Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00888/20.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:RESPONSABILIDADE. JUSTIÇA. ATRASO.
Sumário:I) – No caso, perante os cânones de decisão, justifica-se indemnizar pela demora excessiva do processo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Estado Português
Recorrido 1:I.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
*
Estado Português interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, que julgou parcialmente procedente acção administrativa instaurada por I. (Rua (…)), e na qual o réu foi condenado “ao pagamento do montante de 27.000 € (vinte e sete mil euros), acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, correspondente a indemnização devida em virtude da violação da exigência da duração razoável de processo.”.

Conclui:

1º Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a 17 de novembro de 2021, notificada ao Ministério Público em 19 de novembro, que decidiu julgar a ação instaurada por I. contra o RÉU ESTADO PORTUGUÊS parcialmente procedente e, em consequência, o condenou a pagar à A. a quantia de 27.000€ (vinte e sete mil euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, quantia correspondente a indemnização devida em virtude da violação do direito da Autora à obtenção de decisão judicial em prazo razoável.
2º Fundou-se a sentença ora recorrida, em suma, na verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, por factos ilícitos deste, fazendo impender sobre o Réu o dever de indemnizar a Autora, sendo o valor da indemnização correspondente a danos não patrimoniais pelos 18 anos de atraso na obtenção de decisão judicial no âmbito da execução especial por alimentos n.º 2196/14.5TMPRT –A, que correu termos no Tribunal de Família e Menores do Porto e cuja tramitação processual teve a duração total de 21 anos. 3ºAplicou, em matéria de direito, essencialmente o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - Lei n.º 67/2007 de 31/12 -, art.º 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 20º, n.º 4 da CRP e os artigos 483º a 510º Código Civil.
4º A discordância do Réu Estado situa-se na apreciação feita na sentença recorrida em relação à verificação, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Réu, nomeadamente, no que concerne à ilicitude e à culpa, ao nexo de causalidade entre o fato ilícito e os danos dados como provados, bem como no que concerne ao quantum da indemnização arbitrada, por danos não patrimoniais.
5º Ou seja, apesar da factualidade dada como provada, a qual não se contesta neste recurso, atenta a motivação de facto nela apresentada, entende o Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, que o Tribunal a quo, se tivesse interpretado corretamente as normas jurídicas aplicáveis, não deveria ter considerado verificados, em concreto, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do Réu, em virtude de violação do direito à obtenção de decisão em prazo razoável e que, ao decidir nos termos em que decidiu, o Tribunal a quo, fez uma errada interpretação e aplicação do regime legal aplicável in casu.
6º Antes de mais cumpre referir que o processo cujo atraso na prolação de “uma decisão judicial” está aqui em discussão é um processo executivo – execução por alimentos devidos a menor -, onde se executava uma sentença que fixou os alimentos a pagar pelo progenitor de um menor, pelo que e não havia qualquer decisão judicial, no sentido de decisão que apreciasse do mérito de uma pretensão suscitada ao tribunal pela Autora, que tivesse que ser proferida em “prazo razoável” e cuja violação pudesse servir de causa de pedir na presente ação.
7ºAcresce que, o impulso processual no processo executivo cabe sempre à parte exequente, sendo o papel do Tribunal o de decidir quanto ao que vem peticionado, em conformidade com a lei, bem assim proceder às diligências que, de todo em todo as partes não possam levar a cabo – cf. art.ºs 810º e 812º, n.º 2 do CPC, na versão vigente à data da instauração da execução e prosseguimento do processo até 1/9/2013, altura em que entrou em vigor o novo CPC.
8º Ora, se é certo que, de acordo com o que dispõe o artigo 2º n.º 1 do Código de Processo Civil, “a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar”,
9ºCerto é também que ao Estado não pode, sem mais, ser-lhe imputado um atraso de 18 anos na obtenção da decisão no processo executivo em causa nos autos, no caso, decisão de extinção da instância executiva por impossibilidade do seu prosseguimento por falta de bens conhecidos ao executado.
10ºIsto porque, por um lado, não se deu como provado nenhum comportamento ilícito praticado por magistrados e funcionários do Tribunal de Família e Menores do Porto, e por outro, a demora na prolação da aludida decisão, contabilizada em 18 anos, não traduz, por si só, um comportamento violador das normas jurídicas relativas à violação do direito à obtenção de decisão judicial em prazo razoável, nem configura uma ilicitude objetiva pelo defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.
11ºOu seja, entende o recorrente que no presente caso, e em concreto, não se verifica o pressuposto da ilicitude, na vertente de uma omissão ilícita de qualquer dever de agir do Réu, que o Tribunal a quo nem sequer concretiza qual seja.
12ºEm primeiro lugar, e no entender do recorrente, o Tribunal a quo laborou num pressuposto errado, ao equiparar um processo executivo a um processo declarativo, considerando que o prazo razoável, em primeira instância, para a obtenção de uma “decisão judicial” no primeiro é de 3 anos, assim imputando ao Estado um atraso de 18 anos na obtenção da decisão de extinção da instância executiva por impossibilidade do prosseguimento da lide, ainda que esta se pudesse vir a renovar no caso de serem conhecidos rendimentos, bens ou direitos ao executado.
13ºIsso porque, estamos perante um processo executivo – execução especial por alimentos, instaurada ao abrigo do disposto nos artigos 1118º a 1121 do CPC de 1961, atualmente prevista no art.º 933º e segs. do novo CPC -, pelo que se deve ter em conta, desde logo, que este tipo de processos tem especificidades que se evidenciam no que concerne ao cômputo do prazo de duração do processo.
14ºNomeadamente, e relativamente ao executado, apenas se pode iniciar a contagem do prazo de duração do processo de execução com a intervenção deste, que no caso nunca ocorreu, por ser desconhecido, desde o início, o seu paradeiro, o que contribuiu, e em muito, para a pendência do processo executivo ao longo do tempo e não poder ser imputado, a nenhum título, ao Réu Estado, nomeadamente a título de “funcionamento anormal do Tribunal por onde o processo tramitou”.
5ºDepois, o processo de execução, ainda que de execução especial por alimentos, atenta a sua natureza, constitui um processo não tramitado durante as férias judiciais, pelo que ao computo dos 18 anos de atraso que o Tribunal a quo calculou, sempre teriam de ser descontados todos os períodos de férias judiciais, o que não foi efetuado.
16ºComo, também, deveria ter sido descontado o período em que o processo esteve parado, a aguardar o impulso da Autora – o requerimento da penhora de 1/12 avos da fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), só foi feio cerca de 8 meses depois da adjudicação do primeiro imóvel penhorado a um credor hipotecário -, como decorre dos pontos 38, 51 e 52 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.
17º Por outro lado, deveria o Tribunal a quo ter em conta que a pendência da execução em causa nos autos se deveu, sim, a uma errada estratégia da Autora, que sempre esteve representada por mandatário judicial, isto porque sabia, desde o início, que o executado havia desaparecido, que o imóvel que primeiramente nomeou à penhora estava onerado com uma hipoteca, que existiam outras dividas, de elevado valor, da responsabilidade do executado e que, seguramente, os respetivos credores as viriam reclamar ao processo executivo, como aconteceu.
18ºE, quanto ao segundo imóvel, bem sabia a Autora que penhorar um direito correspondente a 1/12 de um bem, desconhecendo a totalidade das identidades dos demais 11 comproprietários e as respetivas moradas, era atividade executiva morosa e de sucesso muito duvidoso, como realmente se verificou, circunstâncias a que o Réu Estado foi completamente alheio e que não tem que ver com o funcionamento anormal do tribunal onde o processo foi tramitado.
19ºPortanto, verifica-se que não foi o mau funcionamento do serviço de justiça, que não se prova ter ocorrido em nenhuma circunstância, que levou a que a execução se prolongasse no tempo por 21 anos.
20ºPelo contrário, é indiscutível que os serviços de justiça do Réu Estado funcionaram atempadamente e com normalidade, não tendo havido, da sua parte –através dos magistrados e funcionários judiciais que tramitaram o aludido processo - quaisquer atrasos, que se possam considerar anormais ou exagerados, nem se verificou, da parte do Réu, qualquer inércia no impulso processual do processo – como na própria sentença tudo se reconhece.
21ºAssim, e ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, o Réu Estado ilidiu a presunção de culpa que sobre o mesmo recaía, já que ficou demonstrado nos autos que nenhum facto ilícito e culposo pode ser imputado aos magistrados e funcionários judiciais do Tribunal de Família e Menores do Porto que tivesse dado causa a que o processo executivo se prolongasse no tempo por 21 anos.
22º Por outro lado, a sucessão de “anomalias processuais” que terão bloqueado, no entender do Tribunal a quo, o normal fluir do processo e levado à morosidade da execução especial de alimentos, se não são de imputar à Autora nem ao Tribunal, tal como se refere na sentença, também não o podem ser ao Réu Estado, nomeadamente por “deficiência” da lei processual vigente – CPC de 1961 -, a qual foi sendo alterada e aperfeiçoada ao longo dos anos, culminando com o novo CPC, introduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26/11, o qual vai já na 12ª versão.
23º Aliás, o Tribunal a quo, por um lado não concretizou quais as “anomalias” processuais que a lei processual civil continha que terão sido a causa da morosidade da execução especial de alimentos e cuja “omissão” de as reparar, através de alterações à lei vigente, constituiria o facto ilícito culposo, gerador dos danos sofridos pelo Autor.
24ºE, por outro lado, não atentou o Tribunal a quo a que a “omissão” de legislar, procedendo a alterações à lei processual vigente, com vista a tornar os processos judiciais mais céleres, não é a causa de pedir nesta ação e não pode, por isso, fundamentar a decisão de condenação do Réu Estado.
SEM PRESCINDIR, E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA
25º Se “anomalias” houvesse na lei processual civil – o que não se aceita, por não constituir a causa de pedir na presente ação -, sempre as mesmas poderiam, no presente caso, ter sido ultrapassadas se a Autora tivesse efetuado a acertada estratégia processual, em vez de persistir numa ação executiva, ao longo de vários anos, desde o início votada ao insucesso, quando poderia ter solicitado o pagamento dos alimentos em falta ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, criado pelo Estado através da Lei n.º 75/98, de 19/11, precisamente para fazer face à impossibilidade de cobrar as prestações alimentares devidas a menores por parte dos progenitores relapsos.
26º Assim, entende o Réu Estado que demonstrou que a duração do processo executivo em causa nos autos não ficou a dever-se a qualquer atraso nas decisões a tomar pelo Tribunal, nem a atraso na execução dos passos processuais que eram da competência da secretaria do tribunal, como também não se ficou a dever a qualquer “anomalia” da legislação processual, cuja omissão de legislar, procedendo a alterações à lei processual vigente, não é sequer causa de pedir nesta ação.
27ºResulta, assim, demonstrado que não existe, em concreto, qualquer facto ilícito e culposo que possa ser imputado ao Réu Estado, tendo, em consequência, ilidido, cabalmente, a presunção de culpa que sobre si incidia.
SEM PRESCINDIR, E CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA
28º Não havendo facto ilícito, tão pouco se pode falar em nexo causal entre este e os danos não patrimoniais dados como provados - Ponto 135 da matéria de facto dada como provada: a pendência do processo n.º 2196/14.5TMPRT-A causou à Autora angústia, ansiedade, inquietação, apreensão, frustração, tristeza, e sentindo incerteza se iria receber o montante peticionado -, ou seja, não pode o Réu Estado ser responsável pelos mesmos, como, também, não é responsável pelo pagamento da quantia de 27.000€ fixada pelo Tribunal a quo.
29ºAliás, e quanto ao quantum indemnizatório, o recorrente não concorda que no presente caso tenha sido fixada a indemnização máxima genericamente ponderada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ou seja, 1.500,00€ por cada ano de atraso na prolação da decisão, parecendo-lhe equitativamente adequado, ao abrigo do disposto no art.º 494º do Cód. Civil e atenta a argumentação supra expendida, o montante de 1000€ por cada ano de atraso.
30ºAssim, e concluindo, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, fez uma errada interpretação e aplicação do regime legal aplicável in casu, nomeadamente, a Lei n.º 67/2007 de 31/12, art.º 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 20º, n.º 4 da CRP e os artigos 483º a 510º e 62º a 572º do Cód. Civil, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada e proferida outra que julgue a ação improcedente, absolvendo o R. Estado Português do pedido.
31ºOu, sem prescindir, que se reduza, mediante um juízo de equidade, o montante indemnizatório fixado na sentença à quantia de 1000€ (mil euros) por cada ano de atraso que possa eventualmente a vir a ser imputado ao Estado.

A recorrida conclui:

1. Nos termos da legislação internacional e nacional aplicáveis, foram julgados provados, e não impugnados, todos os factos conducentes ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do réu.
2. O tribunal recorrido fez uma exemplar aplicação do regime legal aplicável, em concordância com as orientações jurisprudenciais, nacionais e internacionais, quasi unânimes, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura.
*
Os factos, fixados na sentença como provados:
1. Em 13/11/1996 foi registada sentença homologatória da regulação do poder paternal, relativamente ao então menor A., em que ficou acordado que o progenitor A. contribuiria com a quantia mensal de 20.000$00, suportando ainda metade das despesas de saúde e escolares do menor. 2. No dia 11-02-1998, I., ora Autora, instaurou acção executiva especial por alimentos contra A., junto do Tribunal de Família e Menores do Porto.
3. Como fundamento da ação aludida, a Autora alegava que, naquela data, se encontrava em dívida a quantia de 294.880$00, em conformidade com o acordo homologado, dos termos de regulação do poder paternal que correu termos sob o processo n.º 626/96.
4. No âmbito da ação aludida a Autora indicou um bem a penhorar, a saber: fração autónoma, designada pela letra “F”, correspondente a uma habitação no rés-do-chão, direito, com entrada pelo n.º 751, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3180, fls. 31 vº do Livro B-11 e inscrita na matriz sob o artigo (...)-F.
5. Em 25-02-1998, C. foi indicado como fiel depositário.
6. No dia 26-02-1998 foi ordenada a penhora do imóvel aludido.
7. Em 9-03-1998 foi concretizada a penhora sobre o imóvel identificado em 3.
8. No dia 11-03-1998 foi remetida cara registada com aviso de receção para citação do executado.
9. A carta identificada em 8., não foi rececionada nem reclamada.
10. Em 01-04-1998 foi ordenada nova citação e notificação do executado.
11. A citação aludida em 10., não foi concretizada.
12. Em 22-04-1998, a ora Autora, requereu a citação edital do executado.
13. Em 23-07-1998 foi solicitada à GNR de (…) informação sobre o paradeiro do executado.
14. A GNR informou, em 22-07-1998, que o paradeiro era desconhecido.
15. Em 23-09-1998 foi ordenada a citação edital do executado.
16. Em 9-11-1998 foi expedida carta registada à mandatária da exequente, ora autora, com o envio da minuta para publicação do anúncio.
17. Os anúncios foram publicados em 16 e 17 de novembro de 1998. 18. Em 12-02-1999 foi junto aos autos certidão de comprovativo do registo da penhora.
19. No dia 18-03-1999 foram expedidas cartas registadas com aviso de receção para citação das entidades fiscais.
20. No dia 14-07-1999 os autos foram conclusos ao Mmº Juiz, com a menção “só nesta data, devido à acumulação de serviço, falta constante de funcionários e a Inspeção de Magistrados”.
21. Atraso que foi considerado justificado.
22. No dia 8-03-2000 foi ordenada a notificação da exequente, executado e credores reclamantes para se pronunciarem sobre a modalidade de venda e valor base do bem.
23. A 13-04-200, foram expedidas as notificações aludidas em 22.
24. No dia 22-05-200 foi determinada a venda do imóvel penhorado por meio de propostas em cata fechada, designando o dia 16-09-2000, para a abertura das propostas.
25. Em15-09-2000 a exequente requereu a designação de nova data para a apresentação e abertura de propostas, uma vez que não tinha sido emitido anúncio para publicação.
26. O pedido aludido em 25. foi deferido, sendo designado o dia 7-11-2000 para abertura das propostas.
27. No dia 7-11-2000 foi realizada a diligência, não tendo sido apresentadas quaisquer propostas.
28. Em 05-12-2000 foi determinada a venda do imóvel penhorado na modalidade de negociação particular.
29. Foi nomeada a sociedade de mediação imobiliária designada “U., Lda”, para proceder à venda do imóvel, por negociação particular.
30. Em 31-01-2001 a sociedade imobiliária identificada em 29., requereu a entrega efetiva do bem.
31. Foi ordenada a notificação da ora autora para se pronunciar sobre o requerido em 30.
32. Em 15-03-2001 a ora autora emitiu pronúncia.
33. No dia 05-04-2001 foi ordenada a entrega judicial da fração penhorada 34. Em 07-06-2001 foi expedida carta precatória para entrega judicial de imóvel
35. O Tribunal de Família e Menores de (...) rececionou a carta precatória em 11-06-2001.
36. O mandado para entrega foi emitido no dia 13-06-2001.
37. No dia 30-08-2001 foi solicitada a intervenção de força policial, na entrega do bem imóvel penhorado.
38. A entrega efetiva do imóvel foi agendada para o dia 02-10-2001.
39. A entrega do imóvel foi concretizada no dia 02-10-2001.
40. Em 19-03-2002 foi notificada a sociedade “U., Lda.” para informar os autos das diligências realizadas.
41. Em 14-05-2002 foi ordenada novo pedido de informação à sociedade imobiliária.
42. No dia 09-09-2002 a sociedade imobiliária informou os autos das diligências efetuadas.
43. No dia 29-10-2002 a ora autora requereu a venda do imóvel por proposta em carta fechada.
44. Foi designado o dia 14-01-2003 para abertura das propostas.
45. No dia aludido em 44., verificou-se que inexistiam propostas.
46. Em 11-02-2003 foi determinado que os autos continuassem a aguardar o que viesse a ser requerido com vista ao prosseguimento da execução.
47. Em 24-03-2003 a ora autora requereu a venda do bem penhorado por proposta em carta fechada, tendo por base 70% do seu valor patrimonial.
48. Em 01-04-2003 o credor reclamante “Banco Totta” requereu que a venda fosse efetuada pelo valor base de 30.000,00 euros.
49. No dia 10-04-2003 foi determinada a venda do imóvel penhorado mediante propostas em carta fechada, com valor base de 30.000,00 euros, designando o dia 27-05-2003 para a abertura de propostas.
50. No dia 27-05-2003 foram abertas as propostas, tendo sido aceite a proposta apresentada pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A., pelo valor de 55.500,00 euros.
51. Em 27-10-2003 foi enviado o título de transmissão.
52. No dia 07-06-2004 a ora autora requereu a penhora de 1/12 avos da fracção autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…).
53. No dia 16-06-2004 foi lavrado despacho para a ora autora identificar os restantes comproprietários da fração em causa.
54. Em 30-06-2004, a ora autora, informou os autos da identidade dos restantes comproprietários.
55. No dia 09-07-2004 foi ordenada a penhora da fração identificada em 52.
56. Em 06-10-2004, J., notificado na qualidade de comproprietário da fração identificada em 52., informou os autos, entre o mais, de que “A. será proprietário de 1/12 avos, mas que não será a fração Autónoma designada pela letra A do prédio referido”.
57. Em 13-01-2005, após notificação do requerimento aludido em 56., a ora autora requereu a efetiva penhora da fração em causa.
58. Em 15-02-2005 foi a ora autora notificada da informação a fls. 233 e 281 do processo de execução por alimentos a menor.
59. Em 08-04-2005 a autora requereu a notificação do administrador do condomínio para informar da residência atual dos comproprietários da fracção identificada em 52.
60. No dia 05-07-2005, a autora requereu “que se oficie ao Instituto de Seguros do Portugal, para oficiar às empresas de seguros autorizadas a operar em Portugal, para que estas informem os autos se o executado (…) é titular de seguros quer do ramo automóvel quer de incêndio ou outos” e, ainda, “se oficie ao Centro Regional da Segurança Social para que venha informar se o executado é trabalhador por conta de outrem e, em caso afirmativo a identificação completa da entidade patronal.”.
61. Em 29-11-2005 a autora requereu que se oficiasse à Direção de Finanças do Porto a junção aos autos da última declaração de IRS do executado, bem como da existência de bens passíveis de penhora
62. Em 03-03-2006 a Direção de Finanças do Porto remeteu a informação solicitada.
63. No dia 20-03-2006, a autora requereu que se oficiasse à Direção Geral dos Impostos a indicação da residência dos restantes comproprietários da fracção identificada em 51.
64. Em 11-04-2006, a Direção Geral dos Impostos remeteu ofício com a indicação da residência dos comproprietários da fração aludida.
65. Em 17-05-2006, a autora, requereu que os comproprietários fossem notificados nas moradas constantes da informação remetida pela Direção Geral de Impostos.
66. Em 22-09-2006, a autora requereu a venda do bem penhorado.
67. Em 07-12-2006 foi ordenada a notificação da exequente para se pronunciar quanto à modalidade da venda e valor base do bem.
68. Em 09-01-2007 e 11-01-2007, a autora pronunciou-se quanto ao aludido em 66.
69. Em 25-01-2007 foi determinada a venda mediante abertura de propostas em carta fechada com o valor base de 7.765,00 euros.
70. Em 27-02-2007, foi a autora notificada para juntar aos autos certidão atualizada da Conservatória do Registo Predial quanto ao prédio a vender.
71. No dia 26-03-2007, a autora juntou aos autos cópia informativa atualizada.
72. Em 27-04-2007, a autora juntou aos autos a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial de (...). 73. Em 13-05-2008, a autora requereu informou os autos e requereu o seguinte:
A exequente fez o registo da penhora;
Tal registo ficou provisório por dúvidas conforme documento que se junta
(…).
As dúvidas ainda não foram removidas pelo que terá a exequente que fazer de novo registo.
Assim, em face do acima exposto e para que o registo não fique de novo provisório por dúvidas requer lhe seja passada certidão em que se certifique:
- que todos os comproprietários foram notificados;
- se faça constar da certidão a data do despacho que ordenou a diligência de
penhora.”
74. Em 27-06-2008 foi emitido despacho com a seguinte informação: “com informação de que não se encontram notificados os comproprietários A. e M., dado lhes terem sido enviadas as notificações constantes de fls. 210 e 211, tendo as cartas sido devolvidas conforme fls. 217 e 219 e não tendo sido ordenada a posterior notificação dos mesmos, no entanto constam da certidão passada pela Conservatória do Registo Predial junta a fls. 446, como adquirentes de 1/12 avos da referida fração.”
75. Em 14-07-2008, a autora requereu a notificação dos comproprietários não notificados.
76. Em 22-09-2008 foi lavrado despacho a ordenar o cumprimento da notificação dos comproprietários não notificados.
77. Em 25-09-2008 foram remetidas as notificações para as moradas indicadas pela autora, tendo as mesmas sido devolvidas por não reclamadas.
78. Face à frustração da notificação, foram notificados o Serviço de Finanças de (...) 2 e o Comandante do Comando Metropolitano da PSP para informarem os autos do domicílio atual, morada profissional e entidade patronal dos comproprietários não notificados.
79. Em 27-10-2008 a autora requereu a notificação da comproprietária C., Lda.
80. Em 07-05-2009 foi oficiado junto da Conservatória do Registo Predial de (...) para enviar certidão sobre os condomínios das garagens ou dos lugares de garagem do prédio urbano, sito na Rua (…), frações A a I, inscrito na matriz sob o n.º (...).
81. Em 07-09-2009 a autora informou os autos da identificação atualizada dos comproprietários.
82. Em 25-09-2009 foi expedida notificação dirigida ao comproprietário A..
83. Em 22-12-2009 foi lavrado despacho a solicitar informação à Sr.ª Escrivã da Secção se foi efetuada a notificação de todos os comproprietários.
84. Em 23-03-2010 foram expedidas notificações para os comproprietários da fração identificada em 52.
85. Sob o imóvel identificado em 52., impendia uma penhora da Direção Geral dos Impostos, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3514199601012096.
86. Em 07-04-2010 a Direção Geral dos Impostos informou que o processo executivo n.º 3514199601012096 prescrevera em 14-02-2008.
87. Em 14-06-2010 foram emitidas cartas precatórias para notificação de comproprietários.
88. Em 20-01-2011 a autora informou os autos da alteração dos comproprietários e da necessidade de proceder à notificação dos comproprietários ainda não notificados.
89. Em 23-02-2011 foram expedidas notificações dirigidas aos comproprietários não notificados.
90. Em 09-03-2011 e 10-03-2011 foram emitidas cartas precatórias.
91. Em 20-06-2011 a autora informou os autos que faltava notificar apenas uma comproprietária, identificando-a e requerendo a sua notificação. 92. Em 05-07-2011, notificada para o efeito, a autora juntou aos autos documento que fez menção no requerimento identificado em 89.
93. Em 21-12-2011 foi ordenada a notificação requerida pela ora autora.
94. Em 02-01-2012 foi expedida notificação.
95. Em 06-01-2012 foi a mesma concretizada.
96. Em 21-03-2012 foi lavrado despacho para emitir certidão à exequente (a fim de proceder à penhora definitiva), certificando-se primeiro a secção de que foi efetuada a notificação de todos os comproprietários, lavrando cota a respetiva identificação.
97. Em 12-11-2012 a autora juntou aos autos certidão comprovativa do registo de penhora.
98. Em 26-11-2012 o Banco de Investimento Imobiliário, S.A., juntou aos autos procuração forense.
99. Em 25-02-2013, a autora requereu que se procedesse à venda da fração.
100. Em 03-09-2013 foi ordenada a notificação dos credores com garantia real sobre o bem.
101. Em 02-10-2015 foi lavrado despacho a oficiar a emissão de certidão atualizada ou chave de acesso à certidão permanente do imóvel sito na Rua (…), frações A a I, inscrito na matriz sob o n.º (...).
102. Em 30-09-2016 foi ordenada a notificação da ora autora para se pronunciar sobre a modalidade da venda do imóvel penhorado.
103. Em 23-02-2019, a autora, apresentou requerimento aos autos com o seguinte teor:
A exequente dado o tempo decorrido desde a última notificação 15-05-2018 consultou os presentes autos.
Consultou também a caderneta predial da fração penhorada nos presentes autos.
A fração já não se encontra inscrita a favor do executado mas a favor de pessoa diversa e não obstante a penhora registada foi vendida pelos serviços de finanças de (...).
Face a tal, torna-se inútil qualquer ato que envolva a venda da mesma.
Em face do exposto requer seja efetuada consulta na Segurança Social e finanças para que se averigue da existência de bens penhoráveis.”
104. Em 08-04-019, a autora requereu o seguinte:

Para além do bem que já foi penhorado nos presentes autos e que já foi vendido pelo serviço de finanças,

Dos documentos juntos à notificação o executado não tem quaisquer rendimentos nem bens suscetíveis de penhora.

Está assim configurada uma situação de manifesta impossibilidade do prosseguimento da lide, sendo certo que esta é uma causa de extinção da instância executiva, nos termos do art.º 277.º al. e) do CPC, regime que é aplicável à ação executiva por via do disposto no n.º 1 do art.º 551.º, também do CPC.

Devendo as custas da presente ação executiva ficar a cargo do Executado, uma vez que a inexistência de bens penhoráveis, é facto apenas a este imputável.
Termos em que Requer a Extinção da Instância Executiva com custas a cargo do Executado, sem prejuízo de a Exequente vir requerer a renovação da instância, caso entretanto vierem a conhecer-se a existência de rendimentos, bens/ou Direitos do executado suscetíveis de serem penhorados.”
105. A pendência do processo n.º 2196/14.5TMPRT-A causou à Autora angústia, ansiedade, inquietação, apreensão, frustração, tristeza, e sentindo incerteza se iria receber o montante peticionado.
106. O processo n.º 2196/14.5TMPRT-A correu termos, até 2014, no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, tendo no ano de 2007 dado entrada 2.305 processos neste juízo, mensurando-se o número de processos entrados, nos anos de 2007 a 2014 (data da reforma judiciária), entre os 2.305 e os cerca de 1.600.
107. A partir de 2014, com a reforma judiciária, o processo n.º 2196/14.5TMPRT-A, passou a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores, Juiz 3, mensurando-se o número de processos entrados (por ano) – nos anos de 2014 a 2019 -, entre os 964 e os 358.
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Mais se julgou:
A) Não resulta provado que o atraso na prolação de decisão, no âmbito do processo de execução de alimentos devidos a menor, tivesse projetado na Autora sentimento de revolta e impotência com reflexos negativos na convivência familiar e social.
*
A apelação:
O tribunal “a quo” condenou o réu “ao pagamento do montante de 27.000 € (vinte e sete mil euros), acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, correspondente a indemnização devida em virtude da violação da exigência da duração razoável de processo.”.
O recurso vai dando passos ao redor do que constituiu a “Fundamentação de Direito”, interessando ter presente o que a robustece:
«(…)
Pela instauração da presente ação, e como avançado aquando da definição das questões que ao tribunal cumpre apreciar, a autora pretende efetivar a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito do réu, em virtude de violação de decisão em prazo razoável.
Com efeito, e tal como está provado, a ação primitiva – execução por alimentos devidos a menor (subjacente à presente ação) -, teve a duração de 21 anos (desde a sua propositura até ao transito em julgado da decisão).
Pois bem, a responsabilização do Estado Português pelos alegados danos não patrimoniais sofridos pela autora depende do preenchimento dos pressupostos comuns da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, au seja, depende da existência de um facto ilícito, culposo, do qual tenham resultado danos, e em que se mostre possível estabelecer o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Expostos os traços genéricos do regime legal a aplicar, passemos então a verificar se, em concreto, eles se encontram preenchidos no caso trazido à liça.
*
Iniciando a análise pelo pressuposto relativo ao facto voluntário, cremos que não se suscitam dificuldades de maior.
Com efeito, para que a alguém possa ser assacada a responsabilidade pelos danos causados a terceiro, terá de concluir-se pela existência da prática ou da omissão de certa conduta. Ao dizer-se que a atuação ou omissão tem de ser voluntária, isso significa que o facto tem de ser controlável pela vontade humana, sendo por isso de afastar a responsabilidade sempre que o facto decorra de causas alheias à vontade, como são os casos em que decorrem de eventos naturais catastróficos, ou em que decorre de forças irresistíveis.
Como se disse no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.02.2014, proferido no processo n.º 5826/05.6TJLSB.Ll-1, “facto voluntário significa apenas facto objetivamente controlável ou dominável pela vontade. Fora do domínio da responsabilidade civil ficam apenas os danos causados por causas de força maior ou pela atuação irresistível de circunstâncias furtuitas”. Transpondo para o caso concreto, verifica-se que a tramitação do processo, de execução por alimentos devidos a menor, pelo período de 21 anos - desde a instauração até prolação de decisão transitada em julgado -, constituem circunstâncias objetivamente controláveis pela vontade humana. Mas, note-se, a voluntariedade do facto é meramente objetiva, não sendo confundível com a análise em concreto da conduta ativa ou omissiva do alegado responsável — aí estaremos perante a culpa, requisito que contende com a subjetividade do agente.
*
Maior atenção, porém, exige a ponderação dos requisitos relativos à ilicitude e à culpa.
No que diz respeito ilicitude, o art.º 9.º do RRCEE estabelece no seu n.º 1 que se consideram ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. Também existindo ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º RRCEE.
Analisando este preceito, Carlos Alberto Fernandes Cadilha afirma que a última parte do mesmo "deixa claro que o conceito de ilicitude não se reconduza a um comportamento objetivamente antijurídico (…) exigindo também um desvalor da conduta quanto ao resultado, traduzido na violação de um direito ou interesse do Particular (…)" - cf. Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado, 2.a Edição, Coimbra Editora, 2011, pág. 178.
Assim, uma vez que a conduta do agente geradora do dano tanto pode consistir num comportamento positivo como numa omissão (cfr. art. 486.º CC), os citados preceitos abrangem, por conseguinte, não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como ainda os atos ou omissões que ofendam as “regras técnicas e de prudência comum” ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração. Além disso, o preenchimento da ilicitude não se pode reconduzir a uma mera violação do ordenamento jurídico (ou seja, de um preceito normativo seja ele constitucional, legal ou regulamentar), implicando ainda que se possa concluir pela ofensa de um direito ou interesse legalmente protegido (cfr. J. Gomes Canotilho in: "O Problema da Responsabilidade Civil do Estado por Atos Lícitos", Coimbra 1974, pág. 74 e 75, ou ainda in: RLJ Ano 125.º, págs. 83 e segs.).
No que diz respeito à culpa, esta corresponde a um nexo de imputação ético do facto ao agente. Pode ocorrer de acordo com duas modalidades essenciais: dolo ou negligência. Estas formas de culpa separam-se essencialmente pela intencionalidade do agente: no primeiro caso, o agente tem intenção de causar o dano; no segundo caso, essa intenção não existe, mas a atuação do agente não correspondeu ao que lhe era exigível, pelo que a mesma é censurável e, por isso, deve ser-lhe imputada a prática ou a omissão danosa.
Note-se que face à definição ampla de ilicitude, tem a jurisprudência considerado ser difícil estabelecer uma linha de fronteira entre os requisitos da ilicitude e da culpa, afirmando que, estando em causa a violação do dever de boa administração, a culpa assume o aspeto subjetivo da ilicitude, que se traduz na culpabilidade do agente por ter violado regras jurídicas ou de prudência que tinha obrigação de conhecer ou de adotar (neste sentido, vide Acórdão TCA Norte, de 30-11-2012, proferido no processo n.º 00466/08.0BEPRT).
A questão ganha acuidade nos casos em que se suscita a aplicação do disposto no art.º 10.º, n.º 3 RRCEE que dispõe o seguinte:
“1. A culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
2. Sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.
3. Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.”
Assim,
A questão essencial para se aferir da ilicitude do Réu passa por aferir se ocorreu violação de decisão em prazo razoável, no acesso à justiça.
Ora, o direito a uma decisão judicial em prazo razoável constitui um corolário da garantia constitucional do direito ao acesso aos tribunais e à tutela judicial efetiva [cfr. Artigo 20.º n.º 4 e 5 da CRP]. A violação de tal direito, constitui o Estado Português na obrigação de indemnizar o cidadão lesado, ao brigo do regime da responsabilidade civil extracontratual [cfr. Artigo 22.º da CRP, Artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro e Artigo 6.º da Carta Europeia dos Direitos do Homem]. Trata-se, na verdade, da responsabilidade do Estado pelo anormal funcionamento da actividade judicial, mormente pela violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável.
Decorre, portanto, do Artigo 22.º da CRP que “(…) o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionário ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem (…)”.
Contudo,
Para se aferir da eventual violação de prazo razoável no acesso à justiça, cumpre chamar à colação o artigo 6.º n.º 1 da CEDH, que dispõe o seguinte:
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial (…)”.
Por sua vez, o Artigo 12.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro estabelece que: “(…) é aplicável aos danos ilicitamente causados pela administração da justiça, designadamente por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, o regime da responsabilidade por factos ilícitos cometidos no exercício da função administrativa”. Também o Artigo 2.º n.º 1 do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Garantia de Acesso aos Tribunais” que “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar
Assim, para se aferir se ocorreu, in casu, violação de decisão em prazo razoável, cumpre, prima facie, computar o que se pode considerar como prazo razoável para a decisão de um processo.
Do cálculo da duração razoável do processo:
Refere Maria Benedita Urbano, “Da Duração excessiva do processo, in Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Demais Protocolos” (Paulo Pinto de Albuquerque org.), Volume II, Universidade Católica Editora, 2019, p. 967 e ss., que “a Convenção não consagra limites temporais ou prazos de referência para a duração dos processos, nem estabelece regras gerais sobre a duração dos processos, procedimentos e diligências necessárias. Já o TEDH, mais do que fixar critérios precisos para aferir da ultrapassagem ou não da duração razoável, optou por estabelecer algumas orientações gerais a apreciar casuisticamente.”
Mais referindo a citada autora que “só interessa, para efeitos de tutela indemnizatória, a lentidão patológica.”
O procedimento de delimitação do período de tempo relevante (…) desenvolvesse em dois passos. O primeiro deles consiste em calcular em concreto e objetivamente o tempo efetivo do decurso do processo. O segundo passo consiste em avaliar se o tempo relevante apurado pode ou não ser considerado como correspondendo a uma «duração razoável», com vista a avaliar da existência ou não de uma violação do artigo 6.º, n.º 1 da CEDH.
(…)
No âmbito civil, o dies a quo coincide com a propositura da ação em tribunal.
Para aferição da eventual violação da duração razoável o TEDH preconiza que sejam atendidas todas as circunstâncias do caso. Elencando, a autora citada, os 4 critérios, desenvolvidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, atinentes a aferir o que é a duração razoável do processo, a saber:
- O comportamento do requerente /queixoso durante o processo
O TEDH defende que é fundamental descortinar de que modo aquele que apresentou uma queixa por atraso na justiça não é ele próprio responsável, em alguma medida, pela dilatação dos tempos da justiça. A análise do comportamento do requerente / queixoso deve ser totalmente objetiva. Além disso, o TEDH aprecia de que modo certos atrasos imputados ao requerente/queixoso não foram eles próprios ampliados pela demora das autoridades nacionais cuja atenção tem impacto no julgamento. (…)
- O comportamento das autoridades (judiciais) nacionais
Como facilmente se compreende, apenas as demoras que possam ser imputadas aos Estados poderão ser tidas em consideração e não também as demoras de que são responsáveis, v.g., entidades privadas. Mas, é preciso notar, hoje em dia entende-se que não são necessariamente apenas os tempos das autoridades judiciais que é preciso ponderar, mas, de igual forma, os tempos daquelas autoridades cuja atuação pode repercutir-se num julgamento (e na administração da justiça em geral) – daí que seja mais ajustado falar-se em comportamento das autoridades nacionais competentes ou relevantes.
O Estado acusado não pode refugiar-se nas deficiências estruturais do seu sistema judiciário para se desresponsabilizar pelo atraso na justiça. A argumentos como, entre outros, o da sobrecarga crónica do sistema, o da sobrecarga de determinado juiz ou tribunal, o da mudança constante de juízes, responde o TEDH com a chamada de atenção para a obrigação de os Estados se responsabilizarem pela criação e manutenção de um serviço público de justiça capaz de dar resposta pronta e eficiente às demandas dos cidadãos, ainda que isso implique a necessidade de reformas legislativas. (…)
- A complexidade do caso
Esta complexidade pode dizer respeito à questão de facto como à questão de direito. São vários os exemplos de fatores que determinam a complexidade do caso que têm vindo a ser identificados pela jurisprudência do TEDH. A título meramente exemplificativo refiram-se o número de testemunhas ou de especialistas a ouvir; o volume de provas a obter e as ser examinado; o número de arguidos; a ausência de precedentes ou de casos semelhantes; as dificuldades das questões jurídicas envolvidas e a intervenção de terceiras pessoas (por exemplo, quando um incidente de habilitação de herdeiros é enxertado no processo); a necessidade do reenvio prejudicial; a falta de clareza e da previsibilidade do regime jurídico interno aplicável. Mas a simples presença de um ou mais de estes fatores pode, ainda assim, não impedir a condenação do Estado nacional por violação da exigência da duração razoável do processo. Falta lembrar que o Tribunal de Estrasburgo tem vindo a inclinar-se pela inversão do ónus da prova nestes casos.
- A importância da causa para o requerente / queixoso
…O Tribunal de Estrasburgo pode reputar como excessiva a duração de um processo que não foi assim tão demorado por comparação com outros processos, mais longos, que não mereceram idêntica censura da sua parte. Isto porque, justamente, estima que há questões particularmente sensíveis em que se justifica uma atuação mais rápida da justiça. São elas questões de aposentação /reforma, questões relacionadas com o estado civil e capacidade das pessoas, com a residência das crianças ou pensão de alimentos; com doenças incuráveis e consequente esperança de vida reduzida; disputas laborais, em especial as que envolvem a suspensão, transferência ou despedimento do trabalhador; detenção de suspeitos; indemnizações por acidentes rodoviários. (…)
Vistos os critérios para se aferir da violação, cumpre reverter para o caso que nos ocupa. Assim, constatamos que o processo de execução por alimentos a menor iniciou se no ano de 1998, tendo terminado (por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide) no ano de 2019, ou seja, o processo em causa (de execução) teve uma duração de 21 anos.
Ora, de acordo com o entendimento da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e, bem assim, da Jurisprudência dos Tribunais Portugueses, é considerado como razoável o prazo de 3 anos como duração média de um processo em primeira instância – para a generalidade das matérias – e de 4 a 6 anos para a duração global da lide, ou seja, quando haja recurso para os Tribunais superiores ou fase de execução - cfr. Acórdão do TCAN de 27-09-2019, processo 02114/17.9BEPRT (disponível em www.dgsi.pt).
O processo de execução para alimentos a menor teve a duração de 21 anos (tendo corrido termos, em exclusivo, em primeira instância), pelo que se mostra claramente ultrapassado o prazo genérico máximo de decisão de um processo que, conforme referimos, se situa nos 3 anos em primeira instância.
Porém, ainda se deve atender a todos os fatores preconizados pelo TEDH para se aferir, em concreto, da eventual violação da duração razoável, à luz das circunstâncias do caso concreto.
Nessa medida, no que tange à complexidade do processo, verifica-se que se trata de uma ação de execução por alimentos devidos a menor, em consequência de sentença judicial, não assumindo contornos de especial complexidade. Na verdade, trata-se de uma execução em que o direito se mostra declarado por sentença e, nessa medida, o que era exigível, nessa ação, é que o tribunal desenvolvesse os mecanismos necessários a satisfazer o crédito do menor, nomeadamente com a penhora de bens ou direitos do progenitor incumpridor (que não procedeu ao pagamento da pensão de alimentos, como era sua incumbência). Diga-se que nem a matéria de direito nem a de facto assume particular dificuldade, uma vez que apenas cumpria aferir se o progenitor do menor pagou ou não a pensão de alimentos, sendo bastante, para o efeito, a apreciação da prova documental (até porque a exequente não arrolou testemunhas).
No que concerne ao comportamento das partes no processo, cumpre referir que a autora atuou com lisura, não criando expedientes dilatórios, nem prejudicando o andamento célere do processo (o executado não apresentou oposição, mantendo-se em revelia absoluta).
Quanto à atuação das autoridades judiciárias, o Tribunal de Família e Menores do Porto encontrava-se carenciado de meios humanos para fazer face à elevada pendência processual que patenteava. Atente-se que a pendência de mais de 1000 (mil) processos por juiz, à data da instauração do processo, não se compagina com o bom andamento da justiça. Contudo, esta situação é imputável ao Estado (e não ao agente que em concreto tenha o processo na sua titularidade).
Até porque, ainda assim, neste âmbito de elevada pendência, tanto os magistrados judicias titulares do processo como os serviços da secretaria, não tiveram o processo parado por períodos que, à luz dos prazos de razoabilidade, fossem tidos por excessivos.
O que realmente sucedeu, in casu, foi uma sucessão de anomalias processuais que bloquearam o normal fluir do processo, como foi o caso de o executado se encontrar em paradeiro desconhecido, sendo necessário proceder à sua citação edital; o facto de, após venda do imóvel destinado a habitação, apenas fazer parte da esfera patrimonial (conhecida) do executado uma fração autónoma (lugar de garagem), em que o executado apenas detinha 1/12 avos e a notificação dos restantes comproprietários (obrigatória por lei) não ter sido de fácil concretização.
Deve ser referido que não houve qualquer inércia, quer da autora quer do Tribunal, na procura da identificação dos comproprietários e respetiva morada, uma vez que foi requerido pela Autora e ordenado pelo Tribunal que se oficiasse à Direção Geral de Impostos, ao Comando Metropolitano e ao Condomínio do edifício em causa, a respetiva morada dos proprietários. Ou seja, a Autora e o Tribunal tiveram um comportamento proactivo, não ocorrendo qualquer inércia patológica no andamento dos autos.
O que efetivamente sucedeu, in casu, foi fruto do próprio sistema de justiça, ou seja, a própria lei processual vigente criou bloqueios inultrapassáveis, não havendo forma de queimar etapas, de agilizar o processo. O mesmo se diga relativamente aos trâmites da venda dos imóveis, porquanto várias foram as tentativas de concretizar a venda (modalidade de venda em carta fechada e negociação particular) sem que, contudo, tivessem sido formuladas propostas de aquisição, o que, obviamente, é de todo alheio ao Tribunal e às partes, diga-se.
Contudo, o TEDH já considerou que uma excessiva pendência processual, não é justificação bastante para eximir o Estado da sua responsabilidade em assegurar a prolação de decisões judiciais em tempo razoável.
Ademais, a jurisprudência produzida pelo TEDH assumiu que aos poderes e órgãos dos Estados se devem exigir medidas, desde reformas legislativas à efetivação e atualização de meios técnicos, materiais e humanos colocados ao dispor dos serviços de justiça, por ter sido o próprio Estado, ao ratificar a CEDH, que assumiu o dever de proceder a uma organização do seu sistema judiciário de forma a cumprir o estipulado na Convenção, ainda que isso implique a necessidade de implementar reformas legislativas. – cfr. Acórdão STA, de 07-10-2021, proc. 01427/19.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt.
Nessa medida, o Réu não se pode refugiar na elevada pendência processual nem nas deficiências estruturais do sistema judiciário para se desresponsabilizar pelo atraso na justiça, uma vez que, tal como se referiu, o TEDH tem chamado a atenção para a obrigação de os Estados se responsabilizarem pela criação e manutenção de um serviço público de justiça capaz de dar resposta pronta e eficiente às demandas dos cidadãos, ainda que isso implique a necessidade de reformas legislativas (cfr. TEDH Salesi c. Itália, n.º 13023/87 e Probstmeie c. Alemanha, n.º 20950/92).
Relativamente à natureza da questão a decidir no processo de execução especial de alimentos, compete saber qual a importância do pleito para a Autora.
Ora, resulta dos autos que, tendo ocorrido a rutura da vida familiar entre a autora e o progenitor do seu filho, foi lavrado acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (acordo que foi homologado judicialmente), tendo cabido ao progenitor (pai) o dever de entregar prestações pecuniárias ao outro progenitor (ora autora), em benefício do descendente comum. Assim, a execução para alimentos tutela o interesse do menor, o superior interesse da criança, na medida em que sendo menor não possui capacidade de se auto sustentar, de exercer uma profissão e, como tal, mostra-se dependente do auxilio dos progenitores. Desta forma, o incumprimento no pagamento da pensão de alimentos pelo progenitor deixa o menor numa situação de desproteção, ficando a progenitora (ora autora) incumbida de proceder ao sustento do menor (de forma exclusiva).
Nessa medida, conclui-se que a importância do processo era elevada, tutelando interesses de menor, ou seja, tinha um cariz manifestamente fundamental para a vida do (então) menor e da autora.
Em face do exposto, considera-se demonstrado que o processo não revela especial complexidade, que o comportamento das partes foi correto e que o processo tinha uma relevância alta para a Autora.
Significa isto que, não estando em causa uma ação complexa, a mesma era passível de estar decidida em primeira instância, no prazo mínimo de três anos.
Assim, tendo a ação em primeira instância durado cerca de vinte e um anos, só pode considerar-se que ocorre uma delonga processual por 18 anos.
Diga-se que, a definição do prazo razoável para a prolação de decisão, não se obtém pela verificação e soma dos tempos relativos aos atos que foram praticados, nas diversas fases, por motivos imputáveis ao Estado, para além dos prazos que a lei fixa, que são meramente ordenadores e disciplinadores [cfr. Ac. STA de 08.03.2018, proc. nº 0350/17], mas sim pela duração do processo, numa perspetiva global – cfr. Acórdão STA, de 07-10-2021, proc. 01427/19.0BELSB. (negrito nosso)
Assim sendo, o prazo relevante para efeitos de se aferir do atraso na prolação de decisão tem como base o hiato temporal que mediou entre a instauração da ação e o trânsito em julgado da decisão que pôs cobro ao dissídio, não sendo de relevar a contagem parcial dos diversos atos praticados no âmbito da execução por alimentos devidos a menor, uma vez que estes assumem a sua relevância em termos finais, na contabilização do prazo como um todo. Ora, tal como já se disse, esse atraso, seguindo a jurisprudência do TEDH e dos nossos Tribunais superiores, situa-se em 18 anos, porquanto, é considerado como razoável o prazo de 3 anos como duração média de um processo em primeira instância – para a generalidade das matérias – e de 4 a 6 anos para a duração global da lide, ou seja, quando haja recurso para os Tribunais superiores ou fase de execução - cfr. Acórdão do TCAN de 27-09-2019, processo 02114/17.9BEPRT (disponível em www.dgsi.pt).
Atraso esse que ficou a dever-se ao funcionamento anormal do Tribunal por onde o processo tramitou [cfr. artº 7º, nº 4 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas] – cfr. Acórdão STA, de 07-10-2021, proc. 01427/19.0BELSB, disponível em www.dgsi.pt.
Nessa medida, verificando-se que foi violado, pelo Réu, o direito da Autora a obter uma decisão em tempo razoável no âmbito da ação por si instaurada, em ofensa dos artigos 20.º, n.º 4, da CRP e 6.º, n.º 1 da CEDH, conjugado com artigo 8.º, n.º 2 da CRP, conclui-se pela ilicitude da atuação do Estado português.
A demora na prolação da decisão, em cerca de 18 anos, traduz um comportamento violador das normas jurídicas e traduz uma ilicitude objetiva pelo defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.
Assim, em face dos factos que resultam provados, deve entender-se pela verificação do pressuposto da ilicitude, na vertente de uma omissão ilícita do dever de agir.
*
Relativamente à culpa, não se pode olvidar que no direito da responsabilidade civil por atos praticados sob o regime de direito público a vigora a presunção legal de culpa. Assim, verificado o mau funcionamento do serviço de justiça, conclui-se, igualmente, que a citada omissão ilícita, é também ela culposa.
Neste conspecto, cumpre chamar à colação o acórdão do TCA Sul, de 10-12-2020, processo 425/16.0BELLE:
Como se entendeu no Acórdão do STA, datado de 14/10/03, recurso n.º 736/03, “ocorrendo a situação da presunção de culpa prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre por via da presunção legal ali estabelecida em responsabilidade civil extracontratual, pelos danos a que der causa resultantes de algum acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa”.
Assim, beneficiando a Autora da presunção de culpa do Réu, Estado português, sobre quem recaía a obrigação de diligenciar pelo andamento do processo judicial e pela obtenção de uma decisão judicial em tempo oportuno e razoável, à Autora lesada apenas incumbe demonstrar a realidade dos factos que servem de base à presunção, ou seja, a ocorrência do facto causal dos danos, para que, não ilidindo o Réu a presunção de culpa, por não provar que a delonga do processo se deveu a conduta dilatória ou entorpecedora do andamento do processo por parte da Autora, considera-se provada a culpa do Réu, nos termos das regras legais de repartição do ónus da prova, segundo os artigos 349.º e 350.º, n.ºs. 1 e 2, do Código Civil.
(…)
Assim, sob a égide do D.L. n.º 48.051, a jurisprudência administrativa admitia a culpa do serviço globalmente considerado ou faut de service, imputável não ao agente individualmente considerado, mas ao serviço como um todo, decorrente do seu mau funcionamento generalizado, o que foi expressamente consagrado sob a vigência do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, prevendo-se a responsabilidade civil decorrente do funcionamento anormal do serviço nos termos do n.º 3 do artigo 7.º e do n.º 2 do artigo 9.º.
Tal permite configurar, no presente caso, além da ilicitude, o juízo de imputação subjetivo do facto ao agente, ou seja, a culpa.”
No caso dos autos, conforme já ficou referido, não se vislumbrou qualquer comportamento da Autora merecedor de censura, ou seja, não contribuiu em nenhuma medida para o atraso do processo, ademais, conforme se disse, o processo não revestia uma dificuldade ou complexidade que justifiquem o tempo decorrido, até porque se tratava de uma execução (em que o direito já havia sido declarado previamente). Na verdade, não pode o Tribunal respaldar o entendimento preconizado pelo Réu ao referir que a Autora optou, erradamente, pela forma processual em causa quando sabia que o executado desaparecera sem deixar rasto e que o bem imóvel apresentado para penhora estava onerado com uma hipoteca, havendo outras dívidas da responsabilidade do executado.
In casu, a Autora limitou-se a usar um meio processual à sua disposição – instrumental ao exercício de um direito que lhe assistia -, que não consubstancia qualquer abuso do processo ou dos poderes processuais – cfr. TEDH Erkner e Hofauer c. Áustria.
O facto de ter nomeado à penhora bens onerados ou de, relativamente a um desses bens, o executado apenas deter 1/12 avos em nada pode ser imputável à Autora, pois, tal como já se disse, o uso de um meio processual legítimo em nada pode ser imputável à Autora, até porque, os bens encontravam-se (à data) em nome do executado (sendo os únicos conhecidos) e a Autora tinha todo o direito a lançar mão da execução por alimentos devidos a menor (uma vez que se tratava de pensão de alimentos não paga pelo progenitor do seu filho), independentemente de, a final, não receber rigorosamente nada com o produto da venda.
Igualmente a alegação de que a Autora poderia ter obtido o pagamento das prestações alimentares devidas ao seu filho menor, requerendo essa providência ao Fundo de Garantia de Alimentos não merece acolhimento, uma vez que a Autora usou um meio processual idóneo e legítimo, não competindo ao Tribunal fazer juízos de oportunidade quanto à escolha efetuada. Até porque, tendo o executado património (identificado pela ora Autora) a opção tomada por esta seria viável e atinente a satisfazer a sua pretensão.
Ademais, o que aqui se discute não é a frustração do recebimento das quantias em causa (que, eventualmente, pudessem ter sido recebidas por outra via), mas sim a demora numa decisão, sendo que essa decisão poderia até, no limite, ser de improcedência. O objeto da presente ação não é o desfecho do processo (de execução especial por alimentos), mas sim o caminho percorrido até ao seu epílogo, ou seja, a delonga nessa prolação de decisão. Finalmente, não resulta dos autos que a Autora contribuísse com comportamento moroso. Na verdade, a Autora sempre que solicitada teve participação ativa não ampliando os tempos da justiça, para além do normal.
Neste campo, como já foi referido supra (relativamente ao comportamento das autoridades judiciais), neste processo ocorreram uma sucessão de anomalias processuais que bloquearam o normal fluir do processo, sem que a Autora ou o Tribunal tivesse qualquer culpa na morosidade ocorrida, sendo o reflexo da própria lei processual vigente.
Nessa medida, o Réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre ele incidia, sendo por isso ilícita a omissão do dever funcional que lhe era exigível.
Assim, o comportamento omissivo, que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pelo Autor, é também ele culposo.
Face ao exposto, verifica-se o pressuposto da culpa
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Dos Danos:
Dispõe o artigo 41.º da CEDH que: “Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário”.
Refere Maria Bendita Urbano, op cit, p. 973 e ss: “Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável, se necessário.”
O artigo 41.º deve ser lido em conjugação com o n.º 1 do artigo 35.º (Condições de Admissibilidade), dessa leitura conjugada se extraindo que a intervenção do Tribunal de Estrasburgo se dá uma vez que se tenham esgotado as vias de recurso internas – o que significa que vale neste domínio o princípio da subsidiariedade na tutela do direito. (…) Esta exigência de celeridade, aliás, não é uma mera consequência da vinculação internacional do Estado português à CEDH, haja em vista que, desde logo, a CRP consagra, também ela, no n.º 4 do seu artigo 20.º, que «Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo». (…)
Daquele artigo 41.º decorre que apenas está em causa uma reparação pecuniária, uma vez que, dada a natureza da infração que consiste na violação da exigência de duração razoável, não é possível a reconstituição ou restauração natural.
A tutela ressarcitória reconduz-se, pois, ao pagamento de uma indemnização, devendo esta corresponder a uma adequada reparação. (…)
No que se refere especificamente aos danos não patrimoniais ou danos morais (…), o TEDH, (…) estabeleceu alguns parâmetros indemnizatórios base que servem de ponto de partida para o cálculo da indemnização: uma soma que pode variar entre 1.000,00 a 1.500,00 € por cada ano de duração do processo (…).
(…)
Ao montante-base apurado há, pois, que acrescentar ou deduzir certos valores (ou seja, o montante-base deve ser sujeito a certos ajustamentos). Assim, para efeitos de agravamento /aumento do quantum indemnizatório, o fator que mais tem sensibilizado o TEDH é o da importância da questão submetida a julgamento.
Já para efeitos de desagravamento /redução do montante indemnizatório, serão tidos em conta, entre outros, os seguintes fatores: o número de tribunais que intervieram no julgamento da causa; a conduta do requerente (quando a mesma tenha contribuído para o atraso na justiça); a pouca importância da questão submetida a julgamento ou a modéstia do montante indemnizatório requerido; a qualidade de vida no país de onde é oriundo o queixoso (avaliada em função do produto interno bruto – PIB – do país); a situação financeira do requerente /queixoso; (…)
(…)
Importa ainda chamar a atenção para o estabelecimento de uma presunção (natural) de danos morais em situações de violação da exigência da duração razoável.
Em Apicella c. Itália, o TEDH afirmou que, aquando do apuramento de uma eventual violação da exigência da duração razoável, o Tribunal parte da «presunção sólida, mas ilidível, segundo a qual a duração excessiva de um processo ocasiona um dano moral».”
No seguimento da jurisprudência do TEDH aludida, conclui-se que é suficiente ao interessado demonstrar ter ocorrido a violação de decisão em prazo razoável de processo judicial, para beneficiar da presunção de um dano não patrimonial. (cfr. proc. Apicella c. Itália, TEDH)
Esta presunção tem subjacente a ideia de que a lentidão da justiça faz com que as pessoas envolvidas em processos judiciais vivam prolongadamente “na incerteza e ansiosas quanto ao desfecho do processo” - cfr. proc. Guillemin c. França, TEDH. Daqui decorrendo que a Autora, em virtude desta presunção, não tem de provar os danos morais sofridos, uma vez que, comprovando-se a duração excessiva do processo, estes se presumem (dado que o dano moral é visto como uma consequência normal da violação do direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas) – cfr. Maria Benedita Urbano, “Duração excessiva do processo”, in Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Volume II, Universidade Católica Editora, 2019, p. 977.
Nessa medida, estando provado que o processo (de execução por alimentos a menor) teve a duração de 21 anos, resulta provado ter sido violado o direito a decisão em prazo razoável (na medida em que extravasou os 3 anos) e, por conseguinte, os danos não patrimoniais presumem-se.
Não obstante a Autora ter provado, que devido à delonga do referido processo, apresenta ansiedade, angústia, ansiedade, inquietação, apreensão, frustração, tristeza, e sentindo incerteza se iria receber o montante peticionado, não se podem considerar estas situações especiais ou anormais, pois sucede com a generalidade dos processos judiciais, mesmo sem delongas, muito embora com a morosidade processual, tais situações possam ser mais recorrentes. Desta forma, apenas se pode reconhecer ter ocorrido na esfera da Autora, um dano comum, ou seja, não especial, com a delonga do processo de execução por alimentos a menor.
Em face do exposto, temos verificado o facto – tramitação processual com duração de 21 anos (entre a instauração da ação e o trânsito em julgado da decisão); a ilicitude e a culpa – violação do direito a decisão em prazo razoável (18 anos de atraso); e o dano na esfera da Autora – dano moral presumido pelo atraso (uma vez que é visto como uma consequência normal da violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável).
Ademais, o atraso na prolação da decisão final no processo em apreço, provocou dano na esfera da Autora, do qual a mesma tem de ser ressarcida em virtude do [nexo causal] do processo nº 2196/14.5TMPRT-A ter sido decidido, com trânsito em julgado, para além do que seria razoável (excesso fixado em 18 anos), pelo que, sem necessidade de mais amplas considerações, encontra-se verificado o nexo de causalidade.
Importa referir, ainda, que a jurisprudência do TEDH segue a linha de argumentação de que o pagamento da indemnização pelos danos morais não está indexado ou associado ao êxito do processo (ou seja, não cumpre proceder a um juízo de prognose e aferir se tivesse sido proferida decisão em tempo útil se, no caso, seria possível a autora alcançar a cobrança dos valores pecuniários em dívida). Na verdade, qualquer que fosse o resultado obtido (isto é, ganhasse, perdesse a causa ou, ainda, chegasse a um acordo amigável ou desistência do pedido), isto não afetaria a reparação deste tipo de danos, na medida em que o que se visa tutelar/reparar é a violação de decisão em prazo razoável (independentemente do desfecho previsível, ou inevitável, do processo) – Neste sentido, Maria Benedita Urbano, “Duração excessiva do processo”, in Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Paulo Pinto de Albuquerque (Org.), Volume II, Universidade Católica Editora, 2019, p. 977.
Assim sendo, irreleva para o caso o destino que a ação primitiva pudesse tomar, se conhecesse desfecho prematuro. Mesmo que a autora não lograsse proceder à cobrança de qualquer montante com a concretização e venda do bem imóvel nomeado à penhora (lugar de garagem), - por força de eventuais ónus ou encargos (hipotecas ou penhoras anteriores) -, o bem jurídico tutelado nesta ação prende-se com a violação do direito a uma decisão em prazo razoável e esse, mostra-se claramente violado.
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Do Quantum Indemnizatório:
O quantum da indemnização, a fixar equitativamente pelo Tribunal, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 496.º do CC, deverá atender ao tempo decorrido e às demais circunstâncias do caso, de entre as quais, a intensidade dos danos na esfera jurídica da Autora
Relativamente à fixação da compensação dos danos morais sofridos pela Autora, e tendo em conta a grelha que tem sido estabelecida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a qual varia entre os 1.000,00 euros e os 1.500,00 euros por cada ano de demora do processo [Veja-se o caso Musci c. Itália, p. 64699/01, disponível em http://echr.coe.int/Pages/home.aspx?p=applicants/por&c=] – cfr. Acórdão TCA Norte, de 27-09-2019, proc. 02114/17.9BEPRT.
Pesa na ponderação da compensação a atribuir à Autora, o facto de aquela acção ser intentada para a execução de alimentos devidos a menor, ou seja, tem especial relevância o interesse que a primitiva ação visava tutelar (o superior interesse do menor), e o tempo de atraso na demora da ação que, note-se, não foi objeto de oposição, recurso, produção de prova testemunhal ou pericial e cujo desenlace foi conhecido 21 anos após a entrada da ação em Tribunal (reportando-nos à data do trânsito em julgado da ação).
Para além disso, a autora em nada obstruiu o andamento célere do processo, nem deduziu Petição Inicial complexa ou prolixa (atente-se que a petição inicial é composta por 7 artigos), não tendo requerido a produção de prova testemunhal ou pericial, atendo-se à prova documental. Assim, como logrou provar a ocorrência concreta de alguns danos não patrimoniais na sua pessoa. Por estas razões, admite-se conceder a indemnização máxima genericamente ponderada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ou seja, € 1.500,00, por cada ano de atraso na prolação da decisão.
Como a decisão se encontra atrasada em 18 anos na sua prolação, a compensação a atribuir ao Autor deverá ser de € 27.000,00 (vinte e sete mil euros), quantia esta, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, nos termos dos artigos 805º, nº 3 e 806º, nº 1 do Código Civil.
(…)».
Vejamos.
A narrativa dos factos desenvolve-se num lapso temporal ao qual importa convocar o seguinte direito.
Dispõe o artº 6°, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, aprovada pela Lei n.º 65/78, de 13/10, em vigor na ordem jurídica interna desde 09.11.1978 (DR, I Série, n.º 89, de 16.06.1978) que: "Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (...)".
Dispõe ainda o art.º 13° da C.E.D.H.: "Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na (...) Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que atuem no exercício das suas funções oficiais.".
O título VI («Justiça») da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia inclui o art.º 47.o, com a epígrafe «Direito à ação e a um tribunal imparcial», que dispõe:
«Toda a pessoa cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados tem direito a uma ação perante um tribunal nos termos previstos no presente artigo.
Toda a pessoa tem direito a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, publicamente e num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei. Toda a pessoa tem a possibilidade de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo.
[…]»
As anotações relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) precisam que o art.º 47.o, primeiro parágrafo, desta última se baseia no artigo 13.o da CEDH; o art.º 47.o, segundo parágrafo, da Carta corresponde ao artigo 6.o, n.o 1, da CEDH.
O artigo 52.o da Carta, intitulado «Âmbito e interpretação dos direitos e dos princípios», enuncia:
«[…]
3. Na medida em que a presente Carta contenha direitos correspondentes aos direitos garantidos pela [CEDH], o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Esta disposição não obsta a que o direito da União confira uma proteção mais ampla.».
Por sua vez o artigo 20°, n.º 4, da CRP dispõe: "Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo". E o seu art.º 22°: "O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem".
Importa também o art. 6° do DL 48 051, de 21/11, nos termos do qual em sede de responsabilidade civil por atos de gestão pública, consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração; bem assim o art.º 9.º, n.º 1, d Lei 67/2007, de 31/12, nos termos do qual se consideram ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
O TEDH tem expressado que ao exigir que os casos sejam julgados dentro de um “tempo razoável”, o art.º 6º, § 1, sublinha a importância de administrar a justiça sem atrasos que possam comprometer sua eficácia e credibilidade (cfr. H. v. France, 1989, § 58; Katte Klitsche de la Grange v. Italy, 1994, § 6; e Scordino c. Itália (n. 1) [CG], 36813/97, § 224, CEDH 2006-V).
Da conjugação de todos os referidos preceitos constitucionais e legais resulta que no ordenamento jurídico português vigente e aplicável ao caso o direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito ao acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva e que a infração a tal direito, constitui o Estado em responsabilidade civil extracontratual.
A nossa inicial análise avança por algumas ideias estruturantes, concatenando argumentação do recorrente.
Primeiro rejeitando ideia que possa parecer estar contida nas conclusões 9ª, 10ª, 11ª 20ª,e 21ª, do recurso, enquanto possam ser lidos no sentido de “a demora” necessariamente importar um concreto e individualizado comportamento de um agente da justiça; sublinhando ser valor protegido, que pode ser atingido por simples defeituoso funcionamento do serviço público de justiça.
Continuando.
O TEDH tem exposto na sua jurisprudência que o art.º 6º, § 1º, aplica-se a todas as fases do processo judicial de “determinação de direitos e obrigações civis”, não excluindo as etapas posteriores ao julgamento do mérito; a execução de uma sentença proferida por qualquer tribunal deve, portanto, ser considerada parte integrante do "julgamento" para os mesmos fins (e com afinidade ao caso presente, veja-se Hornsby v. Grécia, 1997, § 40; Romañczyk v. França, 2010,§ 53, relativo à execução de sentença autorizando a cobrança de dívidas alimentares); e o título executivo que determinar os direitos civis não tem necessariamente de resultar de um processo ao qual o artigo 6º é aplicável (Buj v. Croácia, 2006, § 19).
Internamente, a mais alta instância da jurisdição também não deixa dúvida de que o direito em causa é extensível a qualquer tipo de processo; assim, p. ex., lembrando Ac. de 07-11-2019, proc. n.º 01909/16.5BELSB, no sumário do qual se escreve que “O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já por várias vezes decidiu que o processo cível, contem uma fase declarativa e uma fase executiva que são indissociáveis para os efeitos dos art.ºs 35º e 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos”; também em Ac. do STA, de 19-11-2020, proc. n.º 0506/16.0BELSB-A, claramente se afirma que “o direito a uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo abrange todo o processo, em todas as suas fases e incidentes, e não apenas a sua fase declarativa”.
Portanto, é de rejeitar a ideia que alimenta a conclusão 6ª do recurso.
Como assim aquela de que o recorrente quer triunfo sob conclusão 7ª.
Respaldando mesma enunciação do tribunal “a quo, o TEDH tem reiterado que a razoabilidade da duração do processo deve ser avaliada à luz das circunstâncias do caso e com referência aos seguintes critérios: a complexidade do caso, a conduta do requerente e das autoridades competentes, e o que estava em jogo para o requerente no litígio (cfr., entre muitos: Frydlender v. France [GC], n.º 30979/96, § 43, ECHR 2000-VII, e Comingersoll SA v. Portugal [GC], n.º 35382/97, § 19, CEDH 2000-IV).
Além disso, apenas atrasos imputáveis ​​ao Estado podem justificar a constatação do incumprimento do requisito de “tempo razoável” (cfr., entre outros: Humen c. Polônia [GC], n.º 26614/95, § 66, 15 de outubro de 1999 , e Proszak c. Polônia, 16 de dezembro de 1997, § 40, Relatórios de sentenças e decisões 1997-VIII).
Não obstante, seguindo a jurisprudência do TEDH, mesmo em sistemas jurídicos que apliquem o princípio de que a iniciativa processual é das partes, e ainda que também não desmereça o contributo objectivo do próprio, a atitude das partes não dispensa os tribunais de assegurar o julgamento expedito exigido pelo artigo 6 § 1 da Convenção (cfr., por exemplo, Sürmeli c. Alemanha [GC], n.º 75529/01, § 129, CEDH 2006VII) – cfr. OMDAHL v. NORWAY, de 22/04/2022.
E particularizando, a propósito do que o recorrente esgrime sob conclusão 16.º do recurso, há que, no caso, sublinhar que embora aguardando os autos impulso da exequente, que só cerca de 8 meses depois veio aos autos, é errada conclusão atribuir-lhe uma inacção na medida de tal tempo, pois bem antes de atingido tal termo a constatação dessa falta de impulso poderia/deveria, devolvendo impulso, ter motivado o tribunal da execução a assinalar tal falta e dar outra condução ao processo (nas pretéritas regras mandando os autos à conta, no subsequentes regras dispondo sobre vicissitude da instância); esta ponderação atomística, no reflexo do cômputo geral, é de muito fraca relevância.
Também deverá ser sublinhado, de acordo com a jurisprudência consolidada do TEDH, que se a parte lança mão de meio que o Estado tem como susceptível de ser eficaz, a existência de dificuldades ou meras dúvidas quanto às perspectivas de êxito desse recurso específico, não obviamente fútil, não é uma razão válida para não buscar essa via de reparação; não se pode confundir a efetividade de uma ação, na aceção do artigo 13.o da CEDH e do artigo 47.o, primeiro parágrafo, da Carta, com o seu êxito (cfr., p. ex., Tamm v. Estônia (dec.), n.º 15301/04, 2 de setembro de 2008; Ac. de 29 de Novembro de 1991, Pine Valley/Irlanda (CE:ECHR:1991:1129JUD001274287, § 66); e Vrtar v. Croácia , nº 39380/13, § 82, 7 de Janeiro de 2016).
O recorrente arvora que a parte poderia ter “solicitado o pagamento dos alimentos em falta ao Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, criado pelo Estado através da Lei n.º 75/98, de 19/11”; mas essa faculdade não pode ser transformada num ónus; e, a atravessar o argumento, permita-se-nos lembrar que nos termos da mesma lei (art.º 3º, n.º 1), “Compete ao Ministério Público ou àqueles a quem a prestação de alimentos deveria ser entregue requerer nos respectivos autos de incumprimento que o tribunal e o montante que o Estado, em substituição do devedor, deve prestar.”; ainda assim, não deixa de poder ter relevo já se constata que o comprometimento na delonga do processo para com a defesa dos interesses visados, tem a atenuação de disponibilidade de um meio alternativo simples e expedito; como se usa na jurisprudência do TEDH, um remédio compensatório; mas também com limitações, face aos seus pressupostos legais, que não conferem total coincidência de satisfação com a particular execução.
O recorrente dá nota que nos movemos no âmbito de um processo executivo – execução especial por alimentos – com “especificidades que se evidenciam no que concerne ao cômputo do prazo de duração do processo”.
Mas em abstracto não se vê em que se evidencie repercussão de especificidades, quais elas sejam, e em concreto, sem eximir, o que o recorrente particulariza sob conclusões 14ª, 17ª e 18ª, apenas realça aspectos que amenizam o juízo da “demora”.
E tal apreciação há-de ser concreta e global. Concreta na medida em que sempre haverá que atender às específicas características do processo, v.g.: a natureza do processo, a sua complexidade, a quantidade de intervenientes, o comportamento das partes, os seus incidentes e ocorrências especiais que possam ter influenciado a marcha do processo. Global porque, regra geral, tem-se em consideração a duração global do processo em causa, e não o que sucedeu em cada prazo em concreto – não obstante o TEDH ser sensível à duração manifestamente excessiva de uma das suas fases num determinado processo em que, apreciado o mesmo na sua globalidade, se tenha verificado um atraso desrazoável.” - Ac. do STA, de 07-10-2021, proc. n.º 01427/19.0BELSB.
No cômputo o recorrente verbera censura porque “teriam de ser descontados todos os períodos de férias judiciais”; mas a dita apreciação global não tem propriamente de os “descontar”, e antes não prescinde de levar em conta o seu contributo.
Também censura por o tribunal “a quo” “equiparar um processo executivo a um processo declarativo”.
Não foi esse exactamente o passo.
Mas, partindo do que se assume ser válido princípio, merecerá acolher ideia de que a um eficiente sistema de justiça merecerá reconhecer-se que uma execução, já definido o direito, e mais a mais quando não se enxerte nova discussão, deverá tender um mais breve termo final ou, pelo menos, que as complexidades que surjam não prolonguem por demais esse termo.
Assim, e no contributo do que a 1ª instância também expendeu, facilmente também aqui se chega à conclusão que a execução teve demora excessiva.
«O TEDH vem afirmando sucessivamente que o dano não patrimonial:(i) constitui uma consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável, presumindo-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objetivamente constatada; que (ii) essa forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano não patrimonial mínimo ou, até, nenhum dano desta natureza, sendo que, então, o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente; e que, (iii) quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no artº 41º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo [cfr., entre outros, os Acs. do TEDH (GC) de 29.03.2006 - c. «Scordino v. Itália nº 01», §§ 203 e 204, e de 29.03.2006 - c. «Riccardi Pizzati v. Itália», § 94; e, também, o Ac. do TEDH (2ª Secção) de 10.09.2008 - c. «Martins Castro e Alves Correia de Castro v. Portugal», §§ 54 e 55], sendo que tal jurisprudência já foi acolhida pela jurisprudência deste STA [vide, entre outros, os citados Acs. de 17.01.2007, proc. nº 01164/06, de 28.11.2007, proc. nº 0308/07, de 09.10.2008, proc. nº 0319/08, e de 11.05.2017, proc. nº 01004/16].
Daqui se extrai que, uma vez constatada uma violação do art. 6º, § 1º, da CEDH, relativamente ao direito à emissão de uma decisão judicial em prazo razoável, existe e opera, em favor da vítima daquela violação da Convenção, uma forte presunção natural da verificação de um relevante dano psicológico e moral comum, de natureza não patrimonial, que será sofrido por todas as pessoas que se dirigem aos tribunais e não vêem as suas pretensões resolvidas por um acto final do processo em tempo razoável – cfr. Ac. deste STA de 05.07.2018, in proc. nº 0259/18.» - Ac. do STA, de 07-10-2021, proc. n.º 01427/19.0BELSB.
O tribunal “a quo” condenou o Réu ao pagamento do montante de 27.000 € (vinte e sete mil euros), acrescidos de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.
Perante os cânones de decisão, justifica-se indemnizar.
O recorrente coloca em causa o juízo de equidade, sustentando um inferior “quantum” indemnizatório.
Também aqui se entende que deverá ser inferior.
No que é o quadro fáctico e pelo que supra vimos de «atenuação de disponibilidade de um meio alternativo», sobretudo nesta atenção, e reportadas circunstâncias que «amenizam o juízo da “demora”», reputa-se o valor de € 21.000 mais aproximado à justiça do caso concreto; o que, na escala de valores, aporta que este tribunal superior tenha intervenção para modificação do estatuído; mesmo que não tanto como vem percebido pelo recorrente.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder parcial provimento ao recurso, modificando a condenação da 1ª instância quanto ao valor indemnizatório liquidado, que antes se fixa em € 21.000 (vinte e um mil euros), mantendo-a no mais.

Custas: pelo recorrente, na proporção do vencimento/decaimento.

Porto, 28 de Janeiro de 2022.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa