Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00099/22.9BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/16/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO- COMPROVATIVO DA INSCRIÇÃO NO REGISTO CENTRAL DE BENEFICIÁRIO EFETIVO
- VIOLAÇÃO DO CADERNO DE ENCARGOS
Sumário:1.Só são documentos de habilitação para efeitos do disposto no artigo 81.º do CCP aqueles que aí se encontram previstos, e os que a Entidade Adjudicante exija como tal nas peças do procedimento.

2.Razões de segurança, transparência, estabilidade e até de concorrência, justificam que apenas sejam considerados documentos de habilitação os que expressamente sejam exigidos como tais aos concorrentes, por força do artigo 81.º do CCP ou por constarem do programa do procedimento como documentos de habilitação .

3.Tendo em consideração que o comprovativo da inscrição no registo central de beneficiário efetivo (RCBE) não figura entre os documentos de habilitação elencados no art.º 81.º do CCP, este só poderia tornar-se de entrega obrigatória com a proposta ou no momento de entrega dos documentos de habilitação caso essa exigência constasse expressamente prevista no Programa do Procedimento, por decisão da entidade adjudicante.

4.Constando expressamente do artigo 11.º do Caderno de Encargos que « O acesso principal deve ser construído integralmente em fibra óptica e o acesso securizador poderá ser construído integralmente em fibra óptica ou usando a tecnologia 4G ou 5G (assim que disponível)» o modo como a redundância, quanto ao acesso securizador, é assegurada durante a execução do contrato, é questão que foi deixada ao critério do prestador de serviços, desde que mantidos os níveis de serviço.
Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO

1.1.M..., S.A., moveu a presente ação administrativa de contencioso pré-contratual contra o MUNICÍPIO DE ..., identificando como contrainteressado a sociedade comercial N..., S.A.”, pedindo que, no âmbito do concurso público para a “Contratação de infraestrutura de comunicações com integração fixo/móvel, dados, alojamento e caixas de email e serviços conexos”, a que corresponde o procedimento n.º 15488/2021, cujo aviso de abertura foi publicado em 10/12/2021, seja proferida decisão que julgue procedentes os seguintes pedidos:
«i)Considerar que a Entidade Adjudicante deve realizar o procedimento a que se refere o nº 2 do artigo 86º do CCP, pela violação do dever de prestar a habilitação completa para a execução integral do objeito do contrato a celebrar dentro do prazo concedido no programa de procedimento, nos termos do nº 1 do artigo 81º, com fundamento na falta de entrega obrigatória, no prazo de habilitação, da declaração RCBE, de acordo com o nº 1 do artigo 36º da Lei nº 89/2017 de 21 de Maio;
ia)Suspender a decisão de adjudicação, atendendo que sendo a fase de habilitação uma fase de verificação de impedimentos (ou não) à fase subsequente, a da outorga do contrato a celebrar, não pode, por essa razão, prosseguir a adjudicação, conforme previsão expressa na alínea c) do nº 2 do artigo 272º do CCP;
iii)Declarar caduca a Adjudicação à Concorrente/Adjudicatária NOS por facto que lhe seja imputável, sempre que da audiência prévia referida no nº 2 do artigo 86º, resulte falta de prova do justo impedimento (aferido nos termos do artigo 140º do CPC, conforme a melhor jurisprudência e doutrina), conforme nº 3 do artigo 86º do CCP, e emita o acto administrativo correspondente;
iv)E, em consequência emita o acto administrativo exigível e a que se refere o nº 4 do artigo 86º do CCP, adjudicando a proposta ordenada em segundo lugar ao supra referido Lote 1 – a da ora Autora.»
A Autora apresentou a competente petição inicial, cujos pedidos formulados e causa de pedir alterou através de articulado superveniente que apresentou previamente à citação da Entidade Demandada e da contrainteressada.
Como fundamento para a sua pretensão, alega, em síntese, que o júri do respetivo procedimento devia ter excluído a proposta apresentada pela NOS, relativamente ao lote 1 do procedimento, por tal proposta violar os termos e condições do caderno de encargos (CE), nomeadamente, o disposto no artigo 11º do mesmo, quanto às características que o serviço de acesso à internet deve apresentar.
Mais alega que nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos, a referida proposta viola aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, pelo que, na dúvida quando ao cumprimento do caderno de encargos, deveria ter solicitado esclarecimentos ao concorrente.
Considera que a exclusão da referida proposta se impõe também por aplicação dos princípios da contratação pública, nomeadamente, o princípio da igualdade, concorrência, comparabilidade das propostas e boa administração.
Entretanto, teve conhecimento de facto superveniente à entrada da petição inicial em juízo, nos termos do qual verificou que a Contrainteressada, após ser notificada para juntar os documentos de habilitação, apenas o fez parcialmente, em tempo, na medida em que não juntou a declaração comprovativa da respetiva inscrição no registo central de beneficiário efetivo (RCBE), razão pela qual não pode ser determinada a aceitação dos documentos de habilitação entregues pela NOS , uma vez que esta não entregou a declaração RCBE, que se impunha nos termos da Lei 89/2017, de 21 de agosto, pelo que, se impõe a caducidade da adjudicação nos termos do art.º 86.º do CCP.
Tal é assim, porque a fase de habilitação se destina à verificação da existência ou inexistência de incompatibilidade à celebração do contrato, e por isso, ocorre antes da outorga do contrato objeto do procedimento.
Advoga que o elenco de documentos de habilitação legalmente exigíveis não se esgota no que fica estipulado nas peças procedimentais, nem estas têm de as elencar porque estas resultam da lei, havendo que ter presente o que resulta de leis especiais aplicáveis à contratação pública.
E que resulta de forma clara, imperativa e inequívoca da alínea b) do artigo 37.º da Lei 89/2017 que a declaração RCBE é um documento de habilitação, tal como é, a título de exemplo, o documento comprovativo de situação tributária regularizada.
Salienta que a entrada em vigor da Lei 89/2017 é posterior à entrada em vigor do CCP na redação dada pelo D.L. n.º 111-B/2017, de 31/08, pelo que, os documentos de habilitação exigíveis nos termos de leis especiais fora do CCP são aplicáveis aos procedimentos de contratação pública, como é o caso do disposto na portaria 372/2017 e na Lei 96/2015.
Entende, por isso, que a sanção de caducidade prevista no regime do artigo 86.º do CCP é aplicável à falta de apresentação da declaração do RCBE.
Ademais, a falta de junção da declaração RCBE não pode ser suprida, por tal não ser permitido pelo art.º 86.º do CCP.

1.3. Citada, a Entidade Demandada contestou a ação, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados, por não se verificarem os vícios invocados pela Autora.
Para tanto alega, em síntese, que a Autora faz uma errada leitura do caderno de encargos, porque o mesmo não exige que o serviço securizador tenha de garantir os mesmos débitos que o serviço principal, tanto que o CE estabelece que o acesso securizador possa ser construído em fibra ótica ou utilizando tecnologia 4G ou 5G.
Adianta que utilizando a tecnologia 4G nunca poderia ser garantido o mesmo débito do que com o recurso a fibra ótica, ou seja, utilizando tecnologia 4G não é possível garantir débito mínimo de 500/500 Mbps, o que a Autora não ignora.
Explicita que as características exigidas no ponto 1.01 referem-se apenas e tão só ao serviço principal, não podendo ser feita outra interpretação.
Ademais, para além incorreta interpretação do referido ponto do CE, a Autora interpretou incorretamente a resposta do Réu ao pedido de esclarecimento efetuado pela mesma.

1.4. Citada, a Contrainteressada contestou igualmente a ação, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pela Autora, sustentando, em suma, a validade do ato de adjudicação impugnado, e considerando errada a interpretação que a Autora faz do Caderno de Encargos.
No que concerne ao pedidos de caducidade da adjudicação por não apresentação do comprovativo do registo central do beneficiário efetivo, entende que esse pedido não pode proceder uma vez que apresentou o comprovativo do cumprimento da obrigação declarativa no dia da outorga do contrato.
Ademais, contrapõe que tal documento não constitui um documento de habilitação e, consequentemente, não se verifica qualquer causa de caducidade de adjudicação.

1.5. Proferiu-se despacho que dispensou a realização da audiência prévia, fixou o valor da ação em €30.639,60 e considerou desnecessária a produção de outra prova para além da prova documental junta aos autos e constante do PA, para a prolação da decisão de mérito, a qual julgou a presente ação improcedente, constando da mesma o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente execução improcedente por não provada e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada e Contra-Interessada dos pedidos contra si formulados.
Custas a cargo da Autora.
Registe e notifique.»

1.6. Inconformada com a sentença assim proferida que julgou a ação improcedente, a Autora interpôs a presente apelação, na qual formula as seguintes Conclusões:

«A. A Sentença recorrida merece censura do ponto de vista jurídico – legal;
B. O Tribunal a quo efectua uma incorrecta aplicação da Lei, na subsunção dos factos ao Direito;
C. Aplicando a Lei que de forma díspar com o regime legal vigente para a Contratação Pública;
D. O Tribunal a quo teria de socorrer-se da Jurisprudência mais recente do TCA e STA, os quais seguem na esteira do defendido pela Recorrente!
E. Por considerar não considerar como requisito e documento de habilitação, o RCBE, que claramente o é;
F. E considerando que um acesso securizador, uma redundância do serviço principal, a funcionar em 30% e 2% de capacidade do acesso principal, não viola o art.º 11º do Caderno de Encargos e dos esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante, os quais se convolam também em elementos do procedimento;
G. Devendo ser o Recurso julgado procedente e ser revogada a Sentença a quo, como todas as legais consequências.
Pelo que, devem V. Exas., Venerandos Desembargadores, nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogar-se a decisão Recorrida,
Fazendo assim V. Exas. a Costumada Justiça!

1.7.O Apelado Município contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões:
«1ª/ Louva-se a sentença proferida, inexistindo quaisquer defeitos a apontar à mesma, seja relativamente à matéria de facto seja relativamente à matéria de direito.
2ª/ A Recorrente, desde o início do procedimento concursal, fez uma incorrecta interpretação da lei, peças procedimentais e caderno de encargos.
3ª/ Uma correcta leitura e interpretação do caderno de encargos mostra claramente que a contrainteressada NOS Comunicações, S.A. cumpriu os requisitos exigidos na sua proposta, não existindo qualquer motivo para que seja excluída.
4ª/ A exigência de débito mínimo de 500/500 Mbps como consta no art. 11.º, refere-se ape­nas e tão só às características do serviço de acesso principal, o que é demais demonstrado pelo esclarecimento prestado pelo Recorrido informando a Recorrente que a forma como o serviço securizador seria assegurado ficava ao critério das concorrentes, exigindo-se os meus níveis de serviço e não às mesmas características, i. É, débito mínimo de 500/500 Mbps.
5ª/ E uma correcta leitura e interpretação dos arts. 81.º e 86.º do CCP permite verificar que o comprovativo de RCBE não é um documento de habilitação, de onde decorre que a sua não entrega não resulta na caducidade da adjudicação.
6ª/ Importando ressalvar que o comprovativo de RCBE foi entregue pela contrainteressada NOS Comunicações, S.A. em momento posterior.
7ª/ Esteve bem o Tribunal de 1ª instância na sua interpretação e aplicação do Direito, não merecendo qualquer censura a sentença proferida.
TERMOS EM QUE deve ser julgado improcedente o recurso apresentado e, a final, ser con­firmada a decisão recorrida.
Processo n.º 99/22.9BEVIS»

1.8. A Contrainteressada contra-alegou, apresentando as seguintes Conclusões:
«A. A Sentença recorrida não enferma de qualquer vício, não se verificando, ao contrário do que alega a Recorrente, qualquer erro de subsunção dos factos ao Direito.
B. Andou bem o Tribunal a quo ao decidir que o “[...] o facto de a Contra-Interessada não ter apresentado o RCBE não determina a caducidade de adjudicação à luz do n.º 1 do artigo 86º, porquanto tal documento não configura um documento de habilitação.”
C. Tendo em consideração que o comprovativo do RCBE não figura no catálogo dos documentos de habilitação, este só poderia tornar-se de entrega obrigatória com a proposta ou no momento de entrega dos documentos de habilitação caso tal estivesse expressamente previsto no Programa do Procedimento, por decisão da entidade adjudicante.
D. Isto na medida em que, conforme bem constatou o Tribunal a quo: “[...] ao contrário do que pretende fazer crer a Autora, é a Entidade Adjudicante que tem o ónus de exigir a comprovação do registo e das respectivas actualizações do beneficiário efectivo antes de celebrar do contrato, verificação que se efectua através da consulta electrónica do registo central do beneficiário efectivo (cfr. artigo 21º do Regime do RCBE e artigo 7º e 8º da Portaria n.º 233/2018, de 21 de Agosto).”
E. Tal resulta claramente do disposto pelo artigo 36.º do Regime de RCBE, que estabelece que “a comprovação do registo e das respetivas atualizações de beneficiário efetivo pelas entidades constantes no RCBE deve ser exigida em todas as circunstâncias em que a lei obrigue à comprovação da situação tributária regularizada”.
F. A exigência da comprovação do registo não constava das peças procedimentais – mormente do artigo 19.º do Programa de Concurso, que determinava os documentos a entregar – e tão pouco ficou aí definido o momento em que este documento deveria ser entregue.
G. Assim sendo, o facto de a Contrainteressada ter entregue esse comprovativo de registo no dia da outorga do contrato e não em conjunto com os documentos de habilitação não viola nem qualquer norma que tenha sido fixada no procedimento nem qualquer norma legal ou regulamentar.
H. Para além do exposto, o facto de a NOS não ter entregue o comprovativo da declaração de RCBE não significaria, de modo algum, que estivesse em incumprimento das suas obrigações declarativas - sendo que, nos termos do artigo 37.º do Regime do RCBE, é esse incumprimento que impede a celebração de contratos.
I. E na verdade, apesar de não ter entregue a declaração em conjunto com os documentos de habilitação, a NOS tinha o registo do beneficiário efetivo – ou seja, tinha declarado todas as informações exigidas pelo Regime do RCBE e, como tal, tinha cumprido todas as suas obrigações declarativas, do que fez prova.
J. Em suma, tendo em consideração i) que o comprovativo do RCBE não constitui um documento de habilitação, ii) que não foi exigido pela entidade adjudicante nas peças do procedimento, iii) que a contrainteressada tinha cumprido plenamente as suas obrigações declarativas e que iv) entregou o comprovativo do RCBE no dia da outorga do contrato, a argumentação da Recorrente deve ser considerada manifesta e totalmente improcedente.
K. No que concerne ao alegado incumprimento do Caderno de Encargos, mais uma vez não assiste razão à Recorrente nas alegações que apresenta porquanto a decisão tomada pelo Tribunal se revela a única decisão plausível.
L. Conforme demonstrado em sede de Contestação, e ao contrário do que parece querer fazer crer a Recorrente, o Caderno de Encargos não estabelecia as características do acesso securizador por simples remissão para as características exigidas para o acesso principal.
M. Como bem frisou o Tribunal a quo na Sentença recorrida, não resulta do artigo 11.º do Caderno de Encargos qualquer exigência de débito mínimo em relação à infraestrutura redundante que é pedida, resultando expressamente deste artigo, pelo contrário, que o acesso securizador da redundância poderá ser construído integralmente em fibra ótica ou usando a tecnologia 4G ou 5G – tecnologia esta que não se coaduna com débitos de 500/500 Mbps.
N. Assim sendo, a possibilidade prevista expressamente de construção do acesso securizador “integralmente em fibra ótica ou utilizando a tecnologia 4G [...]”, prejudica a interpretação no sentido de ser exigido um débito mínimo de 500 Mbps também para o circuito redundante.
O. Para além do exposto, a expressão “a ser integralmente fornecidos pelo acesso securizador” constante do mesmo artigo 11.º significa tão só que o “Serviço de Voz” e o “Serviço de acesso à Internet” devem passar a ser total e integralmente prestados pelo acesso securizador, o que não invalida que esses dois serviços passem a ser prestados com as características que foram definidas no mesmo artigo para o acesso securizador - por outras palavras, exige-se que o acesso securizador preste totalmente os serviços de voz e de internet, mas permite-se que para tal seja usada uma tecnologia 4G.
P. Por último, e conforme bem notou o Tribunal a quo, a exigência deste débito mínimo para a infraestrutura redundante também não resulta, de modo nenhum, da resposta dada pela entidade adjudicante em sede de pedido de esclarecimentos.
Q. Pelo contrário, a entidade adjudicante não respondeu afirmativamente à questão colocada pela Recorrente, e fez questão de frisar que “a forma como o mesmo é assegurado fica à consideração dos eventuais concorrentes, nos termos e condições das soluções previstas no CE” – semdo que, reitere-se, o CE permitia expressamente a utilização de tecnologia 4G na construção do acesso securizador.
R. O que resulta dos esclarecimentos prestados é, portanto, que a forma como a redundância é assegurada durante a execução do Contrato fica na livre disponibilidade do prestador de serviços, desde que se mantenham os níveis de serviço.
S. Sendo que, conforme resulta da proposta apresentada, a NOS garante os níveis de serviços exigidos, e apresenta um débito para a infraestrutura redundante inferior a 500/500 Mbps no estrito cumprimento do Caderno de Encargos.
T. Do facto de se estabelecer que os níveis de serviço que se exigem no acesso securizador são idênticos aos exigidos no circuito principal não se retira a exigência de que todas as caraterísticas do serviço sejam necessariamente iguais.
U. Assim sendo, e em resumo, a proposta da NOS está em total conformidade com o Caderno de Encargos, na medida em que apresenta um débito inferior a 500/500 Mbps exatamente porque é dada a possibilidade ao concorrente de utilizar a tecnologia 4G.
V. Nestes termos, a argumentação desenvolvida pela Recorrente não tem qualquer apoio nem nas peças do procedimento nem na resposta dada pelo Exmo. Júri em sede de esclarecimentos, não se verificando qualquer causa de exclusão da proposta apresentada pela NOS.
W. Não existindo, conforme acima se demonstrou, qualquer incumprimento das exigências do Caderno de Encargos do procedimento concursal aqui em causa, então não há lugar à aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º do CCP.
X. Pelo que, em conclusão, a Sentença recorrida não enferma de qualquer dos vícios apontados pela Recorrente.
Nestes termos,
Deve o Recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado, confirmando-se integralmente a douta Sentença.
Só assim se decidindo será cumprido o Direito e feita JUSTIÇA.»

1.9. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
**
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito ao julgar a ação improcedente o que passa por saber se o Tribunal a quo errou:
b.1 ao julgar que a apresentação do RCBE não constitui documento de habilitação, pelo que não tinha de ser apresentado juntamente com os documentos de habilitação;
b.2. na interpretação que fez da exigência constante da cláusula 11.ª do CE e dos esclarecimentos prestados pela entidade adjudicante quanto às duvidas suscitadas em relação a essa norma.
**
III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DE FACTO

3.1.Com interesse para a apreciação da causa, o Tribunal a quo julgou provada a seguinte facticidade:
a) A Entidade Demandada, mediante anúncio de procedimento n.º 15488/2021, publicado no Diário da República II Série, procedeu à abertura de um procedimento por concurso público destinado à Contratação de infraestrutura de comunicações com integração fixo/móvel, dados, alojamento de caixas de email e serviços conexos, – Cfr- doc. 1 junto com a petição inicial;
b) No caderno de encargos encontra-se prevista a contratação em dois lotes assim constituídos: Lote 1 – comunicações com integração fixo/móvel, dados e serviços conexos; Lote 2 - alojamento de caixas de email – cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;
c) Consta do caderno de encargos do procedimento que:
Parte I - Cláusulas Gerais
(...)
Parte II - Cláusulas Técnicas
(...)
Cláusula 11.ª
Características Técnicas
Lote 1
1.01 - Rede fixa Voz e dados
Serviço de Voz – A solução deverá disponibilizar um acesso de voz ao operador fixo e móvel em IP.
Este acesso deverá apresentar as seguintes características técnicas:
Circuito de dados com mínimo de 32 canais de voz (para comunicações fixas e para comunicações móveis), com ligação à infra-estrutura do operador dimensionada de acordo com os critérios estabelecidos;
Comunicações ilimitadas para números dentro do grupo.
Comunicações mínima de 10000 minutos para todas as redes fixas nacionais;
Comunicações mínimas de 7000 minutos para a rede móvel fora do grupo;
Integração fixo-móvel com os cartões SIM do grupo
Serviço de acesso à Internet - O serviço de acesso à Internet deverá apresentar as seguintes características:
Sem limites de utilização de tráfego ou tempo;
Disponibilizar, no mínimo, 5 IP Público fixos;
Débito mínimo de 500/500 Mbps (1:1);
As soluções devem contemplar o fornecimento de equipamentos terminais, para ligação dos acessos e conectividades pretendidas, fornecidos como parte integrante dos serviços a prestar.
Os equipamentos a fornecer devem ser dimensionados de acordo com a solução proposta, garantindo o funcionamento pleno da solução e disponibilizando as interfaces necessárias para ligação à infra-estrutura do Município.
Para garantir uma maior segurança e para segregação do tráfego público e privado deverão ser considerados equipamentos distintos para ligação das conectividades Internet e Voz; O “Serviço de Voz” e o “Serviço de acesso à Internet” devem ser fornecidos sobre uma infra-estrutura redundante, incluindo um acesso principal e um acesso securizador. O acesso securizador deve ter um traçado totalmente distinto (sem troços comuns) do traçado do acesso principal, entre a rede do operador e as instalações do Município.
O acesso principal deve ser construído integralmente em fibra óptica e o acesso securizador poderá ser construído integralmente em fibra óptica ou usando a tecnologia 4G ou 5G (assim que disponível).
O acesso principal e o acesso securizador deverão ligar a POP's distintos na rede do operador.
Cada uma das conectividades deverá ser entregue em router distinto.
A solução deverá garantir a redundância quer de caminhos, quer de equipamentos, quer de “POP’s” (Point of Presence).
Pretende-se que a solução proposta funcione da forma a seguir especificada:
a. Em caso de falha no acesso principal, o “Serviço de Voz” e o “Serviço de acesso à Internet” passarão, de forma automática e instantânea, a ser integralmente fornecidos pelo acesso securizador, sem necessidade de intervenção manual quer do fornecedor quer do MUNICÍPIO DE .... A solução deverá ser revertida automaticamente logo que o funcionamento do acesso principal estiver operacional.
(...)
Cláusula 13.ª
Níveis de serviço
Devem ser considerados os seguintes níveis de serviço:
a) Resolução de avarias e/ou maus funcionamentos em 8h úteis com deslocação, caso necessário, ao local de instalação dos acessos (instalações do Município);
b) Disponibilidade de serviço – 99,5%.
c) Helpdesk via email e telefone permanente.
d) Consideram-se incluídos os custos decorrentes dos pedidos de segundas vias de cartão SIM, até ao limite de uma via por cartão, sem prejuízo das substituições por deficiente funcionamento ou avaria que deverão ser assumidas pelo adjudicatário.
e) Não poderá ocorrer qualquer corte de serviço, no seu todo ou em parte, sem que previamente o adjudicatário tenha comunicado, por escrito e com uma antecedência mínima de 20 dias, das razões de facto e respectiva intenção à entidade adjudicante.
f) O Adjudicatário ficará responsável por manter com a entidade adjudicante no mínimo uma reunião semestral por forma a acompanhar e avalizar a execução do contrato a celebrar.
g) Com o término do contrato a celebrar, incluindo eventual prorrogação, cessarão todas fidelizações existentes.
Cfr. doc. 3 junto com a petição inicial
d) Com interesse para os presentes autos, consta do programa de procedimento que:
Artigo 11.º
Critério de adjudicação
O critério que presidirá à adjudicação será o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada pela modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 74º do CCP:
a. Monofactor, pela avaliação do preço ou custo enquanto único aspecto da execução do contrato a celebrar;
(...)
Artigo 19.º
Documentos de habilitação
1. O concorrente adjudicatário deverá, no prazo de 5 dias úteis a contar da notificação da decisão de adjudicação, proceder à entrega dos seguintes documentos:
a. Declaração elaborada de acordo com o modelo constante do anexo II ao CCP;
b. Documento comprovativo em como o concorrente tem a sua situação regularizada relativamente a contribuições para a segurança social em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
c. Documento comprovativo em como o concorrente tem a sua situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
d. Documentos comprovativos de que não se encontra em nenhumas das situações previstas nas alíneas b), e h) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.
e. Certidão Permanente do Registo Comercial, onde conste nomeadamente a identificação e a titularidade de poderes para a assinatura de contratos com entidades públicas, e/ou se for o caso, credencial habilitadora de poderes para outorga do respectivo contrato, e bem assim, cópia do Cartão de Pessoa Colectiva, Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte de quem outorga no contrato em representação do concorrente adjudicatário.
2. A não apresentação dos documentos de habilitação no prazo determinado, por facto imputável ao adjudicatário, implicará:
a. A caducidade da adjudicação;
b. A adjudicação à proposta ordenada em lugar subsequente;
3. Implicará também a caducidade da adjudicação, sem prejuízo de outros procedimentos, a falsificação de qualquer documento de habilitação ou a prestação culposa de falsas declarações
Cfr. doc. 2 junto com a PI;
e) No referido concurso, ao lote 1, apresentaram proposta a Autora e a Contra-Interessada – cfr. relatório preliminar constante do doc 4 da petição inicial;
f) A Autora solicitou esclarecimentos quando à interpretação do caderno de encargos com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 50 do PA;
g) O júri prestou o seguinte esclarecimento:
1) (...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

2) (...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 52 do PA;
h) A proposta da Contra-Interessada foi instruída com um documento denominado “proposta de fornecimento” do qual, com interesse para os presentes autos se extrai que:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 62 do PA
i) Em 17.08.2020, o Júri elaborou o Relatório Preliminar, no qual admitiu todas as propostas apresentadas e, relativamente ao lote um, propôs a seguinte ordenação, de acordo com o critério de adjudicação:
ii) [imagem que aqui se dá por reproduzida]

Cfr. fls. 107 do PA;
j) Notificada do Relatório Preliminar, a Autora pronunciou-se em Audiência dos interessados, no qual pede a exclusão da proposta da contra-interessada – c fr. fls. 108 do PA;
k) Em 14.01.2022, o Júri elaborou o Relatório final, no qual, analisando a pronúncia dos concorrentes em sede de audiência dos interessados, propôs a adjudicação do contrato à Contra-Interessada, nos termos constantes do relatório preliminar, do qual se extraí que:
“3. Entende o Júri, que resulta do caderno de encargos, com a exigida clareza e transparência, a possibilidade dos concorrentes, poderem, para o acesso securizador, optar pela solução que entendessem mais adequada, acesso em fibra óptica ou por recurso a tecnologia 4G ou 5G;
4. Da análise da proposta apresentada pela concorrente “NOS COMUNICAÇÕES”, resulta que a solução de acesso à internet proposta supera as exigências constantes do Caderno de Encargos, ao apresentar as características que a seguir se indicam, como acesso principal:
i. Sem limites de utilização de tráfego ou tempo
ii. Disponibilização de 8 (oito) IP Público fixos;
iii. Débito de 1/1 Gbps;
5. Verifica se igualmente que estando o acesso securizador ou de redundância, proposto em tecnologia 4G, se encontra o mesmo perfeitamente em consonância com a possibilidade conferida pelo Caderno de Encargos no seu artigo 11.º, c mo acima se demonstra a sublinhado e a bold.
6. Em parte alguma do Caderno de Encargos se menciona que o acesso securizador ter á d e garantir os mesmos débitos do acesso principal, essa condição sim, iria colidir com a possibilidade do mesmo ser em 4G, possibilidade expressa e claramente aceite pelo CE. Tal menção não poderia, de modo algum existir, na medida em que é amplamente sabido que a tecnologia 4G nunca garante esses débitos.
7. Como mencionado na Acta de resposta ao pedido de esclarecimento solicitado pelo concorrente “M..., S.A. datada de catorze de Dezembro de 2021, prévia,portanto, à apresentação de propostas, “o circuito principal deverá assegurar equipamentos distintos para ligação das conectividades Internet e Voz. De igual forma o circuito securizador deverá garantir esta mesma distinção de ligações. A forma como o mesmo é assegurado fica à consideração dos eventuais concorrentes, nos termos e condições das soluções previstas no CE
8. Assim, como se constata, também os esclarecimentos admitiam a devida abertura ao livre e arbítrio dos concorrentes para, no caso do acesso securizador, apresentarem a solução que técnica e economicamente, considerassem mais adequada, não se vislumbrando que por essa premissa concedida pelo aderno de Encargos, haja qualquer atropelo ao princípio da concorrência, até porque as diferentes propostas cumprem e se enquadram nas imposições e nos limites mínimos referidos nas peças do procedimento.
9. Acresce referir, em alusão aos níveis de serviço mencionados pela reclamante no seu ponto n.º 5 e 6, que como é do seu conhecimento, estes se referem em todo o clausulado do Caderno de Encargos, mormente nos artigos 11.º e 13.º a aspectos qualitativos da execução do contrato , como por exemplo (disponibilidade e prazos de reposição de serviço e reposição de avarias), e não aos aspectos quantitativos das especificações técnicas a que devam obedecer “ou equipamentos. Assim sendo, nada determina que devam ser observadas pelos concorrentes, as mesmas características ou débitos, quer para o circuito principal quer para o securizador de modo a poderem assim ser cumpridos os níveis de serviço, já que estes se referem predominantemente a prazos, que a não serem cumpridos encontram o devido enquadramento nas penalidades contratuais.
- Cfr. fls. 112 do PA;
l) Tendo por base o relatório final do júri, por despacho de 12.01.2022, o Vereador com competências delegadas adjudicou o contrato (lote 1 e lote 2) à contra-interessada, pelo preço contratual de 27.923,40, a que acresce IVA à taxa legal em vigor – cfr. fls. 113 do PA;
m) A 14.01.2022, a Contra-Interessada apresentou, via plataforma electrónica, os documentos de habilitação – cfr. fls. 170 do PA;
n) Nos documentos entregues não se incluía o comprovativo de inscrição no registro central de beneficiário efectivo – por acordo;
o) A 10.02.2022, a Autora apresentou impugnação administrativa, na qual pediu a caducidade da adjudicação, por não apresentação da declaração do Registo Central do Beneficiário Efectivo – cfr. fls. 133 do PA;
p) A 11.02.2022, a Contra-Interessada remeteu, via plataforma electrónica, o código de acesso à certidão comprovativa de registo central de beneficiário efectivo – cfr. fls. 138 e 139 do PA;
q) A 11.02.2022, entre a Contra-Interessada e a Entidade Demandada foi celebrado contrato denominado de “contratação de infra-estruturas de comunicações com integração fixo/móvel dados e serviços conexos” – cfr. fls. 150 do PA;
r) Por despacho do Presidente da Câmara Municipal, datado de 22.02.2022, foi indeferida a impugnação administrativa referida em o) dos factos provados – cfr. fls 142 do PA;

1.2 Factos não provados:
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa que interessa dar como não provados.»
**

III. B. DE DIREITO

Está em causa a sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a ação movida pela Autora, ora Apelante, na qual pedia que fosse anulada a decisão de adjudicação da proposta apresentada pela Contrainteressada no âmbito do concurso público lançado pelo MUNICÍPIO DE ... para a “Contratação da infraestrutura de comunicações com integração fixo/móvel, dados, alojamento de caixas de email e serviços conexos”, publicado na II Série do D.R., de 10/12/2021, e que fosse proferida decisão que condenasse a entidade pública a adjudicar a proposta por si apresentada.
A autora, ora Apelante, assentou a sua pretensão em duas ordens de razão, alegando, no essencial, que: (i)a proposta apresentada pela Contrainteressada violava o disposto no artigo 11.º do Caderno de Encargos, o que deveria levar à sua exclusão nos termos da alínea b) do n.º2 do artigo 70.º do CCP; e (ii) que o comprovativo da inscrição no “Registo Central do Beneficiário Efetivo” (RCBE) constitui um documento de habilitação, e que não tendo a Contrainteressada entregue esse documento juntamente com os outros documentos de habilitação, a adjudicação teria caducado e a entidade adjudicante estaria agora obrigada a adjudicar a proposta da Autora.
O Tribunal a quo não lhe deu razão, considerando a Apelante que a sentença recorrida efetuou uma incorreta aplicação da lei na subsunção dos factos ao Direito, aplicando a lei de forma díspar com o regime legal vigente para a Contratação Pública, pelas seguintes razões: prima facie, porque não considerou como requisito e documento de habilitação, o RCBE, que claramente o é ( vide conclusão F); secundo, por ter julgado que a proposta apresentada pela Contrainteressada não violava o artigo 11.º do Caderno de Encargos e dos esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante, razões pelas quais pretende que o recurso interposto seja julgado procedente.
Vejamos.

b.1.Da não consideração como requisito e documento de habilitação, da declaração de inscrição no RCBE.
Coligida a fundamentação de facto da sentença recorrida, dela resulta como assente que tendo por base o relatório do júri do procedimento, por despacho de 12/01/2022, o Senhor Vereador com competências delegadas, adjudicou o contrato (lote 1 e lote 2) à Contrainteressada ( vide alínea l) do elenco dos factos assentes).
Seguidamente, a 14/01/2022, a Contrainteressada apresentou, via plataforma eletrónica os documentos de habilitação, sendo que nos documentos entregues não se incluía o comprovativo da sua inscrição no registo central de beneficiário efetivo (RCBE)- vide alíneas m) e n) do probatório.
Nessa sequência, em 10/02/2022, a Autora apresentou impugnação administrativa em que pediu a caducidade da adjudicação da proposta à Contrainteressada, com fundamento na falta de apresentação da referida declaração no RCBE- vide alínea o) do elenco dos factos provado.
No dia 11/02/22, a Contrainteressada remeteu via plataforma eletrónica, o código de acesso à certidão comprovativa do RCBE, e nessa mesma data, foi celebrado entre a mesma e a Entidade Demandada o contrato denominado de “ contratação de infraestruturas de comunicações com integração fixo/móvel dados e serviços conexos” – vide alíneas p) e q)do elenco dos factos provados.
A Apelante considera, repisando os mesmos argumentos que expendeu na ação, que o comprovativo de inscrição no RCBE constitui um requisito e um documento de habilitação, cuja falta de junção determina a caducidade da adjudicação e, como tal, discorda da sentença recorrida quando, pese embora nela se dê como provado que o referido documento não foi junto com os documentos de habilitação, se entende que o mesmo não tem a natureza de documento de habilitação.
A Apelante indica em abono da sua tese a jurisprudência veiculada no Acórdão do TCAN, de 11/02/2022, proferido no processo n.º 01296/21.0BEPRT.
Reafirma que nos termos do disposto nos artigos 36.º e 37.º, n.º1, alínea b) da Lei 89/2017, de 21 de agosto, que criou o RCBE a declaração de inscrição no RCBE é um documento de habilitação, e advoga que os documentos de habilitação exigíveis nos termos de leis especiais fora do CCP são aplicáveis aos procedimentos de contratação pública, pelo que a sanção da caducidade prevista no regime do artigo 86.º do CCP é aplicável à falta de apresentação da declaração do RCBE, cujo falta não pode ser suprida.
Perscrutada a sentença recorrida, a senhora juiz a quo defendeu que apenas são documentos de habilitação aqueles que vêm indicados no n.º1 do artigo 81.º do CCP, nomeadamente a declaração anexo II ao CCP e os documentos comprovativos de que o adjudicatário não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e h) do n.º1 do artigo 55.º do CCP.
No entendimento do Tribunal a quo, o elenco constante do n.º1 do artigo 81.º do CCP «constitui um elenco fechado, como resulta da afirmação “ deve apresentar os seguintes documentos de habilitação”, não se admitindo a existência de documentos de habilitação constantes de legislação extravagante».
Adianta ainda a senhora juiz a quo que « o facto de a entrada do regime do RCBE ser posterior à ultima alteração ao Código dos Contratos Públicos, efetuada pela Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, por ter ficado dependente de regulamentação, não o torna um documento de habilitação .
Se assim fosse, o legislador certamente o teria feito com a introdução da necessária alteração ao Código dos Contratos Públicos, como o fez com a alteração de um conjunto muito significativo de outros Códigos e diplomas legislativos, ainda que ficasse dependente da aprovação da regulamentação o regime jurídico do RCBE, para que o mesmo fosse efectivamente aplicável (cfr. artigo 22 e 23º da Lei n.º 89/2017, de 20 de Agosto).»
E reforça esse entendimento vincando que «o n.º 8 do artigo 81º do Código dos Contratos Públicos apenas admite que a entidade adjudicante solicite “outros documentos de habilitação”, que sejam relativos à titularidade de habilitações legalmente exigidas para a execução do contrato, o que mais uma vez inculca a ideia que o documento comprovativo de inscrição do RCBE não constitui um documento de habilitação» para concluir que « o facto de a Contra-Interessada não ter apresentado o RCBE não determina a caducidade de adjudicação à luz do n.º 1 do artigo 86º, porquanto tal documento não configura um documento de habilitação.»
Não obstante, afirma-se na sentença recorrida que «com isto, não se quer dizer que a Entidade Demandada possa celebrar o contrato sem que dê cumprimento às obrigações constantes do regime jurídico do RCBE, por tal ser uma imposição legal.
Note-se que, ao contrário do que pretende fazer crer a Autora, é a Entidade Adjudicante que tem o ónus de exigir a comprovação do registo e das respectivas actualizações do beneficiário efectivo antes de celebrar do contrato, verificação que se efectua através da consulta electrónica do registo central do beneficiário efectivo (cfr. artigo 21º do Regime do RCBE e artigo 7º e 8º da Portaria n.º 233/2018, de 21 de Agosto).
É certo também que a formalização do contrato sem dar cumprimento a tal obrigação declarativa gera a invalidade do contrato, dado que o artigo 37º do regime legal do RCBE impede a celebração do contrato se se verificar o incumprimento da obrigação declarativa do beneficiário efectivo.
Daí que a entidade adjudicante deva, antes de celebrar o contrato, verificar se o adjudicatário cumpriu com as exigências declaratórias constantes do RCBE. Caso o adjudicatário não tenha cumprido com tal obrigação, fica impedida de celebrar o contrato.»
Entende senhora juiz a quo que, contudo, tais situações se devem «subsumir às “outras causas de caducidade da adjudicação” prevista no artigo 87º- A do Código dos Contratos Públicos, do qual consta que determina a caducidade de adjudicação outras causas de caducidade previstas no presente Código, resultantes de outra legislação aplicável bem como a ocorrência superveniente de circunstâncias que inviabilizem a celebração do contrato.»
E conclui que: «Contudo, como já referimos supra, não se pode é confundir a causa de adjudicação prevista no artigo 87.º-A do Código dos Contratos Públicos, com a caducidade de adjudicação prevista no n.º1 do artigo 86.º, exclusivamente ditada pela falta de apresentação dos documentos de habilitação expressamente referidos no artigo 81.º do Código dos Contratos Públicos – não sendo o documento comprovativo de registo do RCBE um documento de habilitação.
No caso concreto, como resulta do probatório (cfr. alínea p) dos factos provados), no mesmo dia em que foi celebrado o contrato, a Contra-Interessada apresentou o comprovativo de inscrição no RCBE, pelo que, foi dado cumprimento à exigência que do 37.º daquele regime legal.
Assim sendo, não se verificava qualquer impedimento que inviabilizasse a celebração do contrato, não existindo qualquer razão, para declarar a caducidade da adjudicação mesmo à luz do disposto no artigo 87.º-A do Código dos Contratos Públicos.
Assim, pelo exposto improcede o invocado pela Autora, resultando prejudicado o conhecimento do pedido de condenação de adjudicação da proposta da Autora».
Decorre do disposto no n.º1 do artigo 77.º do CCP que a decisão de adjudicação é notificada em simultâneo a todos os concorrentes e nos termos do n.º2 do mesmo normativo, o órgão adjudicante, juntamente com a notificação da decisão de adjudicação, deve ainda notificar especificamente o adjudicatário para apresentar os documentos de habilitação exigidos nos termos do disposto no artigo 81.º ( alínea a); prestar caução, se esta for devida, indicando expressamente o seu valor ( alínea b)); Confirmar no prazo para o efeito fixado, se for o caso, os compromissos assumidos por terceiras entidades relativos a atributos ou a termos ou condições da proposta adjudicada ( alínea c)); se pronunciar sobre a minuta de contrato, quando este for reduzido a escrito ( alínea d); confirmar no prazo para o efeito fixado, se for o caso, a constituição da sociedade comercial, de acordo com os requisitos fixados nas peças do procedimento e os termos da proposta adjudicada ( alínea d).
Dispõe o artigo 81.º do CCP, sob a epígrafe “ Documentos de habilitação” que:
«1-Nos procedimentos de formação de quaisquer contratos, o adjudicatário deve apresentar os seguintes documentos de habilitação:
a) Declaração do anexo ii ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos comprovativos de que não se encontra nas situações previstas nas alíneas b), d), e) e h) do n.º 1 do artigo 55.º.
2 - A habilitação, designadamente a titularidade de alvará e certificado de empreiteiro de obras públicas, bem como o modo de apresentação desses documentos, obedece às regras e termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das obras públicas.
3-(Revogado.)
4-(Revogado.)
5-(Revogado.)
6-(Revogado.)
7-(Revogado.)
8 - O órgão competente para a decisão de contratar pode sempre solicitar ao adjudicatário, ainda que tal não conste do convite ou do programa do procedimento, a apresentação de quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objeto do contrato a celebrar, fixando-lhe prazo para o efeito.

9 - Nos casos em que o valor do contrato a celebrar determine a sua sujeição a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, o órgão competente para a decisão de contratar deve solicitar ao adjudicatário a apresentação de um plano de prevenção de corrupção e de infrações conexas, salvo se este for uma pessoa singular ou uma micro, pequena ou média empresa, devidamente certificada nos termos da lei.
10 - O adjudicatário não tem de apresentar os documentos previstos na alínea b) do n.º 1 se estiver registado no Portal Nacional de Fornecedores do Estado»
Por sua vez, dispõe o artigo 86.º do CCP, sob a epígrafe “ Não apresentação dos documentos de habilitação” o seguinte:
« 1 - A adjudicação caduca se, por facto que lhe seja imputável, o adjudicatário não apresentar os documentos de habilitação:
a)No prazo fixado no programa do procedimento;
b) No prazo fixado pelo órgão competente para a decisão de contratar, no caso previsto no n.º 8 do artigo 81.º;
c) Redigidos em língua portuguesa, ou acompanhados de tradução devidamente legalizada no caso de estarem, pela sua natureza ou origem, redigidos numa outra língua, salvo se o programa do procedimento dispuser diferentemente e estabelecer a suficiência da redação dos documentos em língua estrangeira sem necessidade de tradução.
2-Sempre que se verifique um facto que determine a caducidade da adjudicação nos termos do n.º 1, o órgão competente para a decisão de contratar deve notificar o adjudicatário relativamente ao qual o facto ocorreu, fixando-lhe um prazo, não superior a 5 dias, para que se pronuncie, por escrito, ao abrigo do direito de audiência prévia.
3 - Quando as situações previstas no n.º 1 se verifiquem por facto que não seja imputável ao adjudicatário, o órgão competente para a decisão de contratar deve conceder-lhe, em função das razões invocadas, um prazo adicional para a apresentação dos documentos em falta, sob pena de caducidade da adjudicação.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o órgão competente para a decisão de contratar deve adjudicar a proposta ordenada em lugar subsequente.

5 - (Revogado.)»

A habilitação, quanto à sua natureza, como bem elucidam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira- in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, pág.s 481/482- « configura o ato de uma autoridade ou entidade competente- pode ser o órgão adjudicante- pelo qual se atesta ou confirma ( trata-se por isso de uma tarefa eminentemente certificativa ou declarativa) que o adjudicatário tem permissão legal para o exercício da atividade que é objeto do contrato e que não padece de qualquer impedimento à contratação ( seja qual for o contrato).
A habilitação comporta assim dois juízos estruturalmente distintos.
Um entendido stricto sensu, relativo à aptidão profissional do concorrente, outro em sentido lato, sobre a sua idoneidade ou honorabilidade pessoal, digamos assim, abrangendo contudo as diversas facetas ( criminal, contraordenacional, fiscal, etc…) contempladas na norma legal respetiva.
Trata-se por conseguinte de, através do estabelecimento da obrigação da junção de determinadas declarações ou certificados apresentados pelo adjudicatário, permitir à entidade adjudicante aferir se o mesmo reúne os requisitos legais estabelecidos no artigo 81.º do CCP e os previstos no programa de concurso, que o habilitam ao exercício da atividade que é objeto do contrato e, bem assim, que não padece de qualquer impedimento à contratação.
A respeito dos documentos de habilitação, «independentemente do objeto do contrato a celebrar, o adjudicatário deve ainda apresentar os documentos de habilitação que o programa do procedimento exija, nomeadamente, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de aquisição de serviços, quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a prestação dos serviços em causa»- cfr. Pedro Costa Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, Almedina, pág.350 ( negrito nosso).
De notar que conforme decorre do n.º 8 do art.º 81.º, o órgão adjudicante pode sempre solicitar ao adjudicatário, ainda que tal não conste do programa do procedimento, a apresentação de quaisquer documentos demonstrativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objeto do contrato a celebrar, fixando-lhe prazo para o efeito.
No caso, no artigo 19.º do “Programa do procedimento”, sob a epígrafe “ documentos de habilitação”, a entidade adjudicante estabeleceu que:
«1. O concorrente adjudicatário deverá, no prazo de 5 dias úteis a contar da notificação da decisão de adjudicação, proceder à entrega dos seguintes documentos:
a. Declaração elaborada de acordo com o modelo constante do anexo II ao CCP;
b. Documento comprovativo em como o concorrente tem a sua situação regularizada relativamente a contribuições para a segurança social em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
c. Documento comprovativo em como o concorrente tem a sua situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal;
d. Documentos comprovativos de que não se encontra em nenhumas das situações previstas nas alíneas b), e h) do n.º 1 do artigo 55.º do CCP.
e. Certidão Permanente do Registo Comercial, onde conste nomeadamente a identificação e a titularidade de poderes para a assinatura de contratos com entidades públicas, e/ou se for o caso, credencial habilitadora de poderes para outorga do respectivo contrato, e bem assim, cópia do Cartão de Pessoa Colectiva, Bilhete de Identidade e Cartão de Contribuinte de quem outorga no contrato em representação do concorrente adjudicatário.
2. A não apresentação dos documentos de habilitação no prazo determinado, por facto imputável ao adjudicatário, implicará:
a. A caducidade da adjudicação;
b. A adjudicação à proposta ordenada em lugar subsequente;
3. Implicará também a caducidade da adjudicação, sem prejuízo de outros procedimentos, a falsificação de qualquer documento de habilitação ou a prestação culposa de falsas declarações»
Conforme resulta do teor do artigo 81.º do CCP, no catálogo dos documentos de habilitação que nele se encontram indicados como tendo de ser apresentados pelo adjudicatário, não consta a exigência de nenhuma declaração de inscrição no RCBE.
Igual conclusão se extrai da consideração do disposto no artigo 19.º do Programa do procedimento, em que não foi estabelecida pela entidade adjudicante nenhuma exigência da comprovação do registo no RCBE, nem em nenhuma outra peça do procedimento, nem sequer e tão pouco ficou aí definido o momento em que este documento deveria ser entregue.
Ademais, a Apelante não tem razão quando pretende que o elenco de documentos de habilitação legalmente exigíveis não se esgota no que fica estipulado nas peças procedimentais, nem estas têm de as elencar porque estas resultam da lei, havendo que ter presente o que resulta de leis especiais aplicáveis à contratação pública.
Só são documentos de habilitação para efeitos do disposto no artigo 81.º do CCP aqueles que aí se encontram incluídos, e os que a Entidade Adjudicante exija como tal nas peças do procedimento, o que bem se compreende, considerando a gravidade da consequência que é cominada no artigo 86.º do CCP para o caso de verificar que o concorrente não juntou algum desses documentos nos prazos estipulados no programa do procedimento. Razões de segurança, transparência, estabilidade e até de concorrência, justificam a nosso ver, que apenas sejam considerados documentos de habilitação os que expressamente sejam exigidos como tais aos concorrentes, por força do artigo 81.º do CCP ou por constarem do programa do procedimento como documentos de habilitação .
Também não tem qualquer relevo a circunstância invocada de a entrada em vigor da Lei 89/2017 ser posterior à entrada em vigor do CCP na redação dada pelo D.L. n.º 111-B/2017, de 31/08, pelo que, os documentos de habilitação exigíveis nos termos de leis especiais fora do CCP são aplicáveis aos procedimentos de contratação pública, como é o caso do disposto na portaria 372/2017 e na Lei 96/2015.
Como resulta das considerações que efetuamos, afigura-se-nos incontroverso que para um documento ser considerado de habilitação para efeitos do disposto nos artigos 81.º e 86.º do CCP, o mesmo tem de integrar o catálogo previsto no artigo 81.º do citado diploma ou constituir um dos documentos de habilitação que o programa do procedimento exija.
Logo, no caso, sendo inequívoco que o comprovativo do RCBE não figura entre os documentos de habilitação elencados no art.º 81.º do CCP, este só poderia tornar-se de entrega obrigatória com a proposta ou no momento de entrega dos documentos de habilitação caso tal estivesse expressamente previsto no Programa do Procedimento, por decisão da entidade adjudicante.
Tal não significa, porém, que inexistam outros documentos cuja falta não possa determinar a caducidade da adjudicação para além dos casos de não apresentação pelo adjudicatário de um documento de habilitação exigido pelo artigo 81.º do CCP ou previsto no Programa do Procedimento.
Aponta nesse sentido o artigo 87.º-A do CCP que sob a epígrafe “ Outras causas de caducidade da adjudicação”, estabelece que « 1- Sem prejuízo de outras causas de caducidade previstas no presente Código ou resultantes de outra legislação aplicável, determina ainda a caducidade da adjudicação a ocorrência superveniente de circunstâncias que inviabilizem a celebração do contrato, designadamente por impossibilidade natural ou jurídica, extinção da entidade adjudicante ou do adjudicatário ou por insolvência deste.»
Tal como foi perfilhado na sentença recorrida, enquadra-se nesta situação aquela em que porventura o adjudicatário não comprove, quando tal lhe seja solicitado pela entidade adjudicante, que se encontra inscrito no RCBE, uma vez que, conforme decorre da Lei 89/2017, a entidade adjudicante não pode celebrar nenhum contrato com a sociedade comercial adjudicatária sem verificar se a mesma se encontra inscrita no RCBE.
Como se expendeu na sentença recorrida, estão sujeitas ao RCBE as entidades referidas no artigo 3º da citada Lei, nomeadamente as sociedades civis e comerciais que exerçam atividade ou pratiquem ato ou negócio jurídico em Portugal, devendo estas declarar, nos momentos previstos e com a periodicidade fixada no regime, informação suficiente exata e atual sobre os seus beneficiários efetivos.
E nos termos do artigo 37.º desse diploma, enquanto não se verificar o cumprimento das obrigações declarativas impostas pelo RCBE, as entidades adjudicantes encontram-se impedidas de celebrar contratos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas ou aquisição de serviços e bens com o Estado, regiões autónomas, institutos públicos, autarquias locais e instituições particulares de solidariedade social maioritariamente financiadas pelo Orçamento do Estado, bem como renovar o prazo dos contratos já existentes”.
Logo, não é questionável que se está perante um imperativo legal que impede a entidade adjudicante de celebrar o contrato caso o adjudicatário não comprove previamente ao momento da sua outorga, que se encontra inscrito o RCBE. Porém, daí não pode inferir-se que se está perante um documento de habilitação, uma vez que, não consta do elenco dos documentos previstos no artigo 81.º do CCP como documento de habilitação- e, sublinhe-se que não faltaram oportunidades para que essa inclusão tivesse sido operada pelo legislador, se essa fosse a sua vontade- e não foi incluído no programa do procedimento como documento de habilitação.
A esse talhe, sublinhe-se que a não consideração da apresentação do documento comprovativo da inscrição da adjudicatária no RCBE como documento de habilitação, de modo a não poder aplicar-se à falta da sua junção a consequência da caducidade da adjudicação nos termos previstos no artigo 86.º do CCP, não é posta em crise pela jurisprudência invocada pela Apelante e veiculada no douto Acórdão deste TCAN, de 11/02/2022, proferido no processo n.º 01296/21.0BEPRT, quando nele se expende que «…a falta de alvarás, certificados, títulos de registo, etc., exigidos no programa do procedimento em razão de previsão normativa, legal ou regulamentar, que habilitam ao exercício da atividade inerente à execução das prestações contratuais detetada antes da adjudicação ou, mesmo, antes da conclusão da fase de análise e avaliação de propostas, implica a exclusão da proposta do concorrente em falta” e, ainda por nele se referir que « Os requisitos de habilitação devem existir logo no momento da apresentação da proposta e durar até à celebração do contrato ( no mínimo, até ao momento da apresentação dos documentos de habilitação)».
Em primeiro lugar, no acórdão cujas passagens acabamos de transcrever, não se discutia a questão de saber se a declaração comprovativa da inscrição da adjudicatária no RCBE constituía um documento de habilitação e se a falta dessa junção no momento indicado constituía a falta de entrega de um documento de habilitação que o adjudicatário estivesse obrigado a apresentar.
Em segundo lugar, o que resulta da jurisprudência firmada nesse aresto é que apenas são considerados documentos habilitacionais aqueles que como tal forem exigidos no programa do procedimento, ainda que por força de determinações legais ou regulamentares. Essa jurisprudência, ao invés de sustentar a tese defendida pelo Apelante abona antes em prol do entendimento que perfilhamos, uma vez que, como resulta comprovado, a declaração de inscrição da adjudicatária no RCBE não constava como exigência habilitacional no programa de concurso respetivo, logo, não era um documento de habilitação.
No aresto em referência, a questão abordada é uma simples causa de exclusão da proposta, por falta de apresentação de algum dos documentos exigidos no Programa do Procedimento, nos termos da alínea d), n.º2 do artigo 146.º do CCP.
Diversamente, in casu, o que está em causa, reafirma-se, é a entrega de um documento que para além de não constar do catálogo de documentos de habilitação plasmada no artigo 81.º do CCP, também não era exigido em qualquer das peças procedimentais.
Tendo em consideração que o comprovativo do RCBE não figura entre os documentos de habilitação elencados no art.º 81.º do CCP, este só poderia tornar-se de entrega obrigatória com a proposta ou no momento de entrega dos documentos de habilitação caso tal estivesse expressamente previsto no Programa do Procedimento, por decisão da entidade adjudicante.
Como tal, concordamos com a sentença recorrida, quando nela a Senhora juiz a quo considerou que o facto de a Contrainteressada ter entregue esse comprovativo de registo no dia da outorga do contrato e não em conjunto com os documentos de habilitação não viola nem qualquer norma que tenha sido fixada no procedimento nem qualquer norma legal ou regulamentar.
Ademais, importa frisar que o facto de a adjudicatária não ter entregue o comprovativo da declaração de inscrição no RCBE não significa, de modo algum, que estivesse em incumprimento das suas obrigações declarativas, sendo que, nos termos do artigo 37.º do Regime do RCBE, é esse incumprimento que impede a celebração de contratos. E no caso, conforme resulta provado, a adjudicatária tinha o registo do beneficiário efetivo – ou seja, tinha declarado todas as informações exigidas pelo Regime do RCBE e, como tal, tinha cumprido todas as suas obrigações declarativas.
Assim sendo, tendo presente que o comprovativo do RCBE não constitui um documento de habilitação, que a sua apresentação não foi exigida pela entidade adjudicante nas peças do procedimento, que a contrainteressada tinha cumprido plenamente as suas obrigações declarativas e que a mesma entregou o comprovativo do RCBE no dia da outorga do contrato, discordamos dos fundamentos de recurso invocados pela Apelante quanto a esta questão.
Ademais, apelando ainda à jurisprudência veiculada no mencionado aresto deste TCAN, note-se que a necessidade de os requisitos habilitacionais deverem “existir logo no momento da apresentação da proposta e durar até à celebração do contrato ( no mínimo, até ao momento da apresentação dos documentos de habilitação)” também não é colocada em causa no presente processo, uma vez que, como claramente explicitou o Tribunal a quo, o que está em causa no presente processo é tão só o comprovativo do RCBE e não o cumprimento da obrigação declarativa per se.
No caso, é seguro que a Contrainteressada já tinha procedido ao registo do beneficiário efetivo nos termos da legislação aplicável, do que resulta que a obrigação declarativa em si encontrava-se cumprida desde o início do procedimento.
Quanto ao argumento de que o Tribunal terá incorrido em erro de julgamento quando refere que a exigência de inscrição no RCBE resulta de legislação extravagante e posterior à última alteração ao CCP, operada pela Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, quando esta não foi a última alteração ao CCP, não revela qualquer utilidade para a sua tese, tanto quanto é certo que o legislador do CCP já operou várias alterações a esse regime posteriores ao regime que criou o RCBE e em nenhuma dessas alterações inseriu a previsão da necessidade de apresentação do comprovativo da inscrição no RCBE como requisito habilitacional, pelo que, se essa fosse a intenção do legislador, então o mesmo teria certamente incluído esse comprovativo de inscrição no RCBE no leque dos documentos de habilitação, tantas foram já os momentos em que teve efetiva possibilidade de o fazer.
Assim, só podemos concluir pela falta de razão da Apelante, estando quanto a nós bem decidida a questão de considerar que o comprovativo de inscrição no RCBE não constitui um documento de habilitação e, por conseguinte, a falta da sua apresentação não determina a caducidade da adjudicação nos termos do artigo 86.º do CCP.

b.2. Da violação do artigo 11.º do Caderno de Encargos.
A Apelante discorda do entendimento sufragado na sentença recorrida quanto ao alcance e sentido a extrair do disposto no artigo 11.º do CE, pretendendo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão deste Tribunal ad quem que exclua a proposta apresentada pela Contrainteressada com fundamento na violação dos termos e condições constantes do artigo 11º do CE e, consequentemente que condene a Apelada a adjudicar a proposta da Autora.
De acordo com a Apelante o artigo 11.º do CE, referindo-se às “ Características Técnicas” , prescreve e especifica, relativamente ao Lote 1, no Ponto 1.01, que o serviço de acesso à internet deverá apresentar um determinado número de características, as quais, em suma, confluem no sentido de que o serviço de voz e o serviço de acesso à internet transitam, do acesso principal para o acesso securizador, sem alterações ou qualquer modificação, de forma automática e instantânea.
Acontece que, cotejando a proposta apresentada pela Contrainteressada, a mesma apresenta uma solução de redundância de 4G, com débito de apenas e somente 150/10 Mbps, ,quando o CE, para a solução do serviço de acesso á internet determina, de forma expressa e inequívoca, um debito mínimo de 500/500 Mbps.
Como tal, a Apelante entende que considerando as peças do concurso e os esclarecimentos prestados pela Entidade Adjudicante, não existem dúvidas em como há um claro incumprimento do CE por parte da Contrainteressada, que apresenta débitos substancialmente inferiores ao mínimo exigido no Caderno de Encargos, a saber:
(i)No caso do downstream ( débito binário (“velocidade”) da receção de dados da rede do operador ) o débito proposto é de apenas 30% do débito mínimo exigido no CE;
(ii)No caso do downstream (débito binário ( “velocidade”) do envio de dados para a rede do operador) o débito proposto é de apenas 2% do débito mínimo exigido no CE.
Sendo assim, considera que a prestação do serviço nos termos exigidos pela Entidade Adjudicante no âmbito do contrato a celebrar é colocado em causa, pelo que a respetiva proposta não cumpre os requisitos do CE, o que constitui motivo de exclusão.
Quid iuris?
Expende-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação que consideramos pertinente transcrever integralmente no seguinte segmento:
« (…)Por outro lado, estabelece a alínea b) do n.º 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos que são excluídas as propostas que violem “aspectos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência”.
Decorre desta alínea que não são aceites propostas “condicionadas”, isto é, com cláusulas diferentes do que resultam imperativamente do caderno de encargos que que este não submeteu à concorrência.
Como explicam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2011, pág. 933):
“O que releva aqui, note-se, não é a importância ou relevo da violação, a sua maior ou menor danosidade para os interesses da entidade adjudicante, mas o mero facto da violação.
Da mesma forma, o legislador manda excluir as propostas cujos termos e condições infrinjam cláusulas do caderno de encargos sobre aspectos da execução do contrato subtraídos à concorrência, pois, apesar de eles não serem tomados em conta na avaliação das propostas, a verdade é que aceitar uma proposta dessas e adjudicar-lhe o contrato envolveria uma de duas alternativas juridicamente ilegítimas: ou se esquecia um aspecto da execução do contrato considerado imperativo pelo caderno de encargos ou, então, considerava-se não escrito um dos termos ou condições sob que o concorrente se manifestou disposto a contratar, compelindo-o a um termo ou condição (e portanto a um contrato) que ele revelou não querer”
Nestas circunstâncias, demonstrando-se que a proposta da contra-interessada apresenta um termo ou condição em violação do caderno de encargos, ao júri do concurso só restaria propor à entidade adjudicante a respectiva exclusão.
O efeito jurídico sancionatório consagrado na alínea b) do n.º 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos, decorrente da inobservância de aspectos de execução do contrato subtraídos à concorrência, mas regulados no caderno de encargos, é explicável em via de coerência com a natureza jurídica que esta peça do procedimento assume no modo de formação dos preceitos negociais, que surge como uma antecipação das cláusulas contratuais que irão integrar o contrato (cfr. artigo 96º do Código dos Contratos Públicos).
O que significa que os termos ou condições são irrelevantes apenas do ponto de vista adjudicatório, mas não do ponto de vista do interesse público presente no objecto do contrato.
Feitas estas considerações introdutórias, voltemos ao caso concreto.
Nos presentes autos, está em causa um procedimento por concurso público destinado à “contratação da infra-estrutura de comunicações com integração fixo móvel, dados, alojamento de caixas de email e serviços conexos”.
No caso concreto o único aspecto da execução do contrato submetido à concorrência era o preço (atributo), pelo que os demais aspectos das propostas, são irrelevantes em sede de avaliação de propostas, mas não deixam de ser aspectos que os concorrentes estão obrigados a respeitar na proposta que apresentam.
O cerne da questão aqui em causa é saber se a proposta da Contra-Interessada viola o artigo 11º do caderno de encargos, por apresentar, na sua proposta uma solução de redundância com débito de 150/10Mbps, quando deveria garantir um débito mínimo igual ao principal (débito mínimo exigido de 500/500 Mbps).
Por sua vez, em consonância, com o decidido pelo júri, a Entidade Demandada e a Contra-interessada consideram que a Autora faz uma errada interpretação daquela norma, porquanto o artigo 11º não faz qualquer exigência relativamente ao débito mínimo do acesso securizador.
Relativamente ao acesso securizador refere-se no texto da proposta da contra-interessada que “solução de redundância 4g com débito de 150/10 Mbps (garantindo traçado e POP´s distintos da ligação principal)” – cfr. alínea h) dos factos provados.
No entender da Autora, o acesso securizador deverá garantir “o mesmo nível de serviço” do acesso principal, incluindo os níveis de débito, que devem ser iguais ao acesso principal, isto é, deve garantir um débito mínimo de 500/500 Mbps.
Considera que ainda que tal entendimento é suportado pelo esclarecimento prestado pela Entidade Adjudicante, do qual resulta que os níveis de serviço exigidos ao adjudicatário são os mesmos do acesso principal.
Portanto, o que está em causa é interpretar o disposto no artigo 11º do Caderno de Encargos, nomeadamente se era exigido, ou não, que o acesso securizador deveria garantir os mesmos débitos que o caderno de encargos exigida para o acesso principal.
Tal como resulta do artigo 420 do Código dos Contratos Públicos, o caderno de encargos é o instrumento no qual a entidade adjudicante estabelece os termos em que está disposta a contratar, sendo, portanto, uma declaração negocial antecipada do contraente público.
Enquanto declaração negocial, está sujeita a interpretação como qualquer declaração de vontade, sendo aplicáveis, na falta de disposição especial nesta matéria, os critérios interpretativos previstos no Código Civil (artigo 2380 do Código Civil).
Daqui decorre que que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Mesmo que não se considere que o caderno de encargos não constitui uma declaração negocial, não deixará de se considerar que está em causa um acto jurídico, ao qual são aplicáveis as regras de interpretação das declarações negociais, de acordo com o disposto no artigo 2950 do Código Civil.
O artigo 11.º do Caderno de Encargos estabelece as características técnicas do serviço a fornecer pelos concorrentes, o qual, relativamente ao serviço de rede fixa (voz e dados) estabelece que:
Serviço de Voz – A solução deverá disponibilizar um acesso de voz ao operador fixo e móvel em IP.
Este acesso deverá apresentar as seguintes características técnicas:
Circuito de dados com mínimo de 32 canais de voz (para comunicações fixas e para comunicações móveis), com ligação à infra-estrutura do operador dimensionada de acordo com os critérios estabelecidos;
Comunicações ilimitadas para números dentro do grupo.
Comunicações mínima de 10000 minutos para todas as redes fixas nacionais;
Comunicações mínimas de 7000 minutos para a rede móvel fora do grupo;
Integração fixo-móvel com os cartões SIM do grupo
Serviço de acesso à Internet - O serviço de acesso à Internet deverá apresentar as seguintes características:
Sem limites de utilização de tráfego ou tempo;
Disponibilizar, no mínimo, 5 IP Público fixos;
Débito mínimo de 500/500 Mbps (1:1);
As soluções devem contemplar o fornecimento de equipamentos terminais, para ligação dos acessos e conectividades pretendidas, fornecidos como parte integrante dos serviços a prestar.
Os equipamentos a fornecer devem ser dimensionados de acordo com a solução proposta, garantindo o funcionamento pleno da solução e disponibilizando as interfaces necessárias para ligação à infra-estrutura do Município.
Para garantir uma maior segurança e para segregação do tráfego público e privado deverão ser considerados equipamentos distintos para ligação das conectividades Internet e Voz; O “Serviço de Voz” e o “Serviço de acesso à Internet” devem ser fornecidos sobre uma infra-estrutura redundante, incluindo um acesso principal e um acesso securizador. O acesso securizador deve ter um traçado totalmente distinto (sem troços comuns) do traçado do acesso principal, entre a rede do operador e as instalações do Município.
O acesso principal deve ser construído integralmente em fibra óptica e o acesso securizador poderá ser construído integralmente em fibra óptica ou usando a tecnologia 4G ou 5G (assim que disponível).
O acesso principal e o acesso securizador deverão ligar a POP's distintos na rede do operador.
Cada uma das conectividades deverá ser entregue em router distinto.
A solução deverá garantir a redundância quer de caminhos, quer de equipamentos, quer de “POP’s” (Point of Presence).
Pretende-se que a solução proposta funcione da forma a seguir especificada:
b. Em caso de falha no acesso principal, o “Serviço de Voz” e o “Serviço de acesso à Internet” passarão, de forma automática e instantânea, a ser integralmente fornecidos pelo acesso securizador, sem necessidade de intervenção manual quer do fornecedor quer do MUNICÍPIO DE .... A solução deverá ser revertida automaticamente logo que o funcionamento do acesso principal estiver operacional.
Ora, interpretando o artigo 11º segundo os critérios de indicação supra indicados, no que respeita às características técnicas da rede fixa, voz e dados, resulta que os concorrentes estavam obrigados a fornecer um acesso principal e um acesso securizador.
O acesso securizador visa que em caso de falha no acesso principal o serviço de acesso de voz e internet passem a ser fornecidos pelo serviço securizador, sem necessidade de intervenção manual e automaticamente revertida logo que o acesso principal estiver operacional.
Quanto às características técnicas do acesso securizador era exigido que este tivesse um traçado totalmente distinto do traçado do acesso principal, entre a rede do operador e as instalações do Município; construído em fibra óptica, ou usando a tecnologia 4G ou 5G; ligação a POP´s distintos na rede do operador e a conectividade entregue em router distinto.
Para além do mais, a solução deverá ainda garantir a redundância quer de caminhos, quer de equipamentos, quer de “POP’s” (Point of Presence).
Ora, face ao teor desta norma, daí resulta que o caderno de encargos, ao contrário do que acontece com o acesso principal, não exige qualquer débito mínimo, muito menos, o débito estabelecido para o acesso principal (500/500 Mbps).
Nada se conclui no sentido que o Concorrente deve garantir que o acesso securizador garanta as mesmas características técnicas do acesso principal, até porque admite que o mesmo seja efectuado mediante tecnologia 4G e 5G, a qual, como é consabido oferece velocidades inferiores à fibra óptica, único que era admitido para o acesso principal.
Sustenta a Autora que tal entendimento resulta do esclarecimento prestado pela Entidade Adjudicante, mediante solicitação da Autora, do qual resulta que os circuitos de contingência devem garantir as exactas condições e características que se aplicam ao circuito principal.
Mas, mais uma vez, sem qualquer razão.
Os esclarecimentos destinam-se a sanar as dúvidas que os concorrentes tenham quanto á compreensão e interpretação das peças do procedimento, fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência, de acordo com o artigo 50º do Código dos Contratos Públicos.
Com efeito, a Autora apresentou um pedido de esclarecimento no sentido de saber se o acesso securizador deveria ou não apresentar as mesmas características que o acesso principal (cfr. alínea f) dos factos provados).
Ao esclarecimento prestado pela Autora, o júri respondeu que “o circuito principal deverá assegurar equipamentos distintos para ligação das conectividades Internet e Voz. De igual forma o circuito securizador deverá garantir esta mesma distinção de ligações. A forma como o mesmo é assegurado fica à consideração dos eventuais concorrentes, nos termos e condições das soluções previstas no CE. É nossa entendimento que, dado tratar-se de um circuito de contingência, o circuito securizador, obriga naturalmente o operador a solucionar qualquer constrangimento que possa ocorrer no circuito principal. No mesmo sentido estão os níveis de serviço exigidos” (alínea g) dos factos provados).
Face a esta resposta do júri não se pode concluir que o acesso securizador deve garantir as mesmas características do acesso principal, nomeadamente no que respeita ao débito mínimo. Pelo contrário, limitou-se a referir que a forma como acesso securizador “fica à consideração dos eventuais concorrentes, nos termos e condições do caderno de encargos”. sendo que, nesta parte, o caderno de encargos apenas exige a total separação entre acesso principal e o securizador, não estabelecendo qualquer débito mínimo na infra-estrutura redundante.
Se tal fosse uma exigência do caderno de encargos, e destinando-se os esclarecimentos as dúvidas de interpretação do caderno de encargos, o júri certamente o teria dito expressamente, até porque os esclarecimentos prevalecem sobre as peças do procedimento em caso de divergência.
Na verdade, do esclarecimento do júri ressalta unicamente que os concorrentes são livres de oferecer a proposta que entendam mais adequada para a prestação do serviço redundante de acordo com as exigências do caderno de encargos, desde que “mantenham os níveis de serviço”.
Esta referência “aos níveis de serviço” não pode ser entendida como a exigência de manter as mesmas características técnicas do acesso principal, nomeadamente no que se reporta à exigibilidade de um débito mínimo.
Os níveis de serviço não podem ser confundidos com as “características técnicas” do serviço. Enquanto as características técnicas constam do artigo 11º do Caderno de encargos, os níveis de serviço constam no artigo 13º do mesmo documento e reportam-se apenas a aspectos qualitativos da execução do contrato, como seja a disponibilidade do serviço, reparação de avarias e assistência técnica.
Na verdade, embora, não tenha isso que tenha sido questionado pela Autora, o esclarecimento do júri em momento algum se refere às características técnicas do circuito securizador, deixando o modo como o mesmo é efectuado à liberdade dos concorrentes, que poderão oferecer a proposta que entendam mais adequada, desde que sejam asseguradas as exigências concretas do caderno de encargos a esse nível, do qual não se inclui a exigibilidade de um débito mínimo igual ao do circuito principal.
Assim sendo, resta concluir que a proposta da Contra-Interessada ao apresentar um débito mínimo inferior a 500/500 Mbps para o circuito securizador não viola o artigo 11º do caderno de encargos nem o esclarecimento que foi prestado pelo júri.
Conclui-se assim que o acto de adjudicação não viola o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos, não existindo qualquer razão para a exclusão da proposta da contra-interessada.
É de acrescentar que não existindo qualquer razão para a exclusão da proposta da contra-interessada de acordo com as normas constantes do Código dos Contratos Públicos, a proposta da Autora também não viola os princípios da contratação pública invocados pela Autora, do qual aliás o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 70º constituem a respectiva positivação legal, não tendo, portanto, qualquer relevância autónoma.
Por último, tendo-se concluindo que não há qualquer motivo para a exclusão da proposta da contra-interessada, resultando prejudicado o conhecimento do pedido de condenação de adjudicação da proposta apresentada pela Autora.»
Os argumentos que a Apelante utiliza para impetrar erro de julgamento à sentença recorrida quanto ao decidido sobre esta questão foram os mesmos que esgrimiu na ação que moveu contra a decisão de adjudicação à Contrainteressada da prestação contratual em concurso.
Estava em causa saber se a proposta vencedora violava ou não o artigo 11º do caderno de encargos, por apresentar, uma solução de redundância com débito de 150/10Mbps, quando, de acordo com a tese da Autora, ora Apelante, deveria garantir um débito mínimo igual ao principal (débito mínimo exigido de 500/500 Mbps).
Como resulta da sentença, o Tribunal a quo não acolheu a tese da autora, ora Apelante.
E não vemos razões para divergir desse entendimento, uma vez que, tal como se expendeu na sentença recorrida não encontramos fundamento para sustentar que a exigência de débito mínimo de 500/500 Mbps, tal como consta do artigo art. 11.º, não se refira ape­nas e tão só às características do serviço de acesso principal.
Do facto de se estabelecer que os níveis de serviço que se exigem no acesso securizador são idênticos aos exigidos no circuito principal não se retira a exigência de que todas as caraterísticas do serviço sejam necessariamente iguais.
O CE do concurso em apreciação, não previa as características do acesso securizador por mera remissão para as características que estabelecia para o acesso principal.
Uma leitura atenta e cuidada do teor do artigo 11.º do CE não habilita o interprete a extrair que nele se estabeleceu uma qualquer exigência de débito mínimo concernente à infraestrutura redundante que é pedida.
A esse talhe, o que resulta clara e expressamente dessa norma do CE é antes que o acesso securizador da redundância poderá ser construído integralmente em fibra ótica ou usando a tecnologia 4G ou 5G .
Como bem nota a Apelada CI, a possibilidade prevista expressamente de construção do acesso securizador “integralmente em fibra ótica ou utilizando a tecnologia 4G [...]”, prejudica a interpretação no sentido de ser exigido um débito mínimo de 500 Mbps também para o circuito redundante.
Em rigor, a expressão “a ser integralmente fornecidos pelo acesso securizador” que consta do artigo 11.º do CE apenas significa que o “Serviço de Voz” e o “Serviço de acesso à Internet” devem passar a ser total e integralmente prestados pelo acesso securizador, o que não invalida que esses dois serviços passem a ser prestados com as características que foram definidas no mesmo artigo para o acesso securizador.
Dito de outra forma, exige-se que o acesso securizador preste totalmente os serviços de voz e de internet, mas permite-se que para tal seja usada uma tecnologia 4G.
Se dúvidas houvesse, foi nesse sentido que apontou o esclarecimento prestado pelo Apelado, quando informou a Apelante que a forma como o serviço securizador seria assegurado ficava ao critério das concorrentes, exigindo-se os mesmos níveis de serviço mas não se impondo as mesmas características, ou seja, que o débito mínimo fosse de 500/500 Mbps.
Na verdade, coligido o teor do esclarecimento prestado pela entidade adjudicante, extrai-se do mesmo que aquela não respondeu de forma afirmativa à questão posta pela Apelante.
Em bem da verdade, o que dele se colhe é que houve o cuidado e a intenção por parte da entidade adjudicante de deixar claramente evidenciado que “a forma como o mesmo é assegurado fica à consideração dos eventuais concorrentes, nos termos e condições das soluções previstas no CE”, o que conjugado com o facto de o CE permitir expressamente a utilização de tecnologia 4G na construção do acesso securizador, não deixa qualquer espaço para acolher a tese da Apelante.
Desta forma, subscrevemos integralmente a fundamentação que consta da decisão recorrida e a ponderação e decisão tomadas pelo Tribunal a quo, não se afigurando questionável, em função do disposto no CE e dos esclarecimentos prestados, que o modo como a redundância é assegurada durante a execução do contrato é questão que foi deixada ao critério do prestador de serviços, desde que mantidos os níveis de serviço.
Assim, não podemos senão concluir que a proposta da Apelada CI cumpre o CE, não se verificando qualquer causa de exclusão da proposta apresentada pela mesma .
Termos em que se soçobram todos os fundamentos de recurso esgrimidos contra a sentença recorrida.
**
IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*

Porto, 16 de setembro de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa