Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00118/23.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL; NULIDADES PROCESSUAIS;
NULIDADE DA SENTENÇA; ERRO DE JULGAMENTO-FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA;
OMISSÃO DE PRONÚNCIA; LAPSUS CALAMI;
Sumário:
1.As nulidades processuais (error in procedendo) são vícios ocorridos ao longo do processo, antes ou após a prolação da sentença (acórdão ou despacho) que podem traduzir-se na circunstância do tribunal ter praticado, ao longo do iter processual, um ato que a lei não admite ou ter omitido um ato ou uma formalidade que a lei prescreve.

2.As causas de nulidade de sentença reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art.º 666º, n.º 1 do CPC) ou despacho (art.º 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida.

3.Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas mesmas normas, e/ou na sua aplicação à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).

4. Ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, todas as decisões judiciais têm de ser fundamentadas por imposição constitucional e infraconstitucional. Apenas a total falta de fundamentos de facto e de direito, ou a total omissão da motivação do julgamento da matéria de facto realizado, e não apenas uma especificação incompleta, sumária ou errada, gera a nulidade da sentença.

5- Embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença final, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em regra, causa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia, porquanto o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pelos tribunais de 2.ª Instância dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.

6- O erro de cálculo ou de escrita, nos termos que resultam do disposto no artigo 249.º do Cód. Civil, relativamente às declarações negociais, tem de ser revelado no próprio contexto da declaração, o mesmo é dizer, a evidência da existência do lapso e da forma como o mesmo deve ser corrigido tem de resultar dos próprios documentos que constituem a proposta, não se admitindo a produção de prova testemunhal a esse respeito.

7- Tendo a Apelante indicado expressamente na sua proposta que a experiência exigida para a equipa dos dois mecânicos de bombas era de 8 anos, só por manifesto lapso de escrita escreveu na proposta, nessa mesma linha, mais à frente, que os mecânicos de bombas que se dispunha a disponibilizar, teriam uma experiência de apenas 5 anos. A flagrante desconformidade entre aquilo que anuncia como requisito daquela categoria de técnicos - 8 anos de experiência - e aquilo que, mesmo ao lado, na mesma linha, propõe, permite apreender o erro humano subjacente à descontextualização da referência a 5 anos de experiência profissional, ao invés dos 8 anos exigidos. A desconformidade entre o declarado e o pretendido declarar é apreensível pela simples leitura da proposta.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], Ld.ª, pessoa coletiva número ...58, com sede na Rua ... ..., intentou, ao abrigo do disposto nos artigos 97.º, n.º 1, alínea c) e 103.º-A e seguintes do CPTA, a presente ação de contencioso pré-contratual, contra [SCom02...], SA, pessoa coletiva número ...30, com sede na ..., Avenida ... ..., indicando como contra interessada a sociedade comercial [SCom03...], SA, pessoa coletiva número ...65, com sede na EN ...0, Edifício ..., pedindo a anulação do ato de exclusão da proposta da Autora e do ato de adjudicação à Contrainteressada, devendo ordenar-se a recomposição do ato final e fazer-se a adjudicação à proposta da Autora, no âmbito do Concurso Público Internacional de Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais Afetos ao Departamento de Equipamentos Norte – Procedimento Pré-contratual TA_22_171_CI_S_008_DMA, para a aquisição de serviços para a execução de trabalhos de manutenção do sistema Multimunicipal de Saneamento da Entidade Demandada naqueles Centros Operacionais.
Para o efeito alegou, em síntese, que no âmbito do Procedimento Concursal ora mencionado, apresentou, em tempo oportuno, a sua proposta, tendo sido notificada do Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas, onde foi formulada proposta de exclusão da proposta por si apresentada, sobre a qual se pronunciou, suscitando, perante o Júri do procedimento, um conjunto de questões que deveriam determinar a inclusão da proposta por si apresentada.
Mais alegou que foi notificada do Relatório Final, no qual o Júri do procedimento decidiu manter as conclusões do referido Relatório Preliminar, excluindo a proposta apresentada pela Autora, admitindo as propostas da Contrainteressada e da concorrente [SCom04...] e propondo a adjudicação da proposta apresentada pela Contrainteressada, bem como da decisão de contratar determinada por deliberação do Conselho de Administração da Entidade Demandada e do ato de adjudicação.
Sustenta que a exclusão da sua proposta se fundou no não cumprimento do disposto no ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos, na medida em que propõe uma equipa técnica em que alguns dos elementos da categoria de mecânico de bombas 1 e 2, têm experiência profissional de 5 anos, quando deveriam ter uma experiência mínima de 8 anos, pelo que foi deliberado, por unanimidade, excluir a proposta da Autora por violação dos parâmetros base do Caderno de Encargos, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, alínea b), ex vi artigo 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP;
Não se conforma com essa decisão, na medida em que a proposição da experiência profissional de 5 anos, em vez de 8 anos, se ficou a dever a um erro material proveniente de uma operação de copy do teor das células superiores da mesma coluna, sem que tenha sido feita a respetiva alteração numérica, o que é evidenciado pelo próprio documento que corporiza a proposta, que do lado esquerdo tem aposta a experiência mínima constante das peças do procedimento, não sendo razoável admitir-se, num juízo linear, que estando inscrito na mesma linha a exigência de experiência mínima de 8 anos, se faça dela constar um valor inferior.
Considera que o ato impugnado enferma do vício de falta de fundamentação, por entender que a exclusão da proposta por si apresentada se encontra insuficientemente fundamentada e do vício de violação de lei, por violação dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, do favor do procedimento e da concorrência, preterição do artigo 72.º, n.º 2 do CCP e violação dos princípios da igualdade, da legalidade administrativa e da imparcialidade.
Pugna pela procedência da ação.
Juntou documentos e arrolou uma testemunha.
1.2.Citada, a CI apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção invocou a falta de identificação da concorrente [SCom04...] como contrainteressada, na medida em que, tendo sido graduada em 2.º lugar, a sua situação poderá ser afetada com a decisão da presente ação, pois os atributos da proposta da Autora permanecem por avaliar, desconhecendo-se se a pontuação que a proposta da Autora poderia obter, se não tivesse sido excluída, seria superior, igual ou inferior à pontuação atribuída às propostas admitidas pelo Júri do procedimento, a qual, a ocorrer, não terá apenas efeitos potenciais para a Contrainteressada, mas também para a concorrente [SCom04...], pugnando pela absolvição da instância.
Na defesa por impugnação, alegou, em síntese, que o ato impugnado não deve ser anulado, por não se encontrar ferido de qualquer dos vícios alegados pela Autora, pois o Júri do procedimento não podia ter solicitado os esclarecimentos que a Autora pretende, por inadmissibilidade legal, o que configuraria uma alteração de um atributo da proposta da Autora; que a decisão se encontra suficientemente fundamentada, pois o Júri do procedimento abordou os argumentos invocados na pronúncia apresentada pela Autora, explicando que a alteração da proposta pretendida pela Autora não podia ter lugar, ao abrigo do artigo 72.º, n.º 3 do CCP e violaria os princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade e da concorrência e que o pedido formulado pela Autora sob a alínea c) terá de ser julgado improcedente, porquanto a Autora não requereu a exclusão das propostas admitidas, nem alegou fatos conducentes à avaliação e graduação da sua proposta em 1.º lugar, não podendo tal ocorrer sem a devida avaliação, pugnando pela improcedência da presente ação, conforme fls. 370 do SITAF.
1.3. Citada, a Entidade Demandada deduziu incidente, através do qual pediu o decretamento do levantamento do efeito suspensivo automático e contestou a ação, defendendo-se por impugnação;
Alegou, em síntese, que a Autora não logrou demonstrar tratar-se de um lapso de escrita, pois tal não resulta de qualquer outro elemento do procedimento, nem a Autora se apoiou em elemento ou informação suficiente para corroborar tal afirmação, não podendo o Júri aceitar tal alteração baseado na simples afirmação da Autora, nem na afirmação de que resultam da proposta elementos suficientes para caracterizar o erro, sob pena de violação do disposto no artigo 72.º, n.º 2 do CCP e do princípio da intangibilidade das propostas;
Mais alegou que no relatório final, está claramente fundamentado porque não pôde proceder a pronúncia da Autora, nomeadamente, através da explicitação do raciocínio lógico que conduziu à impossibilidade de alterar ou corrigir a proposta com base em simples afirmação de ter existido um erro.
Conclui, pugnando pela improcedência da ação.
Juntou um documento e arrolou testemunhas.
1.4.Devidamente notificada das contestações apresentadas, a Autora respondeu à matéria excetiva alegada na contestação da Contrainteressada, afirmando que a posição no procedimento concursal da concorrente [SCom04...] não sofre nenhuma alteração negativa, com a presente ação, uma vez que, tendo sido graduada em 2.º lugar, não é titular de um direito ou interesse legalmente protegido, tanto assim que não reagiu à pronúncia da Autora apresentada em sede procedimental, não reagiu à sua própria classificação;
O seu silêncio vale como aceitação integral da decisão proferida pelo Júri do procedimento, o que lhe retira qualquer interesse na presente demanda, motivo pelo qual não deve ser considerada contrainteressada;
Mais aduz ser relevante para a apreciação da referida exceção que se olhe para a tabela apresentada na sua proposta, da qual resulta a existência de um erro manifesto, pugnando pela improcedência da aludida exceção.
1.5.Deduziu oposição ao incidente de levantamento do efeito suspensivo automático apresentado pela Entidade Demandada, sustentando, em suma, que não se verificam os requisitos legais e cumulativos para o seu decretamento, pugnando pela sua improcedência.
Juntou documentos.
1.6 Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do ato impugnado.
1.7. Proferiu-se despacho a solicitar às partes, ao abrigo do princípio da colaboração, a indicação dos factos sobre os quais pretendiam que recaísse a prova testemunhal, por o Tribunal não vislumbrar a factos suscetíveis de prova testemunhal.
1.8. Por requerimento de 10/07/2023, a Autora esclareceu que o depoimento da testemunha por si arrolada se destinava a fazer prova do alegado nos artigos 15.º 16.º, 17.º, 18.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 38.º, 44.º e 45.º da p.i
1.9. Antecedendo imediatamente a prolação da decisão recorrida, proferiu-se despacho que julgou não escritos os artigos 25.º a 45.º da resposta da Autora à contestação apresentada pela CI e dispensou-se a realização de audiência prévia. Ademais, dispensou-se a produção de prova testemunhal, aduzindo-se para o efeito a seguinte fundamentação:
«Não se vislumbrando matéria suscetível de ser provada por esta via, foram as partes questionadas sobre a matéria a que pretendiam submeter a inquirição das testemunhas arroladas.
Indicados os artigos das respetivas peças processuais, constata-se que os mesmos se referem a elementos documentais juntos aos autos, não impugnados ou encerram matéria conclusiva ou de direito.
O que significa que as questões a decidir será apreciada em face dos elementos documentais existentes nos autos.
Nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 3, aplicável ex vi artigo 102.º, n.º 1, ambos do CPTA, “no âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”.
Atendendo a que, analisados os articulados das partes, bem como a matéria por estas indicadas, não consta a alegação de factos com relevância para a decisão da causa que efetivamente careçam da produção de prova testemunhal, porquanto os factos alegados assentam no conjunto de documentos juntos aos autos, bem como os que constam do Processo Administrativo, dispenso, por desnecessária, a utilização do meio de prova testemunhal requerida.»
1.9. Fixou-se o valor da ação em 15.100.000,00€ (quinze milhões e cem mil euros).
1.10.Seguidamente, proferiu-se despacho saneador- sentença, que julgou improcedente a exceção suscitada pela CI e a ação movida pela Autora, constando do mesmo o seguinte dispositivo:
«Face aos fundamentos expostos e nos termos das normas legais supramencionadas, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo a Entidade Demandada e a Contrainteressada do pedido.
Condeno a Autora no pagamento das custas processuais.
Registe e notifique.»
1.11. Inconformada com o despacho saneador-sentença que julgou a ação improcedente, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, que encerra com as seguintes CONCLUSÕES:
«i. Da Nulidade da do despacho e consequentemente da sentença por omissão de instrução nos termos do disposto no artigo 195º, nº 1, do CPC, por dispensa da prova testemunhal requerida, sua omissão na factualidade provada ou não provada, sendo que lhe era exigível a fundamentação da sua dispensa, no que ao pressuposto do erro concerne, e às suas circunstâncias, o que viola o direito à prova da Autora e o principio do contraditório,
ii. A omissão da produção da prova requerida pela recorrente veio a influir de forma clara e determinante, quer no exame, quer na decisão da causa, violando um princípio básico do direito processual, o do contraditório, porque, o Tribunal não considerou a factualidade subjacente ao erro, devidamente identificada e indicada quanto ao objeto do depoimento requerido, omitindo a instrução devida.
iii. De facto, a inquirição da testemunha revelava-se indispensável para a correta decisão do litígio e para a garantia do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos e interesses legítimos da Autora, em ordem à demonstração da factualidade alegada e subjacente ao invocado erro e seu pressuposto, à demonstração da base do erro informático que a utilizadora cometeu ao arrastar as mesmas células que, sequencialmente, têm a mesma expressão numérica.
iv. O Tribunal não admitiu a prova dos factos porque tal prova faria perigar a decisão do júri quanto à qualificação do erro e sua relevância, não lhe permitindo concluir sem mais pela improcedência do vicio de falta de fundamentação.
v. A decisão não se mostra fundamentada quanto à dispensa da prova nem quanto aos factos não provados ignorando, a factualidade alegada pela recorrente quanto às circunstâncias do erro e menos ainda se atendendo a estas o mesmo era, nesse pressuposto, relevável.
vi. Porquanto a recorrente declarou a conformidade da sua proposta com os ditames do Caderno de Encargos. No documento da proposta referente à alínea 7.1.2.4) Meios Humanos, a [SCom01...] apresenta um quadro com a Constituição da Equipa Técnica Residente, onde possui uma coluna com os requisitos mínimos ao nível da experiência e da formação de cada uma das categorias profissionais propostas, e ao lado uma coluna com a indicação do número de anos de experiência profissional a que se vincula cumprir para cada uma destas categorias, sendo que a técnica autora do documento, testemunha arrolada, explicaria o erro do utilizador informático sucedido, que num exercício de arrastar a informação das células imediatamente acima, fez constar a mesma informação de 5 anos de experiência profissional, no quadro onde pretendia fazer constar 8 anos de experiência profissional.
vii. A decisão vincula-se ao iter decisório do júri seguindo-o sem qualquer juízo critico, veja-se a transcrição:
“Pese embora a fundamentação expendida seja poupada, constata-se que a decisão em causa, permitiu à recorrente como permitiria a qualquer destinatário normal, colocado nas mesmas circunstâncias, apreender as razões de facto e de direito e bem assim os fundamentos e as razões que levaram o Júri do procedimento e a Entidade Demandada a decidir no sentido da decisão final que proferiu, excluindo a proposta apresentada pela Autora.(...)
(...) a Autora, ao propor uma experiência profissional de 5 anos para os mecânicos de bombas, violou o parâmetro base previsto no ponto 9.2.9 do Caderno de Encargos, que impõe que os mesmos tenham uma experiência profissional mínima de 8 anos.
Encontrando-se a decisão de exclusão da proposta apresentada pela autora devidamente fundamentada, improcede este vício alegado pela Autora”.
viii. Do que decorre que o Tribunal afirma sem qualquer rebuço que a recorrente, na proposta, propôs uma experiência profissional de 5 anos para os mecânicos de bombas, bem sabendo que assim não é.
ix. Devendo considerar-se, no caso, a omissão sobre a matéria de facto, em clara violação ao disposto no artigo 607º do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA e, em consequência, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 615º e 195º do CPC, arts. 94º e 95º do CPTA, ser a sentença declarada nula, com os legais efeitos.
x. Sendo que a sentença não se mostra fundamentada, representa um juízo absolutamente conclusivo que nela é feito sobre a suficiência da prova, não permitindo compreender o itinerário valorativo e cognoscitivo contido em tal decisão, o que viola o disposto na norma conjugada do artigo 90° e do CPTA e artigo 154º do CPC ex vi do artigo 1º do CPTA, porquanto se impõe ao Tribunal que tome em consideração, para a boa decisão da causa, as provas requeridas, como resulta acrescidamente afirmado pela Doutrina e Jurisprudência nos termos citados nos artigos 28. a 38. cujos se dão por reproduzidos.
xi. Na sentença não se indica a matéria de facto não provada. Nos termos do disposto no artigo 94º, nº 3, do CPTA, na exposição dos fundamentos a sentença deve discriminar os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar, e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
xii. A sentença não procedeu à indicação dos factos que julgou não provados, alegados pela recorrente, nem procedeu à análise critica das provas, seguiu o Júri e omitiu a decisão devida, omitindo os factos que se retiravam dos articulados da p.i. e das respostas o que importa violação de lei e a nulidade suscitada.
xiii. Isto porque a sentença deveria indicar em concreto e, analisando criticamente as provas, quais os factos alegados pela recorrente que não foram provados. O que a decisão não contém, violando o disposto no artigo 94º, nº 2 e 3, do CPTA e artigos 607.º, nº4, e 615.º, nº 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1º do CPTA que para os devidos efeitos se invoca.
xiv. A sentença é nula porque não se pronunciou sobre questão que devia apreciar – arts. 195º, nº 1 e 615º, nº 1, alínea d) do CPC - as circunstâncias do erro informático, o seu pressuposto, constante da tabela relativa à indicação da experiência dos mecânicos de bombas, nos termos da materialidade alegada pela recorrente e não assumindo como indiscutível a poupada fundamentação do júri.
xv. De facto, bastaria atentar no alegado nos articulados, para se concluir que no quadro apresentado pela recorrente, reproduzido no ponto 11 dos factos provados, consta, do lado esquerdo, a exigência do caderno de encargos quanto aos Requisitos Mínimos e qualificações da equipa que há-de intervir na execução do contrato e na mesma linha, mais à direita, a qualificação desse pessoal proposta pela Autora e experiência profissional.
Disse então a Autora que a concorrente de boa fé ajusta a sua proposta às condições contratuais fixadas pela adjudicante, pois, só assim, lhe é possível almejar o fim do procedimento a que se submete.
De facto, a capacidade para agir num procedimento concursal encontra a sua essência na necessidade de fazer coincidir a proposta com as determinações das especificações desse procedimento, e sendo o fim da proposta o de alcançar o primeiro lugar na classificação, a proposta do concorrente deverá conformar-se com as exigências anunciadas pela entidade adjudicante.
Ora, no último item da página 15 da proposta da Autora surge anunciado, do lado esquerdo, a exigência plasmada no caderno de encargos de dois mecânicos de bombas integrarem a equipa técnica para a execução do contrato e desses mecânicos possuírem uma experiência profissional de 8 anos – cfr. facto provado 11).
Ao lado, na mesma linha, consta, na proposta da Autora, para a equipa técnica a integração de dois mecânicos de bombas com 5 anos de experiência profissional, em manifesta identidade de escrita com as 5 menções anteriores.
Perante um dissenso tão óbvio entre a exigência do concurso que é manifestada pela própria concorrente ali mesmo, na coluna do lado esquerdo e aquilo que é escrito por ela, no mesmo local, em absoluta contradição com o que a própria acaba de enunciar, tal não pode deixar de evidenciar um erro de escrita manifesto.
Por ser flagrante a desconformidade entre aquilo que a Autora anuncia como requisito daquela categoria de técnico - 8 anos de experiência - e aquilo que a Autora, mesmo ao lado, na mesma linha, propõe, sendo como é certo que declarou conformar a sua proposta às exigências do Caderno de Encargos.
Vista a página 15 da proposta em toda a sua extensão, é possível apreender o erro humano subjacente à descontextualização da referência 5 anos de experiência profissional, ao invés dos 8 anos exigidos.
Na verdade, apenas o primeiro técnico enunciado nessa página pela Autora - Engenheiro Eletrotécnico - faz parte dos seus quadros, sendo os demais elementos a contratar localmente.
Observando os requisitos dos demais técnicos desse quadro, à exceção dos mecânicos de bombas (últimos da página) para todos aqueles as condições contratuais ou não exigem experiência profissional ou exigem-na com tempo inferior a 5 anos.
Não obstante, por forma a demonstrar uma poderosa e experiente equipa técnica, a Autora propõe cinco anos de experiência para o chefe de equipa, 5 anos de experiência para o técnico DL 50/2005, 5 anos de experiência para o técnico administrativo, 5 anos para o técnico de higiene e segurança no trabalho, 5 anos para o preparador de trabalhos e mantem o mesmo registo dos precedentes cinco técnicos quando chega aos mecânico de bombas depois de evidenciar as exigências destes no caderno de encargos com 8 anos de experiência profissional.
A indicação dos 5 anos de experiência profissional dos mecânicos de bombas surge, portanto, completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita e esse erro revela-se no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação dos 5 anos é feita.
Sendo inequívoco, na sua proposta, que assumiu a vinculação exigida, tendo declarado fazê-lo no estrito respeito pelo Caderno de Encargos.
Repare-se que nas CONSIDERAÇÔES GERAIS da proposta, a recorrente manifesta a sua adesão às condições contratuais exigidas no procedimento, como passamos a transcrever:
No sentido de responder cabalmente à presente alínea, intitulada DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO E DOS MEIOS HUMANOS, a [SCom01...], responde às exigências submetidas a concurso não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais” (sublinhado e negritos nossos).
As circunstancias reveladas na proposta são de uma declaração de total conformidade com o alem exigido.
Aliás, mais adiante, no capítulo reservado à Apresentação da Equipa Técnica, no ponto 2.4.1, pa página 14 da proposta pode ler-se:
“No Quadro seguinte apresentam-se os elementos que ficarão afetos ao presente contrato e que, por conseguinte, constituem a equipa residente. Nesse Quadro ainda se encontram discriminadas as respetivas habilitações (quando aplicável), a experiência profissional e a sua afetação à presente prestação de serviços”.
Na verdade, decorre do contexto da proposta que a Autora queria garantir para os mecânicos de bombas uma experiência profissional de 8 anos e que, por lapso manifesto entre aquilo que anuncia como exigência procedimental e o que propõe, escreveu o que não pretendia apresentar, arrastando a experiência profissional dos técnicos anteriores desse quadro, retirado do quadro da constituição da Equipa Técnica Residente (facto provado 11):
Constituição da Equipa Técnica Residente
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
xvi. Meritíssimos Juízes Desembargadores é a ponderação sobre esta factualidade que a sentença deliberadamente omite afirmando que uma “poupada” fundamentação do júri é o bastante para cumprir os ditames impostos ao acto de exclusão, e que, assim mesmo, basta para que um destinatário normal perceba o seu sentido.
xvii. Citando-se o facto provado 15. (...) e o que consta da fundamentação de direito da sentença o que temos é uma declaração de concordância do Tribunal com o júri que não quis lançar mão do disposto no artigo 72º, do CCP, não quis admitir o âmbito e o significado da declaração de conformidade com o Caderno de Encargos exarada na proposta da recorrente, não quis olhar para a declaração, não quis admitir o erro de preenchimento informático da tabela, o erro material de escrita, decorrente do arrastamento da coluna numérica anterior, e pese embora tratar-se da proposta economicamente mais vantajosa, recusou o suprimento da irregularidade de escrita numérica, relativa à antiguidade do mecânico de bombas, tendo antes excluído a proposta da concorrente, com o mesmo argumento do júri sem outra ponderação, ou pronúncia quanto a esta concreta matéria, o que lhe era exigível, porquanto deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
xviii. Quanto ao erro de julgamento na apreciação dos pressupostos de facto e consequente erro de direito, era exigível, na interpretação e aplicação da norma do artigo 72º, nº 2, do CCP, o dever de determinar o esclarecimento, por tal ser o mais consentâneo com os elementos sistemático e histórico a determinar ao júri o pedido de esclarecimento quanto ao preenchimento da coluna referente à experiência do mecânico de bombas em razão do que se mostrava consignado nas colunas anteriores e na própria coluna a estas refentes.
xix. Dos argumentos jurisprudenciais e doutrinais supra citados, e que para os devidos efeitos se dão por reproduzidos, cabia ao Tribunal, em razão do erro, e do seu necessário reconhecimento, determinar o cumprimento da norma do artigo 72.º do CCP, em ordem ao suprimento do erro, por, no caso, dever considerar-se um erro de escrita, decorrente de um erro mecânico, do utilizador informático, por ser evidente que a Autora não pretendeu dizer 5 mas 8.
xx. Na sentença omitiu-se pronúncia quanto à falta de fundamentação do acto do júri, expresso no Relatório Final, errando no julgamento da questão de facto, na sua interpretação e na subsunção dos factos e do direito que se comunica à qualificação afetando, viciando a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto da qualificação jurídica, consubstanciando nulidade, nos termos dos artigos 94º, nº 2 e 3, e 95º, nºs 1 e 3, do CPTA e artigos 607.º, nº4, e 615.º, nº 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, ex vi do art. 1º do CPTA alegação que se renova para os devidos efeitos.
xxi. E consubstancia erro na aplicação do Direito aos factos que alegadamente dá como provados, representando uma solução manifestamente desrazoável e incompatível com a ideia de Direito, nomeadamente em matéria de interpretação das normas jurídicas e das valorações próprias do exercício da função administrativa.
xxii. Para melhor se concretizar o sentido do erro de julgamento veja-se o que a decisão contém na apreciação do vicio de violação de lei.
“Alega a Autora que houve preterição do disposto no artigo 72.º, n.º 2 do CCP e violação do princípio da igualdade, atendendo ao teor da resposta do Júri do procedimento à questão concreta da antiguidade dos profissionais, em sede de esclarecimentos, reiterando que os elementos documentais que corporizam o procedimento pré-contratual aqui em causa não deixam dúvidas, se lidos na perspectiva do erro material invocado de que respeitam os termos estatuídos, apenas copiados para coluna distinta, não sendo razoável admitir-se, num juízo linear, que estando inscrito na mesma linha a exigência de antiguidade de 8 anos se faça dela constar um valor inferior.
Assaca ainda a violação dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, do favor do procedimento, da concorrência, da legalidade administrativa e da imparcialidade”.
xxiii. E referindo os termos em que se encontra traçado o procedimento de concurso público e as suas fases, seguindo de perto a jurisprudência que cita e com que ampara a sua própria decisão, o Tribunal interpreta assim o erro invocado pela recorrente:
(...) Importa então apurar, no caso vertente, se a Autora, ao propor, no documento por si elaborado, uma experiência profissional de 5 anos, para a categoria de mecânicos de bombas, queria, afinal, propor uma experiência profissional de 8 anos.
Conforme consta do ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos, a categoria de mecânico de bombas, a considerar pelos concorrentes, deveria cumprir o requisito mínimo de experiência profissional relevante de pelo menos 8 anos, sendo que a declaração dos concorrentes nas respetivas propostas seria utilizada para efeitos de avaliação das mesmas e a experiência profissional indicada na proposta passaria a ser requisito contratual obrigatório (vd. facto provado 9)).
Mas na proposta apresentada pela Autora, esta propôs uma experiência profissional, para a ora referida categoria, de 5 anos, o que determinou a exclusão da sua proposta, mesmo após a apresentação e apreciação da sua pronúncia em sede de audiência prévia (vd. factos provados 11) a 15)).
Circunstância que não se pode considerar preenche os requisitos do lapso de escrita enunciado no artigo 249.º do CC.
Com efeito, a aplicação desta norma, pressupõe a existência de um erro ostensivo, evidente para qualquer destinatário de boa-fé, de tal forma, que se permita que o erro seja rectificado.
O facto de a Autora ter declarado, genericamente, que a sua proposta responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais, assim como o facto de constar, na mesma linha, o requisito mínimo de 8 anos de experiência e ao lado constar uma experiência profissional de 5 anos, tal como nas cinco células imediatamente superiores, não é suficiente para que se possa concluir pela existência de lapso manifesto, não só porque nesta análise não está em causa uma questão aritmética ou contabilística, como o que se verifica é que esta “declaração negocial” foi unicamente preenchido pela Autora, sem campos pré-definidos, dela tendo feito constar expressamente uma experiência profissional de 5 anos para a categoria de mecânicos de bombas.
Não se está, também, perante um mero lapso no algarismo escolhido, nem divergente em relação a outros documentos integrantes da proposta apresentada pela Autora, motivo pelo qual inexiste lapso de escrita, nem se trata de um erro ostensivo ou manifesto, não sendo objectivamente apreensível ou comprovável no contexto da proposta apresentada.
Trata-se de uma afirmação na declaração negocial, assinada pela Autora, com uma experiência profissional diferente dos demais que se encontravam pré-definidos, que não se revela por si, no contexto da proposta e das circunstâncias em que a mesma foi apresentada.
Deste modo, não era exigível ao Júri do concurso que tivesse pedido quaisquer esclarecimentos, dado que o disposto no artigo 72.º, n.º 2 do CCP não o permite pois, ainda que se trate de um erro, seja de que natureza for, uma vez que se produziria no suprimento desse erro, uma alteração dos elementos da proposta, que a norma não permite.(...)
xxiv. Do supra transcrito o que se retira é a manutenção do erro de interpretação dos factos e em concreto dos factos omitidos na sentença mas alegados pela recorrente, os quais se impunham à materialidade a julgar e determinavam a apreciação da proposta da concorrente e os termos da sua declaração e não apenas o seguimento da linha justificativa do júri, bem como ponderar a sanação do erro de escrita, nos termos alegados nos articulados, e omitidos na matéria de facto.
xxv. Tal era exigível, enquanto obrigação de intérprete-aplicador da lei e em respeito pelos princípios da igualdade concorrencial, da boa-fé da declaração negocial e da proporcionalidade, considerando, face a factualidade alegada, a relevação do erro, salvar a proposta da Autora.
xxvi. Porque de um verdadeiro erro se trata e não, como além consta, de uma declaração da Autora. Na verdade o Tribunal substitui-se na subsunção do “traçado” da operação material de copy, afirmado os termos da declaração mas não o equivoco da transferência do texto, e do conteúdo material copiado, vertido na tabela relativa à indicação da antiguidade do mecânico de bombas.
xxvii. Ora, percepcionar o caminho do erro e declará-lo como tal, percebendo-se os seus pressupostos e o que determinou o preenchimento da coluna relativa à antiguidade dos mecânicos de bombas, era o que se exigia na decisão, quer assumindo a matéria de facto omitida, quer em respeito pelo princípio do aproveitamento do ato administrativo, da boa-fé da declaração negocial, da proporcionalidade e da razoabilidade e do interesse público financeiro.
xxviii. Note-se, a titulo exemplificativo, que no Ac. C-42/13, de 28/02/2018, MA.T.I. SUD SpA, o TJEU considerou inovatoriamente que não se opõe, em princípio, à legislação comunitária a consagração de “uma legislação nacional que estabelece um mecanismo de retificação do processo, nos termos do qual a entidade adjudicante pode, no âmbito do processo de adjudicação de um contrato público, convidar qualquer proponente cuja proposta padeça de irregularidades substanciais, na aceção da referida legislação, a regularizar a sua proposta”, sendo esta referência a expressão clara do que foi peticionado quanto à interpretação e aplicação da norma do artigo 72º do CCP e que o Tribunal não quis fazer, pese embora a norma o admitisse.
xxix. Porque era exigível uma avaliação cuidada, adequada, proporcional ao erro em causa e consentânea com a valorização da irregularidade da proposta, daquele erro decorrente, e sanável, ao não o fazer a sentença violou, por erro de interpretação e aplicação, o preceituado nos artigos 72º, nº 2, do CCP e artigo 249º do CC.
xxx. A supra referida omissão de pronúncia implica a nulidade da sentença e o segmento decisório supra transcrito constitui um erro de interpretação dos factos e do direito, sendo que a sua aplicação constitui erro de julgamento,
Normas violadas: todas quantas as referidas nesta alegação e que para os devidos e legais efeitos se dão por reproduzidas.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência dos vícios invocados, ser reconhecida e declarada a nulidade do despacho e sentença proferidos, com os devidos e legais efeitos».
1.12. A Contrainteressada contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. A Recorrente interpõe recurso do despacho que indefere a produção de prova testemunhal e do Saneador-Sentença, com fundamento em (i) alegado erro no julgamento da matéria de facto e direito, e na (ii) pretensa verificação de um conjunto de pretensos vícios, que supostamente determinam a respetiva nulidade.
B. O despacho que indefere a produção de prova testemunhal e o Saneador-Sentença não padecem, porém, de qualquer dos pretensos vícios apontados pela Recorrente, que baseia todas as suas Alegações de Recurso numa leitura completamente equivocada do disposto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP.
C. Na verdade, a Recorrente pressupõe que, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º do CCP, um concorrente pode solicitar a alteração da sua proposta e o Júri é obrigado a aceitar essa alteração, bastando, para tanto, que o referido concorrente alegue a existência de um qualquer lapso ou erro na preparação da proposta.
D. O regime previsto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP não estabelece uma obrigação de o Júri solicitar esclarecimentos quando entenda que existe um qualquer lapso, ou, muito menos, ainda um dever de admitir a retificação de supostos erros a pedido dos concorrentes.
E. Bem pelo contrário, o que o n.º 2 do artigo 72.º do CCP define é um princípio de relevância condicionada dos esclarecimentos prestados, de acordo com o qual, em termos gerais, os esclarecimentos não devem conduzir a uma alteração da proposta.
F. A Doutrina e a Jurisprudência têm sido muito claras, explicando que, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º do CCP, os esclarecimentos não podem destinar-se a suprir o incumprimento de uma exigência do Caderno de Encargos, que determinaria a exclusão da proposta.
G. O regime previsto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP não permite, assim, suprir a irregularidade, verificada no caso sub judice, relativa à indicação, na proposta da Recorrente, de uma experiência mínima de 5 (cinco) anos para os mecânicos de bombas, que é inferior à de 8 (oito) anos, exigida no Caderno de Encargos.
H. Pelo que, dúvidas não restam de que o Tribunal a quo interpretou e aplicou adequadamente a norma invocada pela Recorrente, ou seja, o n.º 2 do artigo 72.º do CCP, sendo a Recorrente quem labora em manifesto erro.
I. O manifesto erro em que a Recorrente labora é evidenciado pela Jurisprudência que a mesma cita, a propósito do regime previsto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP, sendo certo que tal regime nunca foi invocado pela Recorrente para sustentar a admissibilidade da retificação do teor da sua proposta.
J. Com efeito, a aplicação do n.º 4 do artigo 72.º do CCP depende do preenchimento de dois pressupostos: (i) a evidência do lapso, isto é, deve ser evidente que o concorrente não pretendeu dizer aquilo que disse; e (ii) a evidência de como deve o lapso ser suprido, ou seja, deve ser evidente o que o concorrente efetivamente queria dizer em vez daquilo que disse.
K. Conforme salientado pelo Tribunal a quo, não é possível retirar da proposta da Recorrente que a experiência de 5 anos terá sido indicada, na linha relativa aos mecânicos de bombas, por mero lapso, e que aquilo que se pretendia indicar era uma experiência de 8 anos.
L. Assim, não é evidente ou notória a existência de lapso, e também não é manifesto o modo de suprimento de tal alegado lapso.
M. Não existe um único documento da proposta da Recorrente de onde se possa retirar que a experiência que a mesma pretendia indicar para os mecânicos de bombas era diferente de 5 (cinco) anos.
N. Ainda que se tivesse verificado o suposto erro informático que a Recorrente invoca, e que o mesmo pudesse considerar-se como evidente face ao contexto da declaração, o que aqui se admite por mera hipótese académica, o certo é que não é evidente a forma como o lapso deve ser corrigido.
O. A própria Recorrente reconhece implicitamente nas suas Alegações que, da leitura dos documentos que constituem a proposta, não é evidente a existência do pretenso erro nem a forma como o mesmo deve ser corrigido, pois, se assim fosse, a mesma não advogaria, como advoga, a indispensabilidade ou essencialidade da produção de prova testemunhal quanto aos pretensos factos subjacentes a tal alegado erro.
P. Na situação em apreço, não se preenche nenhum dos dois pressupostos de aplicação do n.º 4 do artigo 72.º do CCP, e, como tal, não é admissível a alteração da experiência dos mecânicos de bombas indicada na proposta da Recorrente, ao abrigo desse preceito.
Q. Por outro lado, além de não ser permitida pelo n.º 2 do artigo 72.º do CCP (i.e., a norma invocada pela Recorrente), nem pelo n.º 4 do artigo 72.º do CCP (preceito que a Recorrente nunca invoca), a alteração da experiência do mecânico de bombas também não é admitida pelo Direito da União Europeia.
R. Acresce que, o Tribunal a quo efetuou uma adequada interpretação e aplicação do artigo 249.º do CC, em linha com a solução decorrente do regime previsto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP.
S. Pelo que, não pode, pois, deixar de considerar-se que o Tribunal a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento da matéria de facto e de direito, quando considerou que não era admissível a alteração da experiência mínima dos mecânicos de bombas, nos termos do n.º 2 do artigo 72.º do CCP.
T. Neste contexto, a omissão da inquirição da testemunha indicada pela Recorrente não constitui, assim, um vício que determine a nulidade do despacho que indeferiu tal inquirição, nem do Saneador-Sentença.
U. Na verdade, para efeitos da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP, é completamente indiferente a explicação que a testemunha arrolada pela Recorrente possa dar quanto ao alegado erro cometido na preparação da proposta.
V. Por outro lado, os pretensos factos sobre os quais a Recorrente aparentemente pretendia que a testemunha fosse ouvida não carecem de prova testemunhal.
W. A produção de prova testemunhal só serviria, pois, para atrasar o andamento do processo
X. Para evitar o efeito dilatório que poderia resultar da admissão genérica de qualquer dos meios de prova previstos na lei processual civil, o n.º 3 do artigo 90.º do CPTA estabelece que o juiz pode indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando considere claramente desnecessários.
Y. Pelo que, o Saneador-Sentença e o despacho de indeferimento de produção de prova testemunhal não padecem de qualquer vício: (i) a inquirição da testemunha indicada pela Recorrente é irrelevante para o exame e decisão da causa; (ii) o Tribunal a quo fundamentou adequadamente a decisão de dispensa de produção de prova testemunhal; (iii) a dispensa de prova testemunhal não implicou uma omissão de pronúncia quanto ao factos que tivessem de ser apreciados pelo Tribunal a quo; e (iv) o n.º 3 do artigo 90.º do CPTA confere ao juiz o poder indeferir requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando considere claramente desnecessários, como acontece na situação em apreço, pelo que não se verificou uma restrição ilegítima do direito à prova e do direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP.
Z. Mais, apesar de a Recorrente não ter invocado a aplicação do regime previsto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP, a verdade é que a produção de prova testemunhal também seria irrelevante para efeitos da aplicação de tal regime.
AA. Para que a proposta possa ser retificada ao abrigo do n.º 4 do artigo 72.º do CCP, a evidência da existência do lapso e da forma como o mesmo deve ser corrigido tem de resultar dos próprios documentos que constituem a proposta, e não de depoimentos prestados após a submissão da proposta.
BB. Ao invocar a indispensabilidade ou essencialidade da inquirição da testemunha, o que a Recorrente está a fazer é a admitir que a existência do pretenso erro e da forma como o mesmo deve ser corrigido não resultam de forma evidente dos documentos que constituem a proposta, e, por conseguinte, tal pretenso erro nunca poderia, nem poderá, ser retificado, ao abrigo do n.º 4 do artigo 72.º do CCP.
CC. Assim, a produção de prova testemunhal é completamente irrelevante para efeitos da aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP (i.e., a norma que a Recorrente insiste que foi interpretada e aplicada de forma incorreta), e nunca poderia, nem poderá, ser relevante para efeitos da aplicação do regime previsto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP (norma cuja aplicação a Recorrente não invoca nas Alegações).
DD. Nas Alegações de Recurso, e por partir, mais uma vez, de uma leitura completamente equivocada do regime previsto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP, a Recorrente assume também que os pretensos factos subjacentes ao alegado erro, contido na sua proposta, são relevantes para efeitos da aplicação desse preceito, e, bem assim, para o exame e decisão da causa.
EE. Sucede que, os pretensos factos subjacentes ao alegado erro contido na proposta da Recorrente são completamente irrelevantes para efeitos da aplicação do n.º 2 do artigo 72.º do CCP, pois, este preceito não admite a alteração da experiência profissional dos mecânicos de bombas, indicada na sua proposta, de 5 anos para 8 anos.
FF. Este tipo de retificação também não pode ter lugar ao abrigo do regime previsto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP, o que, aliás, é reconhecido (e bem) pela própria Recorrente, que não invoca a aplicação deste preceito, e, ao alegar a indispensabilidade ou essencialidade da produção de prova testemunhal, confessa a impossibilidade do preenchimento dos dois pressupostos de aplicação do n.º 4 do artigo 72.º do CCP.
GG. Pelo que, o Saneador-Sentença não padece de qualquer vício relacionado com a circunstância de não ter indicado, na matéria de facto não provada, os pretensos factos subjacentes ao alegado erro, cometido pela Recorrente na preparação da sua proposta.
HH. Por outro lado, os factos alegados com interesse para a decisão da causa foram todos dados como provados, com base nos documentos juntos aos autos.
II. A única controvérsia que existe é quanto à qualificação jurídica, ou seja, quanto à leitura e às conclusões jurídicas que cada Parte retira a partir dos factos dados como provados e dos documentos juntos aos autos.
JJ. E o certo é que, a Recorrente não identifica quais os concretos factos que devem constar da matéria de facto não provada, nem demonstra porque é que os mesmos são essenciais para a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 72.º do CCP, ou seja, a norma ao abrigo da qual entende que deveria admitir-se a alteração da experiência indicada para os mecânicos de bombas.
KK. Assim, o Saneador-Sentença não viola os n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA ou o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, porquanto os factos provados encontram-se elencados nas pp. 13 a 23 e, conforme explicado pelo Tribunal a quo, “não foram considerados provados ou não provados quaisquer outros factos com interesses para a decisão da presente causa”.
LL. Além disso, o Saneador-Sentença também não é nulo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, pois não existem fundamentos em oposição com a decisão, ou alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
MM. E também não se verifica igualmente a causa de nulidade da sentença, prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porque o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões que devia apreciar.
NN. Conforme já foi esclarecido (e bem) pelo TCAS: “I – O juiz não tem que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar;” (sublinhado nosso).
OO. Acresce que, o Tribunal a quo teve o cuidado de se pronunciar sobre cada uma das questões que a Recorrente alega não terem sido objeto de pronúncia.
PP. A Recorrente chegou mesmo a transcrever, nas suas Alegações, as partes do Saneador-Sentença em que o Tribunal a quo se pronunciou quanto às questões que aparentemente considera que não foram objeto de pronúncia.
QQ. A Recorrente diz que o Tribunal a quo não quis admitir o âmbito e o significado da declaração de conformidade com o Caderno de Encargos, mas, depois, transcreve a parte do Saneador-Sentença em que o Tribunal a quo se pronuncia sobre essa questão, esclarecendo que tal declaração não é suficiente para se concluir pela existência de um lapso manifesto.
RR. Além disso, a Recorrente diz também que Tribunal a quo não quis admitir o erro de preenchimento informático da tabela e que não foi emitida pronúncia quanto a esta matéria, para logo transcrever justamente a parte do Saneador-Sentença em que o Tribunal a quo explica os motivos pelos quais entende que (i) o alegado erro ou lapso de escrita não é objetivamente apreensível a partir de outros documentos integrantes da proposta da Recorrente, (ii) nem se revela por si, no contexto da proposta.
SS. Para determinar se o lapso é, ou não, objetivamente apreensível ou comprovável no contexto da proposta, o Tribunal a quo só deve atender aos documentos que compõem tal proposta.
TT. O Tribunal a quo não tinha, neste contexto, de admitir a produção de prova testemunhal, nem de se pronunciar quanto a pretensos factos subjacentes ao pretenso erro, como, por exemplo, a identidade da pessoa que elaborou os documentos que integram a proposta e o procedimento que a mesma adotou na preparação de tais documentos.
UU. Aquilo sobre que o Tribunal a quo tinha de se pronunciar é sobre os o teor dos documentos que integram a proposta da Recorrente.
VV. Pronunciando-se sobre com base nos documentos que integram a proposta, aquilo que o Tribunal a quo conclui é que não é evidente que a indicação da experiência de 5 (cinco) anos tenha sido indicada por lapso, e não é evidente que a experiência que se pretendida indicar era de 8 (oito) anos.
WW. Pelo que, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto às questões em litígio, não padecendo o Saneador-Sentença de vício que gere a respetiva nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
XX. Por outro lado, ao contrário do sustentado pela Recorrente, o Tribunal a quo pronunciou-se quanto à pretensa falta de fundamentação do ato de exclusão da proposta da Recorrente, e, por conseguinte, não se verifica uma alegada omissão de pronúncia, nem uma pretensa falta de fundamentação de tal omissão de pronúncia quanto a essa questão, supostamente geradoras de nulidade do Saneador-Sentença, nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
YY. Na verdade, ao decidir como decidiu, confirmando a fundamentação do Júri do procedimento, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre o teor da proposta da Recorrente e os termos da sua declaração.
ZZ. A própria Recorrente transcreve nas Alegações um excerto do Saneador-Sentença em que o Tribunal explica que o pretenso lapso, que a Recorrente invoca, não é apreensível no contexto da proposta apresentada.
AAA. Em suma, o Tribunal a quo pronunciou-se e explicou os fundamentos da decisão que tomou.
BBB. Pelo que, não se verifica a pretensa omissão nem a alegada falta de fundamentação que a Recorrente imputa ao Saneador-Sentença.
CCC. Por conseguinte, o despacho que indefere a produção de prova testemunhal e o Saneador-Sentença, proferidos pelo Tribunal a quo, não merecem qualquer reparo, devendo julgar-se totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente.»
1.13. A Entidade Demandada contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. Nada consta na proposta que permita inferir ter havido o lapso insistentemente invocado pela Recorrente, nem a Recorrente alguma vez apontou onde tal consta na proposta.
B. Sendo a Recorrente tão perentória a afirmar que na proposta consta elemento que confirma o lapso, faria sentido que indicasse, em concreto, em que parte da proposta se encontra esse mesmo elemento.
C. A pretensão de produzir prova testemunhal só reforça o reconhecimento, por parte da Recorrente, da inexistência de prova de existir na proposta elemento que confirme o lapso.
D. Se as circunstâncias em que a declaração foi efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar à sua retificação.
E. Esteve bem a douta sentença recorrida em acolher o princípio geral aplicável aos erros de escrita e rejeitar a existência de lapso reivindicada pela Recorrente, uma vez que a dúvida que lhe subjaz se sobrepõe a esse eventual reconhecimento.
F. A Recorrente socorre-se insistentemente na existência de um lapso, sem que tenha apresentado a correspondente evidência.
G. Portanto, ao Tribunal, tal como antes o Júri do procedimento, restaria aplicar o princípio ínsito no artigo 249.º do Código Civil e considerar não poder proceder à retificação da proposta.
H. A Recorrente informou o Tribunal que o depoimento da única testemunha por si arrolada faria prova do afirmado nos artigos 15 a 18, 25 a 29, 38, 44 e 45 da petição inicial.
I. Todavia, se se atentar nesses artigos da petição inicial, constata-se que pretendia a Recorrente que a testemunha por si arrolada se pronunciasse sobre as considerações que faz sobre o entendimento do Júri e a pretensa ofensa ao n.º 3 do artigo 72.º do CCP.
J. Assim como pretendia a Recorrente que a testemunha se pronunciasse relativamente ao seu próprio entendimento sobre a relevação do erro material.
K. E pretendia, ainda, a Recorrente que a testemunha se pronunciasse sobre critérios de razoabilidade.
L. Admitir o Tribunal a marcação de uma diligência para ser ouvida uma testemunha nestas condições só representaria uma dilação injustificada num processo que se tem como urgente.
M. Com efeito, não existindo alegação de factos com relevância para a decisão da causa que efetivamente careçam da produção da prova testemunhal, torna-se desnecessária a utilização do meio de prova testemunhal.
N. Para além de que a Recorrente não indicou factos suscetíveis de serem provados, pois todos se reconduziam, por um lado a conjeturas sobre os factos, por outro a considerações sobre a matéria de direito.
O. Não poderia, pois, o Tribunal criar factos não alegados para, de imediato, em pura incongruência, os considerar não provados.
P. A Recorrente, apesar de invocar a violação da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não esclarece em que parte do teor do Saneador-Sentença existe fundamentação que se encontre em oposição com a decisão, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Q. Embora a Recorrente invoque a violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, não se vislumbra nas alegações da Recorrente sobre que facto(s) o Tribunal se deveria ter pronunciado e não pronunciou.
R. A aceitar-se o argumento da Recorrente relativamente à apresentação do DEUCP, teria, por absurdo, de entender-se que todos os documentos da proposta poderiam ser substituídos pela declaração de compromisso do cumprimento do Caderno de Encargos, ou que todo e qualquer termo ou condição da proposta seria automaticamente suprida perante a existência dessa declaração.
S. Em suma, o Saneador-Sentença não é nulo, porque não violou os n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA, o n.º 4 do artigo 607.º e as alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
T. Por último, pretendendo a Recorrente esclarecer o que constava na sua proposta de modo a alterar o seu teor, necessariamente estaria a violar os princípios da concorrência e da igualdade contidos no n.º 2 do artigo 72.º do CCP.
U. Assim como resultaria violado o disposto no n.º 3 do mesmo artigo 72.º se o Júri tivesse tomado a iniciativa de solicitar o esclarecimento à Recorrente ou tivesse aceitado o que a propósito foi alegado pela Recorrente quanto ao suposto lapso.
V. Não houve, portanto, bem pelo contrário, erro de julgamento da matéria de direito relativamente à interpretação do artigo 72.º do CCP.
Termos em que deve improceder o recurso interposto pela Recorrente, fazendo-se a costumada JUSTIÇA.»
1.14. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.15.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se :
b.1. o despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, e consequentemente, o saneador-sentença que julgou a ação improcedente, são nulos por: (i) omissão de instrução, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil (CPC); (ii)por omissão de pronúncia, traduzida na omissão de factualidade provada ou não provada, decorrente da dispensa da prova testemunhal requerida; e (iii) por falta de fundamentação da dispensa da prova testemunhal, no que aos factos subjacentes ao erro contido na proposta da Recorrente diz respeito;
b.2. se o saneador sentença é nulo nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC: (i) por não indicar qualquer facto como não provado, violando o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA, no n.º 4 do artigo 607.º e nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi d o artigo 1.º do CPTA- vide conclusão xiii; (ii) por falta de fundamentação da decisão que julgou não verificado o erro de escrita.
b.3. se o saneador-sentença é nulo “nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC: (i) por não se ter pronunciado sobre as circunstâncias do erro informático/o seu pressuposto, constante da tabela relativa à indicação da experiência dos mecânicos de bombas, nos termos da materialidade alegada pela apelante, que devia apreciar nos termos do n.º 1 do artigo 195.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ( vide conclusão xiv); (ii) por “omitir” a pronúncia relativa à falta de fundamentação do júri do procedimento em sede de Relatório Final, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA, no n.º 4 do artigo 607.º e nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA- vide conclusão xx.
b.4. se o saneador-sentença enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por ter decidido:
(i) que a proposta apresentada pela Autora, ora Apelante, violou o parâmetro base previsto no ponto 9.2.9 do Caderno de Encargos, ao invés de ter dado como verificado que tal se ficou a dever a um erro de escrita; e, bem assim,
(ii) por considerar que, perante as dúvidas que a sua proposta suscitou, não impendia sobre o júri do procedimento o dever de formular pedido de esclarecimentos à apelante, nos termos previstos no artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos (CCP).
**
III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu os seguintes factos como assentes:
1) Através do anúncio de procedimento n.º 11210/2022 datado de 02/09/2022, publicado no Diário da República, 2.ª série – n.º 171 de 05/09/2022 e no Jornal Oficial da União Europeia, com referência ...55, datado de 07/09/2022, a Entidade Demandada lançou o Concurso Público Internacional para “Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos Norte” – Procedimento Pré-contratual TA_22_171_CI_S_008_DMA, para a aquisição de serviços para a execução de trabalhos de manutenção do sistema Multimunicipal de Saneamento da [SCom02...] nos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos (Diário da República de documento n.º 005227092 de fls. 55 do SITAF, informação de Pasta 1 e Ficheiros 1 e 2 de Pasta 2 do Processo Administrativo).
2) A aquisição de serviços em causa no Concurso Público referido no número anterior tem, por objeto, a execução dos trabalhos de manutenção do sistema multimunicipal de Saneamento do [SCom02...] nos centros operacionais afectos ao Departamento de Equipamentos do Norte (Diário da República de documento n.º 005227092 de fls. 55 do SITAF, informação de Pasta 1 e Ficheiros 1 e 2 de Pasta 2 do Processo Administrativo).
3) A Autora teve acesso ao Programa de Procedimento e ao Caderno de Encargos através da plataforma eletrónica de contratação pública ACINGOV (Diário da República e artigo 5.º do Programa do Procedimento de documentos n.ºs 005227092 e 005227093 de fls. 55 e 61 do SITAF, Ficheiros 1 e 2 de Pasta 2 e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
4) Do artigo 7.º do Programa do Procedimento, sob a epígrafe “documentos que constituem a proposta”, n.º 1.2. “os seguintes documentos contendo os atributos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos e de acordo com os quais Concorrente se dispõe a contratar” consta, do sub - número 1.2.4. “descrição da metodologia de intervenção e dos meios humanos contendo designadamente o seguinte”, alínea 1.2.4.5., a “indicação da experiência mínima de cada uma das especialidades prevista na listagem de meios humanos afetos à prestação de serviço, a propor pelo concorrente” (Programa do Procedimento de documento n.º 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
5) Do artigo 14.º, n.º 1 do Programa do Procedimento consta, além do mais, que “a adjudicação será efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa na modalidade multifactor, com um conjunto de fatores densificados de acordo a metodologia de avaliação de propostas constante do Anexo V” (Programa do Procedimento de documento n.º 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
6) Do Anexo V do Programa do Procedimento consta a Metodologia de Avaliação das Propostas sendo, o ponto I, referente à Metodologia Geral, no qual se encontram descritos os fatores de apreciação e a percentagem de ponderação dos mesmos, nos seguintes termos (Programa do Procedimento de documento n.º 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo):
“(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”
7) No ponto 2 do Anexo V do Programa do Procedimento, referente à Avaliação do Fator “Qualidade Técnica da Proposta”, consta, do n.º 2.2.2., que a determinação da experiência da equipa será feita utilizando-se a seguinte base (Programa do Procedimento de documento n.º 005227093 de fls. 61 do SITAF e Ficheiro 1 de Pasta 3 do Processo Administrativo):
“(...)
CATEGORIAPeso na determinação da experiência (%)
(...)(...)
Mecânico de bombas # 13
Mecânico de bombas # 23
(...)(...)
TOTALI00
(...)”
8) Do ponto 2 do Caderno de Encargos, n.º 2.º, alínea 2.1.1, consta que o preço máximo que a Entidade Demandada se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objeto do contrato é de 15.100.000,00€, para sete anos de duração do contrato (Caderno de Encargos de documento n.º ...10 de fls. 94 do SITAF e Ficheiro 2 de Pasta 3 do Processo Administrativo).
9) Do ponto 9 do Caderno de Encargos, epigrafado “Meios Humanos” consta, designadamente, o seguinte (Caderno de Encargos de documento n.º ...10 de fls. 94 do SITAF e Ficheiro 2 de Pasta 3 do Processo Administrativo):
“(...) 9.2.9 As categorias profissionais a considerar pelo Prestador de Serviços deverão cumprir os seguintes requisitos mínimos:
(...)
e) Mecânicos de Bombas – Mecânicos com experiência profissional relevante de pelo menos 8 (oito) anos na área de reparação oficinal de grupos eletrobomba e equipamentos de saneamento de águas residuais; deverão ter conhecimentos básicos e experiência na operação de torno mecânico
(...)
9.2.10 O concorrente deverá indicar, para cada um dos elementos da equipa técnica a propor (equipa mínima base e elementos eventuais), a experiência mínima (em anos) dos mesmos. Esta informação será utilizada para efeitos de avaliação da proposta e a experiência indicada na proposta passará a ser requisito contratual obrigatório;
9.2.11 A [SCom02...] apenas considerará, na execução da prestação de serviços, trabalhadores que cumpram os anos de experiência indicada nos termos do ponto anterior (...)”
10) Tanto a Autora como a Contrainteressada apresentaram as suas respetivas propostas na plataforma eletrónica em 14/11/2022 (Relatório Preliminar de Análise e Avaliação de Propostas de documento n.º ...55 de fls. 299 do SITAF e Ficheiro recibo de Pasta 6 do Processo Administrativo).
11) Da proposta da Autora consta, designadamente, o seguinte (proposta de documentos n.ºs ...54 e ...05 de fls. 220 e 440 do SITAF e Ficheiro 7.1.2.4)ass da Pasta 14_PR.197-22 da Pasta [SCom01...], Lda da Pasta 6 do Processo Administrativo):
“(...)
7.1.2.4)
MEIOS HUMANOS
1.. INTRODUÇÃO
1.1 – Considerações Gerais
No sentido de responder cabalmente à presente alínea, intitulada DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO E DOS MEIOS HUMANOS, a [SCom01...], responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais.
(...)
2. JUSTIFICAÇÃO DOS MEIOS HUMANOS
2.1 Considerações Gerais
(...)
A equipa proposta engloba todas as valências necessárias para uma boa execução da prestação de serviços, garantindo respostas rápidas, eficientes e tecnologicamente adequadas, tendo em conta as características intrínsecas de cada infraestrutura e especialidades dos trabalhos de manutenção, assegurando o cumprimento de todas as exigências do contrato.
(...)
2.4 Apresentação da Equipa Técnica
2.4.1 Equipa Técnica Residente
No Quadro seguinte apresentam-se os elementos que ficarão afetos ao presente contrato e que, por conseguinte, constituem a equipa residente. Nesse Quadro ainda se encontram discriminadas as respetivas habilitações (quando aplicável), a experiência profissional e a sua afetação à presente prestação de serviços. De salientar, que a [SCom01...], para suprir as necessidades de mão-de-obra privilegiará o recrutamento dos colaboradores que atualmente prestam serviço nas instalações a concurso. Como já foi mencionado, a [SCom01...], para suprir a necessidades de mão-de-obra dará preferência à contratação regional para os elementos a integrar na Equipa Técnica residente.
(...)
Constituição da Equipa Técnica Residente.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

12) Em 02/12/2022, o Júri do procedimento procedeu à análise das propostas apresentadas e à respetiva classificação, tendo elaborado Relatório Preliminar, em 15/12/2022, no qual foi proposto, além do mais, a exclusão da proposta apresentada pela Autora e a admissão das propostas apresentadas pela Contrainteressada e pela [SCom04...], tendo sido proposta a graduação daquela em 1.º lugar, com uma avaliação global de 8,18 pontos e a graduação desta em 2.º e último lugar, com uma avaliação global de 6,51 pontos (Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas de documento n.º ...55 de fls. 299 do SITAF e Ficheiro de Pasta 7 do Processo Administrativo).
13) Sobre a proposta de exclusão da proposta apresentada pela Autora, consta, designadamente, o seguinte, do Relatório Preliminar referido no número anterior (Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas de documento n.º ...55 de fls. 299 do SITAF e Ficheiro de Pasta 7 do Processo Administrativo):
“(...)
7. ANÁLISE DAS PROPOSTAS
O Júri do procedimento procedeu à análise das propostas, verificando as formalidades de apresentação e respetivo teor, nomeadamente o cumprimento dos requisitos estabelecidos no Caderno de Encargos não submetidos à concorrência. Da análise efetuada o Júri constatou o seguinte:
(...)
c) Concorrente N.º 3 – [SCom01...], LDA.
A proposta do Concorrente N.º 3 – [SCom01...], LDA., apresenta um preço máximo de 14 097 394,08 € (catorze milhões e noventa e sete mil, trezentos e noventa e quatro euros e oito cêntimos);
A proposta cumpre as formalidades do modo de apresentação e encontra-se devidamente instruída com todos os documentos exigidos;
A proposta não cumpre com o disposto no Caderno de Encargos.
o A proposta propõe uma equipa técnica em que alguns dos elementos não cumprem os requisitos previstos no ponto 9.2.9 alínea e) do Caderno de Encargos:
ElementoExperiência Mínima (anos)Experiência proposta (anos)
Mecânico de bombas # I85
Mecânico de bombas # 285
Nos termos do anteriormente exposto, por apresentar proposta que não cumpre com o definido no Caderno de Encargos, o Júri do procedimento deliberou, por unanimidade, excluir, por violação dos parâmetros base fixados no Caderno de Encargos, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP ex vi da alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º do mesmo diploma legal, a proposta do seguinte concorrente:
Concorrente N.º 3 – [SCom01...], LDA.
(...)”
14) Em 22/12/2022 a Autora apresentou pronúncia sobre a proposta de exclusão referida no número anterior, através da qual requereu a inclusão da sua proposta à lista dos concorrentes admitidos (requerimento de pronúncia do Anexo II ao Relatório Final e Anexo I ao Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas de documentos n.ºs ...89 e ...55 de fls. 35 e 299 do SITAF e ficheiro de Pasta 8 do Processo Administrativo).
15) Em 26/01/2023, o Júri do procedimento elaborou o Relatório Final, no qual analisou a pronúncia referida no número anterior nos seguintes termos (Relatório Final de documento n.º ...89 de fls. 35 do SITAF e Ficheiro de Pasta 9 do Processo Administrativo):
“Sucede que do exposto na pronúncia, para além da reiterada indicação de ter existido lapso e de este se ter de considerar relevado, nada se retira do seu teor que permita confirmar se se tratou de lapso ou da efetiva indicação da experiência detida pelos dois referidos profissionais.
Mais se refira que não poderia a referência a “5 anos” feita pelo concorrente ser entendida como um manifesto lapso, como refere o próprio, porquanto para que fosse considerado como tal, teria de ser evidente para a entidade adjudicante a existência de um lapso, ora esse erro ostensivo não decorre da mera leitura da proposta. Por isso, a aceitação da razão apontada na pronúncia equivaleria a admitir, ou antes em sede de esclarecimentos sobre o teor da proposta, ou agora na sequência da pronúncia, uma alteração do que consta na proposta, contrariando o disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP.
Indica também a pronúncia jurisprudência e doutrina que, em seu entender, permitem a reparação de erro material. Porém, da análise da proposta e do que vem afirmado na pronúncia não pode considerar-se que houve erro material. A pronúncia afirma ter ocorrido, por lapso, erro material, mas não apresenta elementos que se consubstanciem como tal para além dessa afirmação.
Aceitar o Júri, apenas com a invocação de ter havido erro material, que a proposta corresponde ao que era exigido no procedimento, ou seja, tomar como certo que afinal onde consta cinco anos de experiência deve considerar-se oito anos nas duas situações, equivaleria a aceitar a alteração da proposta e a permitir a sua tangibilidade e mutabilidade. Esta aceitação acarretaria, pois, a violação dos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade e da concorrência.
Assim, conclui o Júri, por unanimidade, que a argumentação invocada não poderá proceder, reiterando a proposta de exclusão da proposta do Concorrente [SCom01...] nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, por apresentar atributos que violam o estabelecido no Caderno de Encargos.”.
16) Em face da análise referida no número anterior, o Júri do procedimento manteve as conclusões do Relatório Preliminar de Análise e Avaliação das Propostas, propondo a adjudicação da proposta da Contrainteressada, pelo preço global de 14.441.722,68€, acrescido de IVA (Relatório Final de documento n.º ...89 de fls. 35 do SITAF e Ficheiro de Pasta 9 do Processo Administrativo).
17) O Relatório Final foi disponibilizado pelo Júri do procedimento, na plataforma eletrónica, no dia 17/02/2023 (impressão de documento de tramitação da plataforma eletrónica de documento n.º ...90 de fls. 53 do SITAF).
18) Em 17/02/2023, foi autorizada a adjudicação à proposta apresentada pela Contrainteressada (Ficheiro de Pasta 10 do Processo Administrativo).
19) A decisão de adjudicação foi disponibilizada na plataforma eletrónica na mesma data (impressão de documento de tramitação da plataforma eletrónica de documento n.º ...91 de fls. 54 do SITAF).
20) A presente ação foi apresentada a juízo, via SITAF, no dia 02/03/2023 (comprovativo de entrega de peça processual de fls. 1 a 4 do SITAF).
Não foram considerados provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão da presente causa.
A convicção do Tribunal fundou-se no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e dos constantes do processo administrativo constante da PEN-drive apensa, remetida em 22/06/2023, sob documento n.º ...17, de fls. 2463 do SITAF, conforme indicado por referência a cada facto provado, os quais não foram impugnados.»
**
III.B.DE DIREITO
Enquadramento geral do objeto do recurso
3.2.De acordo com relatório supra elaborado, para cujo detalhe remetemos, mas tendo em vista uma melhor contextualização do objeto do presente recurso, sublinhamos que a razão pela qual a Autora, aqui Apelante, intentou a presente ação prende-se com o facto de no âmbito do “Concurso Público Internacional” para “Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos Norte” para a aquisição de serviços para a execução de trabalhos de manutenção do sistema Multimunicipal de Saneamento da [SCom02...] nos Centros Operacionais afetos ao Departamento de Equipamentos, lançado pela Apelada [SCom02...], S.A. (doravante [SCom02...]), esta última entidade ter considerado que a proposta apresentada pela aqui Apelante, incumpriu com o disposto no ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos (CE), na medida em que propõe uma equipa técnica em que alguns dos elementos da categoria de mecânico de bombas 1 e 2, têm experiência profissional de 5 anos, quando deveriam ter uma experiência mínima de 8 anos.
3.3.Por essa razão, foi deliberado, por unanimidade, excluir a proposta da Apelante por violação dos parâmetros base do Caderno de Encargos, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 2, alínea b), ex vi artigo 146.º, n.º 2, alínea o), ambos do CCP, não tendo sido acolhida a justificação apresentada, de acordo com a qual, a indicação, na proposta apresentada, de 5 anos de experiência profissional ao invés de 8 anos de experiência mínima, se ficou a dever a um lapso de escrita evidenciado pelo teor da proposta.
3.4.O Tribunal a quo, depois de dispensar a produção de prova testemunhal requerida pela Autora em ordem a demonstrar que incorreu em lapso de escrita na elaboração da sua proposta quanto ao referido parâmetro - ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos (CE)- julgou a ação improcedente.
3.5.Para o efeito, a Senhora Juiz a quo, depois de dissertar sobre o vício de forma decorrente de falta de fundamentação que a Autora assacou à decisão de exclusão da sua proposta, que por sua vez, se apropriou das razões invocadas pelo júri do procedimento nos relatórios preliminar e final, decidiu julgar improcedente esse vicio.
3.6.Decidiu também o Tribunal a quo julgar improcedente a impetrada violação do disposto no artigo 72.º, n.º 2 do CCP e dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da razoabilidade, do favor do procedimento, da concorrência, da legalidade administrativa e da imparcialidade, que a Apelante assacou à decisão de exclusão da sua proposta, corroborando a posição perfilhada pela Entidade Adjudicante e pela CI.
3.7.Nesse seguimento, o Tribunal a quo depois de tecer algumas considerações que julgou devidas sobre o sentido e alcance do disposto no artigo 249.º do CC, balizadas pelos ensinamentos da jurisprudência que cita, sublinhou «que consta do ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos, que a categoria de mecânico de bombas, a considerar pelos concorrentes, deveria cumprir o requisito mínimo de experiência profissional relevante de pelo menos 8 anos, sendo que a declaração dos concorrentes nas respetivas propostas seria utilizada para efeitos de avaliação das mesmas e a experiência profissional indicada na proposta passaria a ser requisito contratual obrigatório (vd. facto provado 9)).». Prosseguindo, escreve-se na decisão recorrida que a Autora, na proposta apresentada « propôs uma experiência profissional, para a ora referida categoria, de 5 anos, o que determinou a exclusão da sua proposta, mesmo após a apresentação e apreciação da sua pronúncia em sede de audiência prévia (vd. factos provados 11) a 15)).», pelo que, por força dessa circunstância, o Tribunal a quo conclui « não se pode considerar que preenche os requisitos do lapso de escrita enunciado no artigo 249.º do CC.»
3.8.Para assim decidir, o Tribunal a quo considerou que «[…] a aplicação desta norma, pressupõe a existência de um erro ostensivo, evidente para qualquer destinatário de boa-fé, de tal forma, que se permita que o erro seja retificado.
O facto de a Autora ter declarado, genericamente, que a sua proposta responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais, assim como o facto de constar, na mesma linha, o requisito mínimo de 8 anos de experiência e ao lado constar uma experiência profissional de 5 anos, tal como nas cinco células imediatamente superiores, não é suficiente para que se possa concluir pela existência de lapso manifesto, não só porque nesta análise não está em causa uma questão aritmética ou contabilística, como o que se verifica é que esta “declaração negocial” foi unicamente preenchido pela Autora, sem campos pré-definidos, dela tendo feito constar expressamente uma experiência profissional de 5 anos para a categoria de mecânicos de bombas.
Não se está, também, perante um mero lapso no algarismo escolhido, nem divergente em relação a outros documentos integrantes da proposta apresentada pela Autora, motivo pelo qual inexiste lapso de escrita, nem se trata de um erro ostensivo ou manifesto, não sendo objetivamente apreensível ou comprovável no contexto da proposta apresentada.
Trata-se de uma afirmação na declaração negocial, assinada pela Autora, com uma experiência profissional diferente dos demais que se encontravam pré-definidos, que não se revela por si, no contexto da proposta e das circunstâncias em que a mesma foi apresentada.
Deste modo, não era exigível ao Júri do concurso que tivesse pedido quaisquer esclarecimentos, dado que o disposto no artigo 72.º, n.º 2 do CCP não o permite pois, ainda que se trate de um erro, seja de que natureza for, uma vez que se produziria no suprimento desse erro, uma alteração dos elementos da proposta, que a norma não permite.
Ou seja, como bem vinca o Ac. STA de 11/09/2019, proc. n.º 0984/18.2BEAVR, cuja fundamentação se tem seguido de perto, por se concordar com a mesma, o artigo 72.º do CCP não tem por fito suprir erros, omissões ou insuficiências das propostas, mas apenas e tão só, aclarar ou fixar o sentido de algum elemento menos apreensível, desde que não altere o conteúdo da proposta ou os elementos que com ela tenham sido juntos e dela façam parte integrante, que não foi o que sucedeu com a proposta apresentada pela Autora.
Esclarecer é clarificar não é, nem pode ter o efeito de completar ou de modificar a proposta, designadamente a sua substância (atributos, termos e condições) [PEDRO COSTA GONÇALVES, “Direito dos Contratos Públicos”, 4.ª Edição, Almedina, págs. 875 a 878].
Assim, alterar a experiência profissional proposta de 5 para 8 anos, colidiria com os princípios da intangibilidade das propostas e da concorrência já que tal apenas se destinaria a alterá-la e não restituir-lhe a sua “verdade original”.
Donde se conclui que, ainda que se trate de erro, este é unicamente imputável à Autora e apenas a si o deve (sibi imputet).
Pelo que a decisão de exclusão da proposta apresentada pela Autora também não padece do vício de violação de lei, nem, se vê qualquer violação dos restantes princípios por si enumerados, e, consequentemente, terá de improceder.»
3.9.A Apelante não se conforma, quer com o despacho que dispensou a realização da prova testemunhal que requereu, que reputa enfermar de nulidade, porquanto a não produção de prova testemunhal influiu no exame e na decisão da causa ( artigo 195.º do CPC), quer com o saneador-sentença que julgou a ação improcedente, imputando-lhe diversas nulidades e erros de julgamento.
4. Antes de conhecermos cada um dos fundamentos de recurso afigura-se-nos útil tecer algumas considerações técnico-jurídicas de enquadramento sobre o que constitui nulidade de sentença, nulidade processual e erro de julgamento, atenta, designadamente, a confusão em que a Apelante incorre entre o que constitui nulidade de sentença e erro de julgamento.
4.1.É consabido que as causas de nulidade de sentença encontram-se taxativamente enumeradas no artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC), que dispõe no n.º 1 que:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
4.2. As nulidades da sentença, elencadas neste preceito, distinguem-se das nulidades processuais previstas nos artigos 186º e seguintes do Código de Processo Civil e que se traduzem em “quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa dos atos processuais” - Vide Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, página 176.
4.3.As nulidades processuais (error in procedendo) são vícios ocorridos ao longo do processo, antes ou após a prolação da sentença (acórdão ou despacho) e, portanto, excluindo-se estes de tais vícios, que podem traduzir-se na circunstância do tribunal ter praticado, ao longo do iter processual, um ato que a lei não admite ou ter omitido um ato ou uma formalidade que a lei prescreve.
4.4.Nas nulidades processuais distinguem-se ainda as designadas nulidades principais, nominadas ou típicas, que se encontram taxativamente previstas nos artigos 186º, 187º, 191º, 193º e 194º do Código de Processo Civil, das nulidades secundárias, inominadas ou atípicas, que a lei regula no artigo 195º do Código de Processo Civil, sob a epigrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos”, e que poderão ter na sua base a prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou prática de um ato imposto ou admitido por lei, mas sem observação das formalidades previstas. Estão em causa irregularidades verificadas na tramitação processual as quais só constituirão nulidade se a lei o determinar ou quando o vício cometido possa influir no exame ou na decisão da causa, ou seja, quando se repercutam na sua instrução, discussão ou julgamento, ou em processo executivo na realização da penhora, venda ou pagamento – cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª Edição, página 381.
4.5.Esta distinção não é despicienda, conquanto o regime das nulidades principais e das nulidades secundárias é diverso quer quanto à sua invocação, quer quanto aos seus efeitos.
Assim, quanto à arguição das nulidades principais a regra geral consta do artigo 196º do Código de Processo Civil e é a da oficiosidade do seu conhecimento, podendo as nulidades previstas nos artigos 187º e 194º ser arguidas em qualquer estado do processo, enquanto não devam considerar-se sanadas, enquanto as nulidades previstas nos artigos 186º e no n.º 1 do artigo 193º apenas podem ser arguidas até à contestação (cfr. artigo 198º n.ºs 1 e 2).

4.6.Fora dos casos a que se refere o artigo 196º a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do ato, não podendo ser arguida pela parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição (cfr. artigo 197º).
4.7.Quanto às nulidades secundárias a regra é a da sua inoficiosidade, podendo o juiz delas conhecer oficiosamente se ocorrerem no decurso de ato a que presida conforme decorre do artigo 199º n.º 2 do Código de Processo Civil); estabelece o n.º 1 deste preceito que se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar, isto é, até ao termo desse ato; se não estiver presente ou representada, o prazo de 10 dias para a arguição (v. artigo 149º n.º 1) conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte intervier em algum ato praticado no processo ou for notificada para qualquer termo dele, mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
4.8.Precise-se que as nulidades do processo podem determinar a nulidade da própria sentença (acórdão ou despacho), não porque esta padeça de um dos vícios intrínsecos a que alude o artigo 615º, n.º 1 do CPC, mas porque quando essas nulidades processuais ocorram antes da prolação da sentença (acórdão ou despacho), por decorrência do n.º 2 do artigo 195º do CPC, a procedência de uma nulidade processual poderá levar à nulidade dos atos subsequentes, incluindo da própria sentença (acórdão ou despacho) apesar desta não padecer de nenhum dos vícios a que alude o n.º 1 do artigo 615º do CPC.
4.9.Quanto às nulidades de sentença, como temos recorrentemente escrito nos acórdãos que vimos relatando, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se terem violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.
5.Conforme decorre das diversas alíneas do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que supra transcrevemos, as causas de nulidade de sentença reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art.º 666º, n.º 1 do CPC) ou despacho (art.º 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos – causa de pedir (o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente) - e/ou de pretensão – pedido (o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum)), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, reafirma-se, vícios formais que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas.
5.1.Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o juiz ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou como provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso, na interpretação dessas mesmas normas, e/ou na sua aplicação à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris).
5.2.
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando .
5.3.Numa síntese expressiva, lê-se no Acórdão do STJ, de 17/10/2017, proferido no processo n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1, que as nulidades processuais: “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei”.
5.4.Assim, se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respetiva consequência é a revogação; se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, as decisões são nulas nos termos do referido artigo 615º.
5.5.Resulta do exposto que as nulidades da sentença não se confundem com o chamado erro de julgamento e, sobretudo, não deve confundir-se o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa, como claramente ocorre na situação em análise, que temos em mãos, como infra melhor veremos.
5.6. Ademais, não podemos deixar de subescrever a observação que António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, efetuam, no sentido de ser “impressionante a frequência com que, em sede de recurso, são invocadas nulidades da sentença ou de acórdãos, denotando um número significativo de situações em que o verdadeiro interesse da parte não é verdadeiramente obter uma correta apreciação do mérito da causa, mas de “anular” a toda a força a sentença com que foi confrontada (…) seria bom que se interiorizasse que, atento o disposto no art.º 655º, n.º 1, que regula os poderes da Relação no âmbito do recurso de apelação, a sua verificação não determina necessariamente a remessa dos autos ao tribunal de 1ª instância, antes implica a substituição imediata por parte da relação (…) Acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronuncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso”- cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, página 736 a 737.
5.7.Concluído o enquadramento jurídico que antecede, estamos agora em melhores condições de avançar para a concreta apreciação de cada um dos fundamentos de recurso, desde já se adiantando que perscrutada a alegação da Apelante, é indiscutível que a mesma incorre no recorrente equívoco sobre o que sejam causas determinativas de nulidade da sentença, despacho ou acórdão, e erros de julgamento.
Avançando.
b.1. da nulidade do despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, e consequentemente, do saneador-sentença que julgou a ação improcedente decorrente de:
(i) “omissão de instrução”, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil (CPC); (ii) “omissão de pronúncia, por dispensa da prova testemunhal requerida, por sua omissão na factualidade provada ou não provada”; (iii) “falta de fundamentação da dispensa da prova testemunhal, no que aos factos subjacentes ao erro contido na proposta da Apelante diz respeito”.

5.8. A Apelante alvitra que o despacho que dispensou a produção da prova testemunhal por si requerida, não está fundamentado, violando o disposto no artigo 90.º do CPTA e no artigo 154.º do CPC ex vi do artigo 1.º do CPTA; que esse despacho viola o seu direito à prova e à tutela jurisdicional efetiva, na medida em que lhe retira a possibilidade de demonstração da factualidade alegada na p.i. e nas respostas, em relação ao erro de escrita na elaboração da proposta e às suas circunstâncias; que a omissão da produção da prova requerida pela entidade demandante veio a influir de forma clara e determinante, quer no exame, quer na decisão da causa, violando o princípio do contraditório, uma vez que o Tribunal a quo não considerou, na decisão de mérito que proferiu, a factualidade subjacente ao erro por si alegado, devidamente identificada e indicada quanto ao objeto do depoimento requerido.
5.9.Considera que para aferir da verificação do invocado erro de escrita, o Tribunal a quo teria necessariamente de avaliar o depoimento da testemunha arrolada, em conjugação com o teor dos documentos transcritos na matéria de facto provada e só da sua conjugação, é que o Tribunal a quo lograria apurar as circunstâncias que determinaram o erro de escrita, fruto do erro do utilizador informático.
6.Conclui que dispensada a produção de prova testemunhal e omitida a matéria de facto alegada por si, subjacente ao erro de escrita, não pode senão considerar-se que foi efetuada uma incorreta aplicação da norma constante do artigo 90° do CPTA.
Sem razão. Vejamos.
6.1.Conforme se expendeu no relatório que supra elaboramos, a Autora, aqui Apelante, por requerimento datado de 10/07/2023, em resposta a solicitação do Tribunal nesse sentido, esclareceu que o depoimento da testemunha por si arrolada se destinava a fazer prova do alegado nos artigos 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 38.º, 44.º e 45.º da p.i..
6.2. Nessa sequência, o Tribunal a quo decidiu não se justificar a produção de prova testemunhal, uma vez que, « analisados os articulados das partes, bem como a matéria por estas indicadas, não consta a alegação de factos com relevância para a decisão da causa que efetivamente careçam da produção de prova testemunhal, porquanto os factos alegados assentam no conjunto de documentos juntos aos autos, bem como os que constam do Processo Administrativo» .
E bem.
6.3.Nos termos do disposto no artigo 90.º « A instrução rege-se pelo disposto na lei processual civil, sendo admissíveis todos os meios de prova nela previstos» ( n.º2). Por sua vez, de acordo com o disposto no n.º3 desse preceito « No âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário».
6.4.Em anotação a este preceito, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO F. CADILHA assinalam que « a segunda parte do n.º3 autoriza o juiz ou relator a “indeferir, mediante despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos necessários”. Esse poder de conformação do juiz tem em vista contrabalançar o efeito dilatório que poderia resultar da admissão genérica, no processo administrativo, de qualquer meio de prova consentido na jurisdição comum e justifica-se também por frequentemente, e, em especial, no domínio das ações relativas a atos administrativos e a normas, a produção de prova poder reduzir-se, sem necessidade de indagações, ao processo administrativo ou a outro tipo de prova documental»- cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO F. CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Almedina, 2021, p. 762.
6.5.No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA refere que o que se pretende com o regime previsto nesse preceito é “evitar que os requerimentos de prova possam ser utilizados como um expediente manifestamente dilatório, exigindo do juiz que avalie, em cada caso, da necessidade dos meios de prova a adotar em função das especificidades próprias do objeto típico dos processos da ação administrativa especial, que, quando neles não sejam cumulados pedidos que corresponderiam à forma da ação administrativa comum, apenas visam a fiscalização da legalidade da emissão (ou omissão) de atos administrativos ou normas regulamentares, e, por isso, na maioria dos casos, são processos em que a demonstração dos factos relevantes para a sua apreciação se basta com a produção de prova documental” - cfr. Manual de Processo Administrativo, Almedina, 2012, p. 376.
6.6.Com interesse para esta questão, veja-se a jurisprudência, entre outros, a constante do Acórdão deste TCAN, proferido em 12/01/2018, no processo n.º 00729/15.9BEAVR-A, em cujo sumário se lê:
“1 - Em presença de uma Ação Administrativa Especial, relativamente à qual a prova da matéria controvertida, se mostra predominantemente documental, é patente que a inquirição de testemunhas, independentemente do que ai pudesse ser dito, não teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão, não se mostrando assim censurável a dispensa fundamentada de tal diligência, a qual seria inútil e meramente dilatória. Com efeito, estando em causa, para já, predominantemente questões de interpretação de direito, conexas com a aposentação antecipada, a prova documental disponível mostra-se suficiente” .
6.7.No caso sob análise, não oferece dúvida que, nos termos do n.º3 do art.º 90.º do CPTA, a Senhora Juiz a quo tinha a possibilidade, dentro dos seus poderes de conformação, de dispensar a produção da prova testemunhal, não traduzindo a prolação do referido despacho a prática de ato estranho à tramitação processual legalmente prevista. A questão está antes em saber se no caso se impunha que tivessem sido ordenadas diligências instrutórias de produção de prova testemunhal, o que a verificar-se, determina a nulidade do referido despacho, por essa omissão ter repercussão no exame e decisão da causa, impondo-se, consequentemente, anular o saneador-sentença recorrido.
6.8.Acontece que, analisando os articulados apresentados pelas partes, é evidente que a questão fulcral a decidir, era, e é, a de saber se a proposta apresentada pela Autora foi ou não indevidamente excluída pela Entidade Adjudicante e, bem assim, se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou a ação improcedente, corroborando a tese da Entidade Adjudicante, deve ser anulada e/ou revogada, ou antes, deve manter-se, o que passa, sobretudo, por saber se a divergência verificada na proposta apresentada pela Autora em relação ao aspeto supra referido do CE, foi apenas o resultado de um erro de escrita, conforme previsto no art.º 249.º do Cód. Civil, revelado pelo texto da própria DECLARAÇÃO/proposta, que, por isso, devia ter sido retificado, com a consequente admissão da proposta apresentada pela Autora, ou se, assim não pode entender-se, devendo manter-se a decisão recorrida.
6.9.Feito estes afloramentos ao que de essencial constitui o thema decidendum no processo sub judice , cremos que a tese da Apelante, relativa à nulidade do despacho que dispensou a produção de prova testemunhal, e em relação às consequências que pretende daí resultarem para o saneador-sentença, é claramente improcedente.
Vejamos.
7. Antes de mais, atentemos na matéria alegada na p.i. , em relação à qual a Autora pretendia que fosse ouvida a testemunha que arrolou, recorde-se: artigos 15,16,17,18, 25,26,27,28,29,38,44 e 45 da p.i.
7.1. Primo, coligindo a matéria que vem alegada pela Autora nos artigos 15.º e 16.º da p.i., a mesma mais não faz do que repetir nesses pontos o teor do relatório preliminar elaborado pelo júri do procedimento concursal, aqui em causa. Secundo, relativamente à matéria dos artigos 17.º e 18.º da p.i., os mesmos cingem-se à reprodução do teor da pronúncia, apresentada pela Autora, em sede de audiência prévia, quanto ao conteúdo do relatório preliminar. Tertio, quanto à matéria dos artigos 25.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 38.º, 44.º e 45.º da p.i., estão essencialmente em causa conclusões que a Autora retira a partir dos documentos que constituem a proposta.
7.2. Em bom rigor, a matéria alegada nesses pontos da p.i., não integra, pelo menos, em parte significativa, factos mas conclusões ou valorações jurídicas que a autora extrai desses elementos. Exemplificando, veja-se, não teria sentido, nem qualquer utilidade para a decisão do objeto da ação, ouvir a indicada testemunha sobre o que tinha a dizer relativamente a considerações que a Autora tece em relação ao entendimento do Júri e à pretensa ofensa ao n.º 3 do artigo 72.º do CCP, e bem assim, sobre o próprio entendimento da Autora de que “a relevação do erro material resultante da operação de copy não atinge de forma alguma os termos legalmente exigidos para a apresentação de proposta em conformidade com os termos do procedimento”. Sequer teria sentido ouvir a testemunha sobre a sua opinião em relação à “afirmação de que os elementos documentais que corporizam o procedimento pré-contratual (…) não deixam dúvidas, se lidos na perspetiva do erro material invocado” e bem assim sobre não ser razoável “admitir-se, num juízo linear, que estando inscrito na mesma linha a exigência de antiguidade de 8 anos se faça dela constar um valor inferior”.
7.3. O que a Autora almejava, com a inquirição da testemunha que arrolou, era demonstrar as circunstâncias em que ocorreu o erro de escrita em que alega ter incorrido na elaboração da sua proposta a fim de o Tribunal concluir pela possibilidade de retificação da sua proposta, quando, na verdade, para existir erro de escrita retificável a única prova exigível é que na declaração em que se verifica o erro de escrita, ou seja, no caso, no texto da proposta, esse alegado erro seja captável de forma ostensiva. Logo, para esse efeito, não é necessária, nem autorizada, a produção de qualquer outra prova que não a que resulte da declaração negocial/proposta.
7.4. O erro de cálculo ou de escrita, nos termos que resultam do disposto no artigo 249.º do Cód. Civil, relativamente às declarações negociais, tem de ser revelado no próprio contexto da declaração, o mesmo é dizer, a evidência da existência do lapso e da forma como o mesmo deve ser corrigido tem de resultar dos próprios documentos que constituem a proposta, não se admitindo a produção de prova testemunhal a esse respeito, pelo que, por esta tão simples e evidente razão, sempre seria de rejeitar a inquirição da testemunha indicada pela Autora. Sendo assim, não houve omissão de instrução.
7.5. A Apelante alega ainda que o despacho em causa não está fundamentado, mas uma vez mais sem razão.
7.6.Como é sabido, o dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente é uma imposição constitucional decorrente do art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual remete para a lei ordinária a forma como deve ser dado cumprimento a esse dever.
7.7.Com acutilância, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO F. CADILHA observam que « o indeferimento de requerimentos probatórios não corresponde ao exercício de um poder discricionário do juiz, visto que essa decisão está condicionada pela desnecessidade da prova ou pela irrelevância dos factos os quais se pretende produzir a prova»- cfr. ob. cit. pág. 763.- tendo tal despacho de ser fundamentado.
7.8. No caso, o despacho recorrido está fundamentado de forma adequada, como resulta do seu conteúdo cuja transcrição repetimos:
«Não se vislumbrando matéria suscetível de ser provada por esta via, foram as partes questionadas sobre a matéria a que pretendiam submeter a inquirição das testemunhas arroladas.
Indicados os artigos das respetivas peças processuais, constata-se que os mesmos se referem a elementos documentais juntos aos autos, não impugnados ou encerram matéria conclusiva ou de direito.
O que significa que as questões a decidir será apreciada em face dos elementos documentais existentes nos autos.
Nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 3, aplicável ex vi artigo 102.º, n.º 1, ambos do CPTA, “no âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário”.
Atendendo a que, analisados os articulados das partes, bem como a matéria por estas indicadas, não consta a alegação de factos com relevância para a decisão da causa que efetivamente careçam da produção de prova testemunhal, porquanto os factos alegados assentam no conjunto de documentos juntos aos autos, bem como os que constam do Processo Administrativo, dispenso, por desnecessária, a utilização do meio de prova testemunhal requerida.»
7.9.Aqui chegados, seria absurdo aquiescer-se com a tese de que, perante o conteúdo do referido despacho, a Senhora Juiz a quo incumpriu com o dever constitucional de fundamentar aquela decisão, uma vez que a mesma foi deveras muito clara na indicação expressa das razões pelas quais considerou, e assertivamente, como desnecessária a produção de prova testemunhal, não podendo, por conseguinte, ter-se esse despacho como não fundamentado.
8. Destarte, não pode senão decidir-se que não assiste razão ao Apelante nas nulidades que assaca ao despacho. Ao invés do que sustenta a Apelante, impunha-se ao Tribunal a quo que proferisse, como proferiu o referido despacho a dispensar a produção de prova testemunhal, pelo que o mesmo não consubstancia a omissão de qualquer formalidade necessária à boa instrução da causa, não configurando o mesmo nenhuma restrição ilegítima do direito à prova e do direito à tutela jurisdicional efetiva, previstos nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º e no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, nem qualquer violação do princípio do contraditório.
8.1. Consequentemente, também o saneador- sentença recorrido não enferma de qualquer vício decorrente da prolação deste despacho, que nenhuma influência teve no exame e na decisão da causa.
Improcedem, consequentemente, os invocados fundamentos de recurso.
*
b.2. da nulidade do saneador-sentença nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 615.º do CPC: (i) por não indicar qualquer facto como não provado, violando o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA, no n.º 4 do artigo 607.º e nas alíneas b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi d o artigo 1.º do CPTA- vide conclusão xiii; (ii) por falta de fundamentação da decisão que julgou não verificado o erro de escrita.

8.2. Nas conclusões de recurso que a Apelante formula sob as alíneas xi, xii e xiii, assaca o vício da nulidade ao saneador- sentença recorrido por, alegadamente, nele não se indicar a matéria de facto que o Tribunal a quo julgou não provada, nem se proceder à análise critica das provas, tendo o Tribunal a quo seguido a posição do Júri do procedimento, omitindo os factos que se retiravam dos articulados da p.i. e das respostas, acabando por proferir uma decisão não fundamentada, o que importa violação do disposto no n.º 3 e 4 do artigo 94.º do CPTA e a nulidade suscitada.
Que dizer?
8.3.Como supra se escreveu, o dever de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente é uma imposição constitucional decorrente do art.º 205º, n.º 1 do CRP, o qual remete para a lei ordinária a forma como deve ser dado cumprimento a esse dever.
8.4.Densificando esse comando constitucional, lê-se no art.º 154º do CPC que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (n.º 1), não podendo essa fundamentação consistir na simples adesão dos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).

8.5.Por sua vez, em sede de estruturação da sentença, estabelece art.º 94.º do CPTA e art.º 607º do CPC que esta começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpra solucionar; seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final; na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
8.6.Deste modo, ainda que o pedido não seja controvertido ou que a questão não suscite qualquer dúvida, todas as decisões judiciais têm de ser fundamentadas por imposição constitucional e infraconstitucional, dado que destinando-se as decisões judiciais a solucionar conflitos e assim, a promover a paz social, esse desiderato apenas logrará ser atingido quando o juiz, através da fundamentação, logre demonstrar que a decisão que proferiu não é um mero ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, passando de convencido a convincente.
8.7.Acresce que a fundamentação exerce a função primordial de autocontrolo do próprio tribunal, ao forçá-lo a ter de exteriorizar e motivar os fundamentos probatórios e o raciocínio que a partir deles fez ou não fez para chegar à decisão de facto que proferiu e ao ter de, em sede de direito, exteriorizar as normas jurídicas que elegeu, a interpretação que fez dessas mesmas normas e o modo como as aplicou aos factos que se quedaram como provados e não provados no caso concreto, dando-os a conhecer às partes para que estas possam ajuizar do bom (ou mau) fundamento do decidido e da viabilidade de utilizarem os meios de impugnação da decisão legalmente previstos, caso não se conformem com o decidido, e, em caso de recurso, permitindo ao tribunal superior conhecer desses fundamentos para que os possa reapreciar.
8.8. É claro, que a exigência de fundamentação das decisões judiciais pode não ser tão intensa no campo dos despachos interlocutórios, uma vez que neles autoriza-se o juiz a fundamentar a decisão por remissão para os fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, desde que a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

8.9.No entanto, esse dever de fundamentação é compreensivelmente intenso na sentença, dado que é nela que o tribunal dirime o conflito que lhe foi submetido pelas partes à sua apreciação/decisão e daí que nela o tribunal tenha o dever legal de fundamentar a decisão de facto e de direito.
9.Em sede de fundamentação da matéria de facto, nos casos em que a prova de determinado facto esteja submetida a regras de direito probatório material, em que a apreciação da prova tem de ser feita, por imperativo legal, de acordo com essas regras, que fixam o valor probatório de determinado meio de prova, sem deixarem qualquer margem de subjetivismo ao julgador (última parte do n.º 5 do art. 607º) , na sentença, o juiz terá de, em sede de motivação, identificar o concreto meio probatório e o dispositivo legal (identificando-o, interpretando-o e aplicando-o) que lhe impõe, reafirma-se, sem qualquer margem de subjetivismo, o sentido da decisão da matéria de facto que proferiu.
9.1.Já em relação a facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, que é a regra, porque a sujeição a livre apreciação da prova não equivale a arbitrariedade, o juiz tem o ónus de fundamentar os factos julgados como provados e não provados, o que implica a obrigação de especificar os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção sobre a prova ou falta de prova dos factos, indicando “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente”, o que “pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (…) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial)”-
cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 348.
9.2.Dito por outras palavras, a obrigação de fundamentação em sede de julgamento da matéria de facto implica que o julgador exteriorize, indicando-os, quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais tais meios probatórios obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado.
9.3.Em sede de fundamentação de direito impende sobre o juiz a obrigação de na sentença identificar as normas jurídicas que avocou, a interpretação que fez dessas mesmas normas jurídicas e a aplicação que delas fez aos factos que se quedaram como provados e não provados no caso concreto.
9.4.O incumprimento do dever de fundamentação de facto ou de direito da sentença, nos termos do art.º 615º, n.º 1, al. b) do CPC, implica que esta seja nula, regime este que, conforme já se referiu, é extensivo aos despachos (art.º 613º, n.º 3 do CPC) e aos acórdãos (art.º 666º, n.º 1, do CPC).
9.5.Note-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade da sentença, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação -
cfr.Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 348
9.6.Na verdade, não deve confundir-se a falta de fundamentação com fundamentação deficiente, medíocre ou errada e menos ainda com fundamentação divergente. “O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”; e, por “falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” – cfr.Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, pág. 140.
9.7.Destarte, apenas a total falta de fundamentos de facto e de direito, ou a total omissão da motivação do julgamento da matéria de facto realizado, e não apenas uma especificação incompleta, sumária ou errada, gera a nulidade da sentença.
9.8.Porque assim é, compreende-se que padecendo o julgamento da matéria de facto do vício da deficiência, no sentido do tribunal não ter julgado como provados ou não provados factos essenciais integrativos da causa de pedir alegada pelo autor ou das exceções deduzidas pelas partes, ou factos complementares que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa e tenha sido observado quanto aos mesmos o princípio do contraditório, ou factos instrumentais que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa, esse vício não determine a nulidade da sentença, designadamente, por omissão de pronúncia, mas antes traduza erro de julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência, que terá de ser suprimido pelo Tribunal de 2.ª Instância sempre que tal seja viável. E se preveja na al. d), do n.º 2 do art.º 662º do CPC, que sempre que determinado facto essencial para o julgamento da causa não esteja devidamente fundamentado, a 2.ª Instância deve determinar a baixa dos autos à 1ª Instância para que esta o fundamente devidamente, tendo em conta os depoimentos gravados e registados.
9.9.Revertendo ao caso dos autos, conforme flui da alegação da Apelante e do teor do saneador- sentença recorrido, não se está perante qualquer situação de total falta de motivação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. De igual modo, conforme resulta do saneador – sentença recorrido, o Tribunal a quo considerou inexistirem factos não provados relevantes para a decisão da causa e daí que não os tenha discriminado.
10.Note-se que apenas devem ser julgados como provados ou não provados, o(s) facto(s) concreto(s) que em face das circunstâncias próprias do caso em apreciação e atendendo às diversas soluções plausíveis de direito, tenham relevância jurídica. O julgador tem de especificar todos os factos alegados, que tenham relevância para a decisão a proferir, mas não tem de discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar- cfr. neste sentido, Acórdão do TCAS, proferido em 27/02/2020, processo n.º 393/19.6BELSB.
10.1 O Tribunal a quo, em relação aos factos alegados com interesse para a decisão da causa deu-os todos como provados, com base nos documentos juntos aos autos, julgando inexistirem factos não provados com interesse para a decisão a proferir. Como tal, diversamente do que alega a Apelante, não se está perante situação de falta de discriminação dos factos não provados mas antes perante a circunstância de o Tribunal a quo ter julgado inexistirem factos relevantes para a prolação da decisão que tivessem de ser dados como não provados
10.2. Sempre se dirá que caso devessem ser dados como não provados factos que o Tribunal a quo não considerou/omitiu, essa situação configuraria erro de julgamento sobre a matéria de facto e não nulidade de sentença por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia.
10.3. No que concerne à alegada falta de fundamentação da decisão recorrida quanto à decisão que considerou não proceder a invocação do erro de escrita na elaboração da proposta que a Apelante apresentou ao concurso, é inquestionável que a Senhora Juiz a quo cumpriu cabalmente esse dever, quando indicou as razões que a conduziram a julgar improcedente a invocação do erro de escrita.
10.4. Perscrutando o saneador-sentença recorrido nele a Senhora juiz a quo não só corrobora as razões invocadas pelo júri do procedimento nos relatórios preliminar e final e que foram acolhidas pela Entidade Adjudicante, para sustentar que não se estava perante uma situação enquadrável na previsão do art.º 249.º do Cód. Civil, como enuncia e reflete sobre os argumentos que a seu ver sustentam a improcedência do escrita na elaboração da proposta apresentada pela Autora. Tudo, conforme demonstra o seguinte segmento do saneador- sentença recorrido:
«[…]Pese embora a fundamentação expendida seja poupada, constata-se que a decisão em causa, permitiu à Autora como permitiria a qualquer destinatário normal, colocado nas mesmas circunstâncias, apreender as razões de facto e de direito e bem assim os fundamentos e as razões que levaram o Júri do procedimento e a Entidade Demandada a decidir no sentido da decisão final que proferiu, excluindo a proposta apresentada pela Autora.
Efetivamente, um declaratário normal, colocado nas mesmas circunstâncias da Autora percebe, claramente e suficientemente, os motivos pelos quais não procedem os argumentos da pronúncia por si apresentada, com a consequente exclusão da sua proposta: segundo a fundamentação vertida na decisão de exclusão, a Autora, ao propor uma experiência profissional de 5 anos para os mecânicos de bombas, violou o parâmetro base previsto no ponto 9.2.9 do Caderno de Encargos, que impõe que os mesmos tenham uma experiência profissional mínima de 8 anos.
Encontrando-se a decisão de exclusão da proposta apresentada pela Autora devidamente fundamentada, improcede este vício alegado pela Autora
10.5. É apodítico que o saneador- sentença se encontra fundamentado, não podendo a Apelante pretender que o mesmo enferma de vício de nulidade por falta de fundamentação. O que sucede é que a Apelante discorda da subsunção jurídica efetuada pelo Tribunal a quo, direito que lhe assiste. O que não lhe é razoável é que confunda a nulidade da sentença com a discordância relativamente ao teor da sentença, ou a falta de fundamentação com a fundamentação diferente da pretendida.
10.6. Resulta do que se vem dizendo, sem necessidade de outras considerações, ter igualmente de improceder a pretensa nulidade da sentença por alegada falta de fundamentação decorrente da falta de indicação dos factos não provados.
Termos em que se impõe julgar improcedente a apontada nulidade de sentença com fundamento na violação das alínea b) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.
*
b.3. da nulidade do saneador-sentença “nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC: (i) por não se ter pronunciado sobre as circunstâncias do erro informático/o seu pressuposto, constante da tabela relativa à indicação da experiência dos mecânicos de bombas, nos termos da materialidade alegada pela apelante, que devia apreciar nos termos do n.º 1 do artigo 195.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ( vide conclusão xiv); (ii) por “omitir” a pronúncia relativa à falta de fundamentação do júri do procedimento em sede de Relatório Final, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA, no n.º 4 do artigo 607.º e nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA- vide conclusão xx.

10.7. A Apelante, ao longo do recurso, assaca ao saneador- sentença uma multiplicidade de nulidades, sem fundamento consistente, num exercício estéril que não tem nenhuma utilidade para o que importa decidir no presente processo, retardando essa mesma decisão, amarrando-nos a uma plêiade de questões sobre as quais nos temos de pronunciar, para finalmente decidir aquela que é a verdadeira questão: ocorreu ou não erro de escrita, segundo a previsão do artigo 249.º do Cód. Civil na elaboração da proposta da Autora?
Prosseguindo.
10.8.Constitui causa de nulidade da “sentença” nos termos da al. c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC a situação em que “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
10.9.Esta nulidade resulta apenas dos fundamentos invocados pelo juiz conduzirem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto, e não da eventual circunstância de o conteúdo decisório da sentença revelar que o seu autor não teve em consideração determinados factos – que poderão ser notórios - ou que não teve em consideração circunstâncias factuais a que fez menção no despacho de fundamentação das respostas à matéria de facto. Tais deficiências poderão, quando muito, implicar erro de julgamento, o qual, porém, se mostra sanável, não por via da arguição de nulidade da sentença, mas apenas pela via do recurso de mérito.
11. Nas suas alegações de recurso ( vide artigos 1.º a 46.º das alegações) a Apelante não explica em que parte do saneador- sentença vislumbra a existência de fundamentos em oposição com a decisão, ou alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, razão pela qual não se pode conhecer dessa nulidade.
11.1.Entre as causas de nulidade da sentença (acórdão ou despacho) taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º, contam-se também o vício da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia (al. d), do n.º 1 do art. 615º).
Trata-se de nulidades que se relacionam com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
11.2.Na verdade, devendo o tribunal conhecer todas as questões que lhe são submetidas, isto é, todos os pedidos deduzidos pelas partes, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença, a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que aquele não conheceu, mas sim erro de julgamento) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC).
11.3.Inversamente o conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente configura nulidade por excesso de pronúncia.
11.4.Acresce precisar que, como já alertava
Alberto dos Reis impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”- cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, 5º vol., págs. 55 e 143.
11.5.Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões. Neste sentido, veja-se Ferreira de Almeida- in “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371- , em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”.
11.6. Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
11.7.Acresce precisar que, embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença final, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em regra, causa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia, porquanto o julgamento da matéria de facto encontra-se sujeito a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pelos tribunais de 2.ª Instância dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
11.8.Não falta aliás, quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa de nulidade da sentença, continuando válida a distinção que na versão anterior à revisão do CPC se impunha operar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito).
Neste sentido, escreveu-se no Acórdão do TRC, de 20/01/2015, proferido no processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1 que : “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”.
No mesmo sentido, veja-se também o Acórdão do TRL, de 29/10/2015, proferido no processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
11.9.No entanto, perante as alterações introduzidas pela Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão de direito, nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode concluir que os erros de julgamento da matéria de facto, em caso algum, constituam causa de invalidade da sentença nos termos do art.º 615º, uma vez que tais erros poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos (vícios formais) de nulidade da própria sentença enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação desta, como é o caso de uma sentença em que o juiz omite totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados e/ou em que omite totalmente a discriminação dos julgados não provados e/ou em que omite totalmente a motivação do julgamento de facto que realizou- cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734.
12.A Apelante invoca como fundamento para as nulidades que assaca ao saneador-sentença para efeitos do disposto nas alíneas c) e d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as circunstâncias do erro informático/o seu pressuposto, constante da tabela relativa à indicação da experiência dos mecânicos de bombas, nos termos da materialidade alegada pela apelante, que devia apreciar nos termos do n.º 1 do artigo 195.º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC ( vide conclusão xiv). E bem assim, que o Tribunal a quo omitiu a pronúncia relativa à falta de fundamentação do júri do procedimento em sede de Relatório Final, que lhe era exigida nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º do CPTA, no n.º 4 do artigo 607.º e pelas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA- vide conclusão xx.
12.1.Em bom rigor, os vícios que a Apelante imputa ao saneador- sentença recorrido decorrem:
(i)primo, de em sede de julgamento da matéria de facto, o tribunal a quo não ter julgado como provada nem como não provada determinada facticidade que a mesma alegou na p.i.
Ora, este vício, salvo o devido respeito, a verificar-se, reconduz ao vício da deficiência do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e não a vício gerador de nulidade da decisão recorrida.
(i) Secundo, de alegadamente não se ter pronunciado sobre o vício de falta de fundamentação que impetrou ao ato impugnado na ação. Este vício, a verificar-se, constitui nulidade da decisão por omissão de pronúncia nos termos da al. d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.
12.2. No que tange aos fundamentos de nulidade que aduz para substanciar a omissão de pronúncia em relação à matéria de facto, dir-se-á que, conforme decorre da própria alegação da Apelante e do teor do saneador- sentença recorrido, onde o tribunal a quo discrimina e declara quais os factos que julgou como provados e bem assim, que não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa, não pode deixar de concluir-se que não se está perante qualquer situação em que, na decisão sob recurso, tenha ocorrido uma situação de total falta de declaração e discriminação dos factos julgados provados e/ou de omissão de discriminação dos julgados não provados e em que, portanto, se esteja perante uma daquelas situações excecionais em que os vícios ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto se revelam de tal modo graves que acabam por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença enunciados no n.º 1 do art.º 615º do CPC (vícios formais intrínsecos desta).
12.3.Deste modo, a consubstanciarem os pretensos factos em relação aos quais a Apelante acusa o tribunal a quo de ter incorrido no vício da omissão de pronúncia, caso se verifique que o tribunal não os julgou efetivamente como provados nem como não provados na sentença, essa omissão, contrariamente ao pretendido pela Apelante, não consubstancia qualquer causa determinativa de nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas antes erro de julgamento da matéria de facto, na vertente da deficiência. Esse erro de julgamento da matéria de facto terá de ser suprimido pelo Tribunal ad quem, no uso dos seus poderes de substituição.
12.4.No que tange à alegada falta de pronuncia do Tribunal a quo sobre a questão relativa ao vício de forma decorrente da pretensa falta de fundamentação do Relatório Final elaborado pelo Júri do Procedimento em que se propôs a exclusão da proposta apresentada pela Apelante, só no pressuposto de que a Apelante estava distraída se aceita que a mesma venha suscitar em sede de recurso a nulidade do saneador- sentença com base em tal argumentação.
12.5.E isso porque, perscrutado o saneador- sentença é patente que a questão da falta de fundamentação da decisão administrativa impugnada na ação foi expressamente decidida, tendo o Tribunal a quo julgado não verificado esse vício.
12.6.Logo,não pode subsistir qualquer dúvida em como essa questão foi decidida, pelo que jamais a decisão recorrida poderia enfermar do vício de nulidade por omissão de pronuncia com esse fundamento.
12.7.Diferente é a questão de saber se essa questão foi bem ou mal decidida pelo Tribunal a quo, o que já nos transporta para o domínio do erro de julgamento sobre a decisão de mérito.
Termos em que, sem necessidade de nos adiantarmos mais neste ponto, improcedem as invocadas nulidades da sentença recorrida.
**
b.4. do erro de julgamento em matéria de direito.

12.8.A Apelante assaca ao saneador – sentença recorrido erro de julgamento por nele se ter decidido que a proposta que apresentou violou o parâmetro base previsto no ponto 9.2.9 do Caderno de Encargos, quando se impunha ao Tribunal a quo que tivesse dado como verificado que a desconformidade da proposta com aquele parâmetro se ficou a dever a um erro de escrita, e, bem assim, por o Tribunal a quo ter decidido que não impendia sobre o júri do procedimento, nas concretas circunstâncias do caso, o dever de formular pedido de esclarecimentos à Apelante, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 72.º do Código dos Contratos Públicos (CCP).
12.9. O Tribunal a quo, como vimos supra, secundando a posição das Apeladas, ajuizou, de acordo com a análise que fez dos documentos que constituem a proposta, que não se podia considerar que existisse um erro notório ou evidente na proposta apresentada quando nela se indicou a experiência de 5 (cinco) anos para os mecânicos de bombas, ao invés da experiência exigida pelo CE que era de 8 (oito) anos.
Que dizer?
13. Cremos que assiste razão à Apelante, por entendermos que apesar de a mesma ter indicado na própria proposta por si elaborada, uma experiência profissional de 5 anos, para a categoria de mecânicos de bombas, dela resulta de forma patente que aquela queria, afinal, propor uma experiência profissional de 8 anos para esse grupo profissional, como nos apraz desde já referir.
Vejamos.
13.1.A proposta é a declaração (negocial) pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pela qual se dispõe a fazê-lo – cfr. art.º 56.º do CCP-, a qual encerra um complexo de declarações heterogéneas, em que os concorrentes procuram responder às diversas solicitações da entidade adjudicante quanto ás questões consideradas procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens que cada proposta trará. Corresponde, assim, « a um processo documental em que, além da manifestação da pretensão (“modelada”) de celebrar o contrato objeto do procedimento e da aceitação do conteúdo do caderno de encargos, o concorrente há – de incluir, basicamente, os documentos- qualquer que seja a sua forma ( escrita, desenhada, maquetas, etc.)-nos quais exprime os atributos e características das prestações que se propõe realizar e (ou) receber, em função do objeto do contrato e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como, se for o caso, os termos e condições relativos a aspetos desses, mas subtraídos à concorrência» - cfr. Mário Esteves de Oliveira e outro, in ob. cit., pág.570.
13.2.Sendo a proposta uma declaração negocial (art.º 56.º, n.º 1 do CCP), a sua interpretação está sujeita às regras interpretativas do negócio jurídico ( art.º 236.º do CC), enquanto atividade destinada a determinar o significado juridicamente relevante do respetivo conteúdo declarativo.
13.3.Como se escreveu no recente Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0462/22, relatado pela Senhora Conselheira Ana Celeste: «29. Devendo a proposta dar pontual cumprimento ao que tiver sido exigido nas peças do procedimento, o seu respetivo conteúdo é determinado pela vontade manifestada pela entidade adjudicante e pelo que haja sido previsto como aspetos de execução do contrato, seja quanto aos seus atributos [elementos da proposta que, à luz do critério de adjudicação e modelo de avaliação definidos no programa do procedimento, irão ser submetidos à concorrência ou alvo da avaliação, para efeitos de escolha da melhor proposta – artigos 42.º, n.ºs 3 e 4, 56.º, n.ºs 1 e 2, 57.º, n.º 1, al. b) e 70.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CCP], seja quanto aos termos ou condições [elementos da proposta relativos a aspetos da execução do contrato inseridos nas peças do procedimento, mormente em cláusulas do Caderno de Encargos, não submetidos à concorrência e que a entidade adjudicante pretende que os concorrentes se vinculem – artigos 42.º, n.º 5, 57.º, n.º 1, al. c) e 70.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b), do CCP].»
13.4. Com relevo para a situação em análise dispõe o artigo 146.º do CCP, que:
“1 – Após a análise das propostas, a utilização de um leilão eletrónico e a aplicação do critério de adjudicação constante do programa do concurso, o júri elabora fundamentadamente um relatório preliminar, no qual deve propor a ordenação das mesmas.
2 - No relatório preliminar a que se refere o número anterior, o júri deve também propor, fundamentadamente, a exclusão das propostas:
[...]
o) Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 70.".
13.5.Outrossim, no artigo 70.º, n.ºs 1 e 2, também do CCP, estatuiu-se que:
«1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
[...]
b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.os 10 a 12 do artigo 49.º;
[...]»
13.6.Em anotação à al. b) do n.º 2 do art. 70.º do CCP , Pedro Fernandez Sanchez assinala que este preceito normativo “confirma o valor do caderno de encargos como projeto imperativo de contrato que a entidade adjudicante revela aos concorrentes e cujas condições têm de ser integral e incondicionalmente aceites pelos interessados em contratar para que a relação contratual possa sequer iniciar-se.
Se é evidente que a entidade adjudicante só decide celebrar um contrato quando identifica uma necessidade de interesse público que reclama a criação de um acordo de vontades com um particular, é justamente no projeto de contrato constante do caderno de encargos que a entidade adjudicante esclarece quais as necessidades que pretende ver satisfeitas e quais as condições contatuais cujo respeito é exigido para esse efeito. Portanto, se, uma vez, plasmado o interesse público nas clausulas contratuais do caderno de encargos, a entidade adjudicante decidisse ainda adjudicar uma proposta que com elas se não conforma, “tal significaria que abdicara de prosseguir o fim que determinara o contrato e a abertura de concurso".
2. Neste quadro, é apenas entre as propostas que satisfazem as condições contratuais impostas pela entidade adjudicante que será selecionada aquela que se mostrar mais vantajosa à luz do critério de adjudicação; qualquer proposta que desrespeite uma única das clausulas contratuais previstas no caderno de encargos tem que ser excluída.[...]
[...] cada uma das cláusulas que, no momento de abertura das propostas, vigora no caderno de encargos representa um verdadeiro parâmetro de aceitabilidade contratual; o seu desrespeito conduz à imediata exclusão da proposta.
É isso mesmo que é esclarecido na alínea b) do n.º 2: independentemente de a violação do caderno de encargos resultar da desconformidade i) entre um atributo da proposta e um parâmetro base do caderno de encargos ou, pelo contrário, ii) entre um termo ou condição da proposta e um aspecto contratual não submetido à concorrência pelo caderno de encargos, a consequência jurídica que se impõe à entidade adjudicante é, também aqui, uniforme – a exclusão da proposta em razão da sua inaceitabilidade contratual.
[...]
Em suma, ressalvados os casos impostos pelos n.ºs 10 a 12 do artigo 49.º do CCP (...), a deteção de uma desconformidade entre um aspeto da proposta e um aspeto do caderno de encargos determina sempre a exclusão da proposta ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º."- Pedro Fernandez Sanchez ,in Direito da Contratação Pública, Vol II, Almedina, p. 254 e ss.
13.7.Por seu turno, importa não descurar, como bem se sumaria no Acórdão deste TCAN, de 16/02/2018, proferido no processo 01335/16.6 BERG, relatado pelo Senhor Desembargador Rogério Martins, que:
“1. A exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível leque de propostas.
2. Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica.
3. No caso de concurso em que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço, apenas o preço constitui atributo da proposta pois é o único “aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” (artigo 56º, n.º2, do Código dos Contratos Públicos).
[…]»- no mesmo sentido, cfr. Acórdão do TCAN, de 19/02/2021, processo n.º 00731/20, também relatado pelo Desembargador Rogério Martins.
13.8. Partindo destes considerandos, importa atentar na Cláusula 9.ª do Caderno de Encargos, epigrafada “Meios Humanos” na qual se consignou, designadamente, o seguinte:
“(...) 9.2.9 As categorias profissionais a considerar pelo Prestador de Serviços deverão cumprir os seguintes requisitos mínimos:
(...)
e) Mecânicos de Bombas – Mecânicos com experiência profissional relevante de pelo menos 8 (oito) anos na área de reparação oficinal de grupos eletrobomba e equipamentos de saneamento de águas residuais; deverão ter conhecimentos básicos e experiência na operação de torno mecânico
(...)
9.2.10 O concorrente deverá indicar, para cada um dos elementos da equipa técnica a propor (equipa mínima base e elementos eventuais), a experiência mínima (em anos) dos mesmos. Esta informação será utilizada para efeitos de avaliação da proposta e a experiência indicada na proposta passará a ser requisito contratual obrigatório;
9.2.11 A [SCom02...] apenas considerará, na execução da prestação de serviços, trabalhadores que cumpram os anos de experiência indicada nos termos do ponto anterior (...)”- cfr. ponto 9 do elenco dos factos provados.
13.8. Conforme resulta da matéria assente, tanto a Autora como a Contrainteressada apresentaram as suas respetivas propostas na plataforma eletrónica em 14/11/2022- cfr. ponto 10 do elenco dos factos provados. E da proposta da Autora consta, designadamente, o seguinte:
“(...)
7.1.2.4)
MEIOS HUMANOS
1.. INTRODUÇÃO
1.1 – Considerações Gerais
No sentido de responder cabalmente à presente alínea, intitulada DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA DE INTERVENÇÃO E DOS MEIOS HUMANOS, a [SCom01...], responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais.
(...)
2. JUSTIFICAÇÃO DOS MEIOS HUMANOS
2.1 Considerações Gerais
(...)
A equipa proposta engloba todas as valências necessárias para uma boa execução da prestação de serviços, garantindo respostas rápidas, eficientes e tecnologicamente adequadas, tendo em conta as características intrínsecas de cada infraestrutura e especialidades dos trabalhos de manutenção, assegurando o cumprimento de todas as exigências do contrato.
(...)
2.4 Apresentação da Equipa Técnica
2.4.1 Equipa Técnica Residente
No Quadro seguinte apresentam-se os elementos que ficarão afetos ao presente contrato e que, por conseguinte, constituem a equipa residente. Nesse Quadro ainda se encontram discriminadas as respetivas habilitações (quando aplicável), a experiência profissional e a sua afetação à presente prestação de serviços. De salientar, que a [SCom01...], para suprir as necessidades de mão-de-obra privilegiará o recrutamento dos colaboradores que atualmente prestam serviço nas instalações a concurso. Como já foi mencionado, a [SCom01...], para suprir a necessidades de mão-de-obra dará preferência à contratação regional para os elementos a integrar na Equipa Técnica residente.
(...)
Constituição da Equipa Técnica Residente.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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– cfr. ponto 11 do elenco dos factos provados.
13.9. Apurou-se também que em 02/12/2022, o Júri do procedimento procedeu à análise das propostas apresentadas e à respetiva classificação, tendo elaborado Relatório Preliminar, em 15/12/2022, no qual foi proposto, além do mais, a exclusão da proposta apresentada pela Autora e a admissão das propostas apresentadas pela Contrainteressada e pela [SCom04...]. Nesse relatório o Júri invocou como fundamento de exclusão que:
«[…]A proposta não cumpre com o disposto no Caderno de Encargos.
o A proposta propõe uma equipa técnica em que alguns dos elementos não cumprem os requisitos previstos no ponto 9.2.9 alínea e) do Caderno de Encargos:
ElementoExperiência Mínima (anos)Experiência proposta (anos)
Mecânico de bombas # I85
Mecânico de bombas # 285
Nos termos do anteriormente exposto, por apresentar proposta que não cumpre com o definido no Caderno de Encargos, o Júri do procedimento deliberou, por unanimidade, excluir, por violação dos parâmetros base fixados no Caderno de Encargos, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP ex vi da alínea o) do n.º 2 do artigo 146.º do mesmo diploma legal, a proposta do seguinte concorrente:
Concorrente N.º 3 – [SCom01...], LDA.
(...)”- cfr. pontos 12 e 13 do elenco dos factos provados.
14. A Autora, uma vez notificada, pronunciou-se contra a referida proposta de exclusão, invocando erro de escrita na elaboração da sua proposta, requerendo a inclusão da mesma na lista dos concorrentes admitidos. Porém, o júri do procedimento, no relatório final, manteve a proposta de exclusão, considerando improcedente a invocação do lapso de escrita efetuada pela Apelante, indeferindo a pretendia retificação da proposta. Nesse relatório, escreveu, a respeito da proposta e da invocação de erro de escrita que: «.[…]nada se retira do seu teor que permita confirmar se se tratou de lapso ou da efetiva indicação da experiência detida pelos dois referidos profissionais.
Mais se refira que não poderia a referência a “5 anos” feita pelo concorrente ser entendida como um manifesto lapso, como refere o próprio, porquanto para que fosse considerado como tal, teria de ser evidente para a entidade adjudicante a existência de um lapso, ora esse erro ostensivo não decorre da mera leitura da proposta. Por isso, a aceitação da razão apontada na pronúncia equivaleria a admitir, ou antes em sede de esclarecimentos sobre o teor da proposta, ou agora na sequência da pronúncia, uma alteração do que consta na proposta, contrariando o disposto no n.º 3 do artigo 72.º do CCP.
Indica também a pronúncia jurisprudência e doutrina que, em seu entender, permitem a reparação de erro material. Porém, da análise da proposta e do que vem afirmado na pronúncia não pode considerar-se que houve erro material. A pronúncia afirma ter ocorrido, por lapso, erro material, mas não apresenta elementos que se consubstanciem como tal para além dessa afirmação.
Aceitar o Júri, apenas com a invocação de ter havido erro material, que a proposta corresponde ao que era exigido no procedimento, ou seja, tomar como certo que afinal onde consta cinco anos de experiência deve considerar-se oito anos nas duas situações, equivaleria a aceitar a alteração da proposta e a permitir a sua tangibilidade e mutabilidade. Esta aceitação acarretaria, pois, a violação dos princípios da intangibilidade das propostas, da igualdade e da concorrência.
Assim, conclui o Júri, por unanimidade, que a argumentação invocada não poderá proceder, reiterando a proposta de exclusão da proposta do Concorrente [SCom01...] nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70.º do CCP, por apresentar atributos que violam o estabelecido no Caderno de Encargos.”.» - vide pontos 14 e 15 do elenco dos factos provados.
14.1. Assim, nessa sequência, a Entidade Adjudicante autorizou a adjudicação à proposta apresentada pela Contrainteressada, e a Autora, inconformada, intentou a presente a ação pedindo a anulação do ato de exclusão da sua proposta e do ato de adjudicação à Contrainteressada, o que foi julgado improcedente pelo tribunal recorrido.
14.2. Ora, o Tribunal a quo, depois de efetuar uma resenha sobre os preceitos do CCP aplicáveis ao caso e de definir e enquadrar, à luz da jurisprudência, o erro de escrita previsto no artigo 249.º do Cód. Civil, frisando que tal erro apenas procede quando seja revelado através das circunstâncias em que a declaração é feita, julgou não se verificar uma situação de erro ou lapso de escrita, suscetível de dar lugar a uma retificação da proposta, ajuizando que:
« […]alterar a experiência profissional proposta de 5 anos para 8 anos, colidiria com os princípios da intangibilidade das propostas e da concorrência já que tal apenas se destinaria a alterá-la e não restituir-lhe a sua “verdade original”.
Donde de conclui que, ainda que se trate de erro, este é unicamente imputável à Autora e apenas a si o deve ( sibi imputet).
14.3.O raciocínio jurídico e os argumentos esgrimidos pela Senhora juiz a quo para a decisão que proferiu, foram os seguintes:
«[…]
Conforme consta do ponto 9.2.9, alínea e) do Caderno de Encargos, a categoria de mecânico de bombas, a considerar pelos concorrentes, deveria cumprir o requisito mínimo de experiência profissional relevante de pelo menos 8 anos, sendo que a declaração dos concorrentes nas respetivas propostas seria utilizada para efeitos de avaliação das mesmas e a experiência profissional indicada na proposta passaria a ser requisito contratual obrigatório (vd. facto provado 9)).
Mas na proposta apresentada pela Autora, esta propôs uma experiência profissional, para a ora referida categoria, de 5 anos, o que determinou a exclusão da sua proposta, mesmo após a apresentação e apreciação da sua pronúncia em sede de audiência prévia (vd. factos provados 11) a 15)).
Circunstância que não se pode considerar preenche os requisitos do lapso de escrita enunciado no artigo 249.º do CC.
Com efeito, a aplicação desta norma, pressupõe a existência de um erro ostensivo, evidente para qualquer destinatário de boa-fé, de tal forma, que se permita que o erro seja retificado.
O facto de a Autora ter declarado, genericamente, que a sua proposta responde às exigências submetidas a concurso, não só pelo estabelecido no ponto 9 do Caderno de Encargos – Meios Humanos – mas também pela experiência consolidada na prestação de serviços de Manutenção de Sistemas de Tratamento de Águas Residuais, assim como o facto de constar, na mesma linha, o requisito mínimo de 8 anos de experiência e ao lado constar uma experiência profissional de 5 anos, tal como nas cinco células imediatamente superiores, não é suficiente para que se possa concluir pela existência de lapso manifesto, não só porque nesta análise não está em causa uma questão aritmética ou contabilística, como o que se verifica é que esta “declaração negocial” foi unicamente preenchido pela Autora, sem campos pré-definidos, dela tendo feito constar expressamente uma experiência profissional de 5 anos para a categoria de mecânicos de bombas.
Não se está, também, perante um mero lapso no algarismo escolhido, nem divergente em relação a outros documentos integrantes da proposta apresentada pela Autora, motivo pelo qual inexiste lapso de escrita, nem se trata de um erro ostensivo ou manifesto, não sendo objetivamente apreensível ou comprovável no contexto da proposta apresentada.
Trata-se de uma afirmação na declaração negocial, assinada pela Autora, com uma experiência profissional diferente dos demais que se encontravam pré-definidos, que não se revela por si, no contexto da proposta e das circunstâncias em que a mesma foi apresentada.
Deste modo, não era exigível ao Júri do concurso que tivesse pedido quaisquer esclarecimentos, dado que o disposto no artigo 72.º, n.º 2 do CCP não o permite pois, ainda que se trate de um erro, seja de que natureza for, uma vez que se produziria no suprimento desse erro, uma alteração dos elementos da proposta, que a norma não permite.
Ou seja, como bem vinca o Ac. STA de 11/09/2019, proc. n.º 0984/18.2BEAVR, cuja fundamentação se tem seguido de perto, por se concordar com a mesma, o artigo 72.º do CCP não tem por fito suprir erros, omissões ou insuficiências das propostas, mas apenas e tão só, aclarar ou fixar o sentido de algum elemento menos apreensível, desde que não altere o conteúdo da proposta ou os elementos que com ela tenham sido juntos e dela façam parte integrante, que não foi o que sucedeu com a proposta apresentada pela Autora.»- negrito da nossa autoria.
14.4. Sucede que, como já aflorado, não podemos aquiescer com a decisão proferida pelo Tribunal a quo neste segmento. O artigo 249.º do Cód. Civil, sob a epígrafe “ Erro de cálculo ou de escrita” dispõe que : « O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à retificação desta».
14.5.Resulta deste preceito, a necessidade de o erro se revelar no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, daí decorrendo a necessidade de o lapso a corrigir ter uma natureza ostensiva, sob pena de o erro cair no âmbito do artigo 247º, preceito que prevê a possibilidade de a declaração ser anulável quando a mesma não corresponda à real vontade do seu autor e desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre que incidiu o erro.
14.6.Assim, numa situação de erro ostensivo, evidenciado no próprio contexto da declaração, ambas as partes estarão como tal cientes do mesmo, derivando a desconformidade entre o declarado e a vontade conhecida de ambas as partes, de mero lapso material ou de manifesto defeito na sua formulação, erro que, por força das regras da interpretação indicadas no artigo 236º do CC, é retificável/ eliminável. É por essa razão que alguns autores afirmam que neste caso não há uma verdadeira divergência entre a vontade e o declarado, já que “com base no critério de interpretação do negócio jurídico do artigo 236º nº1, essa vontade se deduz dos termos, contexto ou circunstâncias da declaração” - cfr. Maria João Vaz Tomé em Anotação ao artigo 249º do CC in “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, 2014, p. 587.
14.7. Sobre o erro de escrita, veja-se, entre outra, a seguinte jurisprudência promanada pelo Supremo Tribunal Administrativo:
- Acórdão do STA, de 20/06/2013, proferido no processo n.º 0467/13, relatado pelo Senhor Conselheiro Madeira dos Santos:
«[…]
III – Se a proposta tem um «lapsus calami» ostensivo e se é absolutamente seguro o que, na vez do que aí se escreveu, se pretendera escrever, deve o júri aceitar a retificação da proposta à luz do princípio geral de direito acolhido no art. 249º do Código Civil, abstendo-se de propor a exclusão dela.
IV – Uma tal retificação limita-se a, suprimindo a anomalia derivada do erro, restituir a proposta à sua verdade original, pelo que não fere os princípios da estabilidade das propostas ou da concorrência.»

- Acórdão do STA, de 21/05/2020, proferido no processo n.º 015/19.5BALSB, relatado pela Senhora Conselheira Paula Portela:
«I - O artigo 249.º do Código Civil diz apenas respeito aos lapsos de escrita manifestos, ou seja, aqueles que se identifiquem como erro mecânico de escrita pelo e no contexto da declaração.
II - Os erros de escrita não se confundem com o erro na declaração ou erro obstáculo que ocorre quando, por inadvertência, engano ou equívoco, a vontade declarada não corresponde à vontade real do autor.
III - Se as circunstâncias em que a declaração é efetuada não revelam a evidência do erro e, pelo contrário, permitem a dúvida, não há lugar a retificação do mesmo.»
14.8. Em síntese, dir-se-á que os lapsos materiais ou erros de escrita suscetíveis de legalmente serem retificados têm de resultar do teor da própria declaração negocial, e não se confundem com o erro de obstáculo ou na declaração: é preciso que ao ler o texto da proposta logo se veja que há erro e logo se entenda o que o proponente queria dizer.
14.9. A Apelante, como já dissemos, não se conforma com o saneador- sentença recorrido e mantém a tese que logo arguiu perante a Entidade Adjudicante quando foi notificada do relatório preliminar onde se propunha a exclusão da sua proposta, nos termos da qual sustenta que a indicação de 5 anos de experiência para o grupo profissional visado, ao invés dos 8 anos de experiência mínima exigidos pelo CE, decorre de um pretenso erro ou lapso de escrita na elaboração da proposta em que incorreu, erro esse que, tem para si, como evidente, porque revelado pelo texto da proposta.
15. No caso sub judice, analisando o conteúdo da proposta apresentada, também se nos afigura, diversamente da posição perfilhada pelo Tribunal a quo, que a mesma revela de forma clara a existência de um “lapsus calami” na sua elaboração.
Vejamos.
15.1.Prima facie, não é despiciendo, começar por observar que no quadro apresentado pela Apelante, que integra a sua proposta, e que está reproduzido no ponto 11 do elenco dos factos provados, o mesmo contém, do seu lado esquerdo, aposta pela Apelante, a indicação expressa da exigência formulada pelo CE quanto aos “Requisitos Mínimos” e “qualificações da equipa” que há- de intervir na execução do contrato e que, na mesma linha, mas mais à direita, consta a qualificação desse pessoal proposta pela Autora e respetiva experiência profissional.
15.2.Esta metodologia, foi também seguida pela Apelante na elaboração da sua proposta relativamente ao grupo profissional constituído pelos mecânicos de bombas onde ocorreu a desconformidade detetada entre experiência exigida pelo CE para este grupo profissional e a indicada pela Apelante.
15.3.Assim, neste exercício, se atentarmos no último item da página 15 da proposta apresentada pela Apelante, verificamos que a mesma enunciou, do lado esquerdo do sobredito quadro, a exigência plasmada no caderno de encargos de dois mecânicos de bombas integrarem a equipa técnica para a execução do contrato e desses mecânicos possuírem uma experiência profissional mínima de 8 anos – cfr. facto provado 11. Mas também constatamos, a olho nu, que precisamente ao lado dessa indicação, e na mesma linha, a Apelante indicou, para a equipa técnica a integrar por dois mecânicos de bombas que se dispunha a disponibilizar no âmbito do concurso público, apenas 5 anos de experiência profissional.
15.4.Ora, é neste ponto que reside o busílis da questão. E em relação a este aspeto, temos como certo que qualquer pessoa confrontada com o teor literal da proposta redigida nos termos anteditos, a leitura que dela faz, é a de que a Apelante incorreu num lapso manifesto ao escrever na coluna relativa à experiência dos mecânicos de bombas, que se compromete a disponibilizar, para efeitos de adjudicação do serviço a cujo concurso se candidata, que aqueles trabalhadores terão uma experiência de 5 anos, e isso, porque, na coluna imediatamente anterior foi expressa em indicar que era exigência mínima resultante do CE que esses trabalhadores tivessem uma experiência profissional de pelo menos 8 anos. Se assim era, claro está que a Apelante só por erro é que se concebe que poderia indicar, como indicou, que os trabalhadores a disponibilizar nesse grupo profissional teriam apenas 5 anos de experiência, quando antes acabara de escrever que o CE exigia que os mesmos tivessem 8 anos no mínimo de experiência profissional, exigência que se incumprida da sua parte ditava a exclusão do concurso a que se estava a candidatar.
15.5. Como observa a Apelante, há uma incompatibilidade expressa entre a indicação que a Apelante faz de que para esses elementos era necessário que os mesmos tivessem uma experiência profissional de 8 anos e a indicação que faz de que se compromete a disponibilizar tais elementos com uma experiência de 5 anos, facto que de per se, revela a incursão da Apelante em manifesto erro ou “lapsus calami”.
15.6.Com efeito, à luz das regras da experiência comum, não faz qualquer sentido que alguém, como a Apelante, concorra a um determinado procedimento concursal, em cuja proposta escreve, a respeito do concreto grupo profissional em causa, que a exigência mínima prevista no CE relativamente aos trabalhadores que integram esse grupo é de 8 anos de experiência e logo, na coluna seguinte a essa indicação, faça constar que os trabalhadores que vai disponibilizar para cumprir essa exigência do CE, os quais, note-se, até vai contratar, terão apenas uma experiência mínima de 5 anos!
15.7.É que, se assim fosse, seria caso para dizer que, quem procede nesses moldes não apenas pode esperar, como até deseja, o que é absurdo, ser imediatamente excluído do procedimento concursal a que está a concorrer e que lhe demanda custos e trabalhos acrescidos.
15.8.Para se concluir pela ausência de um “lapsus calami” forçoso seria admitir que a Apelante é pessoa destituída de qualquer razoabilidade mínima e de senso prático, dispondo-se a concorrer, com os inerentes custos e trabalhos que tal implica, e que tudo fez para ser eliminada ab initio desse concurso, e para se chegar a uma tal conclusão teria ainda de se obter respaldo dessa indicação em qualquer outro documento que revelasse não se tratar de um erro de escrita.
15.9.Ora , porque a Autora é uma sociedade comercial que, por isso, visa obter lucro, para o que procura certamente o máximo de trabalhos a serem-lhe adjudicados de acordo com o que a sua capacidade lhe permitirá executar, naturalmente que a mesma não age no trafico jurídico e comercial destituída de senso prático, apresentando propostas onde depois de enunciar o que é requisito exigido pela Entidade Adjudicante para que possa ver a sua proposta admitida, propõe coisa diversa, para ser imediatamente excluída. Uma tal atuação seria totalmente contraria ao escopo que prossegue.
16.Tendo-se a Apelante apresentado como concorrente, a mesma não podia senão querer aceitar a referida exigência de experiência mínima de 8 anos para o grupo profissional em causa, que, note-se, a própria indicou na sua proposta como sendo exigida pelo CE.
16.1.Acresce que a Apelante fez uma declaração genérica, no Anexo I, aquela a se reporta a al. a ), n.º1 do art.º 57.º do CCP, que constitui a declaração da concorrente de aceitação, sem reservas, do conteúdo do caderno de encargos. É certo que, como nota Pedro Fernández Sanchéz , “é apenas entre as propostas que satisfazem as condições contratuais impostas pela entidade adjudicante que será selecionada aquela que se mostrar como a proposta mais vantajosa à luz do critério de adjudicação; qualquer proposta que desrespeite uma única das cláusulas contratuais previstas no caderno de encargos tem de ser excluída. […]. Assim, cada uma das cláusulas que, no momento da abertura das propostas, vigora no caderno de encargos representa um verdadeiro parâmetro de aceitabilidade contratual; o seu desrespeito conduz à imediata exclusão da proposta. […]
Não seria relevante alegar que o concorrente apresentou uma declaração genérica de aceitação do caderno de encargos (alínea a) do n.º 1 do artigo 57.º), o que poderia compensar uma declaração específica de incumprimento de um dado aspeto contratual obrigatório, eventualmente imputando essa desconformidade com o caderno de encargos a um mero lapso. Com efeito, na interpretação de qualquer texto jurídico, a declaração especial prevalece sobre a geral pelo que a declaração de aceitação não pode cobrir desconformidades específicas com as peças do procedimento – as quais precisamente desmentem essa aceitação e a derrogam nesse concreto aspeto contratual”- cfr. Direito da Contratação Publica, Vol. II, p. 255;
16.2.Contudo, tendo a Apelante subscrito tal declaração, cremos não poder deixar de aceitar-se que, nas concretas circunstâncias do caso, também por apelo a essa declaração, tem de concluir-se que se está perante um “lapsus calami”.
16.3.É que, escrevendo a Apelante, na primeira coluna do quadro referido no ponto 11 do elenco dos factos provados, que o requisito de experiência mínima exigida pelo CE para aquele concreto grupo profissional é de 8 anos, e na coluna seguinte, que vai disponibilizar trabalhadores com 5 anos de experiência, evidentemente que a mesma jamais poderia subscrever aquela declaração genérica nos termos em que o fez, se não tivesse incorrido num erro manifesto quando indicou os referidos 5 anos de experiência para aquele grupo profissional, posto que, então, ter-se-ia de admitir que aquela bem sabia que atentos os próprios dados por ela escritos, caso não se tratasse de lapsus calami, que não cumpria aqueles requisitos mínimos necessários para a ser admitida ao concurso, o que não se concebe.
16.4.Tendo indicado expressamente na sua proposta que a experiência exigida para a equipa dos dois mecânicos de bombas era de 8 anos, obviamente que só por manifesto lapso de escrita escreveu na sua proposta, nessa mesma linha, mais à frente, que os mecânicos de bombas que se dispunha a disponibilizar, teriam uma experiência de apenas 5 anos, o que sai também revelado quando se atenta na referência que faz nessa coluna onde se escreveu, quanto a esses trabalhadores, que até os iria contratar especificamente para efeitos do concurso em causa, uma vez que não se tratava, sequer, de elementos do seu quadro de pessoal a que estivesse amarrada, e que eventualmente não reunissem aquele requisito de experiência, de modo a , por essa via, evitar incorrer em mais custos com pessoal a contratar para satisfazer as exigências requeridas pela Entidade Adjudicante, e quiçá, esperando que essa divergência passasse despercebida, o que, de todo, dificilmente pode equacionar-se que pudesse perspetivar-se, atento o rigor com os que os concursos são processados e a sindicância efetuada a todos os documentos dos concorrentes e às operações realizadas pelos júris do procedimento.
16.5.Perante um dissenso tão óbvio entre a exigência do concurso que é manifestada pela própria concorrente ali mesmo, na coluna do lado esquerdo e aquilo que é escrito por ela, no mesmo local, em absoluta contradição com o que a própria acaba de enunciar, tal não pode deixar de evidenciar um erro de escrita manifesto. A não ser assim, então a Apelante queria ser excluída do concurso, o que não se compreende, porque então não se daria ao trabalho de apresentar uma proposta!
16.6.Como bem assevera a Apelante, por ser flagrante a desconformidade entre aquilo que anuncia como requisito daquela categoria de técnicos - 8 anos de experiência - e aquilo que, mesmo ao lado, na mesma linha, propõe, sendo como é certo que declarou conformar a sua proposta às exigências do Caderno de Encargos, é possível apreender o erro humano subjacente à descontextualização da referência a 5 anos de experiência profissional, ao invés dos 8 anos exigidos.
16.7.Decorre do contexto da proposta que a Autora queria garantir para os mecânicos de bombas uma experiência profissional de 8 anos, tendo até o cuidado de indicar que essa era uma exigência feita pelo CE, mas por lapso manifesto entre aquilo que anuncia como exigência procedimental e o que propõe, escreveu o que não pretendia apresentar, arrastando a experiência profissional dos técnicos anteriores desse quadro, retirado do quadro da constituição da Equipa Técnica Residente (facto provado 11). No caso, não só é inequívoco que a Apelante escreveu 5 anos, quando devia ter escrito 8 anos, como também é ostensivo que onde escreveu 5 anos queria escrever 8 anos.
16.8.Para este raciocínio que efetuamos, encontramos apoio na jurisprudência que o STA prolatou no já citado Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0407/13, de 20/06/2013, onde se escreveu que: «[…]Está adquirido que a menção «600x600» adveio de «lapso». Trata-se, aliás, de um erro ou lapso notório e evidente, pois a referida expressão, aposta a propósito de uma especificação técnica a que a proponente deveria aderir – sob pena de negar, «ipso facto», essa sua qualidade – carece de um qualquer significado declarativo.
Isto mostra que a menção «600x600» se apresentava como um erro de escrita revelado no próprio contexto da declaração e, inclusivamente, através das circunstâncias em que ela foi feita. Portanto, o mencionado «lapsus calami» era perfeitamente integrável na previsão do art. 249º do Código Civil.
Ora, esta norma acolhe e exprime um princípio geral de direito, aplicável a todos os erros de cálculo ou de escrita juridicamente relevantes, o qual permite a rectificação desses lapsos desde que sejam ostensivos, ou seja, conhecidos do declaratário – o que, aliás, surge na linha da solução prevista no art. 236º, n.º 2, do Código Civil. «In casu», não só era manifesto que a recorrente, ao escrever «600x600» a propósito da especificação técnica, cometera um erro de escrita, mas também era óbvio o que, na vez dessa menção, ela pretendera escrever – pois, já que se apresentava como proponente, haveria necessariamente de querer aceitar a especificação. Portanto, o júri do concurso não estava limitado à certeza de que a proponente errara na sua declaração, continuando todavia a ignorar qual a vontade real ocultada sob a afirmação exprimida – hipótese em que a rectificação desta seria inadmissível. Ao invés, o júri conhecia, ou devia conhecer dadas as circunstâncias do caso, aquela vontade real, como acima já salientámos; e, perante este estado de coisas, o júri não podia obstar a que a proponente exercesse o «direito à rectificação» previsto no art. 249º do Código Civil.

Assim, e à luz deste preceito de aplicação universal, que incorpora uma regra de bom senso, o júri do concurso, perante aquele ostensivo erro de escrita, localizado na proposta da recorrente dirigida ao lote 4, devia ter admitido a respectiva correcção, abstendo-se de propor a exclusão depois acolhida pelo acto. E este «modus faciendi» não era recusado pelas regras e princípios por que se regem os concursos do género. É que a singela rectificação de um erro evidente – sabendo-se o que devia estar na vez da declaração errada – não contende com a estabilidade das propostas, nem afecta a concorrência, nem absurdamente envolve a dedução de uma qualquer proposta variante. Com efeito, corrigir um lapso é colocar «in situ» o que se sabe que lá estaria «ab initio», não fora o erro cometido. E, desde que o processo rectificador se faça com plena segurança, o seu resultado nenhuma inovação traz – a não ser no que toca à supressão da anomalia; pois, e no fim de contas, limita-se a restituir o escrito, v.g., a proposta, à sua verdade original.
Portanto, a recorrente tem razão quando censura o acto impugnado por haver excluído a sua proposta ao lote 4 em vez de aceitar a rectificação dela, no ponto referido. Esta certeza, ao esgotar o problema, torna despiciendo apurar se o júri devia ter solicitado esclarecimentos sobre esse segmento da proposta. Donde se segue a necessidade de revogar o aresto recorrido e de fazer ressurgir a pronúncia anulatória emitida pelo TAF de Lisboa.»

16.9. Em face das considerações que antecedem, a Apelante tem razão, sendo seguro que a indicação dos 5 anos de experiência profissional dos mecânicos de bombas surge completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita que se revela no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação dos 5 anos é feita: ao ler-se a proposta da Apelante percebe-se imediatamente que a mesma queria escrever 8 anos e não 5 anos de experiência, sendo essa desconformidade entre o declarado e o pretendido declarar apreensível pela simples leitura da proposta e da consideração das circunstâncias em que a mesma teve lugar.
17.Perante o exposto, o júri do procedimento devia ter retificado a proposta apresentada pela Apelante.
17.1. Como se decidiu em Acórdão deste TCAN, de 29/11/2019, proferido no processo n.º 00873/19.3BELSB: “(…) Efetivamente, perante a deteção de erros de cálculo, escrita ou outros constantes de proposta concursal, facilmente compreensíveis como tais no contexto da declaração ou das circunstâncias em que foi efetuada, o júri/entidade adjudicante deve proceder oficiosamente à sua correção, abstendo-se de a excluir a candidatura correspondente procedimento concursal. (…)”. No mesmo sentido, escreveu-se em Acórdão deste TCAN, de 15/07/2015, proferido no processo n.º 00301/14.0BEPNF, a tal relevância do erro “ não obs[tam] os princípios da intangibilidade das propostas ou da concorrência já que o exercício do poder/dever em causa se destina a restituir a proposta à sua verdade original”.
Assim sendo, deve ser revogado o saneador-sentença recorrido, e, em consequência, anulado o ato impugnando que excluiu a proposta apresentada pela Apelante, que ao invés do decidido, devia ter aceite a retificação da proposta apresentada pela Autora, ao abrigo do disposto no artigo 249.º do Cód. Civil.
b.5.Do erro de julgamento decorrente da violação do disposto no artigo 72.º do CCP.
17.2.Nas conclusões xviii e xix das respetivas alegações, a Apelante sustenta que era exigível, na interpretação e aplicação da norma do artigo 72º, nº 2, do CCP, o dever de determinar o esclarecimento, por tal ser o mais consentâneo com os elementos sistemático e histórico. Entende que cabia ao Tribunal a quo, em razão do erro, e do seu necessário reconhecimento, determinar o cumprimento da norma do artigo 72.º do CCP, em ordem ao suprimento do erro, por, no caso, dever considerar-se um erro de escrita, decorrente de um erro mecânico, do utilizador informático, por ser evidente que a Autora não pretendeu dizer 5 mas 8.
Avançando.
17.3.Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 72.º do CCP« 4 - O júri procede à retificação oficiosa de erros de escrita ou de cálculo contidos nas candidaturas ou propostas, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido.»
17.4.Em conformidade com esta norma, cabe dentro dos poderes do Júri, sendo um dever seu, proceder à retificação oficiosa nos casos de erros de escrita ou de cálculo (“o júri procede…”).
Para o efeito, importa que se verifiquem os seguintes requisitos: (i) a evidência da existência do lapso, isto é, deve ser evidente que o concorrente não pretendeu dizer aquilo que disse; (ii) e a evidência como deve o lapso ser suprido, ou seja deve ser evidente o que o concorrente efetivamente queria dizer em vez daquilo que disse. Pode suceder verificar-se o primeiro requisito, mas não o segundo
- cfr. Pedo Costa Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 3.ª. ed., vol. I, 2018, p. 840.
17.5.Para tanto, “…é natural esperar que o júri seja capaz de determinar a existência do lapso e o modo da sua correção – porque deve fazê-lo com base em textos objetivos e que são inteligíveis para qualquer leitor –; se não for capaz de o fazer, então é porque a correção do lapso não seria exequível com base na documentação inicial, dependendo ainda do apoio do próprio candidato ou concorrente – num momento em que tal já não é possível porque a candidatura ou proposta já não se encontra na disponibilidade do seu autorcfr. Pedro Fernández Sanchéz, in Direito da Contratação Pública, vol. II, 2020, p. 219.
17.6. Contudo, sempre se dirá, que tendo em consideração o que dissemos, quanto à certeza do erro de escrita, esta certeza, « ao esgotar o problema, torna despiciendo apurar se o júri devia ter solicitado esclarecimentos sobre esse segmento da proposta»- neste sentido cfr. Ac. do STA, de 20/06/2013, processo n.º 0467/13.
17.7. Nesta conformidade, a utilidade em saber se impedia sobre o júri do procedimento o dever de solicitar esclarecimentos à Apelante, antes de excluir a sua proposta, tornou-se despicienda e um exercício ocioso, sem qualquer utilidade para a decisão da causa, razão pela qual, seguindo o comando ínsito no artigo 130.º do CPC, nos abstemos de analisar esse fundamento de recurso.
17.8.Assim, perante o enquadramento fáctico- legal exposto, a proposta apresentada pela Autora/Apelante devia ter sido admitida, uma vez que não violava qualquer termo ou condição imposto pelo CE.
17.9.Não tendo sido admitida, a exclusão da sua proposta padece de ilegalidade, a qual inquina o subsequente ato de adjudicação à proposta apresentada pela CI, praticado pela Entidade Adjudicante, que é, por esse motivo, anulável, nos termos do artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo.
18.A Autora, na ação que intentou, e no presente recurso, em que pede que a ação seja julgada procedente, para além do pedido de anulação do ato de exclusão da sua proposta e do ato de adjudicação à Contrainteressada, pediu que a Entidade Adjudicante fosse condenada ordenar a recomposição do ato final, fazendo a adjudicação à sua proposta.
18.1. Nesse seguimento, importa verificar se assiste à Apelante o direito à adjudicação do contrato.
18.2. Como se sabe, o artigo 100.º, n.º 1 do CPTA, prevê expressamente como admissível, no âmbito dos processos urgentes do contencioso pré-contratual, a cumulação de pedidos de anulação de um ato de conteúdo positivo em favor de terceiro, com a condenação à sua substituição por outro que dê satisfação ao interesse pretensivo da parte na adjudicação.
Necessário é que a situação de facto emergente dos autos seja subsumível no quadro determinado pelos artigos 66. e 67. do CPTA do “ato legalmente devido”, no sentido de ato “(..) cuja prática é imposta à Administração por lei, por regulamento ou, até, por contrato ou acto administrativo anteriores, imposta, em suma, por um qualquer antecedente jurídico que disponha vinculadamente sobre um acto administrativo a praticar pela Administração – independentemente de ele vir aí total ou só parcialmente conformado -, não dando, nessa medida, margem para avaliações próprias (discricionárias ou similares) suas.
Por outras palavras: a conformação normativa do ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado não respeita necessariamente a todos os seus elementos, nomeadamente ao seu quid (conteúdo), podendo cingir-se, até, apenas ao an ou quando da sua atuação, isto é, ao dever de se pronunciar, de tomar uma qualquer decisão sobre uma situação administrativa - caso em que a condenação judicial à prática do ato devido poderá limitar-se (esquecendo por ora a existência de outros limites da discricionariedade administrativa) à imposição de a Administração decidir expressamente sobre tal situação. Em tudo o mais, a determinação do ato em causa pode depender de juízos de avaliação discricionária próprios (e exclusivos) da Administração, pelo que, nestas circunstâncias, ela só será condenada a observar as vinculações a que está submetida na prática desse acto. (..)- cfr. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA / ETAF – Anotados, Vol. I, Almedina/2004, págs. 413 e 441.
18.3.Nesta conformidade, "(..) será devido o ato que seja exigido por uma previsão normativa, ditando esta o seu carácter vinculado quanto à sua prática/realização (quanto ao "se') e quanto ao momento (quanto ao "quando') da sua verificação – dois elementos essenciais para ser possível a condenação da Administração a agir. A isto acresce que esteja a ser reclamado por quem efetivamente o possa exigir.
Quanto ao conteúdo, o ser um ato vinculado não é imprescindível para ser possível a procedência da ação de condenação, sendo que, nesse caso, a sentença condenatória será proferida com um conteúdo mais limitado. (..)”- cfr. Paula Barbosa, in “ A ação de condenação no ato administrativo legalmente devido, aafdl/Lisboa/2007, pág. 90.
18.4.Assim, o artigo 71.º do CPTA sob a epigrafe “Poderes de pronúncia do Tribunal” dispõe que,
«1 - Ainda que o requerimento apresentado não tenha obtido resposta ou a sua apreciação tenha sido recusada, o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo ou inexistente o eventual ato de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, impondo a prática do ato devido.
2 - Quando a emissão do ato pretendido envolva a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa e a apreciação do caso concreto não permita identificar apenas uma solução como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato a praticar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração na emissão do ato devido.
3 - Quando tenha sido pedida a condenação à prática de um ato com um conteúdo determinado, mas se verifique que, embora seja devida a prática de um ato administrativo, não é possível determinar o seu conteúdo, o tribunal não absolve do pedido, mas condena a entidade demandada à emissão do ato em questão, de acordo com os parâmetros estabelecidos no número anterior.
18.5.Também o artigo 95.º do CPTA, n.º5 dispõe que : “ Quando no processo tenha sido deduzido pedido de condenação da Administração à adoção de atos jurídicos ou comportamentos que envolvam a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa, sem que a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma atuação como legalmente possível, o tribunal não pode determinar o conteúdo do ato jurídico ou do comportamento a adotar, mas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração. "
18.6.Não ignoramos e importa ter bem presente que a apreciação e valoração das propostas constitui uma tarefa do júri do procedimento, a quem se reconhece discricionariedade para tal, onde apenas se justifica a ingerência do Tribunal em caso de existência de erro grosseiro.
18.7.No caso em análise, conforme se estabeleceu no artigo 14.º, n.º 1 do Programa do Procedimento “a adjudicação será efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa na modalidade multifator, com um conjunto de fatores densificados de acordo a metodologia de avaliação de propostas constante do Anexo V”- vide ponto 5 do elenco dos factos provados.
18.8.Por outro lado, foram admitidas as propostas apresentadas pela Contrainteressada e pela [SCom04...], tendo sido proposta, e decidida, a graduação daquela em 1.º lugar, com uma avaliação global de 8,18 pontos e a graduação desta em 2.º e último lugar, com uma avaliação global de 6,51 pontos- vide pontos 13, 16, e 18 do elenco dos factos assentes.
18.9. Logo, na situação vertente, sendo o critério de adjudicação o da “proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante”, determinada pela modalidade do “multifator”[cfr. artigo 14º do Programa do Procedimento], a adjudicação á Apelante não se revela, de todo, como a única atuação legalmente possível, impondo-se ao júri retomar o procedimento, no ponto em que propôs a exclusão da proposta da Apelante, retificando a proposta daquela nos termos sobreditos, admitindo-a, e classificando-a, e a partir daí, adjudicando o contrato à proposta que ficar graduada em 1.º lugar de acordo com o critério fixado no artigo 14.º do PP.
19.Por conseguinte, tendo em consideração o critério de adjudicação escolhido pela entidade adjudicante e o facto de existirem duas propostas admitidas e classificadas, estamos perante uma situação em que ocorrem espaços de discricionariedade administrativa ou de margem de livre apreciação sobre as qualidades da proposta, que impede este Tribunal de condenar a Entidade Adjudicante na sua substituição por outro a favor da parte peticionante.
19.1.A situação em causa não permite identificar apenas uma solução como legalmente possível, pelo que, apenas há lugar à anulação do ato de adjudicação à CI, indeferindo-se o pedido de condenação da Entidade Adjudicante a adjudicar o contrato à proposta da autora, apenas se impondo que a mesma retome o procedimento, a partir da fase em que decidiu excluir a proposta da Autora, admitindo-a, praticando os demais atos que se seguem, até à decisão final de adjudicação à proposta que , em função do critério de avaliação, fique graduada em 1.º lugar.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em conceder provimento ao recurso interposto pela apelante e, em consequência:
(i) revogam a decisão recorrida;
(ii) julgam a ação movida pela Autora, procedente por provada e, em consequência:
a) Anulam o ato de adjudicação, com as legais consequências;
b) Condenam a Entidade Adjudicante a retificar o erro de escrita e a admitir a proposta apresentada pela Autora, seguindo-se os demais trâmites procedimentais até à decisão final de adjudicação à proposta que, em função do critério de avaliação, fique graduada em 1.º lugar, e celebração do respetivo contrato.
c) Condenam as apeladas no pagamento das custas processuais a que houver lugar ((art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 17 de novembro de 2023

Helena Ribeiro
Antero Pires Salvador
Ricardo de Oliveira e Sousa, com voto de vencido:
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VOTO VENCIDO o Acórdão na solução projetada que considera “(…) que a indicação de 5 anos de experiência profissional dos mecânicos de bombas surge completamente desenquadrada, evidenciando um erro de escrita que se revela no próprio contexto da declaração através das particulares circunstâncias em que essa indicação dos 5 anos é feita (…)”.
Concretizando:
É notório e aceite que a antiguidade indicada na proposta da Recorrente para os Mecânicos de Bombas [5 anos] não satisfaz as exigências concursais [8 anos].
Tal desconformidade pode resultar, em abstrato, da (i) falha de preenchimento de antiguidade exigida por parte da equipa técnica da Recorrente ou da (ii) ocorrência de um erro por parte da indicação da “real antiguidade” dos elementos da referida equipa técnica.
Centrando a nossa atenção unicamente na hipótese em torno da existência de um eventual erro na indicação da “real antiguidade” da equipa residente, importa sopesar que o mesmo pode caracterizar-se de uma de duas formas, a saber:
(i) erro na interpretação das exigências concursais - o concorrente poder-se-á ter convencido que a antiguidade exigida era para os Mecânicos de Bombas era de 5 anos por oposição aos 8 anos efetivamente exigidos.
(ii) erro material no sentido definido no artigo 249º do C.C., ou seja, aquele que resulta do «...próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita...», portanto, percetível a qualquer pessoa de medianos conhecimentos como tal no contexto da declaração.
Visto o quadro que integra a proposta da Recorrente evidenciado no ponto 11), tenho para mim que a mera referência genérica ao cumprimento das exigências concursais associada à indicação da antiguidade dos Mecânicos de Bombas de 5 anos desprovida da alusão ou remissão para outros elementos documentais atestantes da antiguidade exigida nas peças concursais [8 anos] não é suficiente para afastar a conceção da verificação de um erro caracterizado nos termos do sobredito ponto (i), o que é incompatível com a aquisição processual da verificação de uma irregularidade na proposta subsumível ao disposto no artigo 249º do CC.
Não daria, portanto, provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Porto, 17 de novembro de 2023,
O Juiz Desembargador,

Ricardo de Oliveira e Sousa