Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/03.0BTMDL-A
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/02/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO;
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 43.º, 100.º da LGT e n.º 2 do art.º 61.º do CPPT que o contribuinte tem direito, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial, que houve erro imputável aos serviços, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, sendo certo que cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

II. O direito a juros indemnizatórios previsto no n. 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um ato de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.

III. Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária por força do art.º 43.º da LGT e n.º 2 do art.º 61.º do CPPT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Recorrente:E…, Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução de Sentença
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de proceder o pedido formulado pela exequente.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
A Recorrente, E..., LDA, NIPC n.º ..., com sede social na Rua do ..., interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a ação de execução de julgados.

Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as conclusões que se reproduzem:

A. Com o devido respeito, a Recorrente entende que a sentença recorrida fez um errado julgamento da matéria de facto e, bem assim, de direito quando decidiu que a AT não deve proceder ao pagamento dos juros indemnizatórios à luz do n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
B. Em primeiro lugar, a Recorrente considera que foi efectuado um errado julgamento da matéria de facto. Vejamos:
a. A aqui Recorrente, na petição inicial de impugnação judicial, requereu a anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, nomeadamente, em matéria de juros, (vide facto 1 dado como provado na sentença recorrida);
b. Significa isso que a aqui Recorrente, Impugnante no processo principal n.º 13/03.08TMDL, requereu neste preciso processo, a anulação da liquidação de imposto, como também a condenação da AT (que praticou o acto de liquidação impugnado) no pagamento dos juros legalmente devidos (que são, como é sabido, os juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da Lei Geral Tributária – “LGT”).
c. Em consequência da decisão transitada em julgado na acção administrativa (proc. 3.../0....6BE...), foi decidido no processo de impugnação judicial n.º 13/03.08TMDL julgar “a impugnação procedente” – vide sentença junta com a petição de execução como documento n.º 1 e cujo excerto decisório reproduzido supra)
d. Na sentença proferida no processo principal (13/03.08TMDL) julgou-se a impugnação procedente nada se excepcionando quanto aos juros (cuja condenação, repise-se, se pediu na petição inicial como se viu e foi dado como provado no facto n.º 1 da sentença recorrida).
e. Sentença essa que não foi objeto de recurso por parte da AT, tendo, por isso, transitado em julgado em 5 de Janeiro de 2021.
C. Em cumprimento do artigo 640.º do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, entende a Recorrente que, por força dos documentos acabados de convocar e do facto n.º 1 dado como provado, devia ter sido dado como provado no facto n.º 9 o seguinte: “9. Por sentença notificada a 20 de Novembro de 2020 no processo principal ( Impugnação judicial n.º 13/03.0BTMDL), decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que a pretensão da Exequente merecia acolhimento e, nesses termos, julgou a impugnação judicial procedente com todas as consequências legais – o que significou que a liquidação impugnada foi anulada e a AT condenada no pagamento dos juros legalmente devidos (cfr. facto 1) e fls. 371 a 376 do suporte físico do processo principal; documento n.º 1 da petição de execução”.
D. Deve ainda ser aditado o seguinte facto aos factos dados como provados: “A sentença proferida no processo principal transitou em julgado em 5 de Janeiro de 2021” (provado por não ser controvertido, por força da contagem dos prazos de recurso a partir da notificação da sentença junta como documento n.º 1 da petição de execução, ao que acresce igualmente o facto de a AT ter iniciado a restituição de parte das quantias exequendas).
E. Da matéria de facto que deve ser dada como provada, conclui-se, sem margem para qualquer dúvida, que a aqui Recorrente instaurou uma impugnação judicial na qual, além da anulação da liquidação de imposto, requereu que fossem retiradas todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros que se mostrassem devidos. Esses juros são, pois, os juros indemnizatórios previstos no artigo 61.º, n.º 2 do CPPT e artigo 43.º da LGT e nem podiam ser, naturalmente, outros juros...
F. Ora, já se concluiu que da matéria de facto que deve ser dada como provada se deve afirmar que a sentença proferida no processo principal, que transitou em julgado, julgou a impugnação judicial totalmente procedente, não fazendo qualquer reserva quanto aos juros que haviam sido peticionados pela Recorrente contra a AT.
G. Na situação sub judice, o estipulado nos artigos 619.º, n.º 1 e 628.º do CPC é inteiramente aplicável pelo que, quanto ao mérito do pedido no que ao pagamento dos juros indemnizatórios à ESC diz respeito, a sentença fez caso julgado material e vincula actualmente todos dentro e fora do processo onde foi proferida, inclusive os próprios tribunais.
H. Por força do caso julgado material formado, é a AT quem está vinculada a pagar juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto (ie., desde 16.12.2013) nos termos do artigo 43.º da LGT (como também os juros de mora pelo atraso na restituição do indevido para além do prazo de cumprimento voluntário das decisões judiciais nos termos do artigo 102.º, n.º 2 da LGT - juros de mora que até já foram transferidos nessa qualidade pela AT à ESC).
I. Do exposto até aqui ressalta ainda uma outra conclusão evidente: se a AT foi condenada, no processo de impugnação, ao pagamento dos juros indemnizatórios à Recorrente, necessariamente que a sentença exequenda é título executivo contra a própria AT em matéria desses juros, pelo que a execução em apreço tem um título executivo válido contra a AT relativamente aos juros indemnizatórios.
J. E não se pode entender de outra forma pois, face a um pedido formulado na petição inicial que compreendia uma condenação da AT nos juros, e face a uma decisão de procedência total, a aqui Recorrente, obviamente, não sentiu necessidade de recorrer da sentença exequenda (já assim não seria se a procedência não fosse total...).
Sem prescindir,
Caso assim não se entenda,
K. Para o Tribunal a quo, porque o Município de ..., a quem competia o reconhecimento prévio da isenção de imposto, não a deliberou (essa deliberação resultou da procedência da acção administrativa instaurada pela ESC), não existe um erro imputável aos serviços (da AT) à luz do artigo n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
L. Afigura-se que a resposta, à luz da jurisprudência que convocamos de seguida, impõe uma interpretação de que o “erro imputável aos serviços” é o erro de qualquer serviço, seja ele da AT ou da Câmara Municipal, porquanto, o que releva para a AT ter de proceder ao pagamento de juros indemnizatórios é o de ter emitido uma liquidação ilegal desde que a ilegalidade não tenha tido causa num comportamento do contribuinte.
M. Resulta dos arestos citados nas presentes alegações que para que o erro seja imputável aos serviços (da AT), basta pois que tenha sido emitida uma liquidação (como foi no caso) ilegal – em violação da lei, porque determinado beneficio devia ter sido considerado (e não foi tido em conta na liquidação aqui em causa).
N. E isto é assim independentemente da culpa dos serviços – basta a emissão da liquidação ilegal pela AT (seja de quem for a “culpa” e desde que não tenha sido um erro gerado pelo comportamento do contribuinte).
O. Ora, à luz desta jurisprudência, conclui-se, sem maiores delongas, que a liquidação de SISA anulada no processo de impugnação judicial foi emitida pela AT e é ilegal (tanto é que foi anulada!), ilegalidade essa que não foi causada pela Recorrente, pelo que deve a AT pagar os juros indemnizatórios contados desde o pagamento indevido do imposto.
P. Esta situação não é diferente daquela – agora prevista na lei, mais precisamente na al. d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT –, que também dita o pagamento de juros indemnizatórios quando a AT aplicou uma lei (sem culpa alguma porque não é a AT quem legisla) declarada inconstitucional.
Q. Isto é assim porque, repise-se, o devedor dos juros indemnizatórios será sempre a AT (desde que o erro não tenha sido causado pelo contribuinte) porque emitiu uma liquidação ilegal e anulada judicialmente.
R. E, mesmo que assim não se entendesse teríamos sempre de interpretar o conceito de “Serviços” como um todo, ou seja, ainda que não tivesse sido diretamente o próprio Serviço de Finanças e não estivéssemos perante a administração direta, em último ratio, a responsabilidade seria sempre do Estado, uma vez que o Município é um serviço que (ainda que descentralizado) pertence ao Estado.
S. O imposto aqui em causa foi cobrado pela AT e pago pelo Contribuinte, pelo que tendo essa liquidação sido considerada ilegal por decisão judicial que, consequentemente, ordenou a sua imediata restituição, são devidos juros indemnizatórios.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE POR V. EXAS. SER O PRESENTE RECURSO JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, NOS TERMOS ACIMA EXPOSTOS, E, EM CONSEQUÊNCIA, SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR UMA OUTRA QUE JULGUE A EXECUÇÃO DE JULGADOS TOTALMENTE PROCEDENTE, CONDENANDO-SE A AT AO PAGAMENTO DOS JUROS PETICIONADOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
SÓ ASSIM SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA!”

A Recorrida não contra-alegou.

O Ministério Público junto deste Tribunal, acompanhou o entendimento sustentado pelo digno magistrado do Ministério Público, na primeira instância, referindo que:

“(…) O erro no acto de liquidação e a sua imputabilidade aos serviços resulta determinada no âmbito da impugnação no processo principal, aí se tendo decidido pela anulação do ato de liquidação.
E não obsta ao seu pagamento pela Entidade Demandada o facto de os mesmos não se mostrarem determinados na decisão anulatória, porquanto, «nos termos do art.º 100º da LGT, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a Administração Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão. Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido (cfr. art.º 100º, da L.G.T. e art.º 61º, n.º 3, do C.P.P.T.)» – cfr., a título meramente exemplificativo, o Acórdão do TCA-Sul de 22-05-2019, recurso n.º 1770/12.9BELRS, consultável em www.dgsi.pt.
«O erro imputável aos serviços concretiza qualquer ilegalidade, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE.
Existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão considera-se imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a Administração Tributária actuar em plena conformidade com a lei.(…)»
Nessa conformidade, entendemos que deve proceder o pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Exequente, reconhecendo-se o (seu) direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido (data do pagamento da liquidação) (…)”

Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, nos termos do art.º 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil, submete-se o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente (cf. art.º 635.º, n.º 4, do CPC), as questões que importam conhecer são as de saber se a sentença recorrida incorreu erro de julgamento de facto de direito ao julgar improcedente a execução de julgado, nomeadamente o direito a juros indemnizatórios.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1. Neste domínio, consta da decisão recorrida a seguinte factualidade:”(…)
Factos provados:
1. Em 2/6/2003 a aqui Exequente, Estalagem de Santa Catarina, Lda, deduziu, contra a AT, impugnação judicial da liquidação de Sisa no valor de 125.000,00€, com a formulação do seguinte pedido: “Termos em que requer a anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros (...)” - Fls. 2 e ss do suporte físico do processo principal;
2. A AT foi notificada para contestar, o que veio a fazer em 11/12/2003 – Fls. 59 e 65 e ss do suporte físico do processo principal;
3. Em 17/5/2004 a Impugnante requereu a suspensão da instância atenta a questão de prejudicialidade entre a impugnação judicial e a acção administrativa especial que corre os seus termos junto do TAF de Mirandela ( Proc. 3.../0....6BE...) onde solicitou “i) a anulação da deliberação municipal emitida pela Câmara Municipal de ... subjacente à presente Impugnação judicial da liquidação do imposto e ii) a condenação daquela Câmara à prática de acto devido – o reconhecimento prévio do preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 11.º do dec.-Lei 171/99 (...)” – Fls. 78 do suporte físico do processo principal;
4. Antes, a aqui Impugnante já tinha interposto recurso contencioso de anulação junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, da deliberação da Câmara Municipal de ... proferida a 19/12/2002, onde decidiu não efectuar o “reconhecimento prévio” de isenção de pagamento do imposto municipal de SISA” – doc 7 do processo principal;
5. O despacho de Fls. 134 a 137 do suporte físico do processo principal decidiu não suspender a instância “até que haja decisão, com trânsito em julgado, naquela acção administrativa especial” e julgou “a presente impugnação improcedente”
6. Após interposição de recurso daquela decisão (facto anterior), o TCAN determinou “a suspensão da instância de impugnação até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na acção administrativa especial deduzida pela ora recorrente tendo por objecto o indeferimento do impetrado reconhecimento prévio – Proc. n.º 3.../0....6BE... pendente no TAF de Mirandela” – Fls. 153 e ss; e 332 a 349 do suporte físico do processo;
7. Após recurso do acórdão proferido no processo 3.../0....6BE..., que julgou a acção improcedente, o TCAN acordou “em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar a acção administrativa especial procedente, condenando a entidade demandada à prática do acto devido de reconhecimento prévio de que a aquisição pela Autora preenche os pressupostos na alínea b) do n.° 1 do art.° 11,° da Lei 171/99, de 18 de Setembro” – Fls. 524 a 538/v do suporte físico do processo 3.../0....6BE...;
8. O STA, após recurso de revista do acórdão do TCAN (facto anterior), que foi admitido, negou provimento ao recurso – Fls. 684 a 712; e parte final do processo (3.../0....6BE...) em fls. não numeradas;
9. Por sentença notificada a 20 de Novembro de 2020 no processo principal (Impugnação judicial n.º 13/03.0BTMDL), decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que a pretensão da Exequente merecia acolhimento e, nesses termos, julgou a impugnação judicial procedente – o que significou que a liquidação impugnada foi anulada (cfr. facto 1) e fls. 371 a 376 do suporte físico do processo principal;.(…)”

3.2. Alteração oficiosa à matéria de facto provada
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC, na redação aplicável, ex vi artigo 2º, alínea e) e 281.º do CPPT, importa aditar oficiosamente os pontos n,ºs 10, 11 e 12 ao probatório, com base nos documentos existentes nos autos:

10 - A sentença proferida no processo principal n.º 13/03.0BTMDL, transitou em julgado em 5 de janeiro de 2021; (Cfr. cópia do registo postal e do aviso de receção relativo à remessa da petição de execução de sentença, fls. 239/240 dos autos, em suporte físico, em anexo à réplica sob a designação de Documento n.º 1 e ainda pag. 350 e 356 do processo n.º 13/03.0BTMDL em suporte informático SITAF).

11. Em 28.04.2021 foi efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira transferência bancária da quantia de € 125.000,00 (correspondente ao montante do imposto liquidado para a conta da Exequente), a qual se efetivou em 05.05.2021; (admitido por acordo);

12. Em 15.07.2021, foi pago à Exequente o valor de € 1 041,10 através do Sistema de Restituições e Pagamentos correspondente aos juros de mora devidos. (admitido por acordo).

3.3. A Recorrente nas conclusões de recurso pugna pelo aditamento aos autos dois factos, a saber:
“9. Por sentença notificada a 20 de Novembro de 2020 no processo principal (Impugnação judicial n.º 13/03.0BTMDL), decidiu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que a pretensão da Exequente merecia acolhimento e, nesses termos, julgou a impugnação judicial procedente com todas as consequências legais – o que significou que a liquidação impugnada foi anulada e a AT condenada no pagamento dos juros legalmente devidos
E que, “ A sentença proferida no processo principal transitou em julgado em 5 de Janeiro de 2021”
Face ao aditamento oficioso no ponto anterior a questão encontra-se parcialmente resolvida.
No que concerne ao aditamento de ponto com o n. º9, dele resulta atenta à sua formulação uma conclusão.
É jurisprudência assente que a matéria de facto deve versar somente sobre factos, reais objetivos, não deve conter conclusões, interpretações, análises de normas, cláusulas, acordos, tratados ou qualquer tema jurídico.
Assim, um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjetivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objetivo.
Nesta conformidade não se adita, o referido ponto.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Para melhor compreensão da questão importa fazer um resumo do itinerário processual que conduziu à decisão aqui em questão.
Em 02.06.2003, a E..., LDA (ESC) deduziu, contra a AT, impugnação judicial da liquidação de Sisa no valor de 125.000,00€, pedindo a anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros.
Em 27.11.2007, pelo TAF de Mirandela foi julgada improcedente a pretensão deduzida pela ESC, tendo sido objeto de recurso para o TCAN.
Em 17.01.2014, pelo TCAN foi concedido provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogando-se a decisão recorrida nessa parte, determinando-se a suspensão da instância de impugnação até ao trânsito em julgado da decisão final a proferir na ação administrativa especial deduzida pela ora Recorrente tendo por objeto o indeferimento do impetrado reconhecimento prévio no proc. n° 3.../0....6BE... pendente no TAF de Mirandela.
Na ação administrativa especial - proc. n° 3.../0....6BE... - o pedido consistia na “i) a anulação da deliberação municipal emitida pela Câmara Municipal de ... subjacente à Impugnação judicial da liquidação do imposto de Sisa e ii) a condenação daquela Câmara à prática de ato devido – o reconhecimento prévio do preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 1 do art.º 11.º do dec.-Lei 171/99.
Por acórdão do TAF de Mirandela, de 11.06.2013 foi a ação julgada improcedente, do qual foi interposto recurso para o TCAN.
O qual concedeu provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido e julgou a ação administrativa especial procedente, condenando a entidade demandada à prática do ato devido de reconhecimento prévio de que a aquisição pela Autora preenche os pressupostos na alínea b) do n.º 1 do art.º 11,° da Lei 171/99, de 18 de Setembro.
Não conformado o Município de ... interpôs recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 18.05.2017.
Por acórdão do STA 03.06.2020, foi negado provimento ao recurso.
Em consequência do desfecho do proc n.º 3.../0....6BE... foi proferida em 20.11.2020, decisão no processo de impugnação judicial n. º 13/03.0BTMDL, o qual se encontrava suspenso, tendo sido julgada a liquidação da Sisa ilegal procedendo à sua anulação, que transitou em julgado em 05.01.2021.
A AT procedeu, em 2021, ao pagamento da quantia de € 125 000,00 e juros de mora, não procedendo ao pagamento de juros indemnizatórios.
A Recorrente/Exequente não conformada, deduziu processo de execução de sentença onde pretendia que fosse ordenado o cumprimento do julgado, através da restituição da quantia de € 39.866,59 ainda em dívida, acrescida dos juros vincendos desde o dia 21.06.2021 até à emissão da nota de crédito de reembolso do imposto indevidamente pago.
A sentença, objeto deste recurso, julgou improcedente a execução, no pressuposto que não existe erro imputável aos serviços da Administração Tributária, pois era ao Município de ... a quem competia o reconhecimento prévio da isenção do imposto, o qual não o deliberou, pelo que aquela entidade não poderá ser responsabilizada pelo pagamento dos juros indemnizatórios.
A Recorrente/Exequente não se conforma com o decidido, alegando violação do caso julgado material e incorreta interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” pugnado pela anulação da sentença, por outra que julgue o julgado totalmente procedente.
Vejamos:
Decorre do art.º 158º do CPTA que “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.”
Por sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 13/03.0BTMDL o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela julgou procedente a pretensão da Exequente e em consequência anulou a liquidação de Sisa por ilegal, pese embora não se tenha pronunciado expressamente quanto os juros peticionados.
A sentença transitou em julgado, a qual deveria ter sido cumprida até 16.02.2021.
Em 28.04.2021 foi efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira transferência bancária da quantia de € 125.000,00 (correspondente ao montante do imposto liquidado) e posteriormente efetuou a transferência bancária da quantia de € 1.041,10, correspondente aos juros de mora devidos.
Prevê o n.º 1 do art.º 43.º da LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesta conformidade, são pressupostos do direito aos juros indemnizatórios:
a) que haja um erro no ato de liquidação de um tributo;
b) que esse erro seja imputável aos serviços;
c) que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária superior ao legalmente devido (ou de reembolso inferior ao devido).
Assim, os juros indemnizatórios destinam-se a compensar o contribuinte pelo prejuízo causado pelo pagamento indevido de uma prestação tributária ou atraso na restituição oficiosa de tributos.
Preceitua o art.º 100º da LGT que : “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”
Por sua vez, dispõe o n.º 2 do art.º 61.º do CPPT que: “ Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.”
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 43.º, 100.º da LGT e n.º 2 do art.º 61.º do CPPT que o contribuinte tem direito, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial, que houve erro imputável aos serviços, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, sendo certo que cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.
E neste sentido importa trazer à colação o acórdão unificador de jurisprudência n.º 087/18.0BALSB de 28.11.2018, proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário, onde se refere que: “(…)
O que significa que o direito a juros indemnizatórios depende da existência de um erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços, de que tenha resultado o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Ou seja, a lei quis somente relevar, para efeito de pagamento de juros indemnizatórios, o erro que tenha levado a Administração Tributária a uma ilegal definição da relação jurídica tributária do contribuinte, não relevando, assim, os vícios que, ferindo, embora, de ilegalidade o acto, não impliquem uma errónea definição daquela relação, não impliquem a existência de uma liquidação superior à legalmente devida (como acontece com os vícios formais ou procedimentais).
Na verdade, o reconhecimento judicial de um vício formal nada diz ou revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação tributária face às normas substantivas, pois que se limita a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar, não implicando, pois, a existência de um vício na relação jurídica tributária, nem a existência de um juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração.
Sobre esta questão, o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Na anotação 5ª ao artigo 61.º do “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado” a fls. 472.) pronuncia-se em termos impressivos e que, por isso, não resistimos a citar: «A utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito. Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão “erro” tem um âmbito mais restrito do que a expressão “vício”.
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão “vícios” quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101º (arguição subsidiária de vícios) e 124º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos deste Código. Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão “erro”, tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios.
(…)
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência de esse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, justifica-se que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.(…)”
Desse acórdão resulta a jurisprudência, como consta do seu sumário, queO direito a juros indemnizatórios previsto no n. 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um acto de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.”
No caso em apreço é manifestamente claro que a Administração Fiscal procedeu à liquidação de Sisa, com base num parecer da Câmara Municipal de ..., o qual foi considerado ilegal e teve por consequência a anulação do imposto liquidado, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Nesta conformidade, não havendo dúvidas quanto à verificação dos requisitos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT importa agora averiguar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar não ter ocorrido erro imputável aos serviços da AT que resulte no pagamento de juros indemnizatórios, isto por que a Câmara Municipal de ... não aprovou o reconhecimento prévio da isenção do pagamento do imposto em causa, decisão a que a AT estava obrigada a respeitar.
Como resulta do n.º 2 do art.º 61.º do CPPT em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.
Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária por força do art.º 43.º da LGT e n.º 2 do art.º 61.º do CPPT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
A imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos organismos públicos ou mesmos dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro.
E este é o sentido da jurisprudência do acórdão do STA n.º 681/2009 de 12.11.2009, no qual se refere que: “(…) Havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.
Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro.
Na verdade, a letra da lei, ao referir a imputabilidade do erro aos serviços, aponta manifestamente no sentido de poder servir de base à responsabilidade por juros indemnizatórios a falta do próprio serviço, globalmente considerado, como aliás, é admitido em geral. (Neste sentido, pode ver-se FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III, página 503). A administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei [arts. 266.°, n.° 1, da C.R.P., 17. °, alínea a), do C.P.T. e 55.° da L.G.T.], pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviçose ainda no acórdão do STA n.º 0797/09 de 02.10.2010.
Nesta conformidade, o relevante é que o erro na liquidação deriva de erro nos pressupostos de facto e de direito, realizada pela Administração Fiscal, não resultando de facto imputável ao contribuinte, ainda que tal erro fosse provocado por outro organismo público.
A questão da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, é uma questão que terá de ser resolvida no seio da Administração do Estado não podendo ser imputada ao contribuinte.
Assim, impõe-se a condenação da entidade liquidadora a pagar juros indemnizatórios à Exequente/Recorrente, acrescidos de juros vincendo, contados desde a data do pagamento indevido do imposto liquidado até à data do processamento da respetiva da nota de crédito nos termos do n. º5 do art. º61. °, n.º 3, do CPPT.
Destarte procede o presente recurso, ficando prejudicadas as demais questões equacionadas.

4.2. E assim, formulámos as conclusões/sumário, apropriando-nos parcialmente, com a devida vénia da conclusão dos acórdãos do STA supra citado:

I. Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 43.º, 100.º da LGT e n.º 2 do art.º 61.º do CPPT que o contribuinte tem direito, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial, que houve erro imputável aos serviços, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, sendo certo que cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

II. O direito a juros indemnizatórios previsto no n. 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro - sobre os pressupostos de facto ou de direito - imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido; se a anulação de um ato de liquidação for baseada unicamente em vício formal de falta de fundamentação tal não implica a existência de erro de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, pelo que inexiste, nesse caso, direito a juros indemnizatórios.

III. Para efeitos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, imposta à administração tributária por força do art.º 43.º da LGT e n.º 2 do art.º 61.º do CPPT, havendo um erro de direito na liquidação e sendo ela efetuada pelos serviços, é à administração que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte.

IV. A imputabilidade do erro aos serviços é independente da demonstração da culpa de qualquer dos organismos públicos ou mesmos dos seus funcionários ao efetuar liquidação afetada por erro.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida condenando-se a pagar juros indemnizatórios à Exequente/Recorrente, acrescidos de juros vincendo, contados desde a data do pagamento indevido do imposto liquidado até à data do processamento da respetiva da nota de crédito nos termos do n. º5 do art.º61.°, n.º 3, do CPPT.

Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça neste Tribunal, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 02 de fevereiro de 2023
Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes