Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00115/04.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/26/2015
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS
ÓNUS DA PROVA
JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
CUSTOS
Sumário:I - Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que determinadas facturas que documentavam custos não correspondiam a operações reais, motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções técnicas”, desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquelas facturas, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção da matéria tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a considerar que as facturas eram simuladas), competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.
II - Estando assente que a AT demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitem concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais e, assim, que está formal e materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar os custos que têm suporte naquelas facturas e de afastar a presunção de veracidade da escrita, competia então ao contribuinte demonstrar que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pelos seus emitentes e do valor referido nas facturas e, assim, comprovar os custos que contabilizou.
III - Sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cfr. artigo 115.º, n.º 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC), a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações e/ou da sua dimensão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Públicainterpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 18/05/2015, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M..., contribuinte n.º 1…, com domicílio na Rua…, S. Cosme, Gondomar, contra a liquidação adicional de I.R.S. n.º 5323957230, de 19/09/2003, relativa ao ano de 1999, no montante de € 490.191,86.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzemde seguida:
A. A douta Sentença de que agora se recorre, proferida em 18/05/2015, julgou procedente a impugnação judicial apresentada em 06/01/2004, por M..., contra a liquidação adicional de I.R.S. n.º 5323957230, de 19/09/2003, relativa ao ano de 1999, no montante de € 490.191,86, por considerar que o impugnante, através da prova testemunhal, comprovou que, “efectivamente, as aquisições de ouro referidas nas facturas existiram.”
B. Havia sido proferida uma primeira sentença, em 1ª instância, em 12/06/2007, que julgou a impugnação procedente, e, inconformada, a Fazenda Pública apresentou recurso da mesma para o Tribunal Central Administrativo Norte.
C. Por Acórdão de 17/06/2010 foi anulada a sentença e ordenada a baixa dos autos, para se proceder ao julgamento da matéria de facto em conformidade com o referido no aresto, e proferir nova sentença.
D.No Acórdão de 17/06/2010 do TCAN, consideraram os Exmos Juízes Desembargadores que “que o julgamento da matéria de facto enferma de irregularidades várias, que impedem a respectiva reapreciação ou reexame”,
E. Determinando, ainda, que “o processo deverá regressar à 1.ª instância, a fim de aí se proceder ao julgamento da matéria de facto”, salientando “que importará (…) relativamente à prova testemunhal, verificar se a mesma permite estabelecer uma relação inequívoca entre as vendas referidas nas facturas em causa e a realidade, designadamente se aqueles depoimentos permitem estabelecer, em concreto, que vendas foram efectuadas, em que quantidades e por que valores e se os mesmos depoimentos permitem concluir com o grau de certeza exigível que as mesmas correspondem às mencionados nas facturas;”
F. A “nova” sentença, agora recorrida, foi proferida em 18/05/2015, “anulando a liquidação impugnada, com todas as consequências legais”.
G. Do Relatório da sentença recorrida retira-se que: “Procedeu-se ao aproveitamento da prova testemunhal realizada no processo de impugnação n.º 126/03/32 (acta de inquirição a fls 193 e 194).”
H. A sentença recorrida considera que “a A.T. recolheu indicadores sólidos e objectivos de que o ouro referido nas facturas não foi vendido pelos seus emitentes (…) tendo, fundadamente, colocado em causa a credibilidade das facturas e desconsiderado os custos que as tinham como suporte documental. Cumpriu, assim, o seu ónus probatório, ilidindo a presunção de veracidade das declarações e da contabilidade do Impugnante.”
I. Considera igualmente que “Passa, então, a ter de ser o Impugnante a provar (…) que as transacções foram efectivamente realizadas, já não podendo remeter-se para a sua contabilização ou documentação (facturas, cheques), uma vez que, como vimos, a credibilidade destas já foi seriamente abalada pela A.T.”
J. Finalmente, e apenas tendo por base a prova testemunhal, determinou o tribunal a quo que “resulta provado que as transacções ocorreram…”
K. Com a ressalva do sempre devido respeito por melhor opinião, com o desta forma decidido, não se conforma a Fazenda Pública, porquanto considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado não só na incorrecta apreciação e valoração da matéria factual, como igualmente na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a anulação da liquidação em crise nos autos.
L. A questão a dirimir, de acordo com o sentido do supra referido Acórdão de 17/06/2010 do Tribunal Central Administrativo Norte, consiste em saber se a sentença agora recorrida fez correcto julgamento ao considerar:

a) que a AT recolheu indícios suficientes no sentido de que às facturas em causa não correspondem operações reais, mas, apesar disso,

b) que a prova testemunhal produzida nos autos permite que se dê como demonstrada a realidade dessas operações, e, por isso,

c) que a AT procedeu ilegitimamente ao não considerar os custos que o Contribuinte relevou contabilística e fiscalmente com base nessas facturas.
M. Verifica-se que o tribunal a quo, na sentença recorrida, fez correcto julgamento ao considerar que a AT recolheu indicadores “sólidos e objectivos” no sentido de que às facturas em causa não correspondem operações reais, cumprindo o seu ónus probatório, ilidindo a presunção de veracidade das declarações e da contabilidade do Impugnante.”
N. Todavia, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao julgar provado, com base na prova testemunhal produzida pelas testemunhas V… e T…, que as transacções ocorreram.
O. Atendendo ao teor da “Descrição e valoração do depoimento das testemunhas” vertido a páginas 10 a 12 da sentença recorrida, entende a Fazenda Pública que em nenhum momento se estabeleceu uma relação inequívoca entre as vendas referidas nas facturas em causa e a realidade,
P. Ou seja, aqueles depoimentos não permitiram estabelecer, em concreto, que vendas foram efectuadas, em que quantidades e por que valores, nem permitiram concluir, com um qualquer grau de certeza exigível, que vendas correspondem às mencionadas nas facturas.
Q. Por outro lado, ao ter-se procedido, por identidade dos factos a provar, “ao aproveitamento da prova testemunhal realizada no processo de impugnação n.º 126/03/32”, e uma vez que nesse processo havia já decisão transitada em julgado – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03/11/2011, que por facilidade de alegação se junta -, importa conhecer da apreciação e valoração aí feita dessa mesma prova testemunhal, a que a FP adere e subscreve para efeito do presente recurso, pelo que se transcreve:
R. “Na verdade, a credibilidade dos empregados do impugnante, apesar de não se por em causa a honestidade das suas declarações, é sempre "tingida" pela especial relação que os une, relação patrão/empregado, que se trata, num caso como o presente, em que são os próprios que referem que por vezes atenderam o dito Sr. V..., praticamente de depoimento de parte, ou seja, é o próprio empregado que refere o que fez ou o que combinou com o terceiro e portanto, não é expectável que das declarações de tais testemunhas possa resultar qualquer facto que "incrimine" o impugnante, é como se estivessem a defender a sua própria honorabilidade.”
S. “E nesta medida, não se vê como poderiam estes depoimentos serem suficientes para provar que os negócios titulados pelas facturas em crise correspondem a reais operações comerciais.”
T. “(…) alegar-se que quem trazia a mercadoria e fez seus os valores que correspondiam ao pagamento dessa mesma mercadoria era o dito Sr. V... e que o fazia com total desconhecimento dos emitentes das facturas, não é suficiente para criar fundada dúvida sobre a existência/valor do facto tributário que se impugna, ou dito por outro modo, as dúvidas sobre a existência/valor do facto tributário existem, mantêm-se e agravam-se com esta factualidade concreta que se logrou provar. Ou seja, destes depoimentos testemunhais não era, nem é, possível concluir pela real existência de transacções comerciais subjacentes às facturas postas em causa pela administração tributária.”
U. Na verdade, não basta alegar factos tendentes a criar alguma confusão ou dúvida sobre o facto tributário, impunha-se que o impugnante produzisse prova da realidade das transacções, “e é precisamente isto que o impugnante não consegue com a matéria de facto que, a final, se veio a dar como provada na sentença recorrida.”
V. “Na verdade, não é possível, apenas com fundamento nos depoimentos das testemunhas inquiridas em 1° e 2º lugares, concluir pela existência de reais relações comerciais subjacentes às facturas em causa. (…)”
W. Na decorrência do acaba de ficar expresso, não se compreende como o tribunal a quo pode, do aproveitamento da (mesma) prova testemunhal, ter chegado a julgamento diverso do vertido no referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 03/11/2011.
X. Nos presentes autos, o tribunal a quo ficou convencido da realidade das operações, mas a Fazenda Pública considera haver erro nesse julgamento, porque a prova testemunhal produzida - devidamente reproduzida na sentença recorrida – não “permite estabelecer uma relação inequívoca entre as vendas referidas nas facturas em causa e a realidade”,
Y. Ainda, relativamente a características estritamente pessoais (p. e., seriedade, credibilidade, isenção, etc.), não se entende, por falta da imediação/oralidade necessárias – resultante do aproveitamento da prova realizada noutro processo -, como podem ser feitos juízos de ciência sem a imprescindível observação directa dos depoimentos.
Z. Relativamente à audição dos depoimentos em cassete ou suporte digital, daí apenas se pode inferir o teor e a congruência discursiva, e, do teor e congruência discursiva reproduzidos na sentença, em nada resulta provado que as transações ocorreram.
AA. O contribuinte tem mesmo de provar, sem margem para dúvidas, que as transacções ocorreram, e, a verdade, é que o contribuinte não prova que as transações ocorreram.
BB. Não ficou provado, tendo por base a inquirição das testemunhas V… e T…: nem uma relação inequívoca entre as vendas referidas nas facturas em causa e a realidade, nem que vendas foram efectuadas, nem em que quantidades, nem por que valores, nem que as vendas correspondem às mencionadas nas facturas;
CC. Em sentido contrário, a AT, em sede do procedimento de inspeção, recolheu elementos probatórios que lhe permitiram concluir, como concluiu, que as facturas em causa não titulam operações reais e efetivas, como resulta claramente da sentença recorrida.
DD. Não tendo o Impugnante, em qualquer fase do processo, provado a veracidade das concretas e individuais aquisições do ouro, dos depoimentos testemunhais não era, nem é, possível concluir pela real existência de transacções comerciais subjacentes às facturas postas em causa pela administração tributária.
EE. Há erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto;
FF. Deste modo, entende a Fazenda Pública que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspeção Tributária, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto nos art.º 74º, nº 1 e 75º, nº 1 da LGT, 31º do CIRS e 23º do CIRC, na medida em que ali se considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente, através da prova testemunhal, de que as faturas em causa titulam operações reais.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as devidas consequências legais.

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O Recorrido contra-alegou conforme segue:
“A. A liquidação de IRS, controvertida nos autos, resultou do entendimento por parte da AT, de que as facturas especificadas no RIT não correspondem a operações reais.
B. Na óptica da AT, os custos resultantes dessa mesma facturação, não podem ser fiscalmente aceites, ao abrigo do disposto no artigo 23° do Código do IRC ex vi artigo 31° do Código do IRS, por corresponderem a operações simuladas.
C. A AT não aceita como custos os pagamentos documentados, devido à circunstância de, no âmbito da inspecção tributária, se terem apurado indícios de que as facturas questionadas não consubstanciavam quaisquer operações reais.
D. A liquidação adicional em sede de IRS baseia-se unicamente nas informações recolhidas pela Inspecção Tributária.
E. Vigora no processo tributário português, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto da alínea e) do artigo 2° do CPPT.
F. O artigo 607° do Novo Código de Processo Civil consigna o princípio da livre apreciação da prova, de acordo com o qual o juiz responde aos quesitos “segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
G. Neste enquadramento, o artigo 662° do Novo Código de Processo Civil limita a possibilidade de alteração da decisão do Tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto aos casos em que tenha havido erro na apreciação da prova.
H. É assim ónus da recorrente, sob pena de rejeição, como sanciona o número 1 do artigo 640º do Novo Código de Processo Civil em protecção da excepcionalidade da sindicância em sede de recurso dos elementos factuais, indicar com exactidão e clareza o que é que, de concreto impugna quanto à matéria factual seleccionada.
I. A Fazenda Pública ao não invocar a favor da tese que sustenta, qualquer excerto dos depoimentos [nos exactos termos que lhe era exigível] das testemunhas mas um mero resumo dos mesmos, limitando-se igualmente a importar factos apurados no âmbito da acção inspectiva, para em consequência afirmar de forma vaga e insustentadaque a prova produzida não legitima a decisão recorrida violou de forma ostensiva o ónus de impugnação que lhe era exigido por lei.
J. Por outras palavras, no caso presente, a Fazenda Pública não indica com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, limitando-se a transcrever um mero resumo de cada depoimento, o que é claramente insuficiente para que se possa dar como cumprido o ónus de impugnação que impendia sobre a mesma.
K. O incumprimento de tal ónus impõe, portanto, a imediata rejeição do recurso na parte atinente à impugnação da matéria de facto.
ADICIONALMENTE,
L. Sustenta ainda a Fazenda Pública que a decisão judicial impugnada fez errada interpretação e aplicação do direito à factualidade provada, incorrendo assim em erro sobre os pressupostos de direito.
M. Ora, a decisão é errada por padecer “de «error in iudicando», quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado.” (cfr. Acórdão Tribunal Central Administrativo do Sul 2ª Secção, proferido em 11/6/2013, no âmbito do processo n.° 5618/12) (negrito nosso).
N. Nestes enquadramento, entende a responsável da Fazenda Pública que o tribunal a quo “incorreu em erro de julgamento da matéria de direito, por errada interpretação dos dispostos nos art.° 74º, n.° 1 e 75º, n.° 1 da LGT, 31º do IRS e 23° do CIRC, na medida em que ali considera que o impugnante cumpriu a obrigação de prova dos factos que alega, designadamente através da prova testemunhal, de que as facturas em causa titulam operações reais”
SUCEDE QUE,
O. Da análise dos vários meios de prova, resulta inequivocamente demonstrada a materialidade das operações.
P. Mais, atendendo que as testemunhas inquiridas, possuem em termos de razão de ciência que indicam, um conhecimento directo dos factos sobre os quais depuseram e atestaram de forma unânime a realidade material, financeira e contabilística das aquisições suficientemente descritas nas respectivas facturas, não podem os mesmos deixar de ser devidamente valorados, sobretudo quando cotejados com a multiplicidade de documentos juntos aos autos, que de forma inequívoca excluem todo e qualquer indício de simulação.
Q. Neste enfoque, bem andou o Tribunal a quo ao entender que «No caso subjúdice, não existem dúvidas de que os custos com a aquisição do ouro estavam documentados em facturas devidamente contabilizadas, tinham uma relação directa com a actividade do Impugnante (fabrico de artigos de joalharia e ourives - cfr alínea B) dos factos provados) e a lei não proíbe a sua dedutibilidades (inexiste preceito legal que, à partida, vede a dedutibilidade dos custos com a aquisição de matéria-prima. Pelo contrário, a lei prevê mesmo que esses custos sejam fiscalmente aceites - vide alínea a) do n.° 1 do artigo 23.° do C.I.R.C.),
R. Pelo que, “Cumpridos que estão os quatro requisitos de dedutibilidade fiscal dos custos, e em obediência ao princípio constituição da tributação pelo rendimento (n.° 2 do artigo 104° da C.R.P.), estão os custos com a aquisição do ouro têm de ser aceites fiscalmente.”
AQUI CHEGADOS,
S. será de concluir que o Impugnante logrou provar a factualidade alegada.
T. Dito de outro modo, o juízo conclusivo evidenciado pela AT não assenta em fundamentos consistentes que possibilitem ao julgador concluir que as facturas postas em crise pela AT não correspondem a operações reais.
U. Razão pela qual, as aquisições tituladas pelas facturas em escrutínio devem ser consideradas como custos do exercício, à luz do disposto no artigo 23° do Código do IRC ex vi artigo 31° do Código do IRS, não se verificando, assim, também, qualquer erro de julgamento quanto à matéria de direito por errada interpretação do n.° 1 dos artigos 74° e 75° da LGT e artigo 31º do Código do IRS e artigo 23° do Código do IRC.
V. Em face do que fica dito, a decisão em Recurso não merece qualquer reparo, devendo manter-se na Ordem Jurídica.
Assim, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, farão V. Exªs inteira e sã Justiça.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida, concretamente no que tange à relevância da prova testemunhal na relação estabelecida entre as vendas referidas nas facturas em causa e a realidade.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Factos provados
Dos elementos juntos aos autos, apurou-se a seguinte matéria de facto relevante para a decisão:
A) Na sequência de uma acção de inspecção realizada ao Impugnante, foram efectuadas correcções ao rendimento tributável do ano de 1999, em sede de I.R.S., no valor de € 1.007.114,97, que deram origem à liquidação adicional n.º 5323957230, de19/09/2003, no montante de € 490.191,86.
Fls 12 e Relatório da inspecção a fls 176 e ss do P.A. junto aos autos.
B) O Impugnante encontrava-se colectado em I.R.S. para o exercício da actividade de “fabrico de artigos de joalharia e outros artigos de ourives” (fabricante de ourivesaria), dedicando-se à aquisição de ouro (matéria-prima) e sua transformação em peças de joalharia, vendendo essencialmente a armazenistas.
Cfr Relatório da inspecção e depoimento das testemunhas V… e T….
C) Na sequência da acção inspectiva referida na alínea A), foi elaborado o Relatório de inspecção, de onde, além do mais, consta o seguinte:
“3. UTILIZAÇÃO DE FACTURAS QUE INDICIAM TRANSACÇÕES FICTÍCIAS
3.1. Situação verificada
…no exercício de 1999, o sujeito passivo registou na rubrica compras de matérias-primas, facturas emitidas por A… …e por P… …, ambos não declarantes e com indicadores que permitem concluir pelo não exercício efectivo de qualquer actividade. As referidas facturas estão discriminadas no seguinte quadro:

Fornecedor
Tipo de doc.
Data
Desig. mercadoria
Base Trib.
IVA Liq. (17%)
KgDescrição(euros)(euros)
Ant…Fact/rec147 05.01.99 3,00 Ouro fino23.628,06 4.016,77
206 1401.99 1,00 Ouro fino7.975,78 1.355,88
210 18.01.99 1,00 Ouro fino8.035,63 1.366,06
211 18.01.99 1,00 Ouro fino8.035,63 1.366,06
214 21.01.99 2,00 Ouro fino16.121,15 2.740,60
217 26.01.99 1,00 Ouro fino8.075,54 1.372,84
221 28.01.99 2,00 Ouro fino16.061,29 2.730,42
223 29.01.99 1,00 Ouro fino8.120,43 1.380,47
Total-Janeiro12,00 96.053,51 16.329,10
Ant…. 232 11.02.99 1,00 Ouro fino8.220,19 1.397,48
240 19.02.99 1,00 Ouro fino8.314,96 1.413,54
241 19.02.99 1,00 Ouro fino8.314,96 1.413,54
245 2ao2.99 1,00 Ouro fino8.424,70 1.432,20
247 25.02.99 1,00 Ouro fino8.439,66 1.434,74
Total-Fev.5,00 41.714,47 7.091,46
Ant…251 01.03.99 2,50 Ouro fino21.186,44 3.601,69
260 03.03.99 3,00 Ouro fino25.558,40 4.344,93
261 05.03.99 2,00 Ouro fino17.118,74 2.910,19
266 10.03.99 1,00 Ouro fino8.654,14 1.471,20
278 18.03.99 2,00 Ouro fino16.669,83 2.833,87
281 19.03.99 1,00 Ouro fino8.429,68 1.433,05
288 29.03.99 1,00 Ouro fino8.434,67 1.433,89
292 31.03.99 2,00 Ouro fino16.909,25 2.874,57
Total-Março14,50 122.961,16 20.903,40
Ant…301 09.04.99 1,00 Ouro fino8.449,64 1.436,44
305 15.04.99 3,00 Ouro fino25.468,62 4.329,67
311 2ao4.99 2,00 Ouro fino17.278,36 2.937,32
317 28.04.99 1,00 Ouro fino8.584,31 1.459,33
Total-Abril7,00 59.780,93 10.162,76
Ant…324 10.05.99 2,00 Ouro fino16.959,13 2.883,05
333 11.05.99 1,00 Ouro fino8.384,79 1.425,41
336 1205.99 1,00 Ouro fino8.434,67 1.433,89
346 20.05.99 1,00 Ouro fino8.334,91 1.416,94
404 0205.99 1,00 Ouro fino8.295,01 1.410,15
Total-Maio6,00 50.408,52 8.569,45
Ant…413 1406.99 1,00 Ouro fino8.010,69 1.361,82
417 16.06.99 1,00 Ouro fino8.060,57 1.370,30
419 16.06.99 2,00 Ouro fino16.619,95 2.825,39
421 21.06.99 1,00 Ouro fino8.075,54 1.372,84
425 21.06.99 1,00 Ouro fino8.075,54 1.372,84
436 28.06.99 1,00 Ouro fino8.060,57 1.370,30
Total-Junho7,00 56.902,86 9.673,49
Ant…449 05.07.99 1,00 Ouro fino8.324,94 1.415,24
461 09.07.99 2,00 Ouro fino16.320,67 2.774,51
466 1ao7.99 1,00 Ouro fino8.140,38 1.383,86
469 1ao7.99 1,00 Ouro fino8.140,38 1.383,86
475 15.07.99 2,00 Ouro fino16.121,15 2.740,60
482 21.07.99 1,00 Ouro fino7.851,08 1.334,68
490 2ao7.99 2,00 Ouro fino15.771,99 2.681,24
492 26.07.99 3,00 Ouro fino23.253,96 3.953,17
500 0207.99 1,00 Ouro fino7.761,30 1.319,42
Total-Julho14,00 111.685,84 18.986,59
Ant. ..515 06.08.99 2,00 Ouro fino15.432,81 2.623,58
518 06.08.99 2,00 Ouro fino15.432,81 2.623,58
520 10.08.99 2,00 Ouro fino15.522,59 2.638,84
527 11.08.99 3,00 Ouro fino23.373,67 3.973,52
530 17.08.99 2,00 Ouro fino15.911,65 2.704,98
531 17.08.99 2,00 Ouro fino15.911,65 2.704,98
548 23.08.99 1,00 Ouro fino7.836,11 1.332,14
Total-Agosto14,00 109.421,29 18.601,62
Ant…568 03.09.99 2,00 Ouro fino15.502,64 2.635,45
589 10.09.99 2,00 Ouro fino15.821,87 2.689,72
615 21.09.99 1,00 Ouro fino7.950,84 1.351,64
622 2409.99 3,00 Ouro fino24.690,50 4.197,38
626 27.09.99 2,00 Ouro fino17.467,90 2.969,54
644 28.09.99 2,00 Ouro fino17.956,72 3.052,64
Total-Setembro12,00 99.390,47 16.896,38
Ant…676 18.10.99 1,00 Ouro fino9.4422,24 1.605,18
710 26.10.99 2,00 Ouro fino18.156,24 3.086,56
729 27.10.99 2,00 Ouro fino17.986,65 3.057,73
734 29.10.99 2,00 Ouro fino18.206,12 3.095,04
Total-Out7,00 63.791,26 10.844,51
Ant…739 0211.99 2,00 Ouro fino17.936,77 3.049,25
P….Fatura270 08.11.99 3,00 Ouro fino26.994,94 4.589,14
274 08.11.99 2,00 Ouro fino17.996,63 3.059,43
278 08.11.99 2,00 Ouro fino17.996,63 3.059,43
299 17.11.99 2,00 Ouro fino18.395,67 3.127,26
300 19.11.99 1,00 Ouro fino9.197,83 1.563,63
V.D.327 25.11.99 1,00 Ouro fino9.447,23 1.606,03
Total-Nov.13,00 117.965,70 20.054,17
P…373 14.12.99 2,00Ouro fino17.906,84 3.044,16
400 29.12.99 2,00 Ouro fino18.485,45 3.142,53
407 31.12.99 4,00 Ouro fino37.629,31 6.396,98
Total-Dez.8,00 74.021,61 12.583,67
Total119, 501.004.097,62 170.696,60

O valor total das facturas registadas ascende a € 1.004.097,62, e foi considerado para determinação do rendimento tributável, para efeitos de IRS do exercício de 1999 (…)
3.2. Visita efectuada ao sujeito passivo e “Auto de declarações” Contactado o Sr. M... e questionado sobre os sujeitos passivos emitentes daquelas facturas disse não conhecer as pessoas.
Posteriormente, em auto de declarações, o Sr. M… afirmou não conhecer quer o fornecedor A…, NIF 1…, quer o fornecedor P…, NIF 2…. Afirmou, ainda, que quem actuava em nome deles era o Sr. V..., realizando os contactos comerciais, entregando o material e levando o cheque para pagamento. Este “Sr. V…” apresentou-se primeiro como vendedor do fornecedor A… e posteriormente como vendedor do P…. Inquirido sobre se conhecia anteriormente este vendedor, disse conhecê-lo pessoalmente, embora antes não se dedicasse a este ramo de actividade. Disse, ainda, que passou a comprar a estes fornecedores (vendedor) por fazer um preço relativamente mais atractivo (aproximadamente menos 10.000$00/Kg).
3.3 Elementos recolhidos sobre os sujeitos passivos emitentes;
3.3.1. A…, NIF 1…
Encontra-se registado para o exercício da actividade de “fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourives”…, através da declaração de início de actividade, desde 18.06.1998. Da consulta do sistema informático da DGI verificamos que consta o envio de declarações periódicas do IVA relativas a aos períodos 9809T, 9906T a 9912T. … as declarações não foram acompanhadas dos respectivos meios de pagamento….
Foram retirados do sistema informático da DGI elementos relativos às informações recebidas no Âmbito da cooperação administrativa (VIES), tendo-se detectado que a empresa Joyeria…, com o número de IVA A08688301, declarou transmissões para o sujeito passivo português, entre o 2º trimestre de 1999 e o 1º trimestre de 2000, no montante total de €7.086.713,00.
A… cumpriu uma pena de prisão, tendo sido colocado em liberdade condicional em 21/11/02. Em auto de declarações...afirmou que, apesar de ter assinado a declaração de início de actividade, de facto nunca a exerceu. Reconheceu, ainda, a sua assinatura constante de duas requisições de facturas.
Contudo, voltou a afirmar nunca ter praticado qualquer negócio de compra e venda de ouro, e que nunca preencheu qualquer factura que possa existir em posse de terceiros, tendo ainda assumido ter entregue as facturas requisitadas a um tal Sr. V.... Afirmou, ainda, desconhecer os potenciais detentores e utilizadores de facturas emitidas em seu nome.
Confrontado com algumas fotocópias de facturas emitidas em seu nome e que estão na posse do Sr. M..., confirmou não conhecer tal pessoa, nunca lhe ter efectuado qualquer venda, emitido qualquer factura ou recebido qualquer importância.
Relativamente a cheques que alguém possa ter emitido em seu nome, para validar o pagamento das facturas, confirmou que nunca os recebeu, endossou ou levantou. Quanto às aquisições intracomunitárias constantes do VIES, afirmou não ter operado qualquer aquisição de ouro, quer no mercado interno, quer no mercado intracomunitário.(…)”.
3.3.2. P…, NIF 2…
Da consulta ao sistema da DGI, verificamos que o sujeito passivo declarou início de actividade em 13/10/1998, para o fabrico de artigos de joalharia e outros artigos de ourives...
Contudo, verificou-se que o contribuinte declarou cessação de actividade com a mesma data (13/10/1998). Não procedeu ao envio de qualquer declaração periódica de IVA, nem às entregas das declarações de rendimentos dos exercícios de 1999 e 2000.
Foram retirados do sistema informático da DGI elementos relativos às informações recebidas no Âmbito da cooperação administrativa (VIES), tendo-se detectado que a empresa Sociedad…, SA, …, declarou transmissões para o sujeito passivo português, entre o 4º trimestre de 1998, no montante total de €147.559,00.
Não foi possível qualquer contacto, uma vez que se desconhece o seu paradeiro.
Na sequência das diligências efectuadas, procedemos a visita do domicílio fiscal do sujeito passivo, verificando-se tratar-se da residência dos pais…caracterizaram o filho como toxicodependente, não conhecendo o seu paradeiro, nem que o mesmo tenha exercido qualquer actividade por conta própria ou que tenha possuído estabelecimento. A última vez que foi visto por um elemento da família foi a arrumar carros junto a um centro comercial na zona da Boavista, no Porto. Têm conhecimento que várias vezes “vendeu” o Bilhete de Identidade (…).
3.3.3. Movimento financeiro
Relativamente ao movimento financeiro utilizado nas aquisições efectuadas em nome de P…, embora o sujeito passivo proceda ao respectivo pagamento por transferência bancária, a conta nunca obtém provisão a não ser no próprio dia em que aquela se realiza, como forma de evitar que o próprio em algum momento se aproprie do dinheiro depositado.
Quanto ao movimento financeiro adoptado para “pagamento” das vendas, efectuadas por ambos os fornecedores, embora fosse efectuado por cheque, o simples endosso de todos os cheques satisfaz plenamente aqueles desígnios, já que também aqui os sujeitos passivos não chegam a ter acesso às verbas em causa.
Assim, o movimento financeiro adoptado para “pagamento” de ambos os tipos de operações não mais corresponde que à tentativa para camuflar a situação exposta.
3.4. Enquadramento da situação
Tendo em conta que:
a) as declarações prestadas, quer pelo emitente A… …, quer pelo sujeito passivo em análise (utilizador);
b) as averiguações efectuadas e expostas nos pontos anteriores e nos respectivos Relatórios de inspecção tributária, concluímos que os sujeitos passivos emitentes não exercem e nunca exerceram actividade efectiva. De facto, as investigações realizadas junto daqueles sujeitos passivos não permitiram detectar que os mesmos possuíssem qualquer tipo de meios materiais (estabelecimento, equipamentos, etc) e/ou humanos (empregados) que permitissem admitir que exista uma estrutura adequada ao exercício efectivo de actividade, pelo que, quer as aquisições, quer as transmissões conhecidas, não correspondem a verdadeiros negócios.
Assim, é evidente que se está perante operações simuladas, permitindo aos intervenientes a obtenção de vantagens patrimoniais indevidas e uma correspondente diminuição de receitas fiscais.
3.5. Procedimentos a adoptar
Dado tratar-se de operações simuladas, ou seja, estamos perante negócios jurídicos simulados, o valor registado na rubrica de compra de matérias-primas, no montante de € 1.004.097,62, não é considerado custo fiscal, nos termos do artº 23º do CIRC, código para o qual nos remete o artº 31º do CIRS, para a determinação do lucro tributável da actividade empresarial…
Relatório da inspecção a fls 176 e ss do P.A. junto aos autos.
D) Em 13/01/2003, A…, na presença do seu advogado, prestou declarações perante a A.T., constando do “Auto de declarações” o seguinte:
“…1.º Que embora tenha apresentado uma declaração de reinício de actividade…com efeitos a partir de 15/06/98,...o que é certo é que nunca chegou a exercer a actividade aímencionada de “fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourivesaria”…
2º Contudo mandou imprimir facturas de venda...das quais fez constar a modalidade comercial de “vendedor de ouro fino – importação/exportação”...
5º Relativamente ao destino dado às facturas apenas se recorda que entregou os blocos das facturas impressas ao Sr. V..., então proprietário do café “G…”...e ao Sr. A...
6º Por outro lado declara que nunca assinou, preencheu ou emitiu qualquer factura a eventuais clientes.
7º Como contabilista foi-lhe apresentado pelos dois indivíduos atrás identificados, num encontro realizado no café “G...”, um individuo conhecido como “Paulo…”...
8º Confrontado com fotocópias das diversas facturas emitidas em seu nome ao cliente M…,...confirma não conhecer tal pessoa, nunca ter efectuado qualquer venda e muito menos passado qualquer factura, bem como nunca recebeu qualquer importância deste individuo.
Adrede, declara, face à exibição das facturas agora efectuada, que o respectivo preenchimento lhe parece ter sido efectuado pelo supra mencionado V... do G..., a quem reconhece a letra.
9º Relativamente aos diversos cheques também agora exibidos e que foram emitidos em seu nome, como forma de pagamento das facturas, declara que nunca recebeu, endossou, depositou ou levantou qualquer cheque.
10º As assinaturas referentes aos endossos não saíram do seu punho, sendo que em alguns casos é manifesto tratar-se da letra do V... do G..., cujo nome aí expresso é V…,...
11º Por último declara que não efectuou no âmbito da hipotética actividade qualquer aquisição de ouro ou artigo de ourivesaria, quer no mercado nacional quer no mercadocomunitário...”
Fls 212 a 214 do P.A. junto aos autos.
E) As facturas discriminadas no quadro referido no Relatório da inspecção foram pagas por cheques emitidos pelo Impugnante a favor dos fornecedores que constam da respectiva factura (A… e P…) e no verso dos cheques consta uma assinatura com esses nomes e com o nome de V….
Fls 14 a 164.
F) O Impugnante e os seus funcionários não conheciam A… nem P…, mas apenas o “Sr. V…” que se apresentou como sendo representante / vendedor daqueles.
Depoimento das testemunhas V… e T….
G) Os pagamentos ao “Sr. V…” foram efectuados por cheques preenchidos pelos funcionários do Impugnante (principalmente pela testemunha V…) e assinados pelo Impugnante, e nunca em dinheiro.
Depoimento das testemunhas V… e T….
H) Os cheques eram entregues ao “Sr V…”.
Depoimento das testemunhas V… e T….
I) Quando o Impugnante não estava, os funcionários V… e T…, recebiam o ouro entregue pelo “Sr. V…” e a factura.
Depoimento das testemunhas V… e T….
3.2. Factos não provados
O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados.
3.3. Motivação da decisão da matéria de facto
A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos e do P.A., que não foram impugnados, e ainda no depoimento de algumas das testemunhas arroladas pelo Impugnante, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.
Deve ser salientado que os factos provados sob as alíneas C) e D) correspondem à existência dos documentos aí referidos (Relatório da inspecção e auto de declarações), reproduzindo-se o seu teor, dando-se como assente que a A.T. apurou os factos neles descritos, mas sem que dessa reprodução se possa inferir que o Tribunal concorda com o seu teor ou que aceita como provado o que neles consta.
Descrição e valoração do depoimento das testemunhas
V…, é empregado de escritório e funcionário do Impugnante há cerca de 11 anos.
Afirmou não conhecer nem A…, mas apenas o “Sr. V…” que se apresentou como sendo representante / vendedor daqueles.
Salientou ter visto o “Sr. V…” muitas vezes, tendo mesmo chegado a lidar directamente com ele, porque o Impugnante lhe deu autonomia para o fazer, recebendo o ouro e a factura e preenchendo o respectivo cheque, que depois era assinado pelo Impugnante.
Mais disse que os pagamentos foram sempre efectuados por cheques e nunca em dinheiro, correspondendo o valor do cheque ao valor da factura, e as facturas eram depois entregues ao contabilista para registo.
Esclareceu que é do seu conhecimento que o Impugnante, antes de comprar o ouro, se deslocou ao Serviço de Finanças de Gondomar para verificar se “estava tudo em ordem” com aqueles fornecedores.
Quando questionado pela Fazenda Pública, referiu que o Impugnante é fabricante de ourivesaria, tem três funcionários, adquire cerca de 10, 5 ou 7 kg de ouro por mês e as suas vendas destinam-se principalmente a armazenistas.
T…, funcionário do Impugnante há cerca de 10 anos, era ourives e trabalhava no fabrico.
Referiu que o Impugnante, antes de começar a fazer negócios com o “Sr. V...”, comprava o ouro aos Bancos.
Afirmou não conhecer nem A… nem P…, mas apenas o “Sr. V...” que se apresentou em representação daqueles, como vendedor.
Declarou que quando o seu colega não estava no local, era ele que recebia o ouro e a factura e preenchia os cheques, os pagamentos ao “Sr. V...” eram sempre por cheque e nunca em dinheiro e para cada factura era passado um cheque.
Esclareceu que quando o “Sr. V...” apareceu, mostrou ao Impugnante “umas provas das Finanças” a dizer que “a firma estava legal” e que o Impugnante foi pessoalmente às Finanças de Gondomar para confirmar.
Inquirido pelo Tribunal, afirmou que quando o Impugnante começou a comprar o ouro ao “Sr. Vitor”, por volta de 1999, só o comprava a ele.
M…, comerciante de ourivesaria, é cliente e amigo do Impugnante há mais de 30 anos.
Afirmou que o Impugnante é seu fornecedor há mais de 30 anos e que se estabeleceu uma relação de amizade entre ambos, e que há uns anos atrás, nos almoços que tinham, comentou que um tal de “Sr. V...” lhe entregava / vendia ouro e que este era representante de outra firma.
Esclareceu que não conhece nem nunca viu o “Sr. V...”.
No mais, teceu considerações sobre o que era a prática corrente no sector, relativamente à:
- aquisição do ouro: afirmou que há muitos anos atrás, era no Banco que se adquiria o ouro fino para ser manufacturado e que posteriormente começaram a aparecer novas firmas que eram independentes dos Bancos e que vendiam o ouro e que é normal que se procure comprar o ouro o mais barato possível;
- verificação da situação dos fornecedores: esclareceu que era habitual verificar se os novos fornecedores de ouro tinham a situação legal ou não; e
- forma de pagamento do ouro: esclareceu que é normal no ramo da ourivesaria “trabalhar” sempre com cheques.
Finalmente, asseverou que o Impugnante era pessoa honesta e séria.
***
Devidamente analisados os depoimentos prestados, verifica-se que as testemunhas V… e T…, demonstraram possuir um conhecimento directo dos factos e prestaram o seu depoimento de forma isenta, séria e credível, sendo ainda de realçar que não foram detectadas divergências ou incongruências entre as declarações de ambos.
Já no que concerne ao depoimento prestado por M…, o mesmo não foi valorado pelo Tribunal uma vez que não demonstrou possuir um conhecimento directo nem concreto dos factos que estão em causa nestes autos, tendo apenas declarado o que o Impugnante lhe disse sobre a existência de um “Sr. V…” (testemunho indirecto) e recorrido, por diversas vezes, à sua “experiência” pessoal e ao seu conhecimento do sector de ourivesaria para responder às questões colocadas.”
*

2. O Direito

A Administração tributária (AT), na sequência de uma acção de fiscalização, e tendo considerado que o Recorrido, com referência ao ano de 1999, relevou contabilística e fiscalmente custos com suporte em facturas que não correspondem a operações realmente efectuadas, desconsiderou tais custos e procedeu às consequentes liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e respectivos juros compensatórios, do montante global de € 490.191,86.
Na sequência da fiscalização efectuada à actividade desenvolvida pelo Recorrido, a AT concluiu que este tinha registado na sua contabilidade referente ao ano de 1999 diversas facturas emitidas por A… e P…, referentes à aquisição de 119,5 Kgs de ouro, num total de € 1.004.097,62, sendo que as operações nelas referidas não correspondem à realidade.
Para justificar tal conclusão, a AT louvou-se em diversos indícios, que constam do relatório de inspecção com cópia a fls. 176 a 187 do processo administrativo em apenso; a saber:
– o Contribuinte «disse não conhecer» os emitentes das facturas, pois «os vendedores apareciam a oferecer o ouro e ele simplesmente se preocupava com a qualidade do mesmo», sendo que começou a comprar aos referidos A… e P… por o preço ser «mais atractivo (aproximadamente menos 10.000$00/Kg)»;
– que «quem actuava em nome deles era o Sr. V…», que se apresentou «primeiro como vendedor do fornecedor A… [?]e posteriormente como vendedor do P… », «realizando os contactos comerciais, entregando o material e levando o cheque para pagamento»;
– quanto ao referido V…, disse que o conhecia pessoalmente, «embora antes não se dedicasse a este ramo de actividade»;
– A…, apesar de se ter registado pelo exercício da actividade de “fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourives” em 18 de Junho de 1998, nunca enviou a declaração modelo 3 para efeitos de IRS, bem como apenas enviou as declarações periódicas de IVA relativas ao 3.º trimestre de 1998 e aos 2.º, 3.º e 4.º trimestres de 1999, mas apenas a relativa ao 2.º trimestre do ano de 1999 acompanhada pelo respectivo meio de pagamento;
– do Sistema de Intercâmbio de Informações sobre o IVA (VIES) consta que a sociedade “J…, S.A.” declarou transmissões para A…, entre o 2.º trimestre de 1999 e o 1.º trimestre de 2000, no montante de € 7.086.713,00;
– A… declarou que nunca exerceu a actividade, nunca tendo efectuado qualquer aquisição de ouro ou de qualquer artigo de joalharia, no mercado nacional ou no mercado comunitário, sendo que a sua condição financeira nunca lhe permitiria aquisições do montante apontado, assim como também nunca efectuou qualquer venda daquelas mercadorias;
– mais declarou que, apesar de ter assinado a declaração de início de actividade e duas das três requisições de facturas que, em seu nome, foram efectuadas, nunca emitiu, preencheu ou assinou qualquer factura, sendo que os dois livros de facturas que requisitou foram por ele entregues a um tal “Sr. V…”, então proprietário do café “G...”, e a um tal “Sr. A…”;
– confrontado com as facturas que M... registou na sua contabilidade e das quais consta como emitente A…, confirmou que nenhuma delas foi por ele emitida e que não conhece aquele, ao qual nunca vendeu o quer que fosse e de quem nunca recebeu quantia alguma;
– confrontado com os cheques emitidos por M... a seu favor, A… referiu que nunca recebeu montante algum dos referidos cheques, sendo que a assinatura que deles constam como sendo sua, na qualidade de endossante, não foram feitas pelo seu punho e acrescentou que, nalguns casos, é manifesto que se trata da letra do “V… do G...”;
– P… declarou o início de actividade de “fabrico de ouro e outros artigos de ourives” em 13 de Outubro de 1998 e cessou a actividade com referência à mesma data;
– não entregou declarações para efeitos de IRS dos anos de 1999 e 2000 nem enviou qualquer declaração para efeitos de IVA;
– do VIES consta que a “Sociedad …, S.A.” declarou transmissões para P…, no 4.º trimestre de 1998, no montante de € 147.559,00;
– não foi possível contactar P…, cujos pais informaram que desconhecem o seu paradeiro, que o mesmo nunca exerceu qualquer actividade por conta própria, que é toxicodependente e que, da última vez que dele tiveram notícia, foi quando um familiar o viu como “arrumador” de automóveis;
– que tiveram conhecimento de que o seu filho, por várias vezes, “vendeu” o bilhete de identidade;
– foi na sequência da recepção na sua morada de facturas em nome do seu filho que fizeram uma exposição ao Director de Finanças, alertando para a situação;
– apesar da existência de cheques correspondentes às facturas das quais consta como emitente P… , os mesmos foram todos endossados, nunca tendo sido depositados em conta do emitente;
– do mesmo modo, apesar de os pagamentos das aquisições efectuadas em nome de P…e serem feitas por transferência bancária, a conta só é municiada com fundos (em numerário) na própria data das transferências.
Consequentemente, a AT desconsiderou os custos que o Contribuinte declarou com suporte naquelas facturas, o que deu origem à liquidação adicional de IRS (categoria C) pelos valores correspondentes.
O ora Recorrido impugnou essa liquidação e a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deu-lhe razão, anulando aquele acto tributário.
A Fazenda Pública não se conformou com a sentença e dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte. Invoca como fundamento da sua discordância, essencialmente, que a sentença não fez uma correcta ponderação dos meios de prova, pois não levou em conta os diversos indícios recolhidos pela AT de que as facturas não correspondem a operações reais.
De acordo com jurisprudência pacífica, competia à AT «demonstrar a existência do fundamento legal com que se arroga a titularidade de atribuições e de competência para a prática do acto em causa», enquanto ao Contribuinte compete «demonstrar a existência dos factos» em que funda o seu direito a relevar como custos os valores suportados pelas facturas em causa.
Note-se que não se exige à AT a prova directa da simulação. Haverá, nesta circunstância como em tantas outras, que recorrer à prova indirecta, a «factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova», sendo que tais indícios «devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade» (cfr. ALBERTO XAVIER in Conceito e Natureza do Acto Tributário, págs. 154 e 155).
Assim, considerando a Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que a AT recolheu indícios suficientes para lhe permitir «concluir que as operações subjacentes às facturas em causa são simuladas», então, agora, já só está em causa indagar se foi feita prova da materialidade das operações subjacentes às facturas. Isto porque foi precisamente por a sentença recorrida ter considerado que essa prova foi efectuada que julgou a presente impugnação procedente, assentando este recurso, como referimos,na alegação de uma incorrecta ponderação dos meios de prova no tribunal “a quo”.
Vejamos parcialmente a decisão recorrida:
“(…) voltemos ao caso em apreço para, então, aferir:
- se a A.T. recolheu indícios fundados de que as facturas emitidas por A… e por P… são falsas; e, em caso afirmativo,
- se o Impugnante conseguiu provar que as facturas desconsideradas pela A.T. tiveram subjacentes verdadeiras aquisições de ouro.
Decorre da análise do Relatório da inspecção (alínea C) do probatório) que a conclusão da A.T. de que as facturas em causa não titulavam verdadeiras aquisições de ouro, teve por base a recolha de elementos sobre os sujeitos passivos emitentes das facturas e a prestação de declarações por parte do emitente A…, dos pais do emitente P… e do próprio Impugnante, que lhe permitiram concluir que:
- A… e P…, apesar de colectados para o exercício da actividade de “fabricação de artigos de joalharia e outros artigos de ourives”, nunca a exerceram;
- o Impugnante não conhecia nem A… nem P… (conforme declarações do Impugnante e de A…); e
- os emitentes das facturas não chegaram a ter acesso às verbas “pagas” através dos cheques emitidos pelo Impugnante (conforme decorre das declarações de A… e do endosso constante dos cheques).
Verifica-se, assim, que a A.T. recolheu indicadores sólidos e objectivos de que o ouro referido nas facturas não foi vendido pelos seus emitentes (A… e P…) tendo, fundadamente, colocado em causa a credibilidade das facturas e desconsiderado os custos que as tinham como suporte documental.
Cumpriu, assim, o seu ónus probatório, ilidindo a presunção de veracidade das declarações e da contabilidade do Impugnante.
Passa, então, a ter de ser o Impugnante a provar a veracidade das aquisições do ouro, não lhe bastando, de todo, alegar, como fez na petição inicial, que, por um lado, as facturas preenchem os requisitos legais, que as registou na sua contabilidade, que sempre as pagou por cheques e que entregou o I.V.A. liquidado e, por outro lado, que os emitentes declararam o seu início de actividade e até requisitaram facturas.
De facto, o Impugnante tem é de provar que as transacções foram efectivamente realizadas, já não podendo remeter-se para a sua contabilização ou documentação (facturas, cheques), uma vez que, como vimos, a credibilidade destas já foi seriamente abalada pela A.T..
Ademais, no que concerne à documentação da transacção, é sabido que no “esquema das facturas falsas” os intervenientes preocupam-se em criar uma mise-en-scène documental, de modo a que o suporte documental seja o mais aproximado possível do que existiria se a operação fosse real, preenchendo as facturas com os elementos exigidos no artigo 36.º do C.I.V.A., “celebrando” contratos, emitindo recibos e efectuando movimentos financeiros que atestem a existência de pagamentos.
E mais se diga que o acto formal de se declarar o início de actividade perante a A.T., não significa que, na realidade, a actividade esteja efectivamente a ser exercida, pois, tal como vimos no caso em apreço, os emitentes estavam colectados mas nunca exerceram a actividade.
Tem, pois, o Impugnante de reunir elementos adicionais que comprovem que, efectivamente, as aquisições de ouro referidas nas facturas existiram.
Ora, tendo por base a inquirição das testemunhas V… e T… (que, conforme já referido, apesar da relação de dependência laboral face ao impetrante, prestaram um depoimento credível e com conhecimento directo dos factos), quedou assente que as compras do ouro referidas nas facturas eram efectuadas ao “Sr. V…”, que se apresentou como representante/vendedor dos emitentes das facturas e que recebeu os cheques, facto que foi ainda referido pelo Impugnante quando prestou declarações à A.T., tendo mesmo o emitente A…, também em auto de declarações, afirmado conhecer o “Sr. V…”, a quem entregou os blocos de facturas e a quem reconhece a letra que consta das facturas passadas ao Impugnante e do verso dos cheques (alíneas D) e F) a I) do probatório).
Face ao exposto, resulta provado que as transacções ocorreram, não com os sujeitos mencionados nas facturas, mas com um terceiro (“Sr. V...”), sendo agora necessário decidir se, nesta situação, em que o verdadeiro fornecedor não coincide com os fornecedores que constam das facturas, os custos de aquisição do ouro devem ser fiscalmente aceites (dedutíveis) ou não.
A solução desta questão passa pela interpretação do artigo 23.º n.º 1, do C.I.R.C. (ex vi artigo 31.º do C.I.R.S.), em conjugação com o disposto na g) do n.º 1 do artigo 42.º do C.I.R.C..(…)
Resulta, pois, destes normativos, que, para um determinado custo ser dedutível para efeitos fiscais, tem de, cumulativamente:
- existir, ou seja, a empresa tem de o ter efectivamente suportado (existência material);
- estar documentado e contabilizado (comprovação formal);
- ser indispensável (relação com a actividade da empresa); e
- ser fiscalmente relevante, ou seja, a sua dedutibilidade não pode estar impedida por lei (a lei veda a possibilidade de determinados custos serem aceites, nomeadamente, aqueles que, à partida, podem estar relacionados com situações de evasão fiscal).
No caso subjudice, não existem dúvidas de que os custos com a aquisição do ouro estavam documentados em facturas devidamente contabilizadas, tinham uma relação directa com a actividade do Impugnante (fabrico de artigos de joalharia e de ourives – cfr alínea B) dos factos provados) e a lei não proíbe a sua dedutibilidade (inexiste preceito legal que, à partida, vede a dedutibilidade dos custos com a aquisição de matéria-prima. Pelo contrário, a lei prevê mesmo que esses custos sejam fiscalmente aceites – vide alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do C.I.R.C..).
Já no que concerne ao primeiro requisito – existência do custo – vimos que, embora as aquisições se tenham processado com um individuo que não era o emitente da factura, a verdade é que a existência das mesmas resultou demonstrada, pelo que forçoso é concluir que aqueles custos foram efectivamente suportados pelo Impugnante, integrando assim, a sua verdadeira situação tributária.
Cumpridos que estão os quatro requisitos de dedutibilidade fiscal dos custos, e em obediência ao princípio constitucional da tributação pelo rendimento real (n.º 2 do artigo 104.º da C.R.P.), então os custos com a aquisição do ouro têm de ser aceites fiscalmente. (…)”
A principal questão que vem colocada no presente recurso, pois as restantes já foram todas conhecidas na decisão recorrida, e não vêm agora impugnadas, consiste em saber se, da prova testemunhal que foi produzida, o impugnante logrou efectivamente provar que as facturas desconsideradas pela AT, com fundamento em tratarem-se de operações comerciais simuladas, correspondem, no plano da realidade dos factos, a reais e efectivas operações comerciais que tiveram por objecto os bens, quantidades e valores expressos nessas mesmas facturas.
O erro de julgamento de facto ocorre quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Se a decisão do julgador, no que diz respeito à prova testemunhal produzida, estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.
A Meritíssima Juíza a quo exarou a motivação a propósito de cada ponto assente, explicitando a fundamentação que levou à formação da sua convicção.
Ora, como o nosso sistema processual consagra o princípio da livre apreciação das provas no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, tal significa que o juiz decide com intermediação de elementos psicológicos inerentes à sua própria pessoa e que por isso não são racionalmente explicáveis e sindicáveis, embora a construção da sua convicção deva ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjectiva devidamente controlada, com substrato lógico e dominada pelas regras da experiência.
Não há limitações quanto à admissibilidade de qualquer meio de prova (cfr. artigo 115.º, n.º 1, do CPPT), mas há que exigir grande rigor na prova da materialidade e/ou da dimensão das operações referidas em facturas relativamente às quais a AT recolheu indícios sérios e credíveis de que não lhe correspondiam operações reais ou de que a dimensão das operações aí referidas (com repercussão no respectivo valor) não correspondia à realidade.
Para esse efeito, o Impugnante apresentou prova documental e prova testemunhal.
Passemos, então, a conhecer dos fundamentos do recurso.
Entende a Fazenda Pública que em nenhum momento se estabeleceu uma relação inequívoca entre as vendas referidas nas facturas em causa e a realidade. Ou seja, os depoimentos prestados não permitiram estabelecer, em concreto, que vendas foram efectuadas, em que quantidades e por que valores, nem permitiram concluir, com um qualquer grau de certeza exigível, que vendas correspondem às mencionadas nas facturas.
Estão, portanto, essencialmente em causa as ilações que foram retiradas da factualidade considerada assente. Vejamos se em face da mesma se podia chegar às conclusões alcançadas na sentença recorrida.
Do relatório da inspecção que conduziu à prática do acto tributário impugnado resultam, de forma abundante, factos que conjugados uns com os outros apontam no sentido de que tais operações comerciais tituladas pelas facturas em questão não correspondem a verdadeiras transacções comerciais: os emitentes nunca exerceram qualquer actividade comercial, nunca passaram qualquer factura, nunca receberam qualquer quantia por conta das facturas postas em crise, ou seja, da parte daqueles que passaram as facturas e deviam ter recebido o pagamento do preço, sabe-se que eram completamente alheios a tais transacções comerciais.
Por outro lado, sabe-se que um “Sr. V...” se apresentava ao impugnante e aos seus funcionários como sendo representante/vendedor dos emitentes das facturas e que os cheques com os respectivos pagamentos das transacções eram entregues a esse “Sr. V...”, que trazia o ouro e as facturas – cfr. alíneas F) a I) da factualidade apurada.
Mas sabemos isto porque os funcionários do impugnante assim o testemunharam, sem nunca se ter pretendido apresentar o referido “Sr. V...” para prestar depoimento nos presentes autos, o que naturalmente incumbiria ao impugnante para provar que as transacções eram reais.
“Na verdade, a credibilidade dos empregados do impugnante, apesar de não se pôr em causa a honestidade das suas declarações, é sempre "tingida" pela especial relação que os une, relação patrão/empregado, que se trata, num caso como o presente, em que são os próprios que referem que por vezes atenderam o dito Sr. V..., praticamente de depoimento de parte, ou seja, é o próprio empregado que refere o que fez ou o que combinou com o terceiro e portanto, não é expectável que das declarações de tais testemunhas possa resultar qualquer facto que "incrimine" o impugnante, é como se estivessem a defender a sua própria honorabilidade.
E nesta medida, não se vê como poderiam estes depoimentos serem suficientes para provar que os negócios titulados pelas facturas em crise correspondem a reais operações comerciais. (…)
E isso poderia ser facilmente comprovado pelo impugnante se tivesse provado que os bens adquiridos e titulados pelas facturas tinham correspondência directa no volume de existências.
O mero facto de os valores pagos pelas facturas serem efectivamente debitados da sua conta bancária não indicia, face a todo este circunstancialismo concreto, que tal débito corresponda a um efectivo pagamento, já que nunca se consegue determinar o destino que tais quantias tiveram, sabendo nós de fonte segura que os emitentes das facturas as não receberam.
Ou seja, alegar-se que quem trazia a mercadoria e fez seus os valores que correspondiam ao pagamento dessa mesma mercadoria era o dito Sr. V... e que o fazia com total desconhecimento dos emitentes das facturas, não é suficiente para criar fundada dúvida sobre a existência/valor do facto tributário que se impugna, ou dito por outro modo, as dúvidas sobre a existência/valor do facto tributário existem, mantêm-se e agravam-se com esta factualidade concreta que se logrou provar.
Ou seja, destes depoimentos testemunhais não era, nem é, possível concluir pela real existência de transacções comerciais subjacentes às facturas postas em causa pela administração tributária.” – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 03/11/2011, proferido no âmbito do processo n.º 126/03/32 Porto, de onde se procedeu ao aproveitamento da prova testemunhal para os presentes autos, referente ao mesmo impugnante, por existir identidade da matéria de facto controvertida.
A contabilidade do sujeito passivo, quando devidamente organizada segundo a lei comercial ou fiscal, faz presumir a veracidade dos dados e apuramentos dela decorrentes. Porém, a organização da contabilidade deve ser aferida não só na mera perspectiva formal, mas também na perspectiva material, pelo que competia ao impugnante o ónus de alegação e prova de que as específicas facturas, fundamentadamente desconsideradas pela AT, constituíram verdadeiras transacções reais e efectivas.
Na verdade, não basta alegar factos tendentes a criar alguma dúvida sobre o facto tributário, impunha-se que o impugnante produzisse prova da realidade das transacções, “e é precisamente isto que o impugnante não consegue com a matéria de facto que, a final, se veio a dar como provada na sentença recorrida.
(…) Não é possível, apenas com fundamento nos depoimentos das testemunhas inquiridas em 1.º e 2.º lugares, concluir pela existência de reais relações comerciais subjacentes às facturas em causa. (…)” – cfr. o citado Acórdão deste TCAN, de 03/11/2011, proferido no mencionado processo relativo a impugnação judicial de liquidação adicional de IVA referente ao ano de 1999.
A prova testemunhal produzida nos autos não permite concluir, com segurança, que os emitentes das facturas tenham vendido ao impugnante o ouro referido nas facturas em causa e, muito menos, que o tenha vendido com a dimensão justificativa do preço nelas referido.
Deixámos já dito que no processo judicial tributário são permitidos todos os meios de prova, não se exigindo no caso subjudice qualquer especial meio de prova, designadamente a prova documental. Poderá argumentar-se ainda com o princípio da livre apreciação da prova (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC), como o fez o Recorrido, a impor que apenas se altere o julgamento de facto feito pela 1.ª instância, que beneficiou da imediação na apreciação da prova, em circunstâncias muito contadas.
Apesar de tudo isso, consideramos que a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, muito dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações e ainda mais dificilmente permitirá estabelecer a real dimensão quantitativa das mesmas.
Pelo que, o facto de o “Sr. V...” se apresentar ao impugnante e aos seus funcionários como sendo representante/vendedor dos emitentes das facturas e de os cheques com os respectivos pagamentos de transacções serem entregues a esse “Sr. V...”, que trazia o ouro e facturas, não é suficiente para retirar a ilação de que as específicas facturas desconsideradas tenham subjacentes transacções efectivas e reais, dado que tal factualidade, em concreto, não permite, com a segurança e certeza exigíveis, afirmar que as vendas foram realmente efectuadas, pelas quantidades e valores constantes das facturas em crise.
Em conclusão, analisada criticamente toda a prova produzida nos presentes autos, entendemos que o Impugnante não logrou demonstrar que as facturas em causa titulam transacções realmente efectuadas pelo valor que delas consta, motivo por que não merece censura alguma a actuação da AT, que desconsiderou os custos declarados que tinham tais facturas como suporte na contabilidade do Impugnante e, consequentemente, corrigiu a matéria tributável declarada e procedeu à liquidação adicional do IRS.
Pelo exposto, impõe-se o provimento do presente recurso, devendo a sentença recorrida, na medida em que decidiu em sentido contrário, ser revogada nessa parte e substituída por outra que determine a total improcedência desta impugnação judicial.

Conclusões/Sumário

I - Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que determinadas facturas que documentavam custos não correspondiam a operações reais, motivo por que, mediante o processo geralmente denominado de “correcções técnicas”, desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquelas facturas, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção da matéria tributável (ou seja, de demonstrar os factos que a levaram a considerar que as facturas eram simuladas), competindo ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.
II - Estando assente que a AT demonstrou, como lhe competia, factos que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitem concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais e, assim, que está formal e materialmente fundamentada a decisão administrativa de desconsiderar os custos que têm suporte naquelas facturas e de afastar a presunção de veracidade da escrita, competia então ao contribuinte demonstrar que as facturas em causa correspondem a operações realmente efectuadas pelos seus emitentes e do valor referido nas facturas e, assim, comprovar os custos que contabilizou.
III - Sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cfr. artigo 115.º, n.º 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC), a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações e/ou da sua dimensão.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença no segmento recorrido e julgar a impugnação judicial totalmente improcedente, mantendo na ordem jurídica o acto tributário impugnado.
Custas em ambas as instâncias a cargo do Recorrido, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, conforme já decidido na 1.ª instância, e que se reitera com efeitos nesta instância, aqui pela simplicidade do recurso.
Porto,26 de Novembro de 2015.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves