Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03218/10.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/17/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC, CORRECÇÕES TÉCNICAS,
PROVEITOS, “IVA INCLUÍDO”.
Sumário:I – Se a Impugnante "A, SAD" outorgou um contrato escrito com o clube desportivo no qual constava, literalmente, que este lhe entregaria, até ao dia 15 do mês seguinte, o valor de 80% da quotas cobradas, como contrapartida de os sócios do clube assistirem aos jogos por preço privilegiado; e se não se provou que o valor efectivamente entregue a esse título foi aquele que, adicionado de 5% (taxa legal de IVA) resultaria em 80% do valor das quotas cobradas, não era admissível interpretar correctivamente o contrato, no sentido de o valor de 80%, nele referido, incluir já o IVA devido pela transacção ou prestação de serviço.
II – Consequentemente, não tinha cobro legal a dedução, para efeitos da Liquidação do IRC de em 2005, de 5% aos proveitos obtidos com o pagamento daquela prestação por parte do clube, antes se impunha a contabilização, também dessa percentagem, como proveito.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:SAD
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015]
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido da improcedência dos recursos.
1
Decisão Texto Integral:I - Relatório
A Fazenda Pública interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida em 30 de Junho de 2020 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, quanto à parte do dispositivo que julgou procedente a impugnação movida por "A, SAD", NIPC 50...74 contra a liquidação adicional de IRC nº 20...9674, respeitante ao exercício de 2005, no valor de 00 € mas com relevância no montante de menos € 918.565,89 de prejuízos fiscais deduzidos, consequente a correcções técnicas da matéria tributável, consistentes no acréscimo, ao lucro tributável, do montante de 5% das quotas anuais recebidas, que a recorrente deduzira por alegadamente corresponder a IVA cobrado, e ainda na parte que não dispensou o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP.

Notificada da sentença por carta registada de 6/7/2020, a SAD Impugnante apresentou, em 9 seguinte, Requerimento dirigido à 1ª Instância, de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.
Como tal requerimento tivesse sido parcialmente indeferido por despacho de 13 de Maio de 2021, a SAD Impugnante Apresentou recurso de apelação quanto este, o qual foi admitido por despacho de 28/10/2021.

As alegações recurso da Fazenda (da sentença) terminam com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
A. Veio o presente processo de impugnação judicial à margem melhor identificado, deduzido contra o acto de indeferimento expresso da reclamação graciosa (objecto imediato), apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), com o nº 20...9674, relativa ao exercício de 2005 (objecto mediato).
B. As liquidações postas em crise tiveram como origem algumas das correcções resultantes do procedimento inspectivo, de natureza externa e âmbito geral, que lhe foi desencadeado pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), da Direcção-Geral dos Impostos, ao abrigo da ordem de serviço com o nº OI...43,
C. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a sentença ora recorrida (parcialmente procedente), declarando procedente a impugnação no tocante a “b) quanto ao acréscimo ao lucro tributável do montante de 5% relativo às quotas anuais recebidas”, com custas pelas partes na proporção do decaimento, assim como do indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça.
D. Entendeu a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo que a questão controvertida consistia em decidir se o valor acordado entre o Impugnante e o "C" já tinha o IVA incluído ou se correspondia tão só à contrapartida da prestação de serviços efectuada pelo Impugnante.
E. No segmento decisório em que a Fazenda Pública decaiu, e do qual ora se recorre, veio a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo motivar a decisão socorrendo-se e aderindo à fundamentação exarada na decisão do processo de impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o n.º 3637/10.6BEPRT.
F. Do confronto entre a interpretação da vontade das partes (e da sua autonomia) e as regras de incidência tributária previstas no Código do IVA, entendeu o douto Tribunal a quo, no presente caso, dar prevalência à alegada autonomia da vontade das partes.
G. Ressalvado o respeito devido, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto se considera que se verifica insuficiência da matéria de facto dada como provada e que sentença recorrida enferma em erro de julgamento de direito, por violação doa artigos 1.º, 4.º, e 16.º do CIVA e art.° 20.° do CIRC.
H. A questão controvertida, resultou de correcções efectuadas no âmbito de um procedimento inspectivo, de natureza externa e âmbito geral, que foi desencadeado ao Impugnante pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT), da Direcção-Geral dos Impostos, ao abrigo da ordem de serviço com o nº OI...43,
I. fundamentadas pela Inspecção Tributária no facto do Impugnante ter considerado como valor tributável sujeito a IVA o montante de 80% das quotas recebidas pelo "A, SAD" do "C" (Clube), deduzido do IVA a liquidar (e em sede de IRC ter apenas considerado como proveito 80% do montante das quotas anuais dos sócios, recebidas pelo Clube, deduzido de 5% correspondente ao IVA),
J. quando o valor tributável a considerar deveria ter sido o que vem definido no n.º 1 do artigo 16.º do CIVA, ou seja, a contraprestação que de acordo com o Protocolo estabelecido entre o "A, SAD" do "C" (Clube) deveria corresponder a 80% do montante das quotas anuais dos sócios (montante que em sede de IRC deveria ter sido considerado proveito, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC).
K. Considera a Fazenda Pública que se verifica insuficiência de matéria de facto pertinente para a discussão da causa, impondo-se uma ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, devendo ser aditados ao probatório os seguintes factos: “Em 1997 foi celebrado um Protocolo entre a sociedade Impugnante e o "C" (Clube) que determinou que os associados poderiam adquirir bilhetes e lugares anuais para assistir aos jogos a preços mais reduzidos que aqueles praticados para o público em geral, na cláusula 2.ª do mencionado Protocolo, constava que o Clube obrigava-se a entregar à sociedade Impugnante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 85% do montante das quotas recebidas, tendo como contrapartida permitir o acesso dos associados aos jogos a preços reduzidos [cfr. Protocolo - Doc. 6 junto à PI, a fls. (…) do processo físico].
L. Em 01/02/2004, "C", a agremiação desportiva, como primeiro Outorgante, e "A, SAD", aqui Impugnante, como segundo Outorgante, elaboraram documento denominado “PROTOCOLO QUARTO ADITAMENTO”.
M. Sendo que, a redacção da Cláusula 2.ª passou a ser a seguinte: “O Primeiro Outorgante obriga-se a entregar à Segunda Outorgante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 80% (oitenta por cento) do valor das quotas efectivamente recebidas. Os custos incorridos pelo Primeiro Outorgante na cobrança das quotas são, para os efeitos previstos neste Protocolo, da sua exclusiva responsabilidade.”
“Parágrafo Único – Como contrapartida, a Segunda Outorgante obriga-se, durante a vigência do presente Protocolo, a proporcionar aos associados do "C" o acesso a jogos por si disputados, a preços reduzidos, em condições a acordar anualmente no início de cada época desportiva.” (cfr. facto n.º 1 dado como provado).
N. De acordo com o art.º 4.º, n.º 1 do Código do IVA, são qualificadas como prestação de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualifiquem como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens.
O. Resulta evidente que, o que ficou convencionado na cláusula segunda do Protocolo consubstancia uma prestação de serviços atento ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
P. Quanto ao valor tributável, o art.º 16.º do CIVA prevê, como regra geral relativamente às operações internas, que o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.
Q. Entende-se por contraprestação o valor total obtido ou a obter como contrapartida da entrega dos bens ou da prestação de serviços. A prestação é constituída pela entrega do bem ou da prestação do serviço, a contraprestação é tudo o que se entrega como contrapartida da prestação recebida, ou seja, pressupõe a existência de uma operação onerosa (Patrícia Noiret Cunha, in Imposto Sobre o Valor Acrescentado, anotações ao Código do IVA e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, Instituto Superior de Gestão, 2004, pags. 255 e 256.
R. Resulta evidente que, da leitura conjugada dos artigos 4.º n.º 1 e 16.º n.º 1 do CIVA, como já referido, estando perante uma prestação de serviços, o valor tributável sujeito a IVA é o valor da contraprestação obtida do adquirente, do destinatário ou do terceiro.
S. Pelo que no caso concreto não poderia deixar de ser considerado os 80% do montante das quotas anuais dos sócios recebidas pelo "C" (Clube), já que é este o valor estipulado no Protocolo estabelecido entre este último e o Impugnante.
T. E, não obstante, o Impugnante ter alegado uma hipotética vontade contratual
das partes, no sentido de convencer que no espírito dos outorgantes o montante a transferir já incluía o IVA, tal argumento não deveria ter prevalecido na medida em que o conteúdo e fim das regras de incidência tributária não são susceptíveis de alteração ou derrogação por vontade negocial das partes.
U. Assim, face ao teor do Protocolo outorgado entre as partes e perante a clareza do estatuído no artigo 16.º n.º 1 do CIVA, a DSPIT só poderia ter procedido à correcção do IVA em falta, correspondente a 5% da diferença entre os valores tributáveis considerados pelo Impugnante e pela Administração Tributária,
V. consequentemente a contraprestação (valor tributável), que de acordo com
o Protocolo estabelecido entre o "A, SAD" do "C"
do Porto (Clube) deveria corresponder a 80% do montante das quotas anuais dos sócios, era o montante que em sede de IRC deveria ter sido considerado como proveito, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC.
W. Aliás de conforme o bem decidido no processo de impugnação judicial que correu termos neste TAF do Porto sob o n.º 3229/10.0BEPRT, onde idêntica questão respeitante ao IRC de 2006 foi apreciada, onde em súmula se entendeu que “Nos termos das normas acima enunciadas, importa dizer que estamos perante prestações de serviços, pelo que o valor tributável será o da contraprestação obtida e não incluirá o próprio imposto sobre o valor acrescentado. Assim sendo, constituem proveitos os valores das contraprestações recebidas sem que se imponha qualquer dedução a título de IVA. Se o impugnante efectuou tal dedução, não o deveria ter feito. O que é certo é que deve ser considerado proveito o montante total das contraprestações recebidas pelo impugnante sem essa dedução.”.
X. Por tudo o exposto, em consequência, devendo a sentença (SIC) ser julgada totalmente improcedente, improcederá também a condenação nas custas processuais em razão do decaimento.
Y. Paralelamente, a Fazenda Pública também não se conforma com o indeferimento da dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça, à luz do artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais.
Z. Dissecando o art. 6.º do RCP, verificamos que, de acordo com o teor do n.º 1, conjugado com o n.º 7, são três os requisitos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente: i) a especificidade da causa ii) a complexidade da causa e iii) a conduta processual das partes.
AA. Considerando o valor da presente acção, e a tabela I-A, bem como o valor da unidade de conta, temos que o valor do remanescente da taxa de justiça a pagar pela Fazenda Pública, atinge um valor desproporcional à complexidade da acção.
BB. Com o devido respeito, entende a Fazenda pública que se encontram preenchidas todas as condições previstas naquele normativo, pois, a causa não foi de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes. Com efeito, as questões suscitadas na presente contenda não assumem uma especificidade apta a motivar o indeferimento de tal dispensa.
CC. Daí que, considerando o princípio estabelecido no nº 2 do art. 529º do CPC, e
diante da menor complexidade que a causa afinal evidencia e a conduta cooperante das partes, a correspectividade da actividade processual desenvolvida na acção em apreço justifica, na perspectiva da Fazenda Pública, a dispensa do remanescente da taxa de justiça, sob pena de excesso irrazoável. Neste sentido, veja-se por todos o douto acórdão do TCAS, datado de 2014/03/27, processo nº 06624/13.
DD. Em reforço do exposto cita-se ainda o aludido acórdão do STA de 07.05.2014,
referindo-se ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15.07.2013, tirado no processo nº 907/2012, e ao acórdão do STJ de 12.12.2013, tirado no recurso nº 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1, que, atendendo ao princípio da proporcionalidade, decorrente dos art.s 2º e 18º, nº 2, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, salienta que o montante das custas deve garantir aquela proporcionalidade, atendendo à correlação entre o montante das custas e a utilidade económica da causa, ao princípio da igualdade e ao particular circunstancialismo dos autos.
EE. Ante o exposto, entende a Fazenda Pública, que deveria/deve de ser concedida a dispensa do pagamento do acréscimo de taxa de justiça devida por cada €25.000,000 ou fracção acima dos € 275.000,00, ao abrigo do n.º 7 do art. 6.º do RCP.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.
Mais se requer, em virtude do valor da causa ser superior a €275.000,00, nos termos do n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais, a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista (do remanescente), na medida em que se entende, estarem preenchidas todas as condições previstas naquele normativo, pois, a causa não foi
de complexa decisão, não houve incidentes, nem má conduta processual das partes

A Impugnante, notificada, não contra-alegou.

As alegações do sobredito recurso da Impugnante terminam com as seguintes conclusões:
«Em face do alegado, ficou demonstrado que:
i) O processo aqui em apreço não revela uma complexidade acima da média;
ii) O Tribunal a quo foi secundado por duas decisões judiciais anteriores para a resolução de duas questões em litígio, de um total de três;
iii) Não se verificou a produção de prova testemunhal e a prova documental não era extensa nem complexa ou de natureza financeira e contabilística;
iv) A Recorrente entende que se encontravam preenchidos todos os requisitos legais para a dispensa integral do pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no n.º 7 do artigo 6º do RCP;
v) Por conseguinte, deve o despacho que indeferiu o pedido de dispensa integral do pagamento do remanescente da taxa de justiça ser anulado, com todas as consequências legais, e as partes serem integralmente dispensadas do referido pagamento.
Pedido:
Nestes termos e nos mais de Direito que Vs. Exas. doutamente não deixarão de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o despacho do Tribunal a quo, e, consequentemente, deve ser deferida a dispensa integral do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com todas as consequências legais. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!»

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Desse, destacamos o seguinte:
«(…)
II – DO RECURSO PROPRIAMENTE DITO da AT
Consigna-se que, na 1ª instância, a recorrida/impugnante "A, SAD" veio nos termos dos artigos 99º e seguintes do CPPT deduzir impugnação judicial contra a liquidação de IRC n.º 20...9674 respeitante ao exercício de 2005 no montante final de € 918.565,89.
Alegou a recorrida/impugnante, na parte que nos interessa, a ilegalidade do acréscimo ao lucro tributável do montante de 5% relativo às quotas anuais recebidas.
Para o efeito, invocou, em síntese e na parte que nos interessa, que, o "A, SAD" regularizou a situação em sede de IVA, entregando o IVA respeitante aos 80% do valor das quotas recebidas, tendo o IVA sido calculado, por expressa recomendação da AT, por dedução de 5% ao montante recebido.
Aliás como decorre do relatório do procedimento inspectivo coligido no acervo probatório, ponto 12), a recorrida/impugnante considerou como proveito 80% do montante das quotas anuais recebidas dos sócios, deduzido de 5% correspondente ao IVA, isto é, dos 80%, a recorrida/i Impugnante liquidou IVA sobre os valores recebidos, à taxa em vigor à data (5%), considerando o imposto neles incluído, comportamento que se verifica desde 1999.
Conforme se disse anteriormente o litígio, nesta parte, veio a ser decidido judicialmente, na 1ª instância, a favor da recorrida/impugnante, anulando-se a liquidação adicional elaborada pela AT, passando o valor a considerar como proveito a ser de €3.419.459,44 e não os €3.590.432,40 considerados anteriormente pelos SIT.
A AT não concordou com o teor e decisão final da sentença a quo e recorreu, formulando para tanto as seguintes conclusões:
“ (…)”
*
Refira-se que nos termos dos artigos 608.º n.º 2, 635.º n.º 4 e 5 e 639.º n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões (cf. artigo 282º, n.º 2 do CPPT), não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as que sejam de conhecimento oficioso. Nesta parte, a questão principal – dedução do IVA – é que se suscita no presente recurso (conclusões A a X) e irá ser analisada neste segmento, aqui e agora. Ficando as conclusões Y a EE da recorrente AT para análise posterior, em sede própria.
*
Assim e com interesse para a decisão da causa, a Meritíssima Juiz de Direito considerou provados na decisão a quo, os seguintes factos:
“(…)”
Ora voltemos, nesta parte, ao objecto destes autos.
Na opinião da recorrente, em 01.02.2004, "C", a agremiação desportiva, como primeiro Outorgante, e "A, SAD", aqui impugnante/recorrida, como segundo Outorgante, elaboraram documento denominado “PROTOCOLO QUARTO ADITAMENTO”.
Sendo que, a redacção da Cláusula 2.ª passou a ser a seguinte:
“O Primeiro Outorgante obriga-se a entregar à Segunda Outorgante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 80% (oitenta por cento) do valor das quotas efectivamente recebidas. Os custos incorridos pelo Primeiro Outorgante na cobrança das quotas são, para os efeitos previstos neste Protocolo, da sua exclusiva responsabilidade.”
“Parágrafo Único – Como contrapartida, a Segunda Outorgante obriga-se, durante a vigência do presente Protocolo, a proporcionar aos associados do "C" o acesso a jogos por si disputados, a preços reduzidos, em condições a acordar anualmente no início de cada época desportiva.” (cf. facto n.º 1 dado como provado).
Entende a AT, que de acordo com o artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA, são qualificadas como prestação de serviços todas as operações realizadas a título oneroso que não se qualifiquem como transmissões, aquisições intracomunitárias ou importação de bens.
Para si, resulta evidente que, o que ficou convencionado na cláusula segunda do Protocolo consubstancia uma prestação de serviços atento ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
Quanto ao valor tributável, o artigo 16.º do CIVA prevê, como regra geral relativamente às operações internas, que o valor tributável é constituído pelo montante da contraprestação das operações sujeitas a IVA.
Entende-se, na sua opinião, por contraprestação o valor total obtido ou a obter como contrapartida da entrega dos bens ou da prestação de serviços. A prestação é constituída pela entrega do bem ou da prestação do serviço, a contraprestação é tudo o que se entrega como contrapartida da prestação recebida, ou seja, pressupõe a existência de uma operação onerosa.
Resulta evidente que, da leitura conjugada dos artigos 4.º n.º 1 e 16.º n.º 1 do CIVA, como já referido, estando perante uma prestação de serviços, o valor tributável sujeito a IVA é o valor da contraprestação obtida do adquirente, do destinatário ou do terceiro, pelo que no caso concreto não poderia deixar de ser considerado os 80% do montante das quotas anuais dos sócios recebidas pelo "C" (Clube), já que é este o valor estipulado no Protocolo estabelecido entre este último e a impugnante/recorrida.
E, não obstante, a impugnante/recorrida ter alegado uma hipotética vontade contratual das partes, no sentido de convencer que no espírito dos outorgantes o montante a transferir já incluía o IVA, tal argumento não deveria ter prevalecido na medida em que o conteúdo e fim das regras de incidência tributária não são susceptíveis de alteração ou derrogação por vontade negocial das partes.
Assim, ainda na sua opinião, face ao teor do Protocolo outorgado entre as partes e perante a clareza do estatuído no artigo 16.º n.º 1 do CIVA, a DSPIT só poderia ter procedido à correcção do IVA em falta, correspondente a 5% da diferença entre os valores tributáveis considerados pela recorrida/impugnante e pela AT.
Consequentemente a contraprestação (valor tributável), que de acordo com o Protocolo estabelecido entre o "A, SAD" do "C" (Clube) deveria corresponder a 80% do montante das quotas anuais dos sócios, era o montante que em sede de IRC deveria ter sido considerado como proveito, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC.
Pese embora, não entendemos assim, afigurando-se-nos que o vertido pela Meritíssima Juiz de Direito na decisão a quo nos merece todo o acolhimento, uma vez que se encontra de acordo com a lei e é mais adequado ao princípio da autonomia da vontade das partes que impera na elaboração de contratos/protocolos, não ficando o erário público prejudicado, uma vez que in casu o IRC será igualmente cobrado sobre 80% do montante das quotas anuais dos sócios, mas deduzido o IVA incluído que naquela altura era de 5%.
Como decorre do RIT coligido no acervo probatório, ponto 12) dos factos provados, a recorrida/impugnante considerou como proveito 80% do montante das quotas anuais recebidas dos sócios, deduzido de 5% correspondente ao IVA, isto é, dos 80%, a recorrida/impugnante liquidou IVA sobre os valores recebidos, à taxa em vigor à data (5%), considerando o imposto neles incluído, comportamento que se verifica desde 1999.
Ora, apesar de não decorrer expressamente da cláusula que consta do Protocolo que o valor aí estabelecido respeita ao preço que o "C" estaria disposto a pagar pelo serviço prestado pela recorrida/impugnante com IVA incluído, face ao circunstancialismo inerente que decorre da vontade manifestada pelas partes, traduzindo-se na actuação da aqui recorrida/impugnante durante os vários anos (1999 a 2005), impõe-se concluir que o valor já incluía o IVA respectivo.
Acresce que, resultou de facto instrumental enunciado na motivação da matéria de facto por referência ao testemunho de AA que a partir do momento em que o Impugnante considerou que a transacção em questão estava sujeita a IVA, procederam à regularização do IVA, mas entendendo que o montante acordado já incluía o IVA, tendo tal entendimento sido homogéneo daí para a frente.
Dito de outro modo, a contraprestação recebida, reflecte o efeito económico pretendido pelas partes.
Por outro lado, a contrapartida financeira está ligada ao valor disponível em dinheiro, representada pelo fluxo de caixa, medindo então a capacidade de pagamento de alguém ou de uma empresa, ou seja, o pagamento efectuado do valor da contraprestação mais o imposto devido, que já reflecte não só o efeito económico, mas também o efeito financeiro da operação.
Podemos então dizer que o pagamento do serviço aqui em causa (correspondente a 80% das quotas mensais), como se depreende da factualidade apurada, inclui a contraprestação do serviço prestado (base tributável), mais o imposto sobre o valor acrescentado, liquidado pelo prestador e pago pelo adquirente, sendo então esse o valor que o "C", Clube está disposto a despender pelo serviço em si, não enquanto preço do mesmo, mas sim enquanto pagamento, na perspectiva de contrapartida financeira, por todo o serviço prestado, que inclui então o preço, mais o imposto.
Isto porque prevalecerá, como já aludimos, a interpretação que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, deva deduzir do comportamento do declarante. De facto, no domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, bem como a execução desse mesmo contrato.
Sendo consabido que não existe qualquer impedimento legal a que as partes contratantes estipulem o valor da prestação de serviço com IVA incluído, não poderiam os SIT limitar-se a atender à interpretação literal do que decorre do protocolo, impondo-se que atendessem aos circunstancialismos que rodearam o Protocolo e a liquidação de IVA a partir de 1999 até 2005 que demonstram a interpretação que as partes deram ao contratualizado.
Logo, tal questão é improcedente.
No mais, com a devida vénia e por uma questão de economia processual fazendo nossos os doutos argumentos de facto e de direito insertos na douta decisão a quo, pelo que deve improceder, nesta parte, o recurso interposto pela recorrente AT.
III – Recursos interpostos pela AT e "A, SAD" (dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça de valor superior a 275.000,00 €)
a) Questão Prévia
Sucede que, em 11.05.2011, no âmbito desta impugnação, em sede de contestação, a AT pediu a dispensa do pagamento do remanescente sobre a taxa de justiça de valor superior a 275.000,00 €. (cf. fls. 379 e ss. do SITAF).
E, em 30.06.2020, na altura da prolação da decisão final, a Meritíssima Juiz de Direito a quo, para este efeito, considerou, nesta parte, improcedente o pedido da AT, indeferindo totalmente o mesmo: “Assim, indefiro o requerido, não dispensando a Fazenda Pública do pagamento do remanescente da taxa de justiça.” (cf. fls. 550 e ss. do SITAF).
Não satisfeita, em 07.09.2021, a AT apresentou recurso jurisdicional, na parte em que foi indeferido o seu pedido de dispensa do pagamento sobre o remanescente da taxa de justiça de valor superior a 275.000,00 € (conclusões Y a EE).
Seguidamente, em 09.07.2020, antes da elaboração da conta, a impugnante/recorrente "A, SAD" veio, através de requerimento, solicitar igualmente a dispensa do pagamento do remanescente sobre a taxa de justiça de valor superior a 275.000,00 €. (cf. fls. 589 e ss. do SITAF).
Em 13.05.2021, a Meritíssima Juiz de Direito a quo proferiu decisão sobre o aludido requerimento, mas abrangendo ambas as partes, deferiu parcialmente o pedido e considerou “…adequado dispensar do pagamento de 1/3 do remanescente da taxa de justiça devida a final, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de €275.000,00, a aproveitar ambas as partes, o que deverá ser levado em consideração na conta a final.” (cf. fls. 626 e ss. do SITAF).
Posteriormente, em 21.05.2021, a impugnante/recorrente "A, SAD" veio interpor recurso jurisdicional, ao abrigo dos artigos 279º e seguintes do CPPT e dos artigos 627º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigo 281º do CPPT do despacho judicial a quo que julgou parcialmente favorável o seu pedido de dispensa do pagamento sobre o remanescente da taxa de justiça em montante superior a 275.000,00 €, na proporção de 1/3, invocando para tanto que se encontram preenchidos os requisitos do artigo 6º nº 7 do RCP; para a dispensa total, o que propugna.
Compulsado os autos e no que concerne à AT – quanto ao seu pedido de dispensa do pagamento do remanescente sobre a taxa de justiça de montante superior a 275.000,00 € - verifica-se que existem duas decisões judiciais contraditórias: a primeira (30.06.2020) que indeferiu totalmente o seu pedido e a segunda (13.05.2021) que concedeu provimento parcial ao mesmo pedido, decidindo dispensar esse mesmo pagamento, na proporção de 1/3, decisões essas que, porém, não transitaram em julgado.
Quid juris?
Atenta a falta de transito em julgado das decisões em causa, afigura-se-nos que a solução não está no CPC aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT, o qual dispõe que: “Artigo 625.º - Casos julgados contraditórios
1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.”
mas antes, fazendo a análise do iter da marcha processual sobre esta questão in casu verifica-se que a matéria ora sub judice foi decidida por último, na segunda decisão a quo (de 13.05.2021), pois que, no que concerne à AT, a primeira decisão foi alterada pela segunda, atendendo a que aquela não transitou em julgado e por isso podia ser alterada, a todo o tempo, já que ainda não se tinha esgotado o poder jurisdicional da Meritíssima Juiz de Direito a quo.
Até à elaboração da conta, o que in casu ainda não tinha sido realizada.
Assim, a decisão a quo, nesta parte, que está a ser sindicada é a segunda, elaborada no dia 13.05.2021, a fls. 626 e ss. do SITAF.
b) Mérito da questão
No que concerne ao fundo da questão, diga-se, em abono da verdade que sufragamos – e entendemos por boa - a doutrina e a jurisprudência vertida na segunda decisão a quo (de 13.05.2021), pelo que a damos por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais. Na verdade, a taxa de justiça corresponde, pela sua natureza, a uma prestação pecuniária que, em regra, o Estado exige aos utentes do serviço judiciário, como contrapartida do serviço judicial desenvolvido, sendo fixada de acordo com o disposto no artigo 447° n.º 2 do CPC, em função do valor e da complexidade da causa, nos termos constantes do Regulamento das Custas Processuais e é paga, em regra, integralmente e de uma só vez no início do processo, por cada parte ou sujeito processual. Existem, contudo, situações em que a delicadeza dos casos exige moderação nessa exigência permitindo-se, como sucede no caso dos autos, em virtude do valor da causa ser superior a 275 000, 00 €, que o remanescente da taxa de justiça apenas seja considerado na conta final. Ainda assim, critérios de oportunidade e proporcionalidade justificam que o juiz, excepcionalmente e quando a especificidade da situação o justificar, dispense o pagamento dessa quantia remanescente, que apesar de devida ainda não foi paga, desde que “de forma fundamentada e atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, julgue dispensar o pagamento"- cf. artigo 6°, nº 7, al. d) RCP.
A quantia devida, tratando-se de uma taxa e não de um imposto, funda-se no princípio da equivalência, ao exigir que cada individuo contribua de acordo com o custo ou o valor das prestações de que usufrui, pelo que é fundamental a verificação de uma proporção adequada e justa entre o montante liquidado e o valor do serviço prestado, sob pena de a taxa aplicável passar a revestir a natureza de imposto. O relevo deste critério de proporcionalidade dá sentido ao princípio vertido no artigo 6°, nº 7 do RCP, pelo que é legítima a dispensa total ou parcial de pagamento do remanescente quando o valor cobrado deixe de ser proporcional ao serviço prestado, desde que o comportamento das partes não obste à concessão deste benefício, tomando-o imerecido. A dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça depende, assim, de um juízo casuístico e excepcional, firmado pelo juiz do processo, não livremente mas balizado e de acordo com os critérios expressamente consagrados naquele artigo 6°, n° 7.
No caso, não se trata de um processo linear, antes se verifica ter sido medianamente preenchido de requerimentos e alegações, com incidentes e que correu todos os trâmites legais possíveis até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que, nesse âmbito, deve beneficiar de dispensa de pagamento do remanescente previsto na lei, na proporção de 1/3, tal como definido na decisão de 13.05.2021 (cf. fls. 626 e ss. do SITAF). Ora, tendo como pressuposto que, nos termos legais, a dispensa total só se justificará por forma excepcional – não sendo, pois, a regra –, só uma complexidade claramente inferior à comum permitirá uma dispensa integral do pagamento do remanescente – o que, como se apontou na decisão a quo, não é o caso.
Pese embora os argumentos dos recorrentes, entendemos não se justificar, in casu, uma dispensa total, atendendo à natureza da acção e à sua tramitação concreta em face dos parâmetros legalmente fixados (designadamente, complexidade da causa e conduta das partes), por ser de concluir que a “complexidade da causa” foi a normal para este tipo de acções (de impugnação judicial), mas não especialmente inferior à comum, atendendo aos articulados recursórios e incidentes apresentados pelas partes e às questões jurídicas colocadas em ambos os recursos.
Assim, atendendo à conduta processual das partes, não perdendo de vista que deve existir correspondência entre os serviços prestados e os custos destes para o sistema de justiça e a taxa de justiça cobrada por cada interveniente que recorre aos tribunais, à luz do princípio da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização das custas processuais, considera-se adequado dispensar do pagamento de 1/3 do remanescente da taxa de justiça devida a final, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de €275.000,00, a aproveitar ambas as partes, o que deverá ser levado em consideração na conta a final, tal como se postulou na decisão a quo, ora posta em crise.
É esta, em suma, a nossa opinião, nesta parte.
Em conclusão, pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos e de acordo com a lei, somos do parecer que se deve considerar:
1º - Improcedente, por não provado, o recurso interposto pela AT, na parte da impugnação propriamente dita, pois que a decisão a quo não viola qualquer norma legal, princípio constitucional e tributário;
2º - Procedente parcialmente o recurso interposto pela AT, no que tange à dispensa do pagamento sobre o remanescente da taxa de justiça em montante superior a 275.000,00 €, devendo manter-se a decisão de 13.05.2021 que fixou a redução em 1/3;
3º - Improcedente o recurso interposto pelo "A, SAD", no que tange à dispensa do pagamento sobre o remanescente da taxa de justiça em montante superior a 275.000,00 €, devendo manter-se a decisão de 13.05.2021 que fixou a redução em 1/3;
4º - Com custas processuais a cargo das recorrentes AT e "A, SAD", na proporção do seu decaimento, respectivamente.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Questão prévia
Extinção do recurso da AT relativamente à não dispensa do remanescente da taxa de justiça
Na sentença recorrida, de 30 de Junho de 2020, foi decidido indeferir a pretensão da AT, de beneficiar da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6º nº 7 do Regulamento das custas processuais (RCP).
Esta sentença foi notificada às partes por carta registada de 6/7/2020.
O recurso da AT incidiu não só sobre a parte da sentença que julgou improcedente a impugnação, mas também sobre aquela em que se indeferiu, de todo, tal pretensão.
Contudo, em despacho de 13 de Maio de 2021 a Mª Juiz pronunciou-se não só sobre requerimento, com idêntica pretensão, apresentado pela Impugnante "A, SAD" em 9/7/2020 como também sobre a pretensão da AT que já indeferira pela sentença.
Desta feita deferiu parcialmente ambas as pretensões, dispensando ambas as partes do pagamento de 1/3 do remanescente da taxa de justiça.
Deste despacho recorre apenas a Impugnante "A, SAD", tendo o recurso sido admitido por despacho da 1ª instância, de 28/17/2021.
Coloca-se, assim, a questão de saber que sorte há-de ser a do recurso da AT, na parte relativa à despensa do remanescente da taxa de justiça, relativamente à qual o tribunal recorrido tomou segunda e diversa decisão, que a AT não impugnou.
Em nosso entender, a perplexidade resolve-se do seguinte modo:
A segunda decisão não pode ser tomada como reforma da sentença quanto a custas, desde logo porque a dita reforma não foi requerida (cf. artigo 616º do CPC ex vi artigo nº 2 do CPPT); enfim, trata-se do conhecimento de matéria que era vedado ao juiz (do despacho) conhecer, o que é sancionado como nulidade do despacho, nessa parte, nos termos da conjugação dos artigos 615º nº 1 alª e) e 613º nº 3 do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.
Porém tal nulidade não é de conhecimento oficioso, conforme resulta do confronto do artigo 615º com o artigo 196º do CPC.
Deste modo, o despacho de 13 de Maio de 2021 está aí, eficaz, na ordem jurídica, também na parte em que deferiu parcialmente a pretensão da AT, outrora indeferida: e uma vez que é posterior e dispõe de modo diverso e incompatível com a sentença, derrogou a disposição da mesma nessa parte.
Dado que não foi impugnado, é este despacho que rege agora, definitivamente, a dívida da AT quanto a taxa de justiça remanescente.
Quanto ao recurso da sentença, nessa parte, só pode ser julgado extinto por extinção do objecto, nos termos do artigo 277º alª e) do CPC, o que se declara.

III - Âmbito do recurso da AT e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.

Assim, as questões submetidas à apreciação deste tribunal de recurso as seguintes:

1ª: Questão
Deveria, o Mº Juiz a quo, ter mencionado como provados, enquanto facto relevante para a discussão ou a decisão da causa, os factos constantes das alíneas K) a M) das conclusões?

2ª questão
Errou no julgamento em matéria de direito, a sentença recorrida, violando as normas imperativas de incidência do IVA e do IRC, designadamente os artigos 1.º, 4.º, e 16.º do CIVA e art.° 20.° do CIRC, ao considerar, como a Impugnante pretendia, na contabilização dos proveitos relevantes para a definição da matéria tributável em IRC, a dedução da percentagem de 5% ao produto de 80% das quotas dos sócios, transferido pelo "C" clube, com fundamento em que as partes teriam acordado tacitamente que o valor de 80% das quotas já incluía o IVA devido?

IV – Apreciação do Recurso da AT
Da decisão recorrida convém transcrever, antes de mais, a enunciação dos factos provados e não provados:
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Em 1.02.2004 foi exarado protocolo entre o "C" e o "A, SAD" de onde decorre o seguinte: “(…) Considerando: (a) Que as partes aqui outorgantes celebraram entre elas em 15 de Agosto de 1997, um Protocolo, através do qual regularam, além de outras matérias, os termos e condições de utilização do Estádio ..., propriedade do Primeiro Outorgante;
(b) Que o referido protocolo foi objecto, sucessivamente em 25 de Junho de 2002, 1 de Agosto de 2002 e 28 de Outubro de 2002, de três aditamentos, mediante os quais as partes reviram e actualizaram certos aspectos essenciais daquele (…)
As partes acordam entre si o presente Aditamento, que é o quarto, ao Protocolo celebrado em 15 de Agosto de 1997 e posteriores Aditamentos (…), do qual passam a fazer parte integrante as seguintes cláusulas:
PRIMEIRA – Alteração à cláusula Segunda do protocolo
A redacção da cláusula 2ª passa a ser a seguinte: “O Primeiro Outorgante obriga-se a entregar à Segunda Outorgante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 80% (…) do valor das quotas efectivamente recebidas. Os custos incorridos pelo primeiro Outorgante na cobrança das quotas são, para efeitos previstos neste protocolo, da sua exclusiva responsabilidade.”
“Parágrafo Único – Como contrapartida, a Segunda outorgante obriga-se durante a vigência do presente protocolo, a proporcionar aos associados do "C" o acesso a jogos por si disputados, a preços reduzidos em condições a acordar anualmente no início de cada época desportiva (…)” – cfr. fls. 204 a 206 do processo físico.
2) Na sequência da emissão do Despacho n.º 41 560, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... efectuaram procedimento externo de inspecção ao "A, SAD" aos exercícios de 1999, 2000, 2001 para verificação do procedimento fiscal em sede de IVA aos subsídios de funcionamento compensatório – cfr. fls. 209 do processo físico e testemunho de AA.
3) No decurso da acção inspectiva descrita em 2), o "A, SAD" regularizou a situação em sede de IVA, entregando o IVA respeitante aos 80% do valor das quotas recebidas, tendo o IVA sido calculado, por expressa recomendação da Administração Fiscal, por dedução de 5% ao montante recebido – cfr. testemunho de AA.
4) O "A, SAD" remeteu à Direcção de Finanças ... documentos comprovativos do pagamento da quantia de €7.706,10 e do termo de adesão ao Decreto-lei n.º 248-A/2003 relativamente a dívidas de juros compensatórios de Janeiro de 2001 a Outubro de 2001 e coimas dos anos de 1999 a 2001 – cfr. fls. 212 a 216 do processo físico.
5) Em 27.04.2001 a Federação Portuguesa de Futebol emitiu o comunicado n.º 349 respeitante ao Regulamento relativo aos Agentes de Jogadores aprovado pelo Comité Executivo da FIFA na sessão de 10.12.2000 e entrada em vigor em 3.03.2001 – cfr. fls. 356 a 375 do processo junto aos autos.
6) Em resultado da acção inspectiva a que se alude em 2) os Serviços de Inspecção Tributária remeteram em 15.01.2003 ao "A, SAD" o ofício n.º 201732 com o seguinte teor. “(…) Para conhecimento fica (…) notificado (…) que da acção inspectiva levada a cabo por este Serviço (…) não resultaram quaisquer actos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis. (…)” – cfr. fls. 217 do processo físico.
7) Em 20.06.2005 foi outorgado contrato de cessão definitiva de direitos desportivos de jogador profissional de futebol, tendo como primeiro outorgante o "A, SAD", segundo outorgante Grémio ... e Terceiro Outorgante BB – cfr. fls. 219 a 222 do processo físico.
8) Em 29.07.2005 foi redigido a escrito acordo entre o "A, SAD" e "K...", de onde decorre o seguinte: “(…) Pelo presente é acordado
1.
Pelos serviços legais e outros prestados ao "A, SAD" no sentido da contratação bem sucedida do jogador de futebol BB, que resulte em contrato de trabalho com o "A, SAD", o "A, SAD" pagará €1.000.000,00 (…) em honorários em 1 de Agosto de 2005 (…)” – cfr. fls. 314 e 315 do processo físico.
9) Em 29.07.2005 a "K..." emitiu em nome do "A, SAD" a factura n.º 2005/0070 de onde decorre o seguinte “(…) Honorários de acordo com contrato datado de 27 de Julho de 2005 Pela prestação de serviços relativos à transferência de BB
Montante Total 1.000.000.00 (…)” – cfr. fls. 318 e 319 do processo físico.
10) Em 2.11.2005 a "X...SA." emitiu em nome do "A, SAD" a factura n.º A169/08 com a seguinte descrição: “serviços prestados na aquisição dos direitos de inscrição desportiva do atleta BB”, no montante de €250.000,00 – cfr. fls. 223 do processo físico.
11) No cumprimento da Ordem de serviço n.º OI...43, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção-Geral dos Impostos realizaram procedimento inspectivo ao "A, SAD" ao exercício de 2005 em sede de IRC e IVA, tendo sido efectuadas correcções à matéria tributável no montante de €1.356.850,24 – cfr. fls. 128 a 181 do processo de reclamação graciosa (RG) junto aos autos.
12) Em 28.11.2008 foi elaborado o relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 11) - cfr. fls. 128 a 181 do processo de RG junto aos autos.
13) Faz parte integrante do relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 12) os Anexos 1 a 33 – cfr. fls. 180 do processo de RG junto aos autos.
14) Em 15.04.2009 a "X...SA." emitiu declaração com o seguinte teor: “(…) Em resposta ao V. pedido de esclarecimentos vimos declarar o seguinte: 1. Sobre as nossas declarações remetidas à Administração Fiscal na sequência do ofício n.º 02359, datado de 08/09/10 da DSIT (…) nos termos do qual eram solicitadas as informações e esclarecimentos a propósito da intervenção da "X...SA." no processo de aquisição do atleta BB – e em que declaramos que a "X...SA." “interveio na negociação do passe do atleta (…) entre o "A, SAD" e o Grémio ... com o intuito de aproximar posições dos dois clubes, mas sem que os seus serviços tivessem sido contratados e/ou remunerados por qualquer das partes”, procedemos já á pertinente rectificação conforme cópia em anexo da declaração por nós entretanto remetida à Administração fiscal.
2. Sobre a concreta participação do Agente FIFA CC no âmbito da contratação do jogador BB, de acordo com o que é do nosso conhecimento, ela assumiu os seguintes contornos:
a. Desde logo, colaborou com a "X...SA." nos serviços que esta prestou ao "C" no sentido de obter o acordo do Grémio ... na concretização da operação. No entanto, nesta colaboração, o Agente CC actuou em regime de favor, não tendo auferido qualquer remuneração.
b. Já, por outro lado, teve conhecimento de que o Agente CC actuou, sob mandato do "C" no sentido de garantir o consentimento do atleta na concretização da transferência. (…)” – cfr. fls. 226 do processo físico.
15) Na sequência das correcções ao exercício de 2005 descritas em 11) foi emitida em 15.12.2008 a liquidação n.º 20...9674 no montante de €0,00 – cfr. fls. 137 e 138 do processo físico.
16) Da liquidação descrita em 15) foi deduzida reclamação graciosa – cfr. fls. 2 a 59 do processo de RG junto aos autos.
17) Em 16.09.2010 foi exarada informação pela Divisão da justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças ... no sentido do indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 229 e 230 do processo de RG junto aos autos.
18) Em 18.10.2010 foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 23 do processo de RG junto aos autos.
**
Factos não provados
Não resultou comprovado da instrução dos autos que:
a) Foi mandatado o Agente FIFA DD para, em nome do "C", procurar garantir o consentimento do Grémio ... face à proposta/condições que o "C" lhe oferecia;
b) O "C" mandatou o agente FIFA CC para procurar garantir a anuência do jogador e dos seus representantes legais na concretização da operação;
c) Atendendo a que a relação contratual se havia estabelecido com CC e tendo este indicado a "K..." como entidade a receber o pagamento, o "C" requereu que fosse celebrado um contrato formal de molde a que relação contratual ficasse melhor documentada.

Posto isto, quid júris sobre as questões acima enunciadas e quais as consequências da sua solução para a pretensão recursiva?

1ª Questão:
Deveria, o Mº Juiz a quo, ter mencionado, como factos provados e relevantes para a discussão ou a decisão da causa, os factos, constantes das alíneas K) a M) das conclusões.

Nos termos do artigo 123º nº 2 do CPC, na sentença tributaria o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões”.
Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.
Não se diga que basta a menção dos provados se estes são suficientes para a decisão preconizada pelo tribunal.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que acaba por se filiar num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se fundamentadamente sobre a prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do ponto de vista de uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.
Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
No presente caso, os factos alegadamente ignorados eram os contidos nas seguintes proposições:
« Em 1997 foi celebrado um Protocolo entre a sociedade Impugnante e o "C" (Clube) que determinou que os associados poderiam adquirir bilhetes e lugares anuais para assistir aos jogos a preços mais reduzidos que aqueles praticados para o público em geral, na cláusula 2.ª do mencionado Protocolo, constava que o Clube obrigava-se a entregar à sociedade Impugnante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 85% do montante das quotas recebidas, tendo como contrapartida permitir o acesso dos associados aos jogos a preços reduzidos [cfr. Protocolo - Doc. 6 junto à PI, a fls. (…) do processo físico].
L. Em 01/02/2004, "C", a agremiação desportiva, como primeiro Outorgante, e "A, SAD", aqui Impugnante, como segundo Outorgante, elaboraram documento denominado “PROTOCOLO QUARTO ADITAMENTO”.
M. Sendo que, a redacção da Cláusula 2.ª passou a ser a seguinte: “O Primeiro Outorgante obriga-se a entregar à Segunda Outorgante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 80% (oitenta por cento) do valor das quotas efectivamente recebidas. Os custos incorridos pelo Primeiro Outorgante na cobrança das quotas são, para os efeitos previstos neste Protocolo, da sua exclusiva responsabilidade.
Parágrafo Único – Como contrapartida, a Segunda Outorgante obriga-se, durante a vigência do presente Protocolo, a proporcionar aos associados do "C" o acesso a jogos por si disputados, a preços reduzidos, em condições a acordar anualmente no início de cada época desportiva.”
Revista a descrição dos factos provados, acima transcrita, verificamos que no artigo 1º se refere directa e expressamente, de um ponto de vista substancial, toda a matéria das alªs L e M;
Portanto, a questão da sua falta na discriminação dos factos provados está prejudicada.
Quanto à matéria da alínea K não subsumida naquelas outras, designadamente que a percentagem das quotas a transferir pelo clube à SAD era (em 1997) de 85%, não se mostra alegada por qualquer das partes, designadamente pela recorrente, pelo que não tinha de ser discriminada como provada, se não relevava para a decisão congeminada pela Juiz a qua.
Como assim, improcede a alegação de que o Tribunal a quo devia ter discriminado como provados os sobreditos factos.

2ª questão
Errou no julgamento em matéria de direito, a sentença recorrida, violando as normas imperativas de incidência do IVA e do IRC, designadamente os artigos 1.º, 4.º, e 16.º do CIVA e art.° 20.° do CIRC, por considerar, como a Impugnante pretendia, na contabilização dos proveitos relevantes para a definição da matéria tributável em IRC, a dedução da percentagem de 5% ao produto de 80% das quotas dos sócios, entregue pelo "C" clube, com fundamento em que as partes teriam acordado verbal ou tacitamente que o valor de 80% das quotas já incluía o IVA devido a 5%?

Para mais fácil entendimento do que está em discussão, transcreveremos o seguinte excerto do Relatório de inspecção Tributária (RIT) a que alude o facto provado nº 12:
“III.1.5 – Quotizações não tributadas como proveitos
- 111.1.1.5. — Quotizações não tributadas como proveitos
Por Protocolo celebrado entre o "C" (Clube) e a "A, SAD" em 1997, quando da constituição da SAD, do qual resultou a personalização jurídica das equipas de futebol profissional do clube, determinou-se que os respectivos associados poderiam adquirir bilhetes e lugares anuais, para assistir aos jogos disputados por aquelas equipas no Estádio ..., a preços de associados do clube, mais reduzido do que os praticados para o público em geral (não sócios).
De acordo com a cláusula 2° do referido protocolo (alterada pelo quarto aditamento do Protocolo em 1 de Fevereiro de 2004), o Clube obriga-se a entregar à "A, SAD", até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 80% do valor das quotas efectivamente recebidas, sendo os custos incorridos pelo clube na cobrança das quotas da sua exclusiva responsabilidade. No parágrafo único da mesma cláusula, ficou estabelecido que a "A, SAD", como contrapartida, obriga-se a proporcionar aos associados do clube o acesso a jogos por si disputados, a preços reduzidos.
Para efeitos de IRC, o sujeito passivo apenas considerou como proveito 80% do montante das quotas anuais dos sócios, recebidas pelo Clube, deduzido de 5% correspondente ao IVA, conforme consta no mapa de apuramento apresentado pelo sujeito passivo (vide Anexo 8).
De acordo com o mapa fornecido pelo sujeito passivo, no anexo acima referido, o somatório das quotas anuais ascenderam (SIC) a € 4.488.040,50, sendo 80% deste montante, €3.590.432,40, o valor a considerar como proveito nos termos do n° 1 do artigo 20° do C1RC, pois, foi esta a contrapartida que ficou acordada pelo "serviço" prestado aos associados do clube.
No entanto, a "A, SAD", porque considerou este valor com IVA incluído a 5%, registou como proveito o montante de €3.419.459,43 na conta 748 — Subsídios de outras entidades, que corresponde a 80% das quotas anuais deduzidas do IVA no montante de €170.972,97 à taxa de 5% (€3.590.432,40 - €170.972,97 = €3.419.459,43).
Face ao exposto e nos termos do n° 1 do artigo 20º nº 1 do C1RC, o valor a considerar como proveito é €3.590.432,40, pelo que se acresce ao lucro tributável o montante de €170.972,97, resultante de proveitos não tributados.”
Nesta parte do objecto da Impugnação, o discurso legitimador da sentença foi o seguinte:
«Da ilegalidade do acréscimo ao lucro tributável do montante de 5% relativo às quotas anuais recebidas
Alega a Impugnante que a AT incorreu em errada percepção factual e de direito, defendendo que do protocolo não se pode concluir de outra forma que não seja que o montante recebido pelo Impugnante não seja com IVA incluído.
Ademais, defende que tendo o Impugnante agido em conformidade com o entendimento manifestado pela AT em anterior procedimento inspectivo, a posição da AT no procedimento em questão é violadora do princípio da confiança e da boa fé.
A Fazenda Pública, por sua vez, vem defender que o valor da contraprestação corresponde efectivamente a 80% do valor das quotas anuais, valor que respeita ao proveito obtido e não àquele valor deduzido do IVA respectivo.
Em sede de procedimento inspectivo, os SIT consideraram que nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do CIRC o valor a considerar como proveito é de €3.590.3432,40, pois tal resulta do protocolo e foi esta a contrapartida acordada pelo serviço prestado aos associados do clube.
Assim, a questão controvertida consiste em decidir se o valor acordado entre o Impugnante e o "C" já tem o IVA incluído ou se corresponde tão só à contrapartida da prestação de serviços efectuada pelo Impugnante.
Vejamos.
Como decorria da redacção do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC aplicável à data dos factos “1 - Consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de: a) Vendas ou prestações de serviços, descontos, bónus e abatimentos, comissões e corretagens; b) Rendimentos de imóveis; c) Rendimentos de carácter financeiro, tais como juros, dividendos, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio e prémios de emissão de obrigações; d) Rendimentos da propriedade industrial ou outros análogos; e) Prestações de serviços de carácter científico ou técnico; f) Mais-valias realizadas; g) Indemnizações auferidas, seja a que título for; h) Subsídios ou subvenções de exploração”
Ora, como decidido no processo de impugnação judicial que correu termos neste Tribunal sob o n.º 3637/10.6BEPRT, com a qual concordamos e passamos a reproduzir “dentro dos limites da lei e segundo o princípio da liberdade contratual (cf. artigo 405.° do Código Civil), as partes têm a faculdade de livremente fixar o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos na lei ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, mormente e ao que aqui nos interessa, quanto ao valor de contraprestação de um serviço, ou preço do mesmo, podendo fazer reflectir se o valor aposto incluiu ou não os impostos devidos pelas operações contratuais subjacentes, mormente, e ao que interessa, se o IVA está ou não incluído no valor que ali estabelecem.
Assim, sob o ponto de vista jurídico, a liberdade é o poder fazer ou não fazer, ao arbítrio do sujeito, todo o acto não ordenado nem proibido por lei, e, de modo positivo, é o poder que as pessoas têm de optar entre o exercício e o não exercício de seus direitos subjectivos.
Devemos, pois, reconhecer o direito das pessoas ou sociedades em geral regularem livremente as suas relações jurídicas e, como consequência óbvia, a avaliação do resultado fiscal, desde que tal não derrogue o conteúdo e as regras de incidência tributária. Porque dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e o valor da contraprestação devida por uma prestação de serviços, não competindo ao ordenamento jurídico e, no caso, à Administração Tributária e Aduaneira (AT), impor às partes outorgantes um significado da declaração diferente daquele que ambas lhe deram quanto ao valor estipulado (a menos que integre outras circunstâncias atinentes ao desvio fiscal devidamente previsto, por exemplo, no artigo 38.º, n.º 2 da LGT – cláusula geral anti abuso, que não é o caso dos autos). Isto porque a autonomia privada identifica-se com a imunidade do particular, isto é, com a existência de uma zona subtraída da regulação e controlo do poder público, podendo então as partes convencionar a contraprestação de um serviço prestado, configurando-se como um verdadeiro direito que advém do poder que o particular tem em definir o seu plano empresarial da forma que mais se adequa às finalidades económico-financeiras que prossegue, podendo então prever em determinado contrato se o valor que atribuem a um determinado bem ou prestação de serviços, inclui ou não IVA, desde que seja essa a vontade das partes, na medida em que tal previsão não afecta o aspecto material da relação do imposto.
Se no caso, as partes contratantes manifestam clara e inequivocamente as respectivas vontades convergentes de o valor aposto no contrato incluir já o IVA, o valor tributável da prestação para efeitos de IVA, não pode deixar de ser o valor que as partes consideraram, não sendo tal valor considerado pelas partes impeditivo da validade plena do negócio jurídico celebrado, como as mesmas livremente acordaram.
Também é verdade que nos termos do artigo 36.º, n.º 4 da LGT, a qualificação que as partes dão aos negócios não vinculam a AT em termos da sua relevância tributária, mas como refere Lima Guerreiro (in Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2001, p. 179) o disposto neste preceito “não prejudica obviamente a utilização da qualificação jurídica dada pelas partes na indagação da sua vontade real para efeitos da determinação da norma de incidência aplicável”, bem como, acrescentamos nós, para determinação do valor a atender para efeitos dessa mesma norma de incidência.
Tal como refere Alberto Xavier ao estudar a natureza jurídica do negócio fiscalmente menos oneroso, “Se a vontade dos particulares é totalmente irrelevante para o efeito do nascimento da obrigação do imposto – pelo que os actos jurídicos têm sob esta perspectiva um mero significado factual – isto não quer dizer que essa mesma vontade seja irrelevante para a própria identificação e determinação do facto tributário e dos seus efeitos” – in Manual de Direito Fiscal, Vol. I, Manuais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1981, p. 256. Estando em causa um negócio jurídico, constituído por uma ou mais declarações de vontade, dirigidos à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar no ordenamento jurídico e conforma à intenção manifestada pelos declarantes, e estando em causa o contratualizado, na medida em que são as partes que modelam o contratualizado, há que interpretar qual foi a vontade das partes, dentro dos limites da lei, (…).
Na verdade, um contrato, tal como a lei, precisa de ser interpretado para se poderem determinar os direitos e obrigações nele nascidos, o seu conteúdo e os seus limites, sendo essencial concretizar o alcance das declarações que o formam, importando então saber o que as partes quiseram, que conteúdo pretendiam imprimir às suas declarações.
Ora, pode definir-se a declaração de vontade negocial como “o comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência de exteriorização de um certo conteúdo de vontade negocial, caracterizando, depois, a vontade negocial como a intenção de realizar certos efeitos práticos, com ânimo que sejam juridicamente tutelados e vinculantes” – cfr. Carlos Mota Pinto, parafraseando Manuel de Andrade, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, Coimbra Editora, 1991, p.417.
Sendo o Código Civil (CC) que regula a declaração negocial nos seus artigos 217.º e seguintes, por remissão do artigo 2.º, alínea d) da LGT, na relação jurídica tributária em causa nos autos, a tais preceitos temos que recorrer.
Começa o artigo 217.º a distinguir, a declaração expressa – quando é feita por palavras, escritas ou por qualquer meio directo de manifestação de vontade (217.º, n.º 1, 1ª parte, do CC) da declaração tácita - quando se traduz em factos que com toda a probabilidade a revelam, baseado num comportamento concludente do declarante que permita a conclusão da existência da vontade negocial (217.º, n.º 1, 2ª parte, do CC).
Quanto à forma, o artigo 219.º do CC estatui que, “a validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei o exigir”.
Por conseguinte, salvo quando a lei o exigir, as declarações são feitas livremente quanto à forma, facto que não exclui que as partes resolvam, dentro do princípio da liberdade de forma, escolher uma, por razões de clareza, certeza e/ou segurança, sendo que, quando livremente adoptem a forma escrita, porque voluntária, ela não afecta ou prejudica eventuais estipulações acessórias verbais desde que correspondam à vontade dos declarantes.
Dito de outro modo, não obstante num contrato reduzido a escrito, o acordo entre as partes ser obtido, concluído, com a proposta e aceitação das declarações que o integram, tal como decorre do artigo 222.º, n.º 2 do CC, as estipulações posteriores de um contrato só sujeita à forma legal se a lei o exigir, sendo que o estabelecido no n.º 1 do artigo 223.º do CC, no sentido de que as partes, tendo convencionado uma forma especial apenas se vinculam no futuro por meio dela, limita-se a estabelecer uma mera presunção, na medida em que livremente podem adoptar outra forma, porque não exigida por lei.
Nesta senda, não nos podemos então esquecer que mesmo reduzida a escrito uma declaração negocial, no sentido da sua interpretação será sempre relevante para ajuizar dos efeitos pretendidos, não apenas o seu conteúdo, mais de igual modo o desenvolvimento dessa mesma declaração no tempo, no sentido da execução do contratualizado de acordo com a vontade das partes, pois nem sempre o que expressamente se prevê é consentâneo com a vontade real das partes, podendo até essa vontade posteriormente ser alterada e não ser expressamente prevista.
Sem descurar que o artigo 238.º do CC, estatui que “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, determina, no entanto, o seu n.º 2 que “esse sentido pode, todavia, valer se corresponder à vontade real das partes”. E essa vontade real das partes poderá ser aferida em função de todos os elementos subjacentes ao contrato formal, quer no que respeita às negociações prévias entre as partes, bem como “os modos de conduta por que, posteriormente, se prestou observância ao negócio concluído” (cf. Rui de Alarcão, in BMJ, nº84, Apud Carlos Mota Pinto, in Op. Cit., p. 451).
Por sua vez, o Código Civil define o tipo de sentido negocial decisivo para a interpretação dos termos da declaração negocial, prevendo no seu artigo 236.º de que “a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”.
Releva então o sentido que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte do declaratário.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito, estabelece que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Como ainda refere Carlos Mota Pinto, in Op. Cit., p. 449, “o sentido querido realmente pelo declarante releva, mesmo quando a formulação seja ambígua ou inexacta, se o declaratário conhecer este sentido (…) Quer dizer: a ambiguidade objectiva, ou até a inexactidão, de expressão externa não impedem a relevância da vontade real, se o destinatário a conheceu. Houve coincidência de sentidos (o querido e o compreendido), logo este é o sentido decisivo”.
Retornando ao caso presente e como resultou comprovado da instrução dos autos, o Impugnante outorgou protocolo com o "C" (doravante somente "C") em 15.08.1997, tendo aí sido estabelecido que o "C" obrigava-se a entregar ao Impugnante, uma percentagem das quotas efectivamente recebidas pelos sócios (cfr. ponto 1) da factualidade assente).
Posteriormente, o Impugnante foi alvo de um procedimento inspectivo aos exercícios e 1999, 2000, 2001 para verificação do procedimento fiscal em sede de IVA aos subsídios de funcionamento compensatório, tendo sido regularizada a situação em sede de IVA, e tendo o Impugnante entregue o IVA respeitante aos 80% do valor das quotas recebidas, tendo o IVA sido calculado, por expressa recomendação da AT, por dedução de 5% ao montante recebido, não tendo nessa senda resultado da acção inspectiva quaisquer actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis ao Impugnante (cfr. pontos 2) a 4) da factualidade assente).
Em 1.02.2004 foi outorgado pelo Impugnante e pelo "C" um quarto aditamento ao protocolo inicial, tendo sido alterada a segunda cláusula que passou a ter o seguinte conteúdo: “O Primeiro Outorgante, obriga-se a entregar à Segunda Outorgante, até ao dia 15 do mês seguinte ao da respectiva cobrança, 80% (oitenta por cento) do valor das quotas efectivamente recebidas. (…) Como contrapartida, a Segunda Outorgante obriga-se, durante a vigência do presente Protocolo, a proporcionar aos associados do "C" o acesso a jogos por si disputados, a preços reduzidos, em condições a acordar anualmente no início de cada época desportiva” (cfr. ponto 1) do probatório).
Acresce que, como decorre do relatório do procedimento inspectivo coligido no acervo probatório, ponto 12), o Impugnante considerou como proveito 80% do montante das quotas anuais recebidas dos sócios, deduzido de 5% correspondente ao IVA, isto é, dos 80%, o Impugnante liquidou IVA sobre os valores recebidos, à taxa em vigor à data (5%), considerando o imposto neles incluído, comportamento que se verifica desde 1999.
Ora, apesar de não decorrer expressamente da cláusula que consta do Protocolo que o valor aí estabelecido respeita ao preço que o "C" estaria disposto a pagar pelo serviço prestado pelo Impugnante com IVA incluído, face ao circunstancialismo inerente que decorre da vontade manifestada pelas partes, traduzindo-se na actuação do aqui Impugnante durante os vários anos (1999 a 2005), impõe-se concluir que o valor já incluía o IVA respectivo.
Acresce que, resultou de facto instrumental enunciado na motivação da matéria de facto por referência ao testemunho de AA que a partir do momento em que o Impugnante considerou que a transacção em questão estava sujeita a IVA, procederam à regularização do IVA, mas entendendo que o montante acordado já incluía o IVA, tendo tal entendimento sido homogéneo daí para a frente.
Como decidido na sentença que aqui vamos acompanhando “Dito de outro modo, a contraprestação recebida, reflecte o efeito económico pretendido pelas partes. Por outro lado, a contrapartida financeira está ligada ao valor disponível em dinheiro, representada pelo fluxo de caixa, medindo então a capacidade de pagamento de alguém ou de uma empresa, ou seja, o pagamento efectuado do valor da contraprestação mais o imposto devido, que já reflecte não só o efeito económico, mas também o efeito financeiro da operação. Dito de outro modo, podemos então dizer que o pagamento do serviço aqui em causa (correspondente a 80% das quotas mensais), como se depreende da factualidade apurada, inclui a contraprestação do serviço prestado (base tributável), mais o imposto sobre o valor acrescentado, liquidado pelo prestador e pago pelo adquirente, sendo então esse o valor que o "C", Clube está disposto a despender pelo serviço em si, não enquanto preço do mesmo, mas sim enquanto pagamento, na perspectiva de contrapartida financeira, por todo o serviço prestado, que inclui então o preço, mais o imposto. (…)”
Isto porque “Prevalecerá, como já aludimos, a interpretação que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratário, deva deduzir do comportamento do declarante. De facto, no domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, bem como a execução desse mesmo contrato.
Tal como refere Carlos Mota Pinto, in Op. Cit, p. 416, “o comportamento externo, em que se traduz a declaração, manifesta normalmente uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento. A declaração pretende ser o instrumento de exteriorização da vontade psicológica do declarante – essa é a sua função.”.
Nesta senda, não podemos desde logo olvidar que o Impugnante apurou e liquidou o IVA devido sobre o valor considerado pelas partes como base tributável sujeita a imposto, durante anos e anos, reflectindo dessa forma a vontade real das partes, o qual na sua interpretação e atenta o n.º 2 do artigo 236.º do CC, deve valer, tanto mais que, e como supra expendemos, ao negócio em causa a lei não exige uma forma escrita, sendo que as partes podem livremente estabelecer, nem que seja tacitamente, outra vontade que não a expressa por escrito. Se não se atendesse à vontade das partes espalmada na contabilidade da Impugnante, desde logo pela liquidação e entrega do imposto devido, poder-se-ia até entender, caso a Impugnante nunca tivesse liquidado e entregue o imposto devido, que o facto de o contrato não referir o IVA, o valor aí aposto respeitaria que não incluía esse valor, ou seja, de que aquele valor era a contraprestação do serviço prestado, acrescendo-lhe então a respectiva taxa de imposto. No entanto, não é esse o caso dos autos.”
Nesta senda, sendo consabido que não existe qualquer impedimento legal a que as partes contratantes estipulem o valor da prestação de serviço com IVA incluído, não poderiam os SIT limitar-se a atender à interpretação literal do que decorre do protocolo, impondo-se que atendessem aos circunstancialismos que rodearam o Protocolo e a liquidação de IVA a partir de 1999 que demonstram a interpretação que as partes deram ao contratualizado.
Assim, o valor a considerar como proveito é de €3.419.459,44 e não os €3.590.432,40 considerados pelos SIT, procedendo assim o alegado.»

Não está em causa que sobre o valor da transferência de percentagem das quotas dos sócios, do clube para a SAD, incidia IVA.
O que está em causa é apenas saber se é juridicamente devido, face aos factos provados e ao direito tributário vigente, interpretar o protocolo entre o clube e a SAD, na parte relativa às transferências dos valores das quotas, como estipulando que o valor resultante do cálculo dessa percentagem de 80% já incluiria IVA a 5%.

A Mª Juiz a qua faz uma excelente exposição do que é a declaração negocial no direito civil e do que deve e ou pode ser o objecto da sua interpretação.
Porém não a podemos acompanhar na interpretação correctiva que faz do protocolo.
Vejamos.
Uma primeira perplexidade a notar na fundamentação de direito em ordem a essa interpretação do protocolo consiste em que nela se labora sobre um facto que não consta da descriminação dos factos provados, logo, um facto não provado. Referirmo-nos, evidentemente, ao facto de que era vontade real das partes, no protocolo de 2004, que o valor referido como 80% já incluísse o IVA devido pelo Clube, isto é, não fosse 80% mas sim um valor, inferior àquele, que, adicionado de 5%, resultasse num valor igual aquele (o de 80% das quotas pagas). Esse facto não é um facto instrumental – isto é, útil para a prova de um faco essencial – antes é essencial para o pedido e o decidido. Porém, não vem discriminado como provado no lugar próprio, sendo certo que, tratando-se de um facto tido por constitutivo do direito invocado pela Impugnante a deduzir em 5% o valor dos proveitos obtidos com a transferência do valor das quotas dos associados, por parte do clube, era da Impugnante SAD o ónus de o alegar e provar (artigo 74º nº 1 da LGT).
Pode-se, assim, desde já, concluir que a sentença errou no julgamento de direito quando interpretou o protocolo naqueles sobreditos termos.
Mas mesmo que se considere que aquela vontade negocial é uma ilação extraída legitimamente dos factos julgados provados, nem assim se poderá acompanhar a sentença recorrida.
Vejamos:
O protocolo refere que o valor a entregar é uma percentagem do total das quotas.
Segundo a sentença recorrida e a Impugnante, esse valor, achado mediante a multiplicação do total recebido de quotas por uma número percentual (80%), já incluiria o IVA a pagar pelo clube enquanto devedor do pagamento de um serviço prestado pela SAD.
Tratando-se de uma percentagem do valor concreto das quotas, que é variável mês a mês, trimestre a trimestre, ano a ano, para se determinar o tal IVA incluído – que, portanto, já não seria proveito, por ser IVA cobrado ao Clube, não basta deduzir 5% a esse valor entregue pelo clube, pois cinco por cento de um valor não é o mesmo que 5% do valor que, somado a 5% de si, dá o valor com IVA. E só este é logicamente sustentável na argumentação da Impugnante e da sentença. Assim, na interpretação que do protocolo fazem a Impugnante e a Juiz a qua, o “preço” real, líquido de IVA, pago pelo clube à SAD para que seus sócios assistissem aos jogos a preços privilegiados teria sempre que ser o resultado de uma operação aritmética logicamente a posteriori, relativamente à determinação do montante a entregar, e de alguma complexidade.
Não se vê, atenta esta realidade, que o sentido mais espectável da declaração negocial em que as partes dizem que o pagamento de um serviço da SAD ao clube consistirá na entrega de 80% do valor das quotas cobradas, não seja esse literalmente expresso, mas aquele outro, a obter mediante aquela operação aritmética complexa e a posteriori.
Não se diga que o sentido de “IVA incluído” é o que resulta do que comummente se entende quando se fala de um preço.
Isso poderá ser certo no que respeita aos consumidores finais, que são quem, no fim de contas, paga o IVA, mas de modo nenhum o é quanto aos sujeitos passivos de IVA nos termos e para os efeitos do artigo 2º do CIVA. Estes, se tudo correr de harmonia com a Lei, acabam por não pagar IVA algum, dada a neutralidade fiscal deste. Apenas têm de entregar o cobrado e não deduzido ao suportado, feita a respectiva autoliquidação (cf. artigo 19º do CIVA). Assim, para um operador económico sujeito passivo de IVA, falar do valor de uma prestação é mesmo falar apenas da prestação, não fazendo sentido incluir, nesse conceito, o IVA.
Depois:
Tudo seria muito claro e transparente, não restariam quaisquer dúvidas sobre o que era a vontade histórica e subjectiva das partes sobre o valor a transferir, se essa prestação do serviço ao clube, pela SAD, fosse objecto da devida facturação (cf. artigo 29º nº 1 alª b) do CIVA). Nessa factura, conforme o artigo 36º do CIVA, figuraria, além do mais, o preço líquido de IVA e o IVA liquidado, tudo “preto no branco”.
Note-se que a SAD sabia que era devido IVA, pelo menos desde a inspecção de 2001, pelo que não se justifica que tenha continuado a não facturar esse serviço e o respectivo pagamento ao longo dos exercícios seguintes…
Enfim, não há justificação para se beneficiar com uma interpretação supostamente correctiva de uma declaração negocial supostamente defeituosa do próprio sujeito passivo a quem é imputável a necessidade de se recorrer a essa interpretação.
Outra reflexão que torna inverosímil a tese hermenêutica em que labora a sentença é esta:
Na falta de factura, o Clube não pode deduzir o IVA pago. Porém, a SAD, desta feita, logra diminuir o valor sobre o qual calcular o IVA supostamente por si cobrado ao Clube, e bem assim o valor dos seus proveitos para efeitos de IRC, enquanto o clube não pode considerar como despesa, para IRC, a totalidade do valor correspondente a 80% das quotas cobradas, nem pode, sequer, deduzir o valor do IVA alegadamente suportado naqueles pagamentos, ao IVA cobrado nas suas operações activas.
Pergunta-se, pois: por que motivo haveria, o clube, de querer prejudicar-se assim?
Acresce que, ao contrário do que se refere na fundamentação de direito da sentença [1], não se provou, nem se pode relevar, a título de facto instrumental, que a SAD tivesse levado à liquidação do IVA de sua responsabilidade, enquanto sujeito passivo, este IVA alegadamente incluído no valor de 80% das quotas, pelo menos a partir da inspecção de 2001. Com efeito apenas está provado (parágrafo 3 dos factos provados) que a SAD regularizou o IVA da prestação de 80% do valor das quotas até então recebido, tendo o IVA “sido calculado por expressa indicação da Administração Fiscal, por “dedução” de 5% no valor recebido”.
Aliás, o Tribunal a quo funda a alegada prova desse facto no mero depoimento de uma testemunha, quando se trata de um facto cuja documentação na contabilidade era legalmente devida.
Nisso não pode ser secundado.
Do que se passou desde a inspecção de 2001, no que concerne ao IVA daquela peculiar prestação, nada sabemos, se não que nem por isso a SAD passou a emitir a devida factura: ou não estaríamos perante a necessidade de interpretar o verdadeiro sentido da declaração negocial contida no protocolo.
Sabemos, isso sim, que no exercício de 2005 a Impugnante SAD deduziu, aos proveitos das quotas recebidas do clube, 5%, fazendo-o com fundamento em não se tratar de proveitos, antes de valor de IVA, mas não foi provado que esse IVA tivesse sido oportunamente liquidado, isto é, facturado (cf. artigos 29º nº 1 alª b) do CIVA) para, por um lado, poder ser deduzido pelo clube na sua autoliquidação periódica de IVA, por outro, entrar, como IVA cobrado, na autoliquidação periódica da Impugnante.
Importaria, aliás, para se tomar como boa a interpretação sustentada pela sentença recorrida, saber se o clube contabilizou como proveitos vinte por cento das quotas – diferença entre 100% e 80 % – ou antes a diferença entre 100% e esse valor, a determinar em cada entrega, que, adicionado de 5% de si mesmo, daria um valor igual ao de 80% das quotas cobradas, valor inferior a este. Na verdade, só neste último caso – de uma praxis condicente com a alegada teoria – se poderia interpretar o protocolo no sentido de as partes pretenderem que o valor de 80% das quotas cobradas já incluísse a liquidação de IVA.

Do exposto já colhemos suficientes razões para concluímos que a resposta à 2ª questão acima enunciada é afirmativa.
Até aqui, digamos, tratou-se das razões que impediam, qualitativamente, a dedução dos tais 5% aos proveitos obtidos pela SAD mediante a entrega, pelo clube, de 80% do valor das quotas dos sócios, cobradas no mês anterior.
Mas a estas razões acresce uma que obsta à licitude da mesma dedução, em termos quantitativos.
Como já notámos, o valor concreto da taxa de IVA a 5% alegadamente incluído no valor correspondente a 80% das quotas cobradas, aritmeticamente não é igual a 5% deste valor, antes o é a 5% do valor que, adicionado de 5%, dá esse mesmo valor.
Exemplificando:
Se o valor das quotas cobradas for 100 €, o valor a entregar será de 80 €. Se nesses 80 € já estiver incluído o IVA a 5%, então, o valor da prestação não foi de 80 € menos 5% de 80, mas sim o valor que, adicionado de 5% de si, perfaz 80, concretizando: 80:1,05= 76,19.
Assim 76,19 seria o proveito e 3,81 € seria o IVA.
Ora, não é este o cálculo que a SAD faz para obter o valor a deduzir, enquanto “IVA incluído”, aos valores recebidos do "C" por força do protocolo. Continuando no mesmo exemplo, a SAD, simplesmente abate 5% ao valor de 80, o que dá, obviamente, um valor superior ao supostamente correspondente ao “IVA incluído”: 80x0.05= 4
Também por aqui se vê o quão errado sempre seria, mesmo que prevalecesse a interpretação do protocolo feita pela sentença recorrida, a dedução de 5% ao valor recebido do clube em cumprimento do protocolo, por conta do “IVA incluído”
Enfim:
A sentença recorrida, ao julgar excluída dos proveitos obtidos com a transferência de 80% do valor das quotas cobradas pelo clube no ano de 2005 a percentagem de cinco por cento desse valor, violou o artigo 16º, mais concretamente o nº 1, do CIVA, segundo o qual o valor da tributável é o valor da contraprestação obtida, e o artigo 20º do CIRC, designadamente o nº 1, segundo o qual concorrem para a matéria tributável todos os proveitos de operações de qualquer natureza.

Errou, portanto, a Mª Juiz a qua, ao julgar procedente a impugnação na parte objecto do presente recurso, pelo que este, na parte ainda sub judices (cf. supra, questão prévia) procede.

V – Do recurso da Impugnante SAD
Cumpre julgar se o despacho de 13 de Maio de 2021, pelo qual foi deferido apenas parcialmente, na proporção de 1/3, o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, errou de direito, violando, designadamente, esta norma.
Secundando o parecer do MP, diremos que a dispensa de apenas 1/3 do remanescente de taxa de justiça que em princípio, atentos os valores da acção e do recurso, se mostraria devida, não se mostra desconforme com os limites que o princípio da proporcionalidade dita, atentas a complexidade concreta da causa e a dimensão económica e financeira das partes, designadamente da Recorrente SAD, que, como é facto notório, movimenta de milhões de Euros em cada exercício.
Como assim, cumpre negar provimento ao recurso.

VI – Custas
As custas da acção e do recurso ficarão a cargo da Impugnante, que, desta feita, decai totalmente: artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC.

VII - Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar procedente o Recurso da Fazenda Pública, na parte não extinta conforme supra, revogando a sentença e julgando a impugnação improcedente também na parte recorrida, e em julgar improcedente o recurso da Impugnante SAD, nos sobreditos termos.
Custas pela "A, SAD", na 1ª e na segunda Instâncias e em ambos os recursos.

Porto, 17 Novembro de 2022
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina Santos da Nova
Cristina Travassos Bento
_________________________________
[1] “não podemos desde logo olvidar que o Impugnante apurou e liquidou o IVA devido sobre o valor considerado pelas partes como base tributável sujeita a imposto, durante anos e anos.