Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00352/17.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:EMPREITADA; TRABALHOS A MAIS; CONTRATO ESCRITO; PROVA; LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.
Sumário:1 - Estando em causa pedido de efectivação de responsabilidade contratual, para efeitos de que o Tribunal a quo pudesse vir a dar como provado que o contrato de trabalhos a mais foi levado a escrito, o ónus dessa alegação corria a cargo da Autora, impondo-se que na Petição inicial descrevesse com rigor e suficientemente desenvolvimento os factos constitutivos do seu direito, mormente, do bem fundado da sua pretensão, que não pode ser suprida pela remissão para um documento que apenas se reporta à “homologação de trabalhos a mais” numa empreitada.

2 - A apresentação por parte da Autora do documento n.º 3, não visa fazer prova de que o contrato escrito foi realizado, ou admitir de forma reconhecida e confessada que o mesmo inexiste, antes apenas e só, como decorre do ponto 6 da Petição inicial, de que os trabalhos a mais por si realizados e que estão na base do pedido formulado a final da Petição inicial, e antes disso, cujo valor integra a factura n.º 20100019, foram homologados pelo próprio Presidente da Câmara Municipal, nos termos que foram dados a saber e conhecer à Autora por esse ofício.

3 - Tem aplicação o efeito da declaração de nulidade dos contratos, regulado no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, que impõe a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou, se a restituição não for possível o valor correspondente, quando no âmbito de uma empreitada realizada, a entidade adjudicante vem a invocar perante o adjudicatário que foi preterida formalidade essencial, por não ter sido efectuado contrato escrito relativamente a trabalhos a mais que foram realizados.

4 - Encontram-se preenchidos os pressupostos que determinam a condenação do Réu como litigante de má- fé, pois que foram por si violadas todas as alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, na medida em que, e ao contrário do que sustenta o Recorrente, a dedução da sua defesa nos autos [com a dedução da Contestação] foi muito para além da mera invocação de factos que integravam o exercício do seu direito de defesa e na convicção de que o fazia por dele estar certo e na convicção de que lhe assistia razão na improcedência da pretensão da Autora, quando apresenta oposição à pretensão deduzida pela Autora que assenta em pressupostos de facto que não deveria desconhecer, para além de ter omitido factos relevantes para efeitos da apreciação desse pedido, com enfase neste particular de omissão grave do dever de cooperação, no que a final tudo derivou, no sentido de um uso dos meios processuais [e dos meios de defesa] manifestamente reprovável, com o intuito de nada pagar à Autora, visando a obstrução da justa composição do litígio.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO DE (...)
Recorrido 1:Construções S., Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

O MUNICÍPIO DE (...), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 06 de abril de 2020, pela qual foram julgados procedentes os pedidos deduzidos pela Autora a final da Petição inicial, tendo sido condenada a pagar-lhe [à Autora, ora Recorrida] a quantia de € 12 645,80 acrescida de juros de mora desde 23 de setembro de 2010 e até integral pagamento, em função da taxa fixada pelo Despacho Conjunto n.º 603/2004, de 16 de outubro, assim como condenada a considerar a obra como definitivamente recebida a 29 de agosto de 2015 e a restituir à Autora os décimos retidos no valor de € 4033,00, acrescidos de juros de mora desde 29 de agosto de 2015 e até integral pagamento, em função da mesma taxa, tendo ainda condenado o Réu, ora Recorrente, como litigante de má fé, fixando-lhe multa no valor de 5 UC’s e indemnização a pagar à Autora em igual valor.
*
No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 174 dos autos, SITAF], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES
1. Os factos dados como provados sob os nº 2, 6 e 11 da decisão sobre a matéria de facto devem ser considerados como não provados nos termos do disposto nos artº 662º nº 1 e 2 CPC.
2. A fundamentação para esta pretendida alteração reside no facto de os documentos nº 3 e 6 juntos com a p. i. terem sido impugnados pelo R. na sua contestação (no artº 54º da contestação).
3. A sentença recorrida refere que o R. não impugnou esses documentos, o que não é verídico como o evidencia o artº 54º da contestação.
4. A fundamentação para que a sentença recorrida julgasse como provados os factos nº 2, 6 e 11 reside exclusivamente nos documentos nº 3 e 6 junto com a p. i., pois nenhuma testemunha se pronunciou quanto à existência ou não do contrato escrito.
5. A sentença recorrida ao dar como provada a existência de contrato escrito sobre os trabalhos a mais, constitui um juízo conclusivo que não se afigura, consentâneo com a realidade factual, pois se o contrato tivesse sido reduzido a escrito, a própria Autora teria em seu poder um exemplar.
6. A Autora não alegou na p. i. que o contrato tivesse sido reduzido a escrito!!!!
7. Em nenhuma parte do articulado da Autora vem alegado que o contrato de trabalhos a mais tivesse sido reduzido a escrito.
8. A Autora limitou-se a alegar no artº 6º da p. i. que por despacho da Presidente da Câmara Municipal de 6.05.2009 foram homologados trabalhos a mais no valor de 9.050,00 – doc nº 3.
9. Ora esse documento nº 3 não constitui um contrato escrito, pois trata-se de um ofício que refere a homologação de trabalhos a mais e em lado nenhum desse ofício é referido que tenha sido reduzido a escrito esse contrato.
10. Se a Autora não alega que o contrato de trabalhos a mais tivesse sido reduzido a escrito, limitando-se a remeter para o documento nº 3 junto com a p. i. e se o Réu alega que esse contrato não foi reduzido a escrito, e e se a Autora esse contrato escrito (deveria ter em seu poder um exemplar), tem que se concluir necessariamente que deve ser considerado como não provado que o contrato de trabalhos a mais não foi reduzido a escrito.
11. Deste modo, é impossível, à míngua de prova documental que o contrato escrito exista.
12. Tal contrato escrito nunca existiu, sendo certo que o mesmo apenas terá sido objecto de trato verbal, coisa que, aliás, nenhuma prova testemunhal mo confirmou.
13. Ora o contrato em apreço e um contrato de natureza formal, pelo que, nos termos do disposto no artº 219º e 220º a inexistência de contrato reduzido a escrito acarreta a respectiva nulidade.
14. IA legislação sempre determinou (o art. 26º, nº 1 do Decreto-Lei nº 405/93, de 10 de Dezembro, e artº 26º nº 7 do DL 55/99 e artº 375º CCP) a obrigatoriedade de redução a escrito de trabalhos a mais.
15. Nesse sentido, não tendo os mesmos sido reduzidos a escrito entre Autora e Réu, nos termos da legislação citada (qualquer que tenha sido a data da sua realização) ocorre a nulidade formal relativa aos alegados trabalhos a mais realizados.
16. A inexistência de contrato escrito é reconhecida e confessada pela Autora, que, aliás, se limita a invocar o ofício – documento nº 3 que junta com a p. i.
17. A “perda” do processo administrativo pelo Réu, com a subsequente falta de junção do PA aos autos não resultou uma consequência para o Réu, nos termos do artigo 84º, nº 6 do CPTA, pois se o contrato de trabalhos a mais nunca foi reduzido a escrito, a junção ao processo judicial do PA nunca o poderia conter.
18. Inexistem razões de facto ou de direito que sustentem a condenação do Réu como litigante de má fé.
19. O Réu litigou e articulou factos na convicção de que os mesmos eram verdadeiros e convencido de que lhe assistia razão.
20. O Réu não atuou com dolo ou com negligência grave, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
21. Não estão verificados os pressupostos da condenação do Réu como litigante de má fé, exigidos pelo artigo 542º, 1 e 2 do CPC.
22. A sentença recorrida viola as disposições conjugadas do artigo 542º, 1 e 2 do CPC.
23. A sentença recorrida viola o direito de defesa do Réu, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, implicando tal decisão um dever de não contestar a acção, de confessar os factos articulados pela Autora e ainda de só alegar factos que possa comprovar, o que é manifestamente inadmissível atendendo à circunstância de que o Réu estava absolutamente convencido da veracidade dos factos que alegou na contestação.
24. A sentença recorrida deve ser anulada e improceder a acção.

Termos em que,
Com o douto suprimento do omitido, deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se e revogando-se a sentença recorrida nos termos que vêm alegados, assim se fazendo
JUSTIÇA.”
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A Recorrida não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em torno da matéria de facto [Cfr. conclusões 1 a 4 e 5 a 17 das Alegações], e bem assim, numa incorrecta interpretação dos factos e aplicação do direito [Cfr. conclusões 18 a 23 das Alegações].
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
IV.1 – DE FACTO
IV.1.1 – Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa consideram-se como provados os seguintes factos:

1) A entidade demandada adjudicou à autora a empreitada denominada por “Construções de muros no caminho agrícola de Cedões à Sardoeira, em (...)”, em 26.10.2008, pelo valor de € 43 210,00, mais IVA, tendo a obra sido consignada a 06.01.2009; Docs. 1 e 2 juntos com a p.i.

2) Por ofício de 02.07.2009, com a referência S/8427/2009, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), o autor foi notificado que fora homologada a execução dos trabalhos a mais na empreitada referida, no montante de € 9050,00; Doc. 3 junto com a p.i.

3) Durante a execução da empreitada, a entidade demandada reteve décimos para garantia da boa execução da obra no valor total de € 4033,00; Docs. 7 e 8 juntos com a p.i.

4) A 20.07.2010, a obra foi recebida provisoriamente; Doc. 4 junto com a p.i.

5) A 22.07.2010, foi feita a medição geral dos trabalhos no valor de € 52 260,00, tendo resultado o valor ilíquido de € 11 930,00 a pagar à autora; Doc. 5 junto com a p.i.

6) A autora emitiu a fatura com o n.º 20100019, de 22.07.2010, no valor total de € 12 645,80, correspondendo € 11 930,00 ao preço base e € 713,80 a IVA, com vencimento a 22.09.2010; Doc. 6 junto com a p.i.

7) Que entregou nos serviços administrativos da entidade demandada; Depoimento de N.

8) Por requerimentos entregues nos serviços da entidade demandada a 18.07.2014 e 19.12.2014 a autora solicitou a liberação das cauções; Docs. 9 e 10 juntos com a p.i.

9) Por requerimento entregue nos serviços da entidade demandada a 29.07.2015 a autora solicitou a realização da receção definitiva, bem como o cancelamento da garantia bancária e a restituição dos décimos retidos; Doc. 11 juntos com a p.i.

10) Os trabalhos a mais referidos em 2) foram objeto de contrato escrito;

11) A fatura referida em 6) encontra-se por pagar.

IV.1.2 – Factos não provados
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
IV.1.3 – Fundamentação da matéria de facto
A convicção do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos. Os documentos em causa não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Teve-se também em consideração as declarações de parte e o depoimento das testemunhas.
Importa referir a motivação que infra se expõe.
A testemunha N. foi fiscal de obras no MUNICÍPIO DE (...) à data dos factos e era responsável pela fiscalização desta obra em concreto. Estava, por isso, em condições de afirmar (como afirmou) que os trabalhos a mais realizados no âmbito do presente contrato foram homologados pelo executivo camarário. A testemunha declarou, perentoriamente, ter visto cópia da fatura aqui em causa no dia anterior à audiência, quando foi à divisão de contabilidade à procura de elementos sobre o presente processo. A testemunha esclareceu ainda que, de início, queriam que ela fizesse uma informação em como a obra estava em condições, mas esta entendeu não ser necessário face aos autos de medição. Posteriormente, esclareceu a testemunha, alguém levantou a questão de que haveria um problema com a obra, mas a testemunha precisou que efetivamente havia um problema com um muro que tinha sido construído na mesma zona, mas que tal problema não sucedeu com o muro construído pela autora. Antes, era outro muro, construído por outro empreiteiro, que apresentava problemas.
Uma vez que a testemunha depôs com espontaneidade, de forma coerente e consistente com a razão de ciência que apresentou, o seu depoimento foi valorado favoravelmente.
No caso em apreço, o MUNICÍPIO DE (...) não juntou aos autos o processo administrativo, tendo dito, através de requerimento de fls. 68, que este se tinha extraviado. A partir dos depoimentos das testemunhas (em particular das testemunhas N. e S.), foi possível perceber que o processo administrativo original se perdeu; que se fez uma primeira reconstituição e que esta também se extraviou; e ainda que tentou uma segunda reconstituição, também ela extraviada até à presente data.
Nada foi alegado que permita ao Tribunal concluir que a perda do processo administrativo não é imputável ao MUNICÍPIO DE (...). Ao invés, o depoimento das testemunhas que permitiu perceber que este processo foi “reformado” e perdido por mais que uma vez aponta no sentido de uma incúria por parte do réu na guarda do processo administrativo em causa nos presentes autos.
A falta de processo administrativo implica que seja quase impossível para a autora provar que os trabalhos a mais foram reduzidos a escrito – até porque esta só receberia a notificação da homologação que juntou como documento 3.
Segundo o artigo 84.º/6 do CPTA, a “falta do envio do processo administrativo não obsta ao prosseguimento da causa e determina que os factos alegados pelo autor se considerem provados, se aquela falta tiver tornado a prova impossível ou de considerável dificuldade”. Esta cominação «corresponde a uma decorrência do princípio da cooperação processual, considerando que o processo administrativo se encontra na posse da entidade administrativa e a recusa da sua apresentação pode impedir ou dificultar a prova a cargo do demandante» (Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao CPTA, 4.ª edição, p. 630).
Cumpre assim ao juiz «aferir as consequências da falta de remessa do processo administrativo, para efeito de presunção prevista no n.º 5, em função de dois fatores: a previsível pertinência e relevo probatório de que se revestem os documentos que integram o processo administrativo relativamente aos factos alegados pelo autor; a eventual impossibilidade ou dificuldade séria de efetuar a mesma prova através de outros meios» (ibidem, p. 631). No nosso caso, verifica-se a referida pertinência probatória, uma vez que está em causa a redução ou não a escrito de um determinado ato; no que diz respeito à impossibilidade ou dificuldade séria de efetuar a mesma prova, verifica-se que a autora fez a prova que lhe era possível, que se trata de um documento onde esta é informada de que foi homologada a execução dos trabalhos a mais. A Autora não poderia ter feito mais prova para além daquela que, efetivamente, fez. Por esse motivo deu-se como provada a existência de contrato escrito sobre os trabalhos a mais.”
*
Nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, aditamos ao probatório os factos que seguem:
12) A final da Petição inicial que motiva os autos, a Autora formulou pedido de produção de prova, no sentido de o Réu Município ser notificado para juntar aos autos todo o Processo Administrativo, incluindo o procedimento pré-contratual, o contrato de empreitada, autos de medição e de recepção [Cfr. o respectivo articulado];

13) Por não ter o Réu junto o Processo Administrativo com a sua Contestação, precedendo douto despacho datado de 23 de novembro de 2017, foi o mesmo notificado para efeitos de juntar aos autos os elementos documentais requeridos pela Autora a final da Petição inicial – Cfr. fls. 51 dos autos, SITAF -, na sequência do que veio a apresentar requerimento nos autos, com junção em anexo de documentos internos dos serviços do Réu, e pelo qual [requerimento] referiu que não era possível remeter o Processo Administrativo, por se encontrar extraviado – Cfr. fls. 54 dos autos, SITAF;

14) Com interesse para a decisão a proferir, para aqui se extraem os documentos que seguem, juntos aos autos pelo Réu pelo seu requerimento a fls. 54 do SITAF, como segue:
a) atinente à informação n.º I/3866/2017, de 30 de maio de 2017:

“[…]
DATA: 30/05/2017 INFORMAÇÃO N.° 1/3866/2017
N.° DE PROCESSO: LOCAL:
NOME DO REQUERENTE:
ASSUNTO: 1/3866/2017 - EMPREITADA: "CONSTRUÇÕES DE MUROS NO CAMINHO AGRÍCOLA DE CEDÕES À SARDOIERA, EM (...)" — RESPOSTA À CITAÇÃO PROCESSO N.° 352/17.3BEPNF
[…]
Solicita-nos a DJRH, pela informação interna 1/3624/2017 que esta Divisão de Obras Municipais e Ambiente informe relativamente ao processo administrativo que deu entrada, com o registo informático E/5835/2017 de 19/05/2017.
Trata-se de uma notificação/citação por carta registada com AR — artigo 81.° E 82.° do CPTA apresentado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel relativo ao processo n.° 352/17.3BEPNF, ação administrativa cujo autor é a Sociedade de Construções S., Lda.
Refere-se o processo a uma suposta empreitada que, de acordo com o "Autor", decorreu nesta Câmara Municipal em 2008.
Considerando o expediente em causa e, por forma a dar resposta ao mesmo, na tentativa de consulta do processo, verificou-se que o mesmo não se encontra arquivado nos locais habituais, não tendo sido, por essa razão, possível efetuar a análise do processo. Mais se pesquisou na gestão documental, tendo sido localizadas diversas informações que davam conta da existência do procedimento concursal e da execução da obra.

Solicitou-se ainda ao funcionário Sr. N., citado no processo, que se pronunciasse sobre o expediente em causa. Os restantes funcionários identificados no processo não exercem atualmente funções nesta Câmara Municipal de (...).
Assim, reportando-nos unicamente aos documentos anexos e no pressuposto que não conste do processo outra informação, informa-se que:
A informação 1/3825/2017 do funcionário que refere que a obra foi executada e que o auto de medição geral foi realizado a 22 de julho de 2010, conforme refere o "Autor" na citação.
Foi retirada da gestão documental todo o expediente relacionado, nomeadamente a I/2691N/2013 da qual se conclui que o contrato da empreitada foi celebrado ao abrigo do DL 59/99 de 2 março e obteve receção provisoria em 22 julho 2010., e que a DOM, à data, propôs a libertação de 75 % do valor da caução total prestada, documentos estes (cópias) que se anexam à presente informação.
Verificou-se ainda a existência da 1/968/2015, parecer jurídico da DJRH, documentos estes (cópias) que se anexam à presente informação, que à data já reporta o "desaparecimento" do processo e conclui remetendo para o "Memorando", referindo existir similitude com as situações do tipo 7, o que impossibilitava o desenvolvimento/conclusão do processo, ou seja o agendamento da vistoria para efeitos de receção definitiva e consequente libertação das cauções apresentadas no âmbito da empreitada em causa.
Nada mais havendo a informar, propõe-se o envio do presente expediente ao DAGS/DJRH.
À consideração superior, Chefe de Divisão
[…]”
b) atinente à informação n.º I/3826/2017, de 30 de maio de 2017:
“[…]
DATA: 30/05/2017 INFORMAÇÃO N.º 1/3826/2017
N.° DE PROCESSO: LOCAL:
NOME DO REQUERENTE: TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL
ASSUNTO: I/3826/2017 - PRO. 352/17.3 BEPNF- AUTOR CONSTRUÇÕES S. , LDA - REU MUNICIPIO DE (...).

Relativamente à Empreitada "Construção de muros no caminho agrícola de Cedões à Sardoeira, em (...)", cumpre-me informar:
Os trabalhos foram executados conforme descrição no auto de medição geral realizado em 22 de Julho de 2010, bem como a receção provisoria.
Ao abrigo do art° 4 do D.L. 190/2012 foi realizada vistoria aos trabalhos no dia 4 de Dezembro de 2013 para libertação de caução.
A receção definitiva não foi efetuada porque o processo da empreitada não se encontra no Departamento de Obras Municipais e Ambiente.
A consideração superior,
Fiscal de Obras
[…]”
c) atinente à informação n.º I/2691N/2013, de 06 de dezembro de 2013:

“[…]
DATA: 06-12-2013 INFORMAÇÃO N.° 1/2691N/2013
N.° DE PROCESSO: LOCAL:

NOME DO REQUERENTE: CONSTRUÇÕES S. , LDA
ASSUNTO: 1/2691N/2013 - PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE CAUÇÃO E QUANTIAS RETIDAS DA EMPREITADA"CONSTRUÇÃO DE MUROS NO CAMINHO AGRICOLA DE CEDÕES À SARDOEIRA"

O adjudicatário da empreitada supra referida, veio solicitar a redução da caução e valores retidos, ao abrigo do estipulado no DL 190/2012 de 22 agosto.
Na sequência do pedido formulado pelo adjudicatário foi marcada vistoria, ao abrigo do numero 2 do artigo 4° do DL 190/2012 de 22 agosto, para o dia 4 de dezembro, através do S/4620N/2013, tendo a mesma sido efetivamente efetuada, com a presença de um representante da empresa.
Prevê o número 5 do artigo 3° do DL 190/2012 de 22 agosto, que é condição de libertação de caução a inexistência de defeitos da obra da responsabilidade do empreiteiro. Vistoriados os trabalhos, refletidos no auto de medição geral, não se verificaram defeitos de obra.
O contrato da empreitada foi celebrado ao abrigo do DL 59/99 de 2 março e obteve receção provisoria em 22 julho 2010.
Prevê o número 3 do artigo 2° do DL 190/2012 de 22 agosto, que por remissão ao número 2 do mesmo artigo se contemplem os anos completos desde a data da receção provisória, ou seja para o presente pedido o tempo de 3 anos, a que corresponde a percentagem de 75% (somatório das alíneas a) a d) do número 2 do artigo 3°) da caução total prestada (caução inicial e retida em pagamento).
Prevê o número 4 do artigo 4° do DL 190/2012 de 22 agosto, que a decisão de liberação de caução seja comunicada ao adjudicatário, num prazo de 30 dias contados da data da vistoria.
Assim, poderá ser liberado 75 % do valor da caução total prestada, devendo ser comunicado ao adjudicatário a decisão de liberação.
A presente deve ainda ser remetida à DFA para a liberação do valor da caução supra referido.
À consideração superior,
Chefe de Divisão
[…]”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 06 de abril de 2020, pela qual foram julgados procedentes os pedidos deduzidos pela Autora a final da Petição inicial, tendo o Réu sido condenado a pagar à Autora [ora Recorrida] a quantia de € 12 645,80 acrescido de juros de mora desde 23.09.2010 e até integral pagamento, em função da taxa fixada pelo Despacho Conjunto n.º 603/2004, de 16 de outubro, assim como condenada a considerar a obra como definitivamente recebida a 29.08.2015 e a restituir à autora os décimos retidos no valor de € 4033,00, acrescidos de juros de mora desde 29.08.2015 e até integral pagamento, em função da mesma taxa, e ainda condenado o Réu, ora Recorrente, como litigante de má fé, fixando-lhe multa no valor de 5 UC’s e indemnização a pagar à Autora em igual valor.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

O Recorrente sustentou a sua pretensão recursiva que sintetizou a final das suas conclusões, na ocorrência de erro de julgamento em torno da matéria de facto, e bem assim, numa incorreta interpretação dos factos e aplicação do direito, e que por essa razão deve ser proferido acórdão revogando a decisão recorrida, e assim, que deve ser julgada improcedente a acção.

Para tanto e em suma [em sede de erro de julgamento da matéria de facto], referiu que os factos dados como provados sob os pontos 2, 6 e 11 do probatório devem ser considerados como não provados, porquanto a prova que se produziu em torno desses factos é determinante de decisão nesse sentido, e não conforme assim os deu o Tribunal a quo [como provados] porque ao contrário do que assim apreciou e decidiu o Tribunal recorrido, os documentos n.ºs 3 e 6 juntos com a Petição inicial, a que reportam esses factos foram por si impugnados como assim se extrai do vertido no ponto 54.º da Contestação por si apresentada. Enfatizou neste domínio que a fundamentação tirada pelo Tribunal a quo relativamente a esses três factos residiu exclusivamente naqueles dois documentos, e que nenhuma testemunha se pronunciou quanto à existência ou não do contrato escrito, e que ao ter dado como provada a existência de contrato escrito sobre os trabalhos a mais, o Tribunal recorrido prosseguiu um juízo conclusivo que não se afigura consentâneo com a realidade factual, considerando para tanto que se o contrato tivesse sido reduzido a escrito, que a própria Autora, ora Recorrida, teria em seu poder um exemplar, e que não foi alegado por aquela [Autora], que esse contrato atinente a trabalhos a mais tivesse sido reduzido a escrito, e que a Autora apenas se limitou a alegar no n.º 6 da Petição inicial que por despacho da Presidente da Câmara Municipal de (...) foram homologados trabalhos a mais no valor de € 9.050,00, para o que juntou o documento n.º 3, que como assim considera o ora Recorrente, não constitui um contrato escrito antes um mero ofício que refere a homologação de trabalhos a mais e que em lado nenhum desse ofício é referido que tenha sido reduzido a escrito esse contrato e que é impossível, à míngua de prova documental que o contrato escrito exista, sendo certo que o mesmo apenas terá sido objecto de trato verbal, coisa que, aliás, nenhuma prova testemunhal o confirmou, e assim, que dada a inexistência de contrato reduzido a escrito, tal acarreta a respectiva nulidade nos termos dos artigos 219.º e 220.º, ambos do Código Civil, e que a inexistência de contrato escrito até é reconhecida e confessada pela Autora, que apenas se limitou a invocar o referido doc. n.º 3 que juntou com a Petição inicial. Concluiu neste domínio, que a “perda” do processo administrativo pelo Réu, com a subsequente falta de junção do PA aos autos não pode resultar na consequência para si [Réu, ora Recorrente] a que se reporta o artigo 84.º, n.º 6 do CPTA, pois se o contrato de trabalhos a mais nunca foi reduzido a escrito, a junção ao processo judicial do PA nunca o poderia conter.

Num outro segmento da sua pretensão recursiva [Cfr. conclusões 18 a 23], sustentou que não existem razões de facto ou de direito que sustentem a sua condenação como litigante de má fé, por apenas ter litigado e articulado factos na convicção de que os mesmos eram verdadeiros e convencido de que lhe assistia razão, e que não actuou com dolo ou com negligência grave, não sabendo da falta de fundamento da sua pretensão, nem se encontrando numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento, e que por essa razão, não estão verificados os pressupostos da condenação do Réu como litigante de má fé, exigidos pelo artigo 542.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Neste domínio, enfatizou que a Sentença recorrida viola o seu direito de defesa, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, implicando tal Sentença um dever de não contestar a acção, de confessar os factos articulados pela Autora e ainda de só alegar factos que possa comprovar, o que é manifestamente inadmissível atendendo à circunstância de que o Réu estava absolutamente convencido da veracidade dos factos que alegou na contestação.

Cumpre então apreciar e decidir o invocado erro de julgamento em torno da matéria de facto, por ter o Tribunal a quo dado como provada a factualidade vertida nos pontos 2, 6 e 11 do probatório [conclusões 1 a 4].

Para efeitos de dar como provados os factos constantes dos pontos 2, 6 e 11 do probatório, o Tribunal a quo formou a sua convicção, como assim patenteado na respectiva fundamentação, em face da análise dos documentos n.ºs 3 e 6 juntos com a Petição inicial, assim como em face do teor das declarações de parte e do depoimento das testemunhas.

A convicção do julgador sobre os factos forma-se, livremente, com base nos elementos de prova, globalmente considerados, com recurso, ainda, às regras da lógica e da experiência comum na análise das provas.

Em suma, haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto, sendo que, haverá erro de julgamento em matéria de direito quando o direito convocado pelo julgador ou a interpretação que dele tirou se mostre desconforme.

O Recorrente sustenta que os aludidos documentos n.ºs 3 e 6 foram por si impugnados na Contestação, e que o Tribunal a quo, na Sentença recorrida, referiu que os mesmos não foram impugnados.

Ora, depois de cotejada a Contestação deduzida pelo Réu, constatamos que efectivamente, sob o respectivo ponto 54.º, o Réu referiu que “… impugna expressamente, pelos sobreditos motivos jurídicos [os enunciados sob o ponto 53.º do mesmo articulado, que tendo impugnado outros factos, referiu nesse conspecto ignorar, sem ter a obrigação de saber, se os mesmos são verídicos ou não, e mais ainda, pelo facto de a factualidade aí vertida não ser contemporânea dos actuais legais representantes do Réu, e ainda, que o seu conhecimento apenas adveio dos documentos que a Autora, ora Recorrida juntou aos autos] os documentos n.ºs 3 e 6 juntos com a Petição inicial, arguindo para tanto que se tratam de documentos da autoria da Autora, que não são do seu conhecimento [do Réu] e que desconhece por isso a veracidade do seu teor.

Efectivamente, o Réu, ora Recorrente, como assim alega, impugnou esses documentos n.ºs 3 e 6 que a Autora juntou com a Petição inicial, ou seja, não os aceitou por os desconhecer, e que desconhecia também o seu teor.

Atentemos então nesses documentos n.ºs 3 e 6, como patenteado sob os pontos 2 e 6 do probatório.

O doc. n.º 3 é um documento atinente a um oficio emitido em papel timbrado com as armas do MUNICÍPIO DE (...), que está datado de 02 de julho de 2009, com a referência “S/8427/2009”, e que está assinado pelo respectivo Presidente da Câmara Municipal. Ressalta à evidência que este documento proveio do seio do Réu, sendo perfeitamente identificável no tempo e no espaço, e que o Réu não podia deixar de saber e conhecer o seu teor. Desde logo, vem assinado por aquele que é o representante legal do Município, tem uma concreta data de emissão, um n.º de referência [interno] e é atinente a um concreto assunto, que é precisamente a matéria de que tratam os autos.

Pelo teor do respectivo doc. n.º 3, o legal representante do Réu comunicou/notificou a Autora, ora Recorrida, que “… foi homologada a execução dos trabalhos a mais da empreitada […] no montante de €9.050,00 […]”, e para prestar caução no prazo de 8 dias.

Ao contrário do que alegou o Réu sob o ponto 54.º da Contestação, é manifesto que este documento não é da autoria da Autora, atenta a especificação formal que evidencia, sendo um documento oficial que proveio do seio do Réu e que está endereçado à Autora. E a ser um documento da autoria da Autora, essa alegação tinha de passar pela alegação por parte do Réu, de que se trata de um documento “falso”, nos termos do artigo 446.º do CPC, ex vi artigo 444.º, n.º 1 do mesmo diploma, o que assim não invocou, sendo que o desconhecimento do seu teor apenas pode ter conexão com o extravio do Processo administrativo atinente à execução da empreitada, questão essa que está subjacente ao julgado pelo Tribunal a quo.

Portanto, quanto ao documento n.º 3 junto com a Petição inicial, pese embora o mesmo tenha sido impugnado pelo Réu no âmbito da Contestação deduzida, o certo é que se trata de documento que foi emanado por um dos seus órgãos, e com poderes para se obrigar perante terceiros, mormente perante a Autora, para além de que, resulta da fundamentação da matéria de facto que a testemunha N. apresentou razões de ciência para efeitos de prestar depoimento, como o fez, no sentido de que os trabalhos a mais a que se reporta aquele ofício subscrito pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) foram homologados pelo executivo municipal, e foram executados pela Autora.

E deste modo, o ponto 2 do probatório é matéria que, efectivamente tem de ser mantida como provada tendo por referência o teor daquele documento n.º 3, por ser a reprodução fiel do seu teor.

Já quanto ao documento n.º 6 junto com a Petição inicial, apesar de também ter sido impugnado pelo Réu, como emerge da fundamentação da matéria de facto aportada pelo Tribunal a quo, a factura em causa foi vista pela mesma testemunha N. na divisão de contabilidade da Câmara Municipal de (...), quando o mesmo aí se deslocou para se inteirar do assunto em causa, na véspera da sua inquirição como testemunha na Audiência final realizada em 14 de novembro de 2019.

E assim, pese embora se tratar de documento da autoria da Autora, por ser atinente a uma factura por si emitida, estando a mesma na divisão de contabilidade da Câmara Municipal, lógicamente que só aí poderia estar por ter sido remetida pela Autora, ora Recorrida, e nesse conspecto, também não poderia o Réu, ora Recorrente, invocar o seu desconhecimento, mormente ignorar a sua existência física e o teor por si corporizado, sendo que, também atento o teor do ponto 11 do probatório, se a factura estivesse paga, obviamente que cumpria ao Réu a prova desse facto.

Termos em que tem de improceder a pretensão recursiva, como por si expendido sob as 1.ª a 4.ª conclusões, porquanto, ao ter o Tribunal a quo dado como provados os factos a que se reportam os pontos 2, 6 e 11 do probatório, fê-lo de acordo com a prova produzida nos autos, sustentada em prova documental e prova testemunhal, julgamento de facto esse que não é merecedor de censura por parte deste TCAN.

Prosseguindo.

Cumpre então apreciar e decidir o invocado erro de julgamento em torno da matéria de facto, por ter o Tribunal a quo dado como provada a redução a escrito do contrato dos trabalhos a mais, a que se reporta o ponto 10 do probatório [conclusões 5 a 17].

Sob as conclusões 5 a 17, o Recorrente sustenta que por não ter a Autora, ora Recorrida, alegado na sua Petição inicial que o contrato de trabalhos a mais foi reduzido a escrito, que deve ser considerado como “não provado” o ponto 10 do probatório.

E neste conspecto, assiste razão ao Recorrente.

Vejamos então por que termos e pressupostos, e em que medida essa apreciação pode contender com o fundo da questão suscitada pela Autora, que a final se reconduz ao direito a receber a contraprestação remuneratória decorrente da execução da empreitada e dos trabalhos a mais.

Com efeito, depois de cotejada a Petição inicial, não se retira do seu articulado que a Autora tenha alegado [e feito a prova devida nesse sentido], que o contrato de trabalhos a mais foi/tenha sido reduzido a escrito, e por decorrência do princípio do dispositivo, estava o Tribunal a quo impossibilitado de conhecer dessa matéria [desde logo, por recurso a presunção judicial, em que o julgador tira ilações de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos – Cfr. artigos 349.º e 351, ambos do Código Civil].

Como assim decorre do artigo 5.º do CPC, se bem que o Tribunal a quo não está vinculado às alegações empreendidas pelas partes no domínio da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito e da lei aplicável, já assim não pode o Tribunal a quo, prosseguir quanto à factualidade que pode ou não submeter à audiência contraditória das partes, pois que, como regime regra, só pode servir-se dos factos alegados pelas partes, salvo quanto a facto notório que o Tribunal declare conhecer no exercício das suas funções.

E se bem que a Autora pudesse não ter alegado e provado que foram “homologados os trabalhos a mais” [e se fosse essa questão que revestisse interesse na instrução dos autos] mas estivesse documentado nos autos a existência do contrato, podia ser inferido, por via de presunção judicial, à míngua da alegação por parte da Autora dessa factualidade, de que os “trabalhos a mais foram homologados”, por se tratar de uma precedência lógica; porém, já o contrário não é possível alcançar por essa via, pois a mera documentação da homologação dos trabalhos a mais não permite que seja formada convicção em torno da realização do respectivo contrato escrito.

E não tendo a Autora alegado que os trabalhos a mais objecto de homologação foram levados a contrato escrito, estava vedado ao Tribunal a quo empreender esse julgamento de facto, razão pela qual o facto vertido sob o ponto 10 do probatório tem de ser dado como não escrito.

Neste patamar.

Vindo sustentado pelo Réu, ora Recorrente, que por não ter sido reduzido a escrito o contrato “atinente a trabalhos a mais” [embora admitindo que o seu objecto tenha sido dado por trato verbal – Cfr. conclusão 12], face ao disposto nos artigos 219.º e 220.º, ambos do Código Civil, salienta que sendo um contrato que tem de revestir natureza formal e não o tendo sido, que tal acarreta a sua nulidade.

Não deixando esta alegação do Réu, ora Recorrente, de ser verdade, de todo o modo, mesmo em presença do regime da nulidade adveniente dessa não redução a escrito, face ao que dispõe o artigo 289 do Código Civil, esse regime não pode comportar que o Réu deixe de pagar o preço a que se reportam esses trabalhos a mais, o qual [preço] se encontra profusamente documentado nos autos como sendo devido à Autora, como assim apreciou e julgou o Tribunal a quo, cuja fundamentação para aqui extractamos como segue:

Início da transcrição
“[…] porque à nulidade por falta de redução a escrito do negócio jurídico sempre é de aplicar o regime legal previsto no artigo 289.º, n.º 1 do CC – no mesmo sentido vejam-se os acórdãos do STA de 17.12.2008, Proc. 0301/08 e de 18.02.2010, Proc. 0379/07.
O normativo referido determina que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.
Ora, analisada a matéria de facto, facilmente se pode perceber que os trabalhos executados (os contratados e os trabalhos a mais) foram medidos e no âmbito da medição geral, efetuada a 22.07.2010, constatou-se que foram executados trabalhos no valor global de € 52 260,00, e face ao que já tinha sido pago restava ainda pagar à autora a quantia ilíquida de € 11 930,00.
Assim, mesmo que se aplicasse o regime da nulidade, ainda assim, a fatura em causa deve ser paga pelo Município.
[…]”
Fim da transcrição

E como assim apreciado e julgado pelo Tribunal recorrido, pese embora a não remessa ao Tribunal a quo pelo Réu, ora Recorrido, dos elementos documentais a que se reportou a Autora a final da Petição inicial, que tinham necessária e legalmente de constar do Processo administrativo, assim como da não remessa do PA juntamente com a Contestação deduzida, com a ulterior invocação de que o mesmo se extraviou, comportar consequências processuais no plano da admissão de factualidade que venha alegada [pela Autora] mas relativamente à qual se torne difícil a produção de prova, o dever fundamental de o Réu pagar os trabalhos a mais executados pela Autora, por assim ter sido aprovado/homologado pelo Réu, decorre, desde logo e de forma muito clara e objectiva, do “auto de medição geral” que foi efectuado em 22 de julho de 2010, e que contou com a participação de 3 intervenientes, 2 deles funcionários da Câmara Municipal [sendo 1 deles o dirigente municipal do serviço de obras municipais, e outro o fiscal da obra] e o 3.º, a Adjudicatária, ora Recorrente.

Como assim foi apreciado e julgado pelo Tribunal a quo, a não remessa do Processo administrativo aos autos apenas e só é imputável ao Réu, sendo que essa sua actuação/omissão comporta consequências processuais.

Mas de todo o modo, face ao que alegou o Réu [mas que não levou às respectivas conclusões], de que a Autora não referiu na Petição inicial “… em que consistiam esses trabalhos a mais que diz ter executado, não os caracteriza nem descreve, pelo que não se sabe que trabalhos terão sido esses e se cumprirão as directrizes legais.”, e bem assim, que “… a sentença nunca poderia condenar o R. no pagamento de trabalhos a mais sem identificar e descrever em que consistiam tais trabalhos.”, essa sua invocação reveste alguma temeridade, pois que se o objecto da empreitada e o preço estavam definidos, sendo para efeitos de construção de muros no caminho agrícola de Cedões à Sardoeira, em (...), e pelo valor de €43.210,00 [a que acrescia IVA], se a medição geral dos trabalhos fixou o valor de trabalhos realizado pela Autora, em €52.260,00 [a que acresceria IVA], para aferir desse desacerto, ou da “oportunidade” de a Autora vir a juízo peticionar um valor monetário decorrente da realização de trabalhos a mais na empreitada, que não lhe são/serão devidos, por não realizados, então só haveria o Réu de fazer prova nos autos [o que não fez, apesar de a Autora o ter requerido a final da Petição inicial] do procedimento administrativo [na definição aportada pelo artigo 1.º, n.º 1 do CPA] mormente, do procedimento contratual, onde seria possível constatar, pela sua mera leitura, designadamente, do teor do caderno de encargos com as respectivas especificações técnicas e mapa de quantidades, sobre se o auto de medição geral [onde intervieram 2 funcionários municipais, sendo 1 deles dirigente] realizado em 22 de julho de 2010, se é a tradução fiel do que foi executado pela Autora e aí declarado, ou se não o foi, e portanto, se também esse auto de medição traduz uma inverdade ou é falso.

Note-se que, em face do teor do auto de medição geral, são apenas 4 as rubricas que constituem o objecto da empreitada [execução de muros em blocos de cimento; execução de fundações em betão; execução de muros em betão; e execução de pavimentos em cubos de granito], com o respectivo elenco de quantidades executadas e preços unitários.

Se o Réu tivesse junto aos autos o procedimento concursal, assim como o contrato de empreitada, logo por aí se poderia constatar, com facilidade, qual a quantidade de obra é que o Réu publicitou que queria fosse realizada no âmbito dessa empreitada , e aferir, a final, qual a quantidade de obra que a Autora efectivamente aí tinha de realizar por decorrência da proposta que apesentou, e bem assim, para efeitos de apuramento de “trabalhos a mais”.

Não tendo o Réu possibilitado a feitura dessa prova, em face do que resultou da instrução dos autos e face ao que resulta do probatório, temos por absolutamente incontrovertido sobre qual o valor pelo qual foi feita a adjudicação à Autora, em 26 de outubro de 2008 [por €43.210,00 - Cfr. ponto 1 do probatório], e que por ofício datado de 02 de julho de 2009, o Presidente da Câmara Municipal notificou a Autora da homologação da execução de trabalhos pelo valor de €9.050,00 [Cfr. ponto 2 do probatório], e tendo a medição geral efectuada em 22 de julho de 2010 fixado o valor das quantidades de obras executada pela Autora pelo valor global de €52.260,00, [factualidade esta que não constitui o objecto de recurso], se os intervenientes no auto de medição geral fixaram o valor da obra executada por este montante, os trabalhos a mais são assim a decorrência da execução de mais m2 ou m3 de obra, do que aquela que constituía o objecto do procedimento concursal e pelo que a Autora se obrigou pela sua proposta, e que mais quantidade de obra lhe foi ordenado realizar pela entidade adjudicante.

Assim é que, independentemente de não ter sido alegado por parte da Autora, de que os trabalhos a mais foram objecto de contrato escrito, sendo incontrovertido quem concretamente conhecia dessa matéria [pelo menos os dois funcionários intervenientes, o que é de conhecimento expresso e preciso do Réu, pelo menos desde a data em que foi realizada a medição geral, em 22 de julho de 2010, precisamente 2 dias após a obra ter sido provisoriamente recebida], mormente, sobre quantos m2 ou m3 de cada uma das rubricas é que foi executada pela Autora, e tendo a medição geral sido fixada por reporte aos respectivos preços unitários, tendo a obra sido executada em montante que perfaz o valor global de €52.260,00 [sendo €43.210,00 da adjudicação – Cfr.ponto 1 do probatório -, e €9.050,00 de trabalhos a mais – Cfr. ponto 2 do probatório], o Réu tem de pagar-lhe o montante decorrente de obra realizada a mais, seja por decorrência do disposto no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil [como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo] seja mesmo a título de enriquecimento sem justa causa.

Termos em que também por aqui tem de falecer a pretensão recursiva do Recorrente, como patenteado sob as conclusões 5 a 17.

Cumpre agora apreciar do invocado erro de julgamento atinente à sua condenação pelo Tribunal a quo como litigante de má-fé [conclusões 18 a 24].

A condenação em litigância de má-fé pressupõe e exige que a actuação de alguma das partes desrespeite o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo, e que essa conduta deve estar viciada de dolo ou negligência grave, estando de fora as situações de erro grosseiro e de lide ousada ou temerária, sendo que, para que se considere a existência de uma situação de litigância de má-fé por uso manifestamente reprovável do processo é necessário que nele seja deduzida uma pretensão cuja falta de fundamento a parte não deva ignorar, sendo exigido que a pessoa do demandante [ou do demandado] ou do Recorrente [ou Recorrido] actue com dolo e que tenha conhecimento da falta de fundamento da acção e que mesmo assim a interponha e/ou se defenda em juízo.

Neste âmbito, cumpre sublinhar que o legislador excluiu do círculo de protecção da litigância de má-fé todas as situações em que o conhecimento da falta de fundamento da acção se deva imputar seja ao mandatário da parte, seja a situações que conduzam a uma lide temerária ou ousada.

Neste conspecto, apreciou e decidiu o Tribunal a quo como segue:

“[…]
Analisados os autos, afigura-se existir má-fé que possa ser imputada ao réu e que justifique a sua condenação como litigante de má fé.
Na verdade, resulta da própria contestação que o Município “perdeu” a base documental ao abrigo do qual foi celebrado e executado o contrato.
Mas tal perda da sua única e exclusiva responsabilidade não o coibiu de invocar fundamentos com o intuito de não pagar à autora ou de atrasar esse pagamento, como seja a existência de defeitos da obra, sabendo que nada de concreto podia apontar à obra em causa, ou a não formalização dos trabalhos a mais, cuja existência ou inexistência não podia comprovar.
Mais, afigura-se que o Município extrapola a boa fé processual quando nas circunstâncias referidas invoca fundamentos genéricos para obstar ao pagamento da fatura e à restituição da caução sem conseguir concretizar um único defeito da obra.
Nem sequer resulta dos autos que o Município perante a última “perda” do P.A. tivesse procurado ou feito um esforço junto dos seus funcionários ou da autora para reconstituir uma base documental. E não deixa de ser surpreendente, como resulta da fundamentação da matéria de facto que estejamos perante um P.A. que foi perdido, reconstruído mais que uma vez, tendo voltado a perder-se.
Assim, afigura-se que a presente ação foi utilizada pelo Município como um meio manifestamente dilatório.
[…]
Pretender, sem qualquer base documental a cuja existência e manutenção o Município estava obrigado, invocar o que se invocou, afigura-se constituir uma grave ofensa ao dever de cooperação, bem como a utilização da contestação para invocar fundamentos cujo desconhecimento e falta de fundamento só ao próprio Município podem ser imputados.
A isto acresce que, como é referido pela autora de acordo com a própria pesquisa efetuada pelo Município, em função da informação de 30.05.2017, o Município reconhece a existência do contrato, que os trabalhos foram executados e que a obra foi medida em função do autor realizado a 22.07.2010 e que ainda não se encontra totalmente pago nem a caução totalmente libertada.
Tendo em consta o que supra se referiu e o disposto no artigo 27.º, n.º 3 do RCP, fixa-se ao Município multa como litigante de má fé no valor de 5 UC’s e indemnização à autora em igual valor.
[…]”

Como extraído supra, o Tribunal recorrido decidiu que a utilização da Contestação ao pedido deduzido pela Autora, ora Recorrida, se traduziu no uso de um meio manifestamente dilatório para obstar a que a Autora conseguisse fazer prova do seu direito, e ainda numa ofensa grave ao dever de cooperação, pelo facto de a sua alegação assentar na invocação de fundamentos genéricos, sem sustentação documental, quando o deveria ser por decorrência da necessária existência no seu seio, de um Processo administrativo, que por inexistir [por ter sido declarado extraviado, pese embora ter sido refeito pelo Réu várias vezes], não podia, como o foi [no julgamento tirado pelo Tribunal recorrido], que tal não pode deixar de ser imputado ao Réu, e que por essa razão, a invocação de desconhecimento dos factos e a falta de fundamentos só a si [ora Recorrente] lhe podem ser imputados.

Apreciou ainda o Tribunal a quo que em face do teor dos documentos juntos aos autos pelo Réu, ora Recorrente, na pendência da sua instrução, mormente, em face do teor da informação datada de 30 de maio de 2017 [a que reportam os pontos 13 e 14 do probatório – ainda que por interposição deste TCAN], que o MUNICÍPIO DE (...) reconheceu a realização dos trabalhos a que o mesmo respeita [incluindo os reclamados “trabalhos a mais”], a realização de auto de medição geral, assim como o reconhecimento de que esses trabalhos não estavam pagos, nem a caução libertada.

Ora, o assim julgado pelo Tribunal a quo não merece censura.

Com efeito, em face do que resultou provado e no que é atinente à actuação processual do Réu, ora Recorrente, não podemos deixar de julgar que se encontram preenchidos os pressupostos que determinam a sua condenação como litigante de má- fé, pois que foram violadas todas as alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, na medida em que, e ao contrário do que sustenta o Recorrente, a dedução da sua defesa nos autos [com a dedução da Contestação] foi muito para além da mera invocação de factos que integravam o exercício do seu direito de defesa e na convicção de que o fazia por dele estar certo e na convicção e que lhe assistia razão na improcedência da pretensão da Autora.

Neste sentido, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão deste TCAN, proferido no Processo n.º 01536/04BEPRT, datado de 24 de maio de 2007, in www.itij.pt, como segue:

Início da transcrição
“[...]
Para não caírem no âmbito de aplicação do normativo ora acabado de transcrever e nas correlativas sanções previstas para o efeito, as partes deverão litigar com a devida correcção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos arts. 08.º do CPTA, 266.º e 266.º-A do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do Direito e da Justiça no caso concreto que constitui objecto do litígio.
Daí que no caso de alguma das partes num litígio actuar com malícia e quiser levar o Tribunal a formar uma convicção distorcida da realidade por si conhecida no tocante a facto ou pretensão cuja ilegitimidade ou vício conhece, não observando o dever de cooperação a que por lei está vinculada ou se voluntariamente usar o processo de modo reprovável, deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar e entorpecer a acção da justiça protelando, sem fundamento sério, o trânsito da decisão, estará a agir de má fé e impor-se-á, então, a sua condenação como litigante de má fé. [sublinhado da nossa autoria]
Para que possa falar-se de litigância de má fé e se justifique a aplicação de alguma das sanções previstas para tal situação deverá ter-se como assente que essa aplicação só se coloca quando se conclui que a actuação de alguma das partes desrespeita o Tribunal ou a parte que lhe é contrária no processo.
[...]“
Fim da transcrição

Não se tratou, como assim julgamos, de uma interpretação dos factos pelo Réu assim como do regime jurídico convocável, que tenha sido feita de forma pouco consistente ou minoritária, pois como o Tribunal a quo decidiu, e sem reparo, a oposição à pretensão deduzida pela Autora assentou em pressupostos de facto que não deveria desconhecer [desde logo, cumpre aqui chamar à colacção o modo e termos da impugnação dos docs. n.ºs 3 e 6 juntos com a Petição inicial, como apreciamos supra], para além de que omitiu factos relevantes para efeitos da apreciação desse pedido, com enfase neste particular de omissão grave do dever de cooperação, no que a final tudo derivou, no sentido de um uso dos meios processuais [e dos meios de defesa] manifestamente reprovável, com o intuito de nada pagar à Autora, visando a obstrução da justa composição do litígio, quando é absolutamente certo, como assim julgamos, que não poderia desconhecer do direito que assistia à Autora.

Por conseguinte, improcede assim a pretensão recursiva do Recorrente.


*
E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Empreitada; Trabalhos a mais; Contrato escrito; Prova; Litigância de má-fé.

1 - Estando em causa pedido de efectivação de responsabilidade contratual, para efeitos de que o Tribunal a quo pudesse vir a dar como provado que o contrato de trabalhos a mais foi levado a escrito, o ónus dessa alegação corria a cargo da Autora, impondo-se que na Petição inicial descrevesse com rigor e suficientemente desenvolvimento os factos constitutivos do seu direito, mormente, do bem fundado da sua pretensão, que não pode ser suprida pela remissão para um documento que apenas se reporta à “homologação de trabalhos a mais” numa empreitada.

2 - A apresentação por parte da Autora do documento n.º 3, não visa fazer prova de que o contrato escrito foi realizado, ou admitir de forma reconhecida e confessada que o mesmo inexiste, antes apenas e só, como decorre do ponto 6 da Petição inicial, de que os trabalhos a mais por si realizados e que estão na base do pedido formulado a final da Petição inicial, e antes disso, cujo valor integra a factura n.º 20100019, foram homologados pelo próprio Presidente da Câmara Municipal, nos termos que foram dados a saber e conhecer à Autora por esse ofício.

3 - Tem aplicação o efeito da declaração de nulidade dos contratos, regulado no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, que impõe a restituição de tudo quanto haja sido prestado ou, se a restituição não for possível o valor correspondente, quando no âmbito de uma empreitada realizada, a entidade adjudicante vem a invocar perante o adjudicatário que foi preterida formalidade essencial, por não ter sido efectuado contrato escrito relativamente a trabalhos a mais que foram realizados.

4 - Encontram-se preenchidos os pressupostos que determinam a condenação do Réu como litigante de má- fé, pois que foram por si violadas todas as alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC, na medida em que, e ao contrário do que sustenta o Recorrente, a dedução da sua defesa nos autos [com a dedução da Contestação] foi muito para além da mera invocação de factos que integravam o exercício do seu direito de defesa e na convicção de que o fazia por dele estar certo e na convicção de que lhe assistia razão na improcedência da pretensão da Autora, quando apresenta oposição à pretensão deduzida pela Autora que assenta em pressupostos de facto que não deveria desconhecer, para além de ter omitido factos relevantes para efeitos da apreciação desse pedido, com enfase neste particular de omissão grave do dever de cooperação, no que a final tudo derivou, no sentido de um uso dos meios processuais [e dos meios de defesa] manifestamente reprovável, com o intuito de nada pagar à Autora, visando a obstrução da justa composição do litígio.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pelo Recorrente MUNICÍPIO DE (...), e consequentemente, em confirmar a Sentença recorrida, embora com a fundamentação enunciada supra.
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Custas a cargo do Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 22 de janeiro de 2021.


Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira