Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00372/23.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/27/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ATO DO OEF; INDEFERIMENTO LIMINAR;
ERRO NA FORMA DE PROCESSO;
CONVOLAÇÃO; PRESSUPOSTOS;
Sumário:
I – Apenas pode qualificar-se como questão prejudicial aquela que seja discutida em processos distintos, ainda que a título acidental.

II - Para efeitos do disposto no artigo 272º, nº 1, do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afetar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.

III - A “questão prejudicial” a que se refere o Recorrente (saber se, à data das infrações, o veículo estava na sua posse) devia ter sido oportunamente suscitada, quer aquando da notificação para pagamento das taxas de portagem e custos administrativos agora exequendos, quer quando notificado para apresentar defesa no processo de contraordenação e, bem assim, da decisão de aplicação de coima. Não o tendo feito, as decisões exequendas tornaram-se caso resolvido.

IV - Para reverter, agora, tais decisões, o Recorrente só podia lançar mão do procedimento de revisão do ato tributário de liquidação das taxas (regulado pelo artigo 78º da LGT) e do processo de revisão da decisão de aplicação de coima (regulado pelo artigo 449º do Código de Processo Penal e pelos artigos 80º e 81º do RGCO), conquanto se verificassem os respetivos pressupostos legais, o que não nos cabe aqui avaliar.

V - O OEF não tem competência/atribuições para decidir qualquer das mencionadas revisões, pois, por um lado, só a entidade que praticou os atos tributários tem competência para a respetiva revisão (cfr. artigo 78º, nº 1, da LGT) e, por outro lado, a revisão da decisão de aplicação de coima cabe ao Tribunal competente para a impugnação judicial.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 20.07.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi liminarmente indeferida a presente reclamação contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças ..., notificada através do ofício nº ...66, datado de 24/05/2023, que indeferiu o pedido de extinção dos processos de execução fiscal nº ..........8724 e apensos, instaurados para cobrança coerciva de dívidas relativas a taxas de portagens e coimas aplicadas por falta de pagamento daquele tributos, no montante global de € 653,81.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1- Existe uma questão prejudicial no caso sub judice.
2- A questão prejudicial coloca em causa a legalidade de todos os atos praticados pela administração tributária.
3- Não obstante, a administração tributária ignora por completo a questão prejudicial.
4- A decisão proferida pelo tribunal a quo padece de um manifesto lapso ao ter existido erro de julgamento, nomeadamente na pretensão do recorrente.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO DEVERA V.EXCIA DECLARAR O PRESENTE RECURSO POR PROCEDENTE POR PROVADO E POR CONSEGUINTE DEVERÁ REVOGAR A SENTENÇA PROFERIDA PELA 1ª INSTÂNCIA.».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. A DMMP teve vista dos autos e emitiu parecer considerando o seguinte:
«(…)
C - Analisando:
Em nosso entender a sentença recorrida procedeu a uma análise clara e detalhada dos factos, fez correcta interpretação e aplicação da lei, estribada em jurisprudência, com fundamentação que se mostra irrepreensível pelo que deve a mesma ser mantida, na íntegra.
Com efeito, e citando-se a decisão ora m sindicância, aí se diz:
(…) Em rigor, o que reclamante invoca nos presentes autos é, tão só, a sua ilegitimidade para a execução fiscal por não ter sido durante o período a que respeita a dívida exequenda (taxas de portagens e coimas por falta de pagamento daquelas taxas), o possuidor do veículo automóvel que originou as referidas dívidas, pretendendo, com base neste fundamento, a extinção dos processos de execução fiscal.
Ou seja, o que o reclamante efetivamente pretende, e requer, é a extinção dos processos de execução fiscal, pelo que se verifica, in casu, erro na forma do processo, colocando-se a possibilidade de eventual convolação da presente petição em oposição à execução fiscal.
Sucede, porém, que, apesar de a ilegitimidade da pessoa citada constituir fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 204º do CPPT, tal fundamento só se pode verificar em relação aos tributos incidentes sobre o uso ou fruição dos bens, o que não acontece com as taxas de portagem, porquanto estas não são originadas pela propriedade ou pela posse do veículo (em termos de ser essa posse que faz determinar o sujeito passivo daquela relação jurídica tributária, não obstante este, porventura, já não ser o proprietário ou o possuidor do veículo). Note-se que, nestes casos a obrigação tributária nasce por via da utilização da via rodoviária, e não pela posse daquele veículo em especial.
Nesta senda, o reclamante ao invocar, como invoca, a sua ilegitimidade passiva para a presente execução fiscal por não ser o possuidor do veículo automóvel nas datas que originaram as dívidas de taxas de portagem e respetivas coimas em cobrança coerciva, está a colocar em crise a legalidade da liquidação, a qual é suscetível de ser sindicada em sede de impugnação judicial, e não de oposição à execução fiscal.
Isto porque é inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal (cfr. art.º 204.º do CPPT).
Nesta medida, afigura-se-nos manifesto que o reclamante não poderá discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação das taxas de portagem, designadamente, na sua vertente da legitimidade passiva, razão pela qual não poderá haver lugar à sobredita convolação da presente petição em oposição à execução fiscal desde logo pela sua manifesta improcedência.
Por outro lado, a dívida exequenda reporta-se, não apenas às ditas taxas, mas, também às próprias coimas em que o reclamante veio a ser condenado nos respetivos processos de contraordenação.
Ora, a exigibilidade destas quantias, rectius, os fundamentos da condenação no processo de contraordenação fiscal, só poderiam ser discutidos no âmbito do respetivo processo de contraordenação, por via da interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima (arts. 80º do RGIT e 59º do RGCO), e nunca em sede de oposição à execução fiscal (cfr., entre outros, os acs. desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 1/10/2008, rec. nº 408/08 e de 25/11/2009, rec. nº 0812/09).
Com efeito, atento o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação dos presentes autos, impõe-se a absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos dos artigos 278.º nº 1 al. e), 576.º, nº 2 e 577º, alínea b) do C.P.C.
Destarte importará concluir que, sufragando na íntegra os fundamentos vazados, de forma exaustiva e criteriosa, na sentença a quo, salvo o devido e merecido respeito por opinião contrária, sem mais delongas e necessidade de tecer quaisquer outras considerações, deve ser mantido o decidido em toda a sua extensão.
D- Termos em que, somos do parecer que deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.».

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, que devem traduzir uma síntese do corpo das alegações, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que ocorre erro na forma de processo e que não é possível a convolação desta reclamação em processo de oposição.
*

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A sentença recorrida não selecionou qualquer matéria factual, e não se nos afigurando necessário elencar aqui quaisquer factos, limitamo-nos a considerar como relevante para esta decisão o teor daquela cuja fundamentação jurídica passamos a transcrever:
«Cumpre decidir liminarmente.
A cada direito corresponde um, e apenas um, meio processual adequado para o seu reconhecimento em juízo (“a ação adequada”), a não ser que a lei determine o contrário (cfr. art.º 2.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT).
Em termos semelhantes refere o art.º 97.º, n.º 2 da LGT que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
Dispõe o n.º 1 do artigo 97.º do CPPT o seguinte:
O processo judicial tributário compreende:
“a) A impugnação da liquidação dos tributos, incluindo os parafiscais e os atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta;
b) A impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;
c) A impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários;
d) A impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação;
e) A impugnação do agravamento à coleta aplicado, nos casos previstos na lei, em virtude da apresentação de reclamação ou recurso sem qualquer fundamento razoável;
f) A impugnação dos atos de fixação de valores patrimoniais;
g) A impugnação das providências cautelares adotadas pela administração tributária;
h) As ações para o reconhecimento de um direito ou interesse em matéria tributária;
i) As providências cautelares de natureza judicial;
j) Os meios acessórios de intimação para consulta de processos ou documentos administrativos e passagem de certidões;
l) A produção antecipada de prova;
m) A intimação para um comportamento;
n) O recurso dos atos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso;
o) A oposição, os embargos de terceiros e outros incidentes, bem como a reclamação da decisão da verificação e graduação de créditos;
p) A ação administrativa, designadamente para a condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como para a impugnação ou condenação à prática de ato administrativo legalmente devido relativamente a outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação, e para a impugnação ou condenação à emissão de normas administrativas em matéria fiscal;
q) Outros meios processuais previstos na lei”.
Verifica-se erro na forma de processo quando o Autor faz uso de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.
O erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo (aferindo-se, pois, pelo pedido), que impõe a convolação do processo para a forma adequada (art.º 97.º, n.º 3, da LGT e art.º 98.º, n.º 4, do CPPT), apenas com a anulação dos atos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem a diminuição das garantias de defesa (art.º 199.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20/02/2013, proc. n.º 01147/12, publicado em www.dgsi.pt).
A propriedade ou impropriedade do meio processual afere-se pelo pedido final formulado na petição inicial, ou seja, pela pretensão que o Autor pretende fazer valer com a ação.
Deste modo, o pedido formulado deve ser adequado à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual, sob pena de ocorrer erro na forma de processo (cfr. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc. n.º 1145/11, e de 29/2/2012, proc. n.º 1161/2011, de 28/05/2014, proc. 01086/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, de 05/11/2014, proc. n.º 01015/14, todos publicados em www.dgsi.pt).
Já se as concretas causas de pedir invocadas não são adequadas à forma de processo escolhida pelo Autor, então estamos perante questões relacionadas com a viabilidade do pedido, e não com a propriedade do meio processual, pelo que não haveria erro na forma do processo, mas improcedência da ação (cfr., nesse sentido, Acórdão do STA 18/06/2014, proc. n.º 01549/13, Acórdão do STA de 17/04/2013, proc. n.º 0484/13, e Acórdão do STA de 20/02/2013, proc. n.º 0114/13, de 18/06/2014, proc. n.º 01549/13).
Vigorando no sistema jurídico português o conceito de causa de pedir conforme à teoria da substanciação, deve entender-se como tal o facto jurídico concreto, devidamente consubstanciado no espaço e no tempo, de que procede o efeito que se pretende fazer valer com a ação – artigo 581.º, n.º 4, do CPC.
Ora, o pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ou seja, a finalidade, o resultado, a providência que se quer alcançar: art.º 581.º n.º 3 do CPC.
O erro na forma de processo afere-se pelo pedido ou pretensão que o autor pretende obter do tribunal com o recurso à ação; por outro lado, constitui vinculação temática para o tribunal, pois é dentro dele que o tribunal se move: art.º 615.º n.º 1 al. e) do CPC.
Ante o exposto, o Juiz está vinculado pelo pedido, uma vez que este delimita as questões que o tribunal deve apreciar.
In casu, o reclamante formulou o seguinte pedido: “Nestes termos e nos mais de Direito deverá V. Exa. declarar a presente reclamação por procedente por provada e, por conseguinte, deverá revogar o despacho do qual se reclama e assim anular os PEF ..........8724, ...........8732, ..........9567”.
Sustenta, para o efeito, que discorda da decisão do órgão de execução fiscal de não proceder à anulação dos processos de execução fiscal n.º ..........8724 e apensos instaurados para cobrança coerciva de dívidas relativas à falta de pagamento de taxas de portagens e coimas aplicadas por falta daquele pagamento, porquanto, apresentou queixa crime pelo desaparecimento do veículo automóvel com a matrícula ..-FO-.., sendo que, já não tem na sua posse aquele veículo desde junho de 2017, pelo que não era o possuidor, nem o condutor do referido automóvel nas datas que lhe vem imputadas as infrações, razões pelas quais deverão os processos executivos ser anulados.
Ora, apesar de o pedido formulado pelo reclamante ser o da revogação do ato reclamado e, como tal, constituir pedido adequado à presente forma processual, certo é que o reclamante não imputa qualquer vício ao ato reclamado.
Em rigor, o que reclamante invoca nos presentes autos é, tão só, a sua ilegitimidade para a execução fiscal por não ter sido durante o período a que respeita a dívida exequenda (taxas de portagens e coimas por falta de pagamento daquelas taxas), o possuidor do veículo automóvel que originou as referidas dívidas, pretendendo, com base neste fundamento, a extinção dos processos de execução fiscal.
Ou seja, o que o reclamante efetivamente pretende, e requer, é a extinção dos processos de execução fiscal, pelo que se verifica, in casu, erro na forma do processo, colocando-se a possibilidade de eventual convolação da presente petição em oposição à execução fiscal.
Sucede, porém, que, apesar de a ilegitimidade da pessoa citada constituir fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 204º do CPPT, tal fundamento só se pode verificar em relação aos tributos incidentes sobre o uso ou fruição dos bens, o que não acontece com as taxas de portagem, porquanto estas não são originadas pela propriedade ou pela posse do veículo (em termos de ser essa posse que faz determinar o sujeito passivo daquela relação jurídica tributária, não obstante este, porventura, já não ser o proprietário ou o possuidor do veículo). Note-se que, nestes casos a obrigação tributária nasce por via da utilização da via rodoviária, e não pela posse daquele veículo em especial.
Nesta senda, o reclamante ao invocar, como invoca, a sua ilegitimidade passiva para a presente execução fiscal por não ser o possuidor do veículo automóvel nas datas que originaram as dívidas de taxas de portagem e respetivas coimas em cobrança coerciva, está a colocar em crise a legalidade da liquidação, a qual é suscetível de ser sindicada em sede de impugnação judicial, e não de oposição à execução fiscal.
Isto porque é inequívoca a natureza taxativa dos fundamentos da oposição à execução fiscal (cfr. art.º 204.º do CPPT).
Nesta medida, afigura-se-nos manifesto que o reclamante não poderá discutir em sede de oposição à execução fiscal a legalidade da liquidação das taxas de portagem, designadamente, na sua vertente da legitimidade passiva, razão pela qual não poderá haver lugar à sobredita convolação da presente petição em oposição à execução fiscal desde logo pela sua manifesta improcedência.
Por outro lado, a dívida exequenda reporta-se, não apenas às ditas taxas, mas, também às próprias coimas em que o reclamante veio a ser condenado nos respetivos processos de contraordenação.
Ora, a exigibilidade destas quantias, rectius, os fundamentos da condenação no processo de contraordenação fiscal, só poderiam ser discutidos no âmbito do respetivo processo de contraordenação, por via da interposição de recurso judicial da decisão de aplicação de coima (arts. 80º do RGIT e 59º do RGCO), e nunca em sede de oposição à execução fiscal (cfr., entre outros, os acs. desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 1/10/2008, rec. nº 408/08 e de 25/11/2009, rec. nº 0812/09).
Com efeito, atento o erro na forma do processo e a impossibilidade de convolação dos presentes autos, impõe-se a absolvição da instância da Fazenda Pública, nos termos dos artigos 278.º nº 1 al. e), 576.º, nº 2 e 577º, alínea b) do C.P.C.
Por estas razões, restará a este Tribunal julgar verificada a nulidade decorrente do erro na forma de processo, com as necessárias consequências legais.».

3.2. DE DIREITO
O Recorrente não se conforma com o assim decidido, insistindo que existe uma questão prejudicial (a de saber se o veículo que passou as portagens estava, ou não, na sua posse à data da sua passagem nas portagens), que coloca em causa todos os atos praticados pela AT. Ou seja, o Recorrente vem agora invocar um facto, a seu ver, suscetível de reverter as decisões de liquidação das taxas e de aplicação de coima, que já se tornaram definitivas.
A doutrina distingue dois tipos de prejudicialidade: a verdadeira e a incidental. Citando Alberto dos Reis (in "Comentário ao Código de Processo Civil", Vol. III, pág. 269): «Segundo o Prof. Andrade, verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causa não é reprodução, pura e simples, da primeira. Mas nada impede que se alargue a noção de prejudicialidade, de maneira a abranger outros casos. Assim pode considerar-se como prejudicial, em relação a outro em que se discute a título incidental uma dada questão, o processo em que a mesma questão é discutida a título principal». Diz Alberto dos Reis que no primeiro caso o nexo de prejudicialidade é forte e a dependência necessária, no segundo o nexo de prejudicialidade é fraco e a dependência é meramente facultativa de mera conveniência.
Em qualquer das duas mencionadas situações em que a doutrina admite o nexo de prejudicialidade, parte-se sempre da premissa de que a mesma questão deve ser, pelo menos num dos processos, questão principal. Caso a questão suscitada seja em ambos os processos a título meramente incidental, então será resolvida em cada um, de acordo com a regra do artigo 91º do Código de Processo Civil, já que a solução dada em cada processo, não constitui caso julgado fora do mesmo (nº 2 do mesmo artigo).
Na situação vertente, a “questão prejudicial” aludida pelo Recorrente apenas foi suscitada nos presentes autos, inexistindo qualquer outro processo em que tenha sido arguida e esteja a ser discutida a, agora alegada, inexistência da posse do veículo pelo Recorrente à data das passagens do veículo nas portagens.
Para efeitos do disposto no artigo 272º, nº 1, do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afetar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
Entende-se, assim, por causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.
Deste modo, a “questão prejudicial” a que se refere o Recorrente devia ter sido oportunamente suscitada, quer aquando da notificação para pagamento das taxas de portagem e custos administrativos agora exequendos, quer quando notificado para apresentar defesa no processo de contraordenação e, bem assim, da decisão de aplicação de coima. Não faltaram, por isso, oportunidades ao Recorrente de fazer valer a sua versão dos factos e de se eximir à obrigação de pagamento das dívidas exequendas.
A sua inércia, por falta de reação àquelas notificações, teve consequências, pois as decisões – de liquidação das taxas e custos administrativos e de condenação em coima e custas – tornaram-se caso resolvido.
Para reverter, agora, tais decisões, o Recorrente só podia lançar mão do procedimento de revisão do ato tributário de liquidação das taxas (regulado pelo artigo 78º da LGT) e do processo de revisão da decisão de aplicação de coima (regulado pelo artigo 449º do Código de Processo Penal e pelos artigos 80º e 81º do RGCO), conquanto se verificassem os respetivos pressupostos legais, o que não nos cabe aqui avaliar.
Acresce dizer que o OEF não tem competência/atribuições para decidir qualquer das mencionadas revisões, pois, por um lado, só a entidade que praticou os atos tributários tem competência para a respetiva revisão (cfr. artigo 78º, nº 1, da LGT) e, por outro lado, a revisão da decisão de aplicação de coima cabe ao Tribunal competente para a impugnação judicial.
A decisão recorrida não merece, assim, qualquer censura por serem evidentes tanto a existência de erro na forma de processo, como a impossibilidade de convolar a petição para a forma processual adequada ao pedido formulado pelo Recorrente.
Nesta conformidade, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – Apenas pode qualificar-se como questão prejudicial aquela que seja discutida em processos distintos, ainda que a título acidental.
II - Para efeitos do disposto no artigo 272º, nº 1, do CPC, uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta, quando a decisão desta pode afetar e prejudicar o julgamento da primeira, retirando-lhe o fundamento ou a sua razão de ser, o que acontece, designadamente, quando, na causa prejudicial, esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada para a decisão do outro pleito.
III - A “questão prejudicial” a que se refere o Recorrente (saber se, à data das infrações, o veículo estava na sua posse) devia ter sido oportunamente suscitada, quer aquando da notificação para pagamento das taxas de portagem e custos administrativos agora exequendos, quer quando notificado para apresentar defesa no processo de contraordenação e, bem assim, da decisão de aplicação de coima. Não o tendo feito, as decisões exequendas tornaram-se caso resolvido.
IV - Para reverter, agora, tais decisões, o Recorrente só podia lançar mão do procedimento de revisão do ato tributário de liquidação das taxas (regulado pelo artigo 78º da LGT) e do processo de revisão da decisão de aplicação de coima (regulado pelo artigo 449º do Código de Processo Penal e pelos artigos 80º e 81º do RGCO), conquanto se verificassem os respetivos pressupostos legais, o que não nos cabe aqui avaliar.
V - O OEF não tem competência/atribuições para decidir qualquer das mencionadas revisões, pois, por um lado, só a entidade que praticou os atos tributários tem competência para a respetiva revisão (cfr. artigo 78º, nº 1, da LGT) e, por outro lado, a revisão da decisão de aplicação de coima cabe ao Tribunal competente para a impugnação judicial.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, que aqui sai vencido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe seja concedido.

Porto, 27 de setembro de 2023

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cláudia Almeida – 1ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 2ª Adjunta