Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00888/14.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE SOLIDARIEDADE;
ACTOS DE PROCESSAMENTO DE VENCIMENTOS E OUTRAS PRESTAÇÕES VITALÍCIAS; ARTIGO 76º DA LEI DE ORÇAMENTO DE ESTADO PARA 2014; FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE; FISCALIZAÇÃO ABSTRACTA; ARTIGOS 212º, N.º 3, E 280º, ESTES DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; ARTIGOS 1º E 4º DO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS.
Sumário:1. Os actos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos (bem como das pensões e outras retribuições regulares) são verdadeiros actos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, de forma inovatória e unilateral, numa situação individual e concreta (artigo 120.º Código de Procedimento Administrativo)

2. Se os autores imputam, em concreto e não em abstracto, aos actos de processamento o vício de violação dos princípios consignados nos artigos 2º, 13º, 18º nº 2 e 62º da Constituição da República Portuguesa, em particular, a violação do direito de propriedade privada, por entenderem que tem natureza de confisco atribuída à contribuição extraordinária de solidariedade, estabelecida no referido artigo 76º da Lei de Orçamento de Estado para 2014, norma esta aplicada nos referidos actos, o pedido de declaração de invalidade traduz um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade da norma que serviu de fundamento a actos administrativos e não um pedido de fiscalização abstracta, o que, face ao disposto nos artigos 1º, n.º1, e 4º, n.º2, alínea a), ambos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e artigos 212º, n.º 3, e 280º, estes da Constituição da República Portuguesa) é da competência dos Tribunais Administrativos. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:APRE!- Associação de Pensionistas, Reformados e Aposentados e outro(s)...
Recorrido 1:Caixa Geral de Aposentações, I.P. e Outro(s)...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
APRE! - Associação de Pensionistas, Reformados e Aposentados, TVS e JLCK vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 15.06.2015, que indeferiu a reclamação apresentada pelos autores contra o despacho saneador-sentença de 10.12.2014, que julgou procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria dos tribunais administrativos e fiscais para conhecer da presente acção administrativa especial, deduzida contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e Instituto de Segurança Social, I.P., para restituição das quantias que, alegadamente, por aplicação indevida da “medida orçamental inconstitucional” não lhes foram pagas.


Invocaram para tanto, em síntese, que o artigo 76º da Lei do Orçamento do Estado criou uma contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões e reformas acima de um determinado valor, decisão que os autores entendem violar preceitos e princípios inscritos na Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1. Por acórdão de fls. … decidiu-se “indeferir a reclamação apresentada pelos Autores, ora Recorrentes, contra o despacho saneador sentença”.
2. Não se conformam os autores com o referido acórdão, razão pela qual vêm interpor o presente recurso jurisdicional.

3. Com efeito, não está em causa a “remoção" da norma prevista no artigo 76° da Lei do Orçamento de Estado para 2014, senão, diferentemente, o pedido da sua desaplicação nas situações referidas "de prática dos actos e operações materiais de processamento e pagamento das pensões e de todas as prestações pecuniárias..." atenta a manifesta inconstitucionalidade de que aquela padece, a qual inquina, irremediavelmente, tais actos cuja apreciação da legalidade/inconstitucionalidade constitui, afinal, o objecto do presente litígio.

4. Tão-pouco está em causa a "apreciação abstracta do referido preceito legal à luz de princípios inclusos na CRP”, nem constitui pretensão das autoras, ora recorrentes, que este Tribunal Administrativo e Fiscal "...aprecie abstractamente a conformidade da letra da lei com o texto da CRP.", como se entendeu no despacho saneador sentença, confirmado pelo acórdão recorrido.

5. O que está em causa e constitui o objecto do presente litígio - perfeitamente conforme à competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal maxime conforme ao disposto no n.º 1 do art.º 4° do ETAF -, é, tão-só, a apreciação da legalidade dos actos praticados pelos réus em obediência ao mencionado comando legal - o qual se reputa, é certo, de inconstitucional no caso concreto da prática dos actos e operações em apreço relativos aos associados da 1ª autora - sendo nesse sentido os pedidos da sua declaração de nulidade/anulação de reconstituição da situação que existiria não fora a sua prática.

6. Como refere o despacho saneador-sentença, confirmado pelo acórdão recorrido, não são os actos administrativos ou as operações materiais de processamento das pensões que estão em desacordo com o artigo 76º da Lei do Orçamento de Estado para 2014, o qual se limitam a aplicar, contudo, isso não significa que esteja excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e, nesse sentido, da competência absoluta deste Tribunal, a fiscalização concreta da referida disposição orçamental na aplicação que da mesma é feita pelas rés ao praticarem os mencionados actos e operações com as reduções que daquela resultam, porquanto a ser assim estariam os tribunais administrativos impedidos de ajuizar e decidir, no caso concreto, sobre a aplicação, ou recusa de aplicação, de qualquer disposição cuja inconstitucionalidade fosse suscitada no processo, como nos presentes autos, o que contrariaria frontalmente o disposto no artigo 280°,n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

7. E contrariamente ao que pretende fazer crer o acórdão recorrido, o decidido no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 20.11.2014, no processo n.º 0438/14, não permite extrair entendimento diverso do aqui defendido.

8. Em suma, ao decidir como decidiu, julgando procedente a excepção dilatória sub judice e, consequentemente, ao considerar os tribunais administrativos e fiscais incompetentes em razão da matéria para conhecer da presente causa, absolvendo as RR. da instância, o despacho saneador sentença e, na sua esteira, o acórdão recorrido fazem uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 4° do ETAF bem como do disposto no artigo 280º da CRP.

9. Face a todo o exposto, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido, que confirmou o despacho saneado sentença e ser julgada improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, dos tribunais administrativos, com todas as legais consequências, devendo designadamente ser determinado o prosseguimento dos autos.
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II – A (in) competência material dos tribunais administrativos e fiscais para conhecer da presente lide.


A competência em razão da matéria afere-se pelo pedido formulado e pela natureza da relação jurídica que serve de fundamento a esse pedido, tal como a configura o autor – vd. neste sentido, os acórdãos da Relação de Évora de 8.11.1979, Colectânea de Jurisprudência, 1979, IV, p. 1397, do Supremo Tribunal de Justiça de 3.2.1987, BMJ 364, p. 591, e de 9.5.1995, Colectânea de Jurisprudência /acórdãos STJ, 1995, II, p. 68; do Supremo Tribunal Administrativo de 10.3.1988, recurso 25.468, de 27.11.1997, recurso 34.366, e de 28.5.1998, recurso 41.012; e do Tribunal dos Conflitos, de 23.9.2004, processo n.º 05/04; na doutrina, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1ª ed., vol. I, p. 88.

Saber se a situação jurídica descrita na petição pelo autor está ou não sujeita ao regime jurídico por si invocado é questão que se prende com o mérito da acção e não com o pressuposto processual da competência – ver o acórdão do Tribunal de Conflitos de 9.7.2003, recurso 09/02.

Aos tribunais administrativos cabe dirimir os litígios emergentes de relações jurídico-administrativas (art.º 1º, n.º1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, e art.º 212º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa).

Como corolário do princípio da separação de poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, está expressamente excluída do âmbito da jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos praticados no exercício da função política e legislativa, nos termos expressos da alínea a) do n.º 2 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

No que diz respeito à fiscalização da constitucionalidade há que distinguir duas situações: a fiscalização concreta e a fiscalização abstracta.

Sobre a fiscalização concreta dispõe o artigo 280º da Constituição da República Portuguesa:

1. Cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:

a) Que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade;

b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

(…)”

No que diz respeito à fiscalização abstracta dispõe o artigo 281º da Constituição da República Portuguesa:

“1. O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:

a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;

b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo com fundamento em violação de lei com valor reforçado;

(…)

3. O Tribunal Constitucional aprecia e declara ainda, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade de qualquer norma, desde que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos.”

Dito isto, vejamos.

No caso concreto foram formulados os seguintes pedidos:


a) A desaplicação do art. 76º da Lei do Orçamento do Estado 2014, que criou uma contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões e reformas acima de um determinado valor.

b) A declaração de nulidade ou anulação de todos os actos e operações materiais de processamento e pagamento de pensões e outras prestações pecuniárias vitalícias com as reduções previstas no citado comando legal.

c) E a condenação dos Réus, Caixa Geral de Aposentações, I.P. (CGA) e Instituto de Segurança Social, I.P. na restituição das quantias que, por aplicação indevida da “medida orçamental inconstitucional” não lhes foram pagas.


Como causa de pedir, invocaram, em síntese, que o artigo 76º da Lei do Orçamento do Estado criou uma contribuição extraordinária de solidariedade sobre as pensões e outras prestações pecuniárias vitalícias acima de um determinado valor, o que determinou uma redução nos valores que lhes foram processados, o que os autores entendem violar preceitos e princípios inscritos na Constituição da República Portuguesa.

Atentando assim no teor da petição inicial, concretamente na causa de pedir articulada pelos autores, verificamos que todos os pedidos têm como causa de pedir a inconstitucionalidade do artigo 76º da Lei de Orçamento de Estado para 2014, por violação dos princípios consignados nos artigos 2º, 13º, 18º nº 2 e 62º da Constituição da República Portuguesa, em particular a violação do direito de propriedade privada, dada a natureza de confisco atribuída à contribuição extraordinária de solidariedade.

Mas esta apreciação de inconstitucionalidade, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, não é pedida em geral e abstracto.

O que se pede ao tribunal administrativo é que este aprecie em concreto a conformidade do texto da lei, do artigo 76º da Lei de Orçamento de Estado para 2014, com o texto daqueles normativos constitucionais na medida em que esta norma serviu de fundamento aos actos de processamento de pensões e outras remunerações vitalícias.

Pede-se que se declare tal norma inconstitucional. Para declarar a invalidade dos actos de processamento das prestações em apreço.

Ora, isto é um pedido de apreciação em concreto da constitucionalidade de uma norma.

O que cabe nas competências dos tribunais administrativos, face aos dispositivos acima indicados.

A Lei do Orçamento do Estado para 2014 é um acto praticado no exercício da função legislativa e do qual emana a norma cuja declaração de inconstitucionalidade se pretende.

Mas os actos de processamento das pensões e outras remunerações vitalícias, emitidos ao abrigo daquela norma, tida por inconstitucional, são actos administrativos.

Conforme é entendimento pacífico, os actos de processamento de vencimentos dos funcionários públicos (bem como das pensões e outras retribuições regulares) são verdadeiros actos administrativos, isto é, consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, que produzem efeitos jurídicos, de forma inovatória e unilateral, numa situação individual e concreta (artigo 120.º Código de Procedimento Administrativo) – neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.03.1994, processo 32.855 (Pleno), de 09.03.1995, processo 33.969, de 11.12.2001, processo 47.140 (Pleno), de 26.02.2002, processo 48281 (Pleno), de 02.01.2005, processo 344/04 (Plano), de 30.10.2008, processo 049/08, e de 22.11.2011, processo 0547/11).

Dizer que apenas está em causa a constitucionalidade da norma, quando se pretende que a constitucionalidade seja reportada à prática de actos administrativos que a aplicaram inovatoriamente, não afasta a conclusão de que se trata de um pedido de apreciação concreta da constitucionalidade de uma norma.

A Administração Pública está sujeita, na sua actuação, não apenas à lei ordinária mas, directamente, e em primeiro lugar, à Constituição.

Como se refere no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa:

“1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.

2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”

Se um acto administrativo é inválido por violação de uma norma de lei ordinária também o é, por maioria de razão, por violação de norma ou princípio constitucional.

É indiferente que apenas se impute ao acto violação de norma constitucional por aplicação de preceito de lei ordinária tida por inconstitucional ou se acrescente outros vícios, de procedimento ou de violação de lei ordinária.

A simples imputação de violação de lei constitucional, por aplicação de lei ordinária inconstitucional, a um acto administrativo, basta para caracterizar o pedido de fiscalização da constitucionalidade como um pedido de fiscalização concreta e não abstracta.

Por outro lado, a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade – artigo 266º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo.

Este princípio para a Administração, ao contrário do que sucede para os particulares, significa não simples compatibilidade com a lei – fazer tudo o que a lei não proíba – mas vai mais longe, exige, conformidade com a lei – fazer só o que a lei prevê.

É o que resulta das expressões, utilizadas no mencionado art.º 3.º do Código de Procedimento Administrativo: “obediência à lei”, “nos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos” em “conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos” (ver a este propósito Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, no Código de Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª ed., pp. 86-90).

Significa isto que os actos administrativos são sempre aplicação directa de normas jurídicas. Os actos administrativos “limitam-se” (ou devem limitar-se) a aplicar a lei.

No caso concreto os actos administrativos de processamento de pensões e outras remunerações vitalícias em apreço aplicaram, inovatoriamente, o disposto no artigo 76º da Lei de Orçamento de Estado para 2014.

Os autores imputam, em concreto e não em abstracto, a esses actos de processamento o vício de violação dos princípios consignados nos artigos 2º, 13º, 18º nº 2 e 62º da Constituição da República Portuguesa, em particular, a violação do direito de propriedade privada, por entenderem que tem natureza de confisco atribuída à contribuição extraordinária de solidariedade, estabelecida no referido artigo 76º da Lei de Orçamento de Estado para 2014.

O que traduz um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade de uma norma que serviu de fundamento a actos administrativos.

O que, face às normas acima apontadas, cabe na competência dos tribunais administrativos.

Finalmente, a circunstância de já ter sido formulado o pedido de inconstitucionalidade da referida norma por um grupo de deputados à Assembleia da República, que deu origem ao acórdão nº 572/2014, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional, em 30.07.2014, nos processos nº 386/2014 e 389/2014, no sentido de “não declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral das normas da alínea a) do nº 1 e alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 76º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2014, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2014, de 14 de Março, e da norma do nº 2 do artigo 14º da mesma Lei, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13/2014, de 14 de Março, em nada releva para a questão da competência do Tribunal.

O facto de o Tribunal Constitucional já se ter pronunciado (no sentido negativo) sobre a inconstitucionalidade da norma cuja fiscalização aqui se requer em concreto, pode apenas relevar no conhecimento de mérito da acção, para determinar se os actos de processamento de pensões e outras remunerações vitalícias são inválidos (por inconstitucionalidade da norma que lhes subjaz), ou não.

Nada tem a ver com a questão da competência dos tribunais administrativos para apreciar o pleito que precede logicamente o conhecimento de mérito, para a qual importa apenas determinar se é um caso de fiscalização abstracta ou concreta a que se pede.

E, como vimos, é um pedido de fiscalização concreta o que aqui se formula.

Em todo caso, sempre se dirá, tendo em conta o parecer do Ministério Público neste Tribunal, que a decisão do Tribunal Constitucional que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma em causa não constitui decisão com força obrigatória geral que aqui se imponha.

Apenas as decisões do Tribunal Constitucional que se pronunciem pela inconstitucionalidade de normas podem ter força obrigatória geral, conforme resulta cristalinamente do disposto no acima citado artigo 281º da Constituição da República Portuguesa, o que não é o caso.

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20.11.2014, processo n° 0438/14, citado no referido parecer, refere-se precisamente a uma declaração de inconstitucionalidade e não a uma não declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional.

Discutindo-se apenas neste acórdão se a força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade abrange apenas a declaração em si mesma ou também a negação de efeitos retroactivos a tal declaração, tendo o Supremo Tribunal Administrativo concluído (com um voto de vencido), que abrange também a negação de efeitos retroactivos.

Conclui-se, assim, que a decisão recorrida deve ser revogada, declarando-se os tribunais administrativos os competentes e determinando-se o prosseguimento da acção na sua normal tramitação, para o conhecimento de mérito, se nada mais a tal obstar.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida.
B) Declaram os tribunais administrativos competentes para decidir o pleito.
C) Determinam a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para aí prosseguir os seus normais trâmites se nada mais a tal obstar.
Custas pelos recorridos.

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Porto, 8 Abril de 2016.
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Garcia
Ass.: Esperança Mealha