração de um processo para além do prazo razoável.

33. Cabe ao Estado organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem nos tribunais, através de sucessivos incidentes e recursos permitidos na lei interna. – vide neste sentido Ac. STA, prolatado a 27.11.2013, proc. n.º 0144/13, relator: Costa Reis.

34. Por outro lado, a ocorrência de fatores alheios ao funcionamento e controle dos tribunais, in casu , o facto de parte do processo ter decorrido durante a situação da pandemia COVID 19, não permite de todo justificar a incúria do Ministério Publico em deixar prescrever o procedimento criminal, porquanto

35. Com as Leis n.ºs 1-A/2020, de 19 de Março e 16/2020, de 20 de Maio e as Leis n.º 4B/2021, de 1 de Fevereiro e 13-B/2021, de 5 de Abril, aprovadas no âmbito das medidas excepcionais de contenção da pandemia do vírus COVID-19, para além de ter sido determinada a suspensão de vários prazos, incluindo de prescrição, nos períodos de 9/3/2020 a 3/6/2020 e de 22/1/2021 a 6/4/2021.

36. O Ministério Publico, pese embora a situação excecional gerada pela pandemia, em prol da superior missão que lhe assiste de garantir o regular funcionamento do Estado e no justo equilíbrio do direito à saúde da coletividade, não se podia demitir das suas competências e, portanto, tinha a obrigação de assegurar a continuidade dos inquéritos criminais, de forma presencial ou remota;

37. As medidas então impostas criaram constrangimentos, mas, em momento algum, foi impedido o dever do cidadão se deslocar para comparecer presencialmente a um ato processual a realizar perante um órgão de polícia criminal, o Ministério Público ou o Tribunal; ou que houvesse a impossibilidade (legal ou outra) de tal diligência ser efetuada por via telemática, ou ainda, que as autoridades judiciárias não pudessem efetuar diligências presenciais necessárias para a investigação criminal

38. Por último, e ao contrário do defendido pelo Réu, existe nexo de causalidade entre o facto e o dano, os danos alegados são causa directa do atraso da tramitação do processo, e subsequente prescrição.

39. Considerando que se impõe ao Réu, Estado Português, o dever legal de zelo e de adoção de todas as ações ou condutas de forma a dar resposta efetiva ao serviço público de justiça, apreciando e decidindo as pretensões dos particulares e resolvendo os processos instaurados, em tempo útil,

40. Não deixa de ser, no mínimo, caricato que o Réu venha invocar que o facto de o Autor ter respeitado o prazo para apresentação da queixa crime contra «BB», considerando, contudo, que houve “atraso” na apresentação da mesma, e mais uma vez, à falta de melhor argumento, invocando atuação processual daquele, defenda que

41. Terá sido o próprio Autor /lesado a originar a produção dos danos que alega, nos termos do art.º 4º da Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro, o que acarretaria uma interrupção do nexo de causalidade entre o facto e o dano, haja bom senso ...

42. Impugna-se assim para os devidos efeitos, toda a matéria vertida na contestação.

Nestes termos e nos mais de direito, deve ser considerada improcedente por não provada a matéria excepcionada pelo Réu na contestação, pelo que se conclui como na Petição Inicial.

(…)”

4. Articulado sobre o qual recaiu o despacho ora recorrido, da M.ma Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 04.05.2023:


“O A., notificado da contestação do R., veio apresentar um articulado posterior, que intitula de réplica.

Acontece que o artigo 85.º-A, n.º 1, do CPTA, só permite que o A. apresente réplica para responder às excepções invocadas na contestação ou às excepções perentórias invocadas pelo MP, assim como, para deduzir toda a defesa quanto à matéria de reconvenção, quando exista.

Pois bem, no caso vertente, nenhuma das causas habilitantes do articulado de réplica se verifica, porquanto, o R. não suscitou de forma especificada qualquer excepção, dilatória ou perentória, tendo presente o disposto no artigo 89.º do CPTA.

A suposta réplica não pode servir de pretexto para o A. simplesmente "contestar a contestação", ou introduzir uma dialética não prevista processualmente pelo CPTA, nem se destina à inserção de argumentos de facto ou/e de direito que já deveriam constar, "ab initio", da petição inicial, tal como, não pode ser usada como mero aprimoramento ou densificação do articulado inicial, como pretende, no fundo, o Autor.

Assim sendo, não pode a peça processual em causa manter-se nos presentes autos, devendo a mesma ser desentranhada do processo, após o trânsito. Oportunamente, devolva ao apresentante o articulado desentranhado.

Custas pelo incidente a cargo do A., que se fixa em 1 (uma UC) - cf. artigos 527.º, n.º 1, 539.º, n.º 1, do CPC, 1.º do CPTA, 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II anexa, sem prejuízo, todavia, do apoio judiciário.


*
III - Enquadramento jurídico.

Conforme se refere na decisão recorrida, o artigo 85.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, só permite que o Autor apresente réplica para responder às excepções invocadas na contestação.

Mas, ao contrário do que se sustenta nesta decisão, não é correcto afirmar que o Réu não suscitou de forma especificada qualquer excepção, dilatória ou peremptória.

A defesa por excepção peremptória traduz-se na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, determinando a improcedência total ou parcial do pedido – artigos 571º, n.º2, 2ª parte, e 576º, n.º3, ambos do Código de Processo Civil

A defesa por impugnação consiste em contradizer os factos articulados na petição inicial ou em afirmar que esses factos não podem produzir os efeitos pretendidos pelo autor - artigo artigos 571º, n.º2, 1ª parte, do Código de Processo Civil.

Este tipo de defesa, por impugnação, pode traduzir-se numa negação directa e simples ou numa negação indirecta ou motivada. “Aquela é uma negação rotunda ou genérica do facto visado. Esta traduz-se na afirmação de que as coisas se passaram de modo parcialmente diverso e com outra significação jurídica; numa versão diferente do facto visado - aceitando-se porém algum elemento dele - e tal que daí não pode ter resultado o efeito jurídico pretendido pelo autor; numa contraversão ou contra-exposição do mesmo facto” - Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, ..., 1979, p. 127.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04.06.2002, no recurso de revista n.º 1621/02 - 6.ª Secção, “o traço diferenciador dos dois modos de defesa reside na negação dos factos alegados pelo autor no caso da impugnação, o que não ocorre na defesa por excepção pela qual, não se negando os factos do autor, se contrapõem outros que excluem ou paralisam os invocados por este”.

Olhando para o caso em concreto, e ao contrário do decidido, a matéria da contestação apresentada pelo Réu, a que a Autora veio responder, em réplica, não é matéria de impugnação, motivada ou não, antes é matéria de excepção, peremptória.

O Réu não se limita ali a contradizer factos invocados no articulado inicial (impugnação em sentido restrito) ou a retirar dos factos invocados no articulado inicial efeitos jurídicos distintos ou contrários aos pretendidos (impugnação motivada).

O Réu invoca factos novos, distintos dos factos invocados como causa de pedir no articulado inicial para deles retirar efeitos que podem conduzir à improcedência total ou parcial da acção.

Que se trata de matéria de facto nova não se nos afigura haver dúvidas, e essa circunstância apontaria, só por si, para a conclusão de se tratar de matéria de excepção peremptória.

A que acresce tal matéria ter por consequência a improcedência (se não total pelo menos parcial) da acção.

Na verdade, o Réu invoca factos novos, em concreto que a Autora contribui com o seu comportamento para a prescrição do crime e para o agravamento dos danos, factos novos esses que têm por consequência jurídica a diminuição ou exclusão da indemnização devida – artigo 570º do Código Civil.

Assim como aponta uma deficiência do articulado inicial – artigo 51º da contestação – que, a não ser suprida, tem como consequência a improcedência, ao menos parcial, da acção.

Podia, portanto, a Autora ter apresentado réplica, como apresentou, ao contrário do decidido.

Isto com excepção da matéria exposta nos artigos 16 a 25 da réplica.

Aqui não são contraditados factos novos: trata-se apenas de discutir o valor da indemnização pedida, ou seja, de impugnar a impugnação feita na contestação, o que não é admitido na réplica.

Devem por isso terem-se por não escritos estes artigos da réplica.

Termos em que se impõe julgar parcialmente procedente o recurso.

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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam o despacho recorrido.

2. Admitem a réplica apresentada pela Autora.

3. Determinam que se considerem não escritos os artigos16 a 25 da réplica.


1/3 das custas em ambas as instâncias pelo Autor, sem prejuízo do apoio judiciário.

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Porto, 13.09.2023

Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães
Celestina Caeiro Castanheira