Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00334/19.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/08/2021
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:COMPETÊNCIA MATERIAL; RECONHECIMENTO DE PROPRIEDADE;
Sumário:1 – Os tribunais administrativos serão competentes para dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas, devendo como tal considerar-se aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.

2 – Estando em causa uma Ação no sentido do Município ser condenado no reconhecimento de que o Autor é proprietário e legítimo possuidor da faixa de terreno ocupada por aquele, atendendo à causa de pedir e ao pedido formulado, é manifesto que estamos perante uma ação através da qual este pretende o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade sobre a identificada parcela.

3 - Como se afirmou no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 16/02/2012, proc. n.º 020/11, aqui aplicável, mutatis mutandis, está-se perante “uma ação de reivindicação do direito de propriedade e, portanto, perante uma ação real, da competência da jurisdição comum, nos termos dos artº211º, nº1 da CRP, artº 66º do CPC e artº18º da LOTJ, já que não existe qualquer norma especial que a subtraia do âmbito dessa jurisdição, designadamente no ETAF.
Na verdade, sendo a competência da jurisdição comum de natureza residual, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, nela caberão todos os litígios que não sejam atribuídos a outra jurisdição, sendo certo que um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio e o consequente pedido de restituição desse prédio aos AA, é próprio de uma ação de reivindicação (...)”
Desde há muito vindo que se entende que a competência para conhecer de ações em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais.

4 – Estando em causa uma ação tipicamente real, já que o Autor invoca a propriedade do prédio parcialmente intervencionado pelo Município, o que, a confirmar-se, determinará a consequente obrigação do Réu a restituí-lo na situação em que se encontrava anteriormente à intervenção efetuada, é patente que estamos no âmbito da defesa de direitos reais, nos termos do artigo 1311º do CCivil, o que transcende a competência dos tribunais administrativos, pois não se está perante o exercício de quaisquer direitos e/ou deveres públicos.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:R.
Recorrido 1:MUNICIPIO (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I Relatório

R., devidamente identificados nos autos, intentou ação administrativa contra o Município (...), tendente a ser declarado que:
- É dono e legitimo possuidor do prédio descrito no art.º. 1.° da P.l. e que a este prédio pertence uma parcela de terreno com trinta e cinco metros de cumprimento por 1,5/2m de largura alcatroada pelo R.
- Que o R. ocupou ilicitamente uma parcela do prédio do A. descrito no art. 1.° da P.I., com 50m2, violando o direito de propriedade dos AA, causando-lhes prejuízos avultados de ordem não patrimonial;

O Autor, inconformado com a Sentença proferida em 28 de março de 2021, no TAF de Coimbra, que julgou verificada a exceção de incompetência material do TAF, mais absolvendo o Réu da instância, veio em 19 de abril de 2021 Recorrer Jurisdicionalmente da referida Sentença, tendo concluído:

“1-O Autor/Recorrente não se conforma com a douta decisão do Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” que considerou que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra é incompetente para decidir a pretensão formulada em juízo
2- Antes da instauração da presente ação, o recorrente instaurou ação comum no Tribunal de Competência Genérica de (...), o qual considerou não ser igualmente o Tribunal competente por considerar que a competência para dirimir a causa. Seria dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
3-A competência dos tribunais afere-se em função da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo A., designadamente em função do pedido e da causa de pedir .
4-Ora, no caso sub judice, o A. peticiona que lhe seja reconhecido o direito de propriedade sobre uma parcela de terrem ocupada ilicitamente pelo Município uma vez que esta não foi nem expropriada nem adquirida por qualquer forma a propriedade ou qualquer outro direito real, fundamentando a sua pretensão numa atuação de facto do Réu, o qual se apropriou do que não lhe pertencia sem que dispusesse de qualquer meio legítimo para o fazer.
5- Desde a última revisão do ETAF, a competência da jurisdição administrativa passou a estender-se e a abranger as atuações ou situações administrativas constituídas em via de facto (v. art49/1 ) ETAF).
6- Assim, deve a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que aprecie o mérito da causa, sempre tendo em consideração que a ação não foi contestada.
7-A decisão recorrida viola o disposto no art 49 do ETAF.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a decisão judicial que determinou a incompetência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra e substituindo-a por outra que aprecie o mérito da causa, ou determine o regresso dos autos ao tribunal recorrido para que aprecie o mérito da causa, sempre tendo em consideração que regularmente citado o Réu não apresentou Contestação nos autos, assim se fazendo sã serena e objetiva justiça”

O Recorrido/Município não veio apresentar contra-alegações de Recurso.

O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 30 de junho de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 10 de julho de 2021, veio a emitir Parecer em 10 de outubro de 2021, no qual, a final, se pronuncia no sentido do recurso dever ser julgado improcedente.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar

As questões a apreciar e decidir prendem-se predominantemente com a necessidade de saber se houve erro de julgamento na desconsideração da competência material do tribunal administrativo, já que os Tribunais Comuns se consideraram anteriormente igualmente incompetentes em razão da matéria, havendo assim um conflito negativo de jurisdição, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo não fixou qualquer matéria de facto como provada.

IV – Do Direito

No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se na Sentença recorrida o seguinte:

“(…) Perscrutada a petição inicial apresentada pelo autor, o mesmo assenta as pretensões que pretende fazer valer nos autos na existência de um direito de propriedade, em relação à parcela de terreno que diz ter sido ocupada pelo réu, do qual se arroga ser titular.
Para o efeito, alega que o referido prédio se encontra registado a seu favor, bem como que, sempre o autor e os seus ante possuidores, há mais de 50 anos, têm exercido um posse pública e pacífica em relação ao mesmo, fruindo-o e administrando-o, pelo que sempre o teria adquirido por usucapião.
É em face deste direito de propriedade que reclama, que o autor peticiona igualmente a condenação do réu a reconhecê-lo como legitimo proprietário e a restituí-lo, removendo o alcatrão lá colocado.
Estamos assim perante uma verdadeira ação de reivindicação. Note-se que, em sede de alegação de direito, é esse o enquadramento efetuado pelo autor, remetendo depois para o artigo 1311.º do Código Civil, norma de direito privado e que positiva no ordenamento jurídico a referida ação. Está pois em causa um meio processual que visa afirmar o direito de propriedade e pôr termo a uma situação de facto conflituante com o seu exercício, mediante a declaração de existência do direito e a subsequente condenação à restituição da coisa de que o autor foi privado.
A procedência dos presentes autos está dependente assim da prova da propriedade da coisa reivindicada.
A tal não obsta o facto de concomitantemente ser formulado o pedido de um pagamento indemnizatório, não se alterando a natureza da ação, e com ela a competência para a apreciação de ações de reivindicação, conforme já o decidiu o Tribunal dos Conflitos (vide Processo 8/11, de 12/01/2012), pronunciando-se no seguinte sentido: “(…) (C)abe aos tribunais comuns a competência para conhecer de ação ordinária, na qual os autores, invocando a qualidade de proprietários de prédio rústico abrangido por obras de construção de autoestrada levadas a efeito pelas rés, sociedades de direito privado, pedem a condenação destas no reconhecimento do seu direito de propriedade sobre aquele prédio, a reposição dos solos nas condições em que se encontravam anteriormente à intervenção das rés e, ainda, à respetiva condenação em indemnização pelos danos causados com tal intervenção.”
Nos termos do artigo 1.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2012, de 19/02, os tribunais administrativos e fiscais são os competentes para dirimir os litígios compreendidos no âmbito do artigo 4.º.
O artigo 4.º, n.º1 do ETAF, que estatui os tipos de litígios sujeitos à apreciação dos tribunais administrativos e fiscais, prevê na sua alínea i) que é competência destes a apreciação de litígios cujo objeto respeite à:
“i) Condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime;”
Todavia, é entendimento deste Tribunal que a referida norma não afasta dos tribunais da jurisdição comum, ainda que o réu seja uma entidade pública que atua fora do exercício do seu poder de império, a competência para decidir uma ação de reivindicação de imóveis como aquela aqui em causa. Com efeito, em causa não está uma relação jurídico-administrativa enformada pelo direito administrativo, conforme o exige os artigos 1.º e 4.º do ETAF, mas sim um litígio regulado por normas de direito privado.
Em idêntico sentido, pronunciou-se já, de forma clara e esclarecedora, o Tribunal dos Conflitos (Processo n.º 48/18, de 23/05/2019) relativamente a situação idêntica àquela aqui em apreciação, da forma que aqui, com a devida vénia, se transcreve:
“Com a Reforma de 2015, a al. i), do nº 1, do art. 4º do ETAF passou a atribuir à jurisdição administrativa a competência para apreciar litígios que tenham por objeto questões relativas a "condenação à remoção de situações constituídas em via de facto, sem título que as legitime".
Sem entrar agora na análise das origens e da evolução do instituto (Cf., por todos, Carla Amado Gomes, Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional, Coimbra Editora, 1999, páqs. 298-345. Na jurisprudência, cf. o ac. Do STJ de 5.2.2015, proferido no proc. nº742/10.2TBSJM.P1.S1, pode, no essencial, afirmar-se que a "via de facto" corresponde a uma atuação material da Administração que, sem base legal (Designadamente por ausência de atos jurídicos anteriores que legitimem essas operações materiais ou em que esses atos jurídicos são juridicamente inexistentes - v. Jorge Pação, ob. cit., pág. 194-195.),ofenda, de forma grave e manifesta, uma liberdade fundamental ou um direito de propriedade. (…)”
Neste conflito, que somos chamados a dirimir, discute-se precisamente se a nova alínea i), do art. 4º, nº 1, do ETAF abrange, ou não, as ações reais, como a dos autos, em que a controvérsia se centra primacialmente no reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado, face à atuação de uma entidade administrativa alegadamente ofensiva do direito invocado pelo autor.
(…)
Ora, nesta tarefa interpretativa, partindo da letra da lei e convocando quer o elemento histórico, quer o elemento racional ou teleológico, nos termos já supra aludidos, afigura-se-nos que a norma em causa deve ser interpretada no sentido de atribuir a competência aos tribunais administrativos para as ações em que apenas está em causa a remoção de atuações ilegais da Administração.
Se, porém, se discutir a titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel em questão, a competência continua a caber à jurisdição comum.
É esta, aliás, a posição de Carla Amado Gomes (Cf. "Temas e problemas da justiça administrativa", AAFDL, 2018, páqs. 39-56 e ''Via de facto e tutela jurisdicional contra ocupações administrativas sem título", in Revista do Ministério Público nº 15º Abril/ Junho, 2016, páqs. 89-109.) ao defender que a competência da jurisdição administrativa para o conhecimento das situações de ocupação, sem título, de imóveis pela Administração, em 'via de facto' - que já se verificava antes de 2015 e que a alteração legislativa só veio reforçar (por se estar, ainda, perante autuações materialmente administrativas da Administração) – não prejudica a competência dos tribunais judiciais para os casos em que a questão da titularidade do bem for controvertida. Dito isto.
Sendo pacífico que a competência em razão da matéria é fixada em função do pedido e da causa de pedir, irrelevando, neste plano (Cf. entre muitos, os acórdãos deste Tribunal de 26.1.2017, preferido no proc. nº 052/14 e o acórdão proferido, também neste Tribunal, em 30.11.2017 no proc. nº 011/17, o juízo de prognose que se possa fazer relativamente ao mérito da causa, é de concluir que a relação material controvertida, tal como é caracterizada pelo autor, não se inscreve em nenhuma das alíneas do nº1, do art. 4º, do ETAF, muito particularmente na alínea i).
Com efeito, a matéria alegada pelo autor visa, em primeira linha, alicerçar o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o imóvel e a condenação do R. na sua restituição. Por sua vez, o R. alega que o terreno em causa integra o domínio público, para, por esta via, justificar a ocupação.
Estamos, assim, perante uma típica ação de reivindicação (cfr. art. 1311º do Cód. Civil), pelo que a competência para apreciar a pretensão do autor, cabe aos tribunais judiciais, e não à jurisdição administrativa (art. 64° do CPC). (Neste sentido, cf. o ac. deste Tribunal dos Conflitos, de 13.12.2018, proc. 43/18, disponível em www.dgsi.pt.)”
Estando-se assim nos autos perante uma situação em que o autor intentou uma típica ação de reivindicação, é este Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra materialmente incompetente para decidir a pretensão formulada em juízo, o que configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa [Cfr. artigo 89.º, n.º 2 e 4, al. a) do CPTA], e importa a absolvição do réu da instância.”

Aqui chegados, importa verificar se terão os Tribunais Administrativos competência material para julgar a presente Ação, afirmando-se desde já que a decisão proferida em 1ª Instância será para manter.

Vem peticionado, em síntese, o reconhecimento de que o Autor é proprietário e legítimo possuidor da parcela que identifica a qual terá sido alcatroada pelo Município numa extensão de cerca de 50m2.

Vejamos:
Atendendo à causa de pedir tal como configurada pelos Autores coloca-se a questão de saber se a jurisdição administrativa é materialmente competente para conhecer do presente litígio.

Nos termos do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.

Por sua vez, o artigo 1.º do ETAF estatui que os tribunais administrativos e fiscais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, constituindo o vertido nesta disposição cláusula geral de determinação da competência da jurisdição administrativa.

Assim, os tribunais administrativos serão competentes para dirimir os litígios surgidos no âmbito das relações jurídicas públicas, devendo como tal considerar-se «aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, atuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido». (Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 8ª ed., pág. 57/58.

“(…) Para efeito da determinação da competência material do tribunal, deve atender-se à relação jurídica, tal como é configurada pelo Autor, na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido), independentemente do seu mérito, e os respetivos fundamentos (causa de pedir)”. (Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 9.6.10 (Proc. n.º 05/10).

O Autor instaurou a presente ação formulando o seu pedido, predominantemente no sentido do Município ser condenado no reconhecimento de que é proprietário e legítimo possuidor da faixa de terreno, com cerca de 50m2, alegadamente ocupada no prédio identificado.

Assim, atendendo à causa de pedir e ao pedido formulado pelo Autor, é manifesto que estamos perante uma ação através da qual este pretende o reconhecimento judicial do seu direito de propriedade sobre a parcela do prédio identificado, que terá sido, à sua revelia, alcatroada pelo Município.

Como se afirmou no Acórdão do Tribunal de Conflitos de 16/02/2012, proc. n.º 020/11, aqui aplicável, mutatis mutandis, está-se perante “uma ação de reivindicação do direito de propriedade e, portanto, perante uma ação real, da competência da jurisdição comum, nos termos dos artº211º, nº1 da CRP, artº 66º do CPC e artº18º da LOTJ, já que não existe qualquer norma especial que a subtraia do âmbito dessa jurisdição, designadamente no ETAF.
Na verdade, sendo a competência da jurisdição comum de natureza residual, como é pacífico na doutrina e na jurisprudência, nela caberão todos os litígios que não sejam atribuídos a outra jurisdição, sendo certo que um pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um prédio e o consequente pedido de restituição desse prédio aos AA, é próprio de uma ação de reivindicação (...)”

Como igualmente já decidiu o Tribunal de Conflitos, «… saber se, no presente caso, existe o invocado direito de propriedade (...) é questão que se prende já com o mérito da causa, a resolver pelo tribunal competente para a mesma, que já vimos ser o tribunal comum.”

A incompetência será a «insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta; a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.», cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128.

É incontornável que o Tribunal de Conflitos tem desde há muito vindo a entender que a competência para conhecer de ações em que se discutem direitos reais cabe apenas na esfera dos Tribunais Judiciais, cfr inter alia os Ac de 5 de Junho de 2014; 19 de Junho de 2014; 10 de Setembro de 2014; 25 de Setembro de 2014; 30 de Outubro de 2014; 10 de Março de 2016; 7 de Julho de 2016.

Em face de tudo quanto se discorreu, designadamente em 1ª instância e no próprio Parecer do MP, já nesta instância, está aqui predominantemente em causa uma ação, na configuração resultante dos pedidos e causa de pedir, que não cabe na competência dos tribunais administrativos, mas nos tribunais da jurisdição comum.

Está pois em causa uma ação tipicamente real, já que o Autor invoca a propriedade do prédio parcialmente intervencionado pelo Município, o que, a confirmar-se, determinará a consequente obrigação do Réu a restituí-lo na situação em que se encontrava anteriormente à intervenção efetuada, em face do que é patente que estamos no âmbito da defesa de direitos reais, nos termos do artigo 1311º do CCivil, o que transcende manifestamente a competência dos tribunais administrativos, pois não se está perante o exercício de quaisquer direitos e/ou deveres públicos.

Atento o exposto, a apreciação do pedido formulado está excluído do âmbito da jurisdição administrativa e, por conseguinte, tal como se decidiu em 1ª instância, é este Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do mesmo, pelo que o Tribunal não conhecerá daquele pedido.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente
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Porto, 8 de outubro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira Magalhães