Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00531/08.4BRPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/12/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:23º DO CIRC; INDISPENSABILIDADE;
DISPENSA DA PROVA TESTEMUNHAL;
DEFICIT INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – art. 23.º do CIRC;

Tendo sido questionada a indispensabilidade dos gastos, nos termos do art. 23º do CIRC, não pode considerar-se dispensável a prova testemunhal arrolada com vista a fazer a prova de factos alegados na petição e referentes à demonstração daquele requisito, mormente se acaba por concluir-se que o contribuinte não demonstrou (como era seu ónus) a indispensabilidade daqueles gastos.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «X, S.A,» (Recorrente), que incorporou a impugnante «Z, S.A.», notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual foi julgado totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2004, no valor de € 7.489,73 e de € 709,16, respetivamente, no montante global de € 8.198,89, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2004;
2.ª O Tribunal a quo julgou como provados os factos melhor reproduzidos nas páginas 4 a 12 da sentença recorrida, para que se remete;
3.ª Para fundamentar a improcedência da impugnação, no que respeita à situação específica da aquisição de participações sociais, o Tribunal a quo considerou que ela não foi realizada no âmbito da atividade da Impugnante, ora Recorrente, e em ordem ao seu interesse societário, pelo que os encargos incorridos com tal aquisição não passam o crivo da necessária relação causal entre custos incorridos e a atividade da Impugnante, prevista no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC;
4.ª Para chegar a tal conclusão, o Tribunal invocou, em síntese, que pese embora 26% das vendas da ora Recorrente tenham sido efetuadas a sociedades em cujo capital participa, não resulta demonstrado que a aquisição de participações sociais seja condição indispensável à obtenção dos proveitos decorrentes do exercício da sua atividade operacional; que existem no Grupo sociedades cujo objeto social é precisamente a gestão de participações sociais (SGPS); que a Recorrente também vende a empresas do Grupo em cujo capital não participa e adquiriu participações no capital de sociedades que não contribuem para o alegado incremento das suas vendas, como é o caso da «R»; e que as verbas afetas à aquisição de partes de capital na «X, S.A,», na «S, S.A.» ou na «R, Imobiliária, S.A.» também não têm vindo a traduzir-se em qualquer ganho;
5.ª No que se refere à situação específica das prestações acessórias e empréstimos não remunerados, o Tribunal a quo considerou que os encargos incorridos para a sua realização também não eram comprovadamente indispensáveis, afirmando, para tanto, e em síntese, que os encargos financeiros suportados não estão relacionados com o exercício da sua atividade, que é de serração e venda de madeira; que não há RETGS entre as empresas do grupo; e que não se verifica qualquer “influência significativa” nas participadas por parte da Recorrente porque a percentagem de capital social detida é inferior a 20%;
6.ª Finalmente, no que respeita à questão da quantificação dos juros não dedutíveis decorrentes do empréstimo à «F, SGPS», o Tribunal a quo concluiu que não assistia razão à ora Recorrente porquanto a AT considerou precisamente o saldo mensal dos montantes registados na conta #2525000 e não apenas os valores registados a débito, o que engloba necessariamente os valores a débito (com valor positivo) e crédito (com valor negativo) registados nesta conta;
7.ª Ora, constituindo estes os fundamentos de facto e de direito em que o Tribunal a quo alicerçou a sua decisão, não pode a Recorrente, manifestamente, conformar-se com a sentença recorrida;
8.ª Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a presente decisão incorre, desde logo, em erro de julgamento de facto;
9.ª Em primeiro lugar, o Tribunal a quo errou ao dispensar a produção de prova testemunhal, porque a menos que entendesse resultarem de forma inequívoca dos autos os elementos que lhe permitissem concluir pela procedência dos fundamentos invocados pela Recorrente, não podia ter dispensado sem mais a produção daquela prova, por se tratar de diligência necessária ou útil à descoberta da verdade material, termos do disposto nos artigos 99.º da LGT e 13.º e 114.º do CPPT (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT Anotado e Comentado, Áreas Editora, 2011, vol. I, página 180 e vol. II, páginas 254-255);
10.ª A questão controvertida na presente impugnação prende-se com a dedutibilidade fiscal de custos à luz do artigo 23.º do Código do IRC, o que se trata de uma matéria que envolve uma elevada casuística, devendo a análise ser efetuada caso a caso, pois cada caso assume contornos próprios e exclusivos atinentes ao contexto único de uma determinada empresa. Não é, pois, possível solucionar a questão controvertida apenas através de uma análise de direito ou até mesmo apenas com base em documentos;
11.ª Para responder à questão de saber se os custos incorridos são ou não indispensáveis à atividade concreta da Recorrente, era necessário compreender todo o contexto factual em que os mesmos foram incorridos, bem como as particularidades da atividade da Recorrente e o seu papel no seio do grupo em que se insere e, para o efeito, teria sido essencial a produção de prova testemunhal (cf. Ac. STA, 17.02.2016, proc. n.º 081/16);
12.ª Adicionalmente, existem factos que deveriam também ter sido dados como provados, e não foram, pelo que, para os efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC, não pode a Recorrente deixar de impugnar os pontos do probatório da sentença recorrida, por insuficiência, na medida em que, concomitantemente com os factos ali descritos, também deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
1) A Impugnante fez e recebeu, nos termos do Regime Jurídico das SGPS, operações de tesouraria com a «F, SGPS» e a «F, SGPS», com diversos movimentos ao longo do ano de 2004 [cf. doc. n.º 11 junto com a petição inicial];
2) À exceção das sociedades «L, SGPS, S.A.» e «N, SGPS, S.A.», todas as empresas do Grupo económico «WW», que a Impugnante integra, têm o mesmo objeto social que esta [cf. doc. n.º 2 e acordo das partes – facto não impugnado];
3) O custo de aquisição de 56.320 ações da sociedade «X, S.A,» foi de € 758.492,03, pelo que a sua alienação à «E Investments Ltd.» por € 774.215,32 gerou um ganho ou mais-valia [cf. facto que resulta do doc. n.º 5 junto com a p.i. mas do qual o Tribunal a quo não extraiu todas as ilações possíveis];
4) A sociedade «R, Imobiliária, S.A.» (doravante, “«R»”) era detida a 100% pela «S, S.A.», antes da aquisição pela Impugnante de 15% do seu capital social [cf. facto que resulta do doc. n.º 6 junto com a p.i. mas do qual o Tribunal a quo não extraiu todas as ilações possíveis];
5) A participação social detida pela Impugnante na sociedade «S, S.A.» ascendia, a 31.12.2004, a € 3.170.651,04 [cf. facto que resulta do doc. n.º 2 junto com a p.i. mas do qual o Tribunal a quo não extraiu as devidas ilações];
6) A «X, S.A,» procede à generalidade da distribuição das madeiras importadas e eventualmente transformadas pela Impugnante, enquanto a «F, SGPS», por sua vez, adquire à Impugnante a grande maioria dos seus volumes de madeiras tropicais [cf. facto admitido por acordo das partes, não foi impugnado].
13.ª E tivesse o Tribunal a quo deferido a produção de prova testemunhal, outros factos teriam sido dados como provados;
14.ª Por outro lado, existem factos que, embora não constem da fundamentação de facto da sentença, ainda assim foram tidos em consideração e foram valorados erroneamente pelo Tribunal a quo, a saber: i) o Tribunal a quo deu como assente que a participação social detida pela Recorrente na sociedade «S, S.A.» ascendia apenas a € 436.618,00, ou seja, 1% (cf. nota de rodapé da página 25 da sentença recorrida), quando, na verdade, ascendia a € 3.170.651,04 (facto que se pretende dar como provado acima); ii) o Tribunal a quo deu como assente que existe um histórico de alienação de participações que “aponta” para a alienação ao custo de aquisição (trata-se de uma afirmação extraída do relatório de inspeção que não foi consubstanciada através de prova documental ou outra), mas aquilo que resultou provado, designadamente, com a alienação de 56.320 ações da sociedade «X, S.A,» à sociedade «E Investments Ltd.», é que esta gerou um ganho ou mais-valia [cf. facto que resulta do doc. n.º 5 junto com a p.i. mas do qual o Tribunal a quo não extraiu as devidas ilações] – pelo que se impugnam tais factos para efeitos do disposto no artigo 640.º do CPC;
15.ª Em face do exposto, resulta que a sentença de que se recorre incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, impondo-se a sua anulação;
16.ª Caso esse douto Tribunal considere não constarem do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão proferida e que permitam a reapreciação da matéria de facto, sempre se impõe no caso sub judice que os autos baixem à 1.ª instância para a ampliação da matéria de facto (cf. artigo 662.º do CPC);
17.ª A baixa do processo seria deveras pertinente sobretudo para produção de prova testemunhal, a qual se afigura imprescindível para a demonstração da importância dos custos suportados para a atividade da empresa;
18.ª Sem prescindir, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a presente decisão incorre, também, em erro de julgamento de direito, pois, mesmo à luz dos factos que o Tribunal a quo deu como provados, impunha-se-lhe outra solução de direito, conforme se passa a evidenciar;
19.ª A propósito da interpretação do conceito de «indispensabilidade» vertido no artigo 23.º do Código do IRC, resulta, desde logo, da doutrina e da jurisprudência, de forma unânime e consensual, entre outras conclusões, que um custo “indispensável” será todo aquele que seja economicamente indispensável ou para a realização do proveito (de forma imediata) ou para a manutenção da fonte produtora (de forma mediata), pelo que não se pode estabelecer uma correlação direta com a obtenção de concretos proveitos nem impor uma necessária ligação causal entre custos e proveitos;
20.ª Basta que o custo seja incorrido no interesse da empresa e na prossecução de atividades resultantes do seu escopo societário;
21.ª Ainda, que só poderão ser recusados os custos que de forma evidente sejam estranhos ou alheios ao objeto e fim económico da empresa e que a atividade de uma empresa engloba tanto atividades operacionais, como não operacionais, designadamente, a realização de investimentos e a aquisição e alienação de participações financeiras [cf. entre outros, TOMÁS CANTISTA TAVARES, «Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas coletivas: algumas reflexões ao nível dos custos», in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, 1999, p. 136; ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, «A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal portuguesa», Coimbra Editora, 2004, p. 112; VÍTOR FAVEIRO, «O Estatuto do Contribuinte: a pessoa do contribuinte no estado social de Direito», Coimbra, 2002, pp. 847-848; RUI DUARTE MORAIS, «Apontamentos ao IRC», Almedina, 2007, pp. 86-87; MARIA DOS PRAZERES LOUSA, «O problema da dedutibilidade dos juros para efeitos da determinação do lucro tributável», in Estudos em Homenagem à Dr.ª Maria de Lourdes Correia e Vale, Lisboa, 1995, p. 349; SALDANHA SANCHES, «Os limites do planeamento fiscal», Coimbra Editora, 2006, p. 215; ANTÓNIO MARTINS, «A dedutibilidade dos juros e a noção de ‘atividade’ das sociedades: a propósito do artigo 23.º do CIRC», Revista IDEFF, Vol. V, 4, 2013 e «Uma nota sobre o conceito de fonte produtora constante do artigo 23.º do CIRC: sua relação com partes de capital e prestações acessórias», Revista IDEFF, Ano I, n.º 2, junho 2008; TCAS, 03022/09, 06.10.2009; TCAN, 00624/05.0BEPRT, 12.01.2012; STA, 1236/05, 29.03.2006;CAAD, 39/2013-T, 14.10.2013)];
22.ª Acresce, por seu turno, que os custos com encargos financeiros e, em concreto, os encargos financeiros relacionados com a aportação de capital às participadas, apresentam determinadas especificidades. Todavia, é vasta a doutrina e a jurisprudência que naturalmente conclui pelo seu cabimento empresarial e económico e pela sua aceitação fiscal [cf. entre outros, MARIA DOS PRAZERES LOUSA, op.cit.; ANTÓNIO MARTINS, op.cit.; FERNANDO ARAÚJO e ANTÓNIO FERNANDES DE OLIVEIRA, «A Limitada Aplicabilidade do Regime de Preços de Transferência ao Financiamento do Sócio à Sociedade», in Cadernos Preços de Transferência 2013, Coord. João Taborda da Gama, Almedina (reimpressão), págs. 88-90; CAAD, processos n.ºs 12/2013; 39/2013 (com JORGE LOPES DE SOUSA como árbitro-presidente); 113/2013; 376/2014; 549/2015; 614/2015; 695/2015; 405/2016; 81/2017; 115/2017; e, mais recentemente, 298/2017, 160/2018, 397/2018, 36/2019, entre tantos outros];
23.ª Conforme resulta amplamente da doutrina e jurisprudência citadas, os encargos financeiros afetos à realização de prestações acessórias, prestações suplementares, subscrição de capital social ou quaisquer aportações de capital próprio nas sociedades participadas podem ser perfeitamente enquadráveis no exercício da atividade empresarial;
24.ª Ou seja, o conceito de atividade empresarial não se esgota em meras operações produtivas e comerciais, englobando, designadamente, a gestão de participações sociais e o exercício indireto da atividade operacional;
25.ª O aportar de fundos a uma participada pela subscrição do respetivo capital ou pela realização de prestações acessórias ou suplementares é feito no interesse da participante, a fim de, garantindo a sustentação financeira do ativo adquirido, incrementar o seu potencial de fonte produtora do rendimento;
26.ª A participação financeira é um ativo cuja gestão constitui atividade da participante, da qual esta espera resultarem rendimentos, os quais, neste caso, ocorrem em função da evolução esperada dos negócios da participada;
27.ª Pelo que um investimento financeiro numa participada constitui atividade própria da participante, feito no seu interesse, inserido no seu escopo lucrativo e não constitui a prossecução de atividade alheia;
28.ª Ainda, conforme igualmente realçam essa jurisprudência e doutrina citadas, mesmo quando uma sociedade efetue prestações sem vencimento de juros não deixa de estar a atuar objetivamente dentro da sua capacidade (dentro do seu perfil lucrativo), mesmo quando não tenha (não queira usar) fundos próprios para efetuar essas prestações, e tenha, por isso, de se socorrer de fundos de terceiros (e, com isso, tenha de pagar os correspondentes juros);
29.ª A realização de prestações (acessórias / suplementares) corresponde a um instituto previsto e regulado pelo direito comercial e as sociedades que os utilizam nas suas operações financeiras estão a efetuar negócios lícitos e inseridos na sua capacidade, ainda que não lucrativos no curto prazo, porque não geram qualquer rédito no imediato;
30.ª Os investimentos em apreço não são, de todo, gratuitos, pois que, a longo prazo, eles irão gerar a ocorrência de dividendos (lucros gerados nas participadas que devem estatutariamente ser distribuídos) ou de mais-valias (por alienação onerosa, com ganho, das participações detidas);
31.ª Por outro lado, a detenção de participações financeiras em participadas pode sempre também dar lugar ao reconhecimento de réditos na esfera da participante por aplicação do método de equivalência patrimonial e, ainda, ganhos por aumentos de justo valor;
32.ª Outra conclusão a extrair da doutrina e jurisprudência citadas é a de que este tipo de custos afetos a investimentos financeiros em participadas assume maior relevo quando essas sociedades participadas têm o mesmo objeto social que a participante, bem como quando tais investimentos são realizados no seio de um grupo económico, tal como sucede no caso sub judice;
33.ª Por outro lado, tais investimentos são também fiscalmente admitidos quando se trate de clientes da participante (ainda que não integrados no grupo económico), quando esses clientes desempenham um papel fulcral no âmbito da cadeia económica e da atividade desenvolvida pela empresa;
34.ª Não se ignora a jurisprudência do STA invocada na sentença recorrida (de que é exemplo o Acórdão de 30.11.2011, proferido no processo n.º 107/11), mas note-se que o próprio STA, num recurso para uniformização de jurisprudência deduzido pela administração tributária, na sequência de uma decisão arbitral favorável ao contribuinte, em que o citado aresto foi utilizado pela administração tributária como acórdão fundamento, veio já realçar que cada caso é único e merece uma análise própria, tanto que nesse Acórdão o STA concluiu não haver nem identidade de situação de facto, nem mesmo identidade de questão de direito (cf. Acórdão do STA de 27.06.2018 proferido no processo n.º 01200/17);
35.ª Pelo que, analisado à luz da melhor doutrina e da mais recente jurisprudência o conceito geral de indispensabilidade de custos e, em concreto, dos custos com encargos financeiros derivados de aportações de capital às participadas, mal se concluiu, com o devido respeito, pela não dedutibilidade dos encargos financeiros em apreço na sentença recorrida;
36.ª Com efeito, no caso sub judice, e como já explanado, a Recorrente recorre, por vezes, a capitais alheios (e também a capitais próprios) para investimentos diversos no âmbito da sua atividade, sendo decisões de gestão, quer a atribuição de títulos e participações de capital, que se pretendem rentáveis ou benéficos para a Empresa a médio ou a longo prazo, quer a decisão (ou a obrigação) de efetuar prestações acessórias nas suas participadas, em face de necessidades conjunturais de capitalização, quer ainda a de realizar empréstimos a empresas participadas, com vista a prover necessidades eventuais de capital;
37.ª Tais opções são tomadas numa perspetiva de negócio, com o objetivo de tornar o mesmo mais eficiente do ponto de vista financeiro, sempre em plena consonância com o Grupo que integra. Com tal estratégia, a empresa pretende a gestão do Grupo de forma integrada, contribuindo para aumentar os seus resultados;
38.ª A Recorrente encontra-se profundamente ligada às restantes empresas do Grupo, por exemplo, a «X, S.A,» procede à generalidade da distribuição das madeiras importadas e eventualmente transformadas pela Recorrente, enquanto a «F, SGPS», por sua vez, adquire à Recorrente a grande maioria dos seus volumes de madeiras tropicais (cf. facto admitido por acordo das partes, não tendo sido impugnado);
39.ª A existência de trocas comerciais entre a investidora e as investidas é algo assinalado na doutrina e na jurisprudência (cf. Decisão Arbitral n.º 81/2017), sendo que muitas empresas desenvolvem o seu objeto social através da interação mantida com empresas relacionadas (cf. Decisão Arbitral n.º 695/2015);
40.ª A aquisição de participações sociais partiu de um interesse estratégico em reforçar o seu capital, esperando com isso vir a obter dividendos e a atingir uma posição de liderança que lhe permitisse dirigir uma percentagem do seu fluxo de vendas às suas participadas;
41.ª Todos os encargos foram incorridos no âmbito da atividade normal da Recorrente, com intuitos lucrativos, tendo os encargos suportados sido diretamente afetos a salvaguardar a operacionalização e rentabilização dos investimentos realizados pela Recorrente;
42.ª O que resulta provado nos autos é que, fruto da relação de grupo e do exercício integrado e sinergético da atividade económica pelas várias empresas que compõem o grupo, a Recorrente obteve rendimentos na sua própria esfera;
43.ª E, como vimos, o bom desempenho das suas participadas, fará a participante incorrer em ganhos advenientes da distribuição de dividendos e da valorização das suas participações sociais através do método de equivalência patrimonial e aumentos de justo valor das participações;
44.ª Abordando diretamente os fundamentos aduzidos pelo Tribunal Recorrido, tanto para a situação da aquisição de participações sociais, como para a situação das prestações acessórias e empréstimos,
45.ª Ora, como vimos da doutrina e jurisprudência sobre o tema, e que o próprio Tribunal a quo cita, embora a obtenção de lucro não seja uma exigência da indispensabilidade do custo, a verdade é que, no caso sub judice, os custos incorridos até geraram ganhos, contrariamente ao que foi o entendimento do Tribunal a quo;
46.ª E não havendo qualquer exigência de um ganho efetivo, a consideração pelo Tribunal Recorrido de que 26% de vendas não é um ganho significativo, é até inusitada;
47.ª Se contarmos também com a «N, SGPS, S.A.», ainda que a Recorrente não participe no seu capital diretamente, o volume de vendas ascendeu a 33%, e não apenas a 26% (cf. doc. n.º 3 junto com a p.i., cujo teor se deu por provado);
48.ª Acresce que não são apenas as vendas ou o volume de negócios o único critério por que se deve pautar a análise do Tribunal. Houve também aliás ganhos comprovados com a alienação de 56.320 ações da sociedade «S, S.A.», tendo o valor da sua alienação sido efetuado por um valor superior ao seu custo de aquisição (cf. facto que resulta do doc. n.º 5 junto com a p.i. mas do qual o Tribunal a quo não extraiu todas as ilações possíveis);
49.ª Pelo que não é correto afirmar que existe um histórico de alienação de vendas ao custo de aquisição. Essa é uma afirmação extraída do relatório de inspeção que não foi consubstanciada através de prova documental ou outra. No relatório de inspeção tributária refere-se aliás tão somente que o histórico de alienação de participações “aponta” para alienação ao custo de aquisição (cf. doc. n.º 2 junto com a p.i.);
50.ª Como vimos também da doutrina e jurisprudência acima transcritas, não serão apenas as SGPS que terão permissão para deduzir encargos financeiros, pois é consensualmente aceite que as empresas operacionais também podem deduzir os custos financeiros incorridos e associados a investimentos financeiros e, por outro lado, essa é também uma forma de exercerem, ainda que mediata e indiretamente, o seu objeto social;
51.ª Sobretudo quando as empresas em que esses investimentos financeiros são realizados partilham o mesmo objeto social, estão inseridas no mesmo grupo económico, contribuem para a atividade da participante (seja como cliente, fornecedor, distribuidor, produtor, etc.) e o seu desempenho económico favorece, assim, também, o desempenho económico da participante/investidora;
52.ª Em concreto a respeito da sociedade «R», não se pode concordar com o Tribunal Recorrido quanto a não ter havido qualquer justificação para a aquisição de uma participação social nesta sociedade, ou para o empréstimo que lhe foi efetuado. Conforme alegou a então Impugnante, ora Recorrente, tendo em conta a situação económica débil da «S, S.A.», bem como da sociedade «R» (detida a 100% pela «S, S.A.», cf. facto que resulta do doc. n.º 6 junto com a p.i. mas do qual o Tribunal Recorrido não extraiu todas as ilações possíveis), a Recorrente adquiriu uma participação social na sociedade «R», no desiderato de apoiar a situação financeira das empresas do Grupo, das quais depende, e as quais dependem de si;
53.ª Tal como sucedeu nos casos examinados nas Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.ºs 298/2017-T e 405/2016-T acima citados, os investimentos foram efetuados para suprir dificuldades económicas de algumas participadas, para que estas conseguissem prosseguir a sua atividade, que é fulcral tanto para a atividade da própria Recorrente, como para as restantes empresas do grupo;
54.ª O mesmo se aplica relativamente à sociedade «F, SGPS», em que também não se recorreu a empréstimos bancários (cf. doc. n.º 11 junto com a p.i.), mas a operações de tesouraria, que têm como objetivo principal criar mecanismos de suprir as carências de tesouraria das outras empresas do grupo, de modo a minimizar o recurso ao crédito bancário (cf. JORGE BELCHIOR LAIRES e RUI PEDRO MARTINS, «Imposto do Selo – Operações financeiras e de garantia», Almedina, 2019, página 32);
55.ª Também não se exige que um grupo económico esteja organizado de acordo com o RETGS para que os custos obtenham o carácter de indispensabilidade (cf. JOAQUIM MIRANDA SARMENTO, «A dedução de encargos financeiros em IRC», CEJ, Tributação do rendimento – IRC – 2019, formação contínua, ed. eletrónica, novembro 2019);
56.ª Acresce que o critério da “influência significativa”, que o Tribunal utilizou apenas a propósito das prestações acessórias e empréstimos – quando o mais coerente seria até que o tivesse feito a propósito da aquisição de participações sociais –, sendo certo que poderá auxiliar o intérprete e aplicador do direito a concluir pela indispensabilidade do custo, não pode ser visto como o único critério;
57.ª Não será, portanto, pelo facto de uma participação não ser uma participação maioritária ou de total domínio que fica arredada a indispensabilidade do custo, devendo atender-se também a outros critérios na análise a efetuar, e nem a doutrina nem a jurisprudência erigem este critério a um critério único ou exclusivo, e o Tribunal a quo também não fundamentou a sua posição com base em qualquer doutrina ou jurisprudência;
58.ª Por outro lado, a definição do que seja “influência significativa” nunca poderia reduzir-se àquilo que as normas contabilísticas o definem como tal, seja em termos quantitativos, seja em termos qualitativos. Até porque, para diferentes fins e efeitos, outras normas existem, como as da legislação comercial e societária ou da legislação fiscal, que indicam diferentes percentagens para o que deve ser considerado uma “influência significativa”;
59.ª O próprio normativo contabilístico citado pelo Tribunal prescreve que a influência significativa existirá, “em regra”, quando a entidade participante detenha, direta ou indiretamente, pelo menos 20% dos direitos de voto da participada, ou seja, poderá haver outros casos em que isso não suceda e haverá à mesma uma influência significativa, pois aquela percentagem é apenas um indício ou referência;
60.ª E tal como se prescreve naquela norma, não é apenas a percentagem no capital social que assegura uma tal influência significativa, podendo sê-lo também outros tipos de direitos de voto, o direito de participação em processos de decisão de políticas e a existência de transações materiais entre o investidor e a investida, como sucede no caso dos autos, em que a Recorrente e as demais empresas do grupo em que participa estabelecem entre si variadíssimas relações comerciais;
61.ª Por fim, note-se que a detenção de 20% do capital social pode também ser atingida por via indireta, o que o Tribunal Recorrido não cuidou de analisar;
62.ª Relativamente à sociedade «S, S.A.», por exemplo, é pertinente olhar a antiguidade na detenção da participação social (adquirida em 1988, cf. doc. n.º 2 junto com a p.i.), somada às fortes relações comerciais existentes entre a empresa e a Recorrente, como melhor critério para aferir da indispensabilidade do custo;
63.ª Acresce que, para além do cálculo aritmético efetuado pelo Tribunal da dita percentagem de capital social detida pela Recorrente na sociedade «S, S.A.» não poder ser realizado de forma assim tão simplista (cf. nota de rodapé na página 25 da sentença recorrida) e de não estar substanciado por quaisquer documentos juntos aos autos ou que o Tribunal logrou obter por via da instrução, sucede que nem sequer corresponde à verdade e ao que ficou provado nos autos, pois, como resulta do relatório de inspeção (cf. doc. n.º 2 junto com a p.i.), cujo teor o Tribunal deu como provado, não tendo sido impugnado pelas partes, resulta que a 31.12.2004, o valor da participação social na sociedade «S, S.A.» ascendia a € 3.170.651,04, e não a apenas € 436.618,00 como indicado pelo Tribunal a quo;
64.ª O Tribunal a quo olvida-se aqui, com o devido respeito, de um aspeto importante, que é o facto de uma participação social também poder ser valorizada, designadamente, por via do método de equivalência patrimonial ou pelo justo valor, pelo que verificar simplesmente qual a percentagem de capital detida no momento da aquisição (1988) ou no momento da realização de prestações acessórias (2002) não é de todo suficiente para extrair quaisquer conclusões a respeito da grandeza da “influência” de uma sociedade sobre outra;
65.ª Ainda quanto à sociedade «S, S.A.», a circunstância de as prestações acessórias terem sido uma obrigação contratual não é de todo despicienda e constitui até um critério de análise bem mais ponderoso do que o da percentagem de capital social detido;
66.ª Tal como se decidiu no Acórdão do STA de 27.06.2018, proferido no processo n.º 01200/17, tratou-se também aí de uma circunstância diferenciadora o facto de os empréstimos se destinarem a apoiar a tesouraria da própria participante, de forma a permitir que ela pudesse antecipar a realização de prestações acessórias obrigatórias contratualmente;
67.ª Finalmente, no que respeita à quantificação dos juros não dedutíveis com respeito ao empréstimo à «F, SGPS», considera a Recorrente que o Tribunal a quo, com o devido respeito, errou no julgamento desta questão, preterindo a circunstância de a conta #2525000 ser uma conta que reflete operações de tesouraria (cf. doc. n.º 11 junto com a p.i.), em que se registam os valores recebidos pela Recorrente e os valores entregues à «F, SGPS»;
68.ª Se se tributar o valor médio dos valores registados, e não o saldo entre os recebimentos e as entregas, não se está a tributar verdadeiramente o empréstimo efetuado à «F, SGPS» e está a tributar-se os mesmos valores duplamente tanto na esfera da Recorrente, como na esfera da «F, SGPS»;
69.ª Acresce que o saldo de € 11.087.000,00 é o saldo acumulado, e não o saldo do exercício de 2004, que ascende apenas a € 3.535.000,00 [€ - 7.552.000,00 + € 11.087.000,00] (cf. doc. n.º 12 junto com a p.i.);
70.ª Em face de todo o exposto, não restam dúvidas que a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do artigo 23.º do Código do IRC à situação fáctica sub judice;
71.ª Entendimento contrário será manifestamente inconstitucional, por violação do princípio da iniciativa privada (cf. FERNANDO CASTRO SILVA e MIGUEL CORTEZ PIMENTEL, op.cit., pp. 739-740; ANTÓNIO MOURA PORTUGAL, op. cit., pp. 245-246 e, na jurisprudência, o TCAS, processos n.º 02552/08, de 15.09.2009, n.º 06754/13, de 16.10.2014 e o STA, proc. n.º 01017/11, de 30.11.2011), bem como por violação do princípio da capacidade contributiva, consagrados, respetivamente, no artigo 61.º e no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição;
72.ª Razão pela qual incorreu a sentença recorrida, nesta parte, também em erro de julgamento de direito ao ter julgado em sentido contrário, devendo, por conseguinte, ser anulada.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, a anulação dos atos em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»
1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 282 e ss. do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir: As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: (i) errou o tribunal a quo ao dispensar a produção de prova testemunhal; (ii) errou no julgamento de facto por insuficiência (vide conclusão 12ª e pretensão de aditamento); (iii) da errada valoração e subsunção jurídica dos factos dados como provados e, (iv) errou no julgamento de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial inscrita com o “CAE 20101 – Serração de madeira” – cfr. o relatório de conclusões constante do P.A. apenso.
2. No âmbito do Acompanhamento Permanente a que está sujeita, em 2007, foi realizada análise interna à declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2004 da Impugnante – cfr. o relatório de conclusões constante do P.A. apenso.
3. Em 12/10/2007, foi elaborado relatório por referência à análise interna referida em 2), de onde consta, além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. o relatório constante do P.A. apenso.
4. Em 31/10/2007, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º ....................371 referente ao exercício de 2004, no valor global de € 8.198,89, que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º ........................861, no valor a pagar de € 8.198,89, com data limite de pagamento de 12/12/2007 – cfr. o doc. 1 junto com a p.i..
5. Sob correio registado de 06/03/2008, foi a p.i. da presente impugnação remetida a este TAF – cfr. fls. 1 do processo físico.
*
Mais se provou, com interesse para a decisão, o seguinte:
6. As vendas da Impugnante em 2004, em termos de clientes, apresentam a seguinte distribuição:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. o doc. 3 junto com a p.i..
7. Em 03/12/1997, a Impugnante adquiriu 372.000 ações da “«X, S.A,»” pelo preço de Esc. 1.004.400.000$00 (€ 5.009.926,00), correspondente a um valor por ação de € 13,47 – cfr. o doc. 4 junto com a p.i..
8. Em 04/01/2002, a Impugnante vendeu à “«E Investments Ltd.»”, com sede em ..., 56.320 ações da “«X, S.A,»” pelo preço de €774.215,32, correspondente a um valor por ação de € 13,74, ficando com as remanescentes 315.680 ações, valorizadas ao custo de aquisição, de € 4.251.424,00, correspondente a um valor por ação de € 13,47 – cfr. o doc. 5 junto com a p.i..
9. Após ter adquirido 3.000 ações da sociedade “«R, Imobiliária, S.A.»”, com o valor nominal de 5 euros, pelo preço de €2.632.827,90, por escritura pública de 27/12/2001, a sociedade adquirida foi transformada em sociedade por quotas, ficando a Impugnante a deter uma quota, com o valor nominal de € 15.000,00, idêntico ao valor nominal da ações de que era titular – cfr. o doc. 6 junto com a p.i..
10. Preveem os estatutos da sociedade «S, S.A.», além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. o doc. 8 junto com a p.i..
11. Por deliberação da Assembleia Geral da sociedade «S, S.A.», de 27/12/2002 e constante da ata n.º 55, foram os acionistas obrigados a realizar prestações acessórias de capital, até ao montante de €5.665.218,00, correspondente a 12% do capital social, a ratear pelas 9.442.030 ações na posse dos acionistas – cfr. o doc. 9 junto com a p.i..
12. Com data de 31/12/2002, a Impugnante transferiu para a sociedade «S, S.A.» o montante de € 436.608,00, a titulo de prestações acessórias – cfr. o doc. 7 junto com a p.i..
13. A Impugnante efetuou os seguintes empréstimos à sua participada “«R, Imobiliária, S.A.»” que, à data da instauração dos autos, ainda não haviam sido reembolsados:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. o doc. 10 junto com a p.i..
14. O extrato da conta #25250000 da contabilidade da Impugnante apresenta os seguintes lançamentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
– cfr. o doc. 12 junto com a p.i..
*
A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na ponderação crítica dos documentos juntos aos autos e dos constantes do processo administrativo apenso, os quais se dão por inteiramente reproduzidos, não tendo sido impugnados [cfr. o disposto no artigo 76.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e o artigo 362.º e seguintes do Código Civil].
No mais, dir-se-á que as restantes asserções constantes da petição inicial constituem meras considerações pessoais, juízos de valor, generalidades e/ou conclusões a extrair de factos não alegados, que, por total ausência de consubstanciação, tão pouco estariam sujeitos a prova ou haveria que elencar nos factos não provados.
E por fim, da instrução da causa não resultaram demonstrados quaisquer outros factos com interesse para a decisão a proferir.»
2.2. De direito
A Recorrente («X, S.A,», actualmente, pois que à data dos factos assumia a denominação de «Z, S.A.») insurge-se, por via do presente recurso jurisdicional, contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício de 2004, no valor de €7.489,73 e de €709,16, respectivamente, no montante global de € 8.198,89.
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar improcedente a presente impugnação ao não considerar como custos fiscais:
- As aquisições de participação sociais, por as mesmas não terem sido realizadas no âmbito da atividade da Impugnante, ora Recorrente, e em ordem ao seu interesse societário, pelo que os encargos incorridos com tal aquisição não passam o crivo da necessária relação causal entre custos incorridos e a atividade da Impugnante, prevista no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, invocando que pese embora 26% das vendas da ora Recorrente tenham sido efetuadas a sociedades em cujo capital participa, não resulta demonstrado que a aquisição de participações sociais seja condição indispensável à obtenção dos proveitos decorrentes do exercício da sua atividade operacional; que existem no Grupo sociedades cujo objeto social é precisamente a gestão de participações sociais (SGPS); que a Recorrente também vende a empresas do Grupo em cujo capital não participa e adquiriu participações no capital de sociedades que não contribuem para o alegado incremento das suas vendas, como é o caso da «R»; e que as verbas afectas à aquisição de partes de capital na «X, S.A,», na «S, S.A.» ou na «R, Imobiliária, S.A.» também não se traduziram em qualquer ganho;
- Das prestações acessórias e empréstimos não remunerados, na consideração de que os encargos incorridos para a sua efectivação não se mostram comprovadamente indispensáveis, ao não estarem relacionados com o exercício da actividade da Recorrente, que é de serração e venda de madeira, inexistência de RETGS entre as empresas do grupo e, não se verificar qualquer “influência significativa” nas participadas por parte da Recorrente porque a percentagem de capital social detida é inferior a 20%.
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cf. artigo 639º, do CPC, e artigo 282º, do CPPT).
Aduz o recorrente, em síntese, que o Tribunal a quo: (i) errou ao dispensar a produção de prova testemunhal, porque a menos que entendesse resultarem de forma inequívoca dos autos os elementos que lhe permitissem concluir pela procedência dos fundamentos invocados pela Recorrente, não podia ter dispensado sem mais a produção daquela prova, por se tratar de diligência necessária ou útil à descoberta da verdade material, termos do disposto nos artigos 99.º da LGT e 13.º e 114.º do CPPT; (ii) errou no julgamento de facto por insuficiência (vide conclusão 12ª e pretensão de aditamento); (iii) errou na valoração e subsunção jurídica dos factos dados como provados e, (iv) errou no julgamento de direito.
Vejamos, pois, seguindo a ordem apresentada pela Recorrente da insuficiência instrutória, assente na não produção da prova testemunhal apresentada.
A questão dos autos consiste em aferir se os encargos suportados pela Impugnante com os financiamentos contraídos, neste caso, junto de instituições bancárias, podem ser considerados indispensáveis à atividade do sujeito passivo, na acecção do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, em circunstâncias em que os fundos obtidos foram afectos à aquisição de participações sociais, realização de prestações acessórias de capital e empréstimos não remunerados concedidos a outras sociedades do mesmo Grupo económico.
Por nos revermos no enquadramento doutrinal e jurisprudencial traçado na sentença sob recurso da correcção operada em sede de IRC – da indispensabilidade de custos [que em nada difere do enquadramento por nós alinhado em recente Acórdão deste TCA Norte datado de 15.12.2022, proferido no âmbito do processo nº 44/12.0BEBCR], recuperemos aqui o mesmo: « (...) Até à reforma do IRC em 2014, o artigo 23.º do Código do IRC, versando sobre a dedutibilidade fiscal de custos e perdas [Com a entrada em vigor do Sistema de Normalização Contabilística em 2010, o Código do IRC foi alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, alterando a terminologia de “custos e perdas” para “gastos”, que se mantém atualmente.] apelava de forma expressa ao critério da “indispensabilidade” para a realização de proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, referindo-se a titulo exemplificativo aos custos de natureza financeira, nos seguintes moldes:
«Artigo 23.º - Custos ou perdas
1 Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:
a) [...];
b) […];
c) De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado;
[...]» (sublinhado nosso).
A aplicação do conceito de indispensabilidade, como condição da dedutibilidade fiscal do custo em sede de IRC, suscitou algumas divergências que, ao longo dos anos, foram sendo dirimidas pela jurisprudência, conjuntamente com a doutrina, levando a uma maior densificação deste conceito.
Desde logo, é hoje pacifico que a concretização da indispensabilidade dos custos não implica qualquer juízo sobre a oportunidade ou mérito da realização dos mesmos.
Como consta da fundamentação do STA (pleno) proferido no processo n.º 49/11, de 15/06/2011, a referida indispensabilidade tem de ser interpretada como «um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio de liberdade de gestão e autonomia da vontade do sujeito passivo».
Assim, conforme resulta do Acórdão do STA proferido no processo n.º 1236/05, de 29/03/2006, a «Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa».
O que significa, na explicitação do Acórdão do STA proferido no processo n.º 107/11, de 30/11/2011, que «a indispensabilidade entre custos e proveitos deva ser aferida a partir de um juízo positivo de subsunção na atividade societária: os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa (...). Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade da empresa (...). A indispensabilidade não pode, porém, ser aferida à luz de critérios de oportunidade e mérito. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.».
Desta forma, rejeitou a jurisprudência uma visão finalística da indispensabilidade, no sentido de a reconduzir à exigência de uma relação de causalidade necessária e direta entre custos e proveitos – vide os Acórdãos do STA de 24/09/2014, 15/11/2017 e 28/06/17, processos n.ºs 779/12, 372/16 e 627/16.
A ligação deve ser, pois, feita entre os gastos e a atividade desenvolvida pelo contribuinte. De acordo com o último aresto citado, «Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa» (TOMÁS CASTRO TAVARES, Da Relação..., loc. cit., pág. 136.). Dito de outro modo, só não serão indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.».
O desenvolvimento da jurisprudência e da doutrina veio, assim, a consolidar a suficiência da existência de uma ligação causal do custo à atividade globalmente considerada (superando a exigência de um nexo estrito entre custo e proveito), fixando o entendimento de que o critério da indispensabilidade foi apenas criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade dos sujeitos passivos sujeitos ao IRC, isto é, de encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, nomeadamente, e no caso das sociedades, dos respetivos sócios, bem como o afastamento da possibilidade de avaliação, por parte da Administração tributária, da conveniência ou oportunidade das decisões empresariais e de gestão dos sujeitos passivos.» (fim de transcrição)
Posto isto, antes de entrarmos no âmago desta crucial questão, qual seja a de aferir da insuficiência instrutória, e porque a sentença sob recurso assenta todo o seu alinhamento em sede de subsunção jurídica dos factos numa interpretação restritiva do escopo social da Recorrente na aferição da indispensabilidade dos custos em causa, chamamos aqui à colacção a jurisprudência que emana do Acórdão deste TCA Norte de 17.03.2022, proferidos nos autos 266/05.0BEPRT.
«Analisando a jurisprudência dos últimos tempos, podemos constatar que há muito foi abandonada a exigência de que esses custos tenham de respeitar à actividade da própria sociedade, isto é, que seja uma actividade desenvolvida pela própria sociedade. Face à doutrina e jurisprudência relevantes, está há muito afastada a visão finalística, segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos.
Neste sentido, salientamos o Acórdão do STA, de 04/07/2018, proferido no âmbito do processo n.º 01432/17: “(…) Neste contexto, o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.). (…) Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa.
Portanto, e de acordo com o entendimento reiterado deste STA, devem ser aceites para efeitos fiscais todos os gastos assumidos pelo sujeito passivo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social (vide, neste sentido e por todos, o Acórdão proferido a 30 de Novembro de 2011, rec. n.º 0107/11).”
Assim, “o gasto com o financiamento de uma participada que, segundo parâmetros de normalidade, irá potencialmente redundar na obtenção de um específico tipo de lucro – o dividendo -, não é diferente de qualquer outro gasto em que uma empresa incorre com vista à realização de actividades “produtivas” – a compra de uma máquina para utilização num processo produtivo, a compra de um imóvel para posterior venda, o pagamento de salários com vista à obtenção do rendimento decorrente da actividade dos recursos humanos, etc. O facto de, no caso de financiamento de uma participada, existir uma outra sociedade que beneficia do gasto incorrido pela participante não releva para desqualificar o gasto como fiscalmente dedutível por aquele que o realiza. Não é por isso que o gasto é realizado apenas no interesse de terceiro; pelo contrário, ele é, antes de mais, realizado no interesse da sociedade participante, que assim pretende manter uma das fontes produtoras do seu rendimento potencial – justamente, a participação social na sociedade participada. Por outras palavras: a entidade terceira que recebe o financiamento sem custos não é um terceiro qualquer, é uma sociedade participada e cuja actividade lucrativa reverte a favor da entidade que incorre no gasto com o financiamento. Este ponto, que é fundamental para ligar o gasto ao potencial rendimento, não pode ser ignorado numa correcta interpretação do disposto no artigo 23.º do CIRC.” – cfr. variadas decisões que têm vindo a ser proferidas no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designadamente, a Decisão arbitral, de 21/06/2018, proferida no processo n.º 637/17-T.
A âncora doutrinal que a AT, e alguma jurisprudência, têm respigado da obra de Tomás Cantista Tavares quanto ao tema aqui em apreciação - segundo a qual a obtenção de fundos por uma participante cedidos sem remuneração a uma participada não constitui actividade ou interesse daquela - foi amplamente desfeita pelo próprio, como se observa no processo n.º 12/2013-T, em decisão proferida em 08/07/2013, no âmbito CAAD.
De facto, como aí se sustenta, a indispensabilidade entre custos e proveitos afere-se num sentido económico: os custos indispensáveis são os contraídos no interesse da empresa, que se ligam com a sua capacidade, por inserção no seu escopo lucrativo (de forma mediata ou imediata) e no exercício da sua actividade concreta.
Uma sociedade pode obter fundos (e pagar juros) e depois entregar esses fundos a uma filial sem qualquer remuneração causal e directa – e ainda assim exercer adequadamente a sua actividade, dentro da sua capacidade e escopo lucrativo: pode efectuar um aumento de capital (art.º 25.º do CSC), prestações suplementares ou acessórias sem juros (art.º 210.º e 287.º do CSC) ou suprimentos sem juros (art.º 243.º do CSC) – e em qualquer desses casos actua totalmente dentro da sua capacidade de exercício e com um ânimo lucrativo e no exercício da sua actividade.

O conceito de actividade das empresas não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços, incluindo, também, uma relação com as operações económicas globais, com as operações ou actos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.
Nesse sentido, a actividade de uma empresa consistirá na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objecto económico: a busca, imediata ou a prazo, de um excedente económico (lucro).
Logo, consideramos que o gasto que a P....---, S.A. fez ao financiar uma sociedade sua participada, atendendo ao seu objecto social e ainda a parâmetros de normalidade, potencialmente, originará a obtenção de um tipo específico de lucro: o dividendo.
Nestes termos, não poderia a AT, na fundamentação do acto, motivar a correcção em análise com base na circunstância de a P....---, S.A. não necessitar de suprimentos e, que, por isso, estes encargos não existiriam se a P....---, S.A. não financiasse as empresas do grupo suas participadas.

A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros (in casu, o dividendo, como vimos).
Assim, neste domínio, apenas não será de aceitar como custos fiscais relevantes e, por isso, dedutíveis, aqueles que, independentemente de corresponderem a uma correcta ou incorrecta actuação de gestão, não forem, objectivamente, adequados ao desenvolvimento da actividade da empresa – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 31/01/2012, proferido no âmbito do processo n.º 05097/11.
No nosso entender, e considerando ainda o objecto social da P....---, S.A., como supra ficou expresso – realização de urbanizações e construção de edifícios, planeamento e gestão urbanística e realização de estudos, construção e gestão de imóveis, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim (artigo 3.º dos Estatutos), o conceito de gastos indispensáveis para a realização do rendimento, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, alínea c) do Código de IRC, não pode ser entendido de modo restritivo, como pretende a AT.
A noção de indispensabilidade pressuposta no artigo 23.º do Código de IRC respeita à indispensabilidade do gasto para a realização do fim último da empresa – o lucro – através de uma qualquer actividade produtiva, ainda que indiretamente (...)» (fim de citação, Acórdão do TCA Norte de 17.03.2022, in proc. n.º 266/05.0BEPRT).
Volvemos aos autos e à questão em apreço, a qual após o exposto, se nos afigura pacífico que a Recorrente poderia lograr provar os custos em causa por via da arrolada prova testemunhal.
Efectivamente, não podemos aceitar as asserções a que chega a sentença sob recurso, sabendo de antemão que foi negada a produção da prova testemunhal a que se propunha a Recorrente, quando ali se atesta que “(...) não está demonstrado nem sequer foi alegado que a Impugnante tenha como objeto, além da serração e comercio de madeira, a detenção e a gestão de participações financeiras./ Deste modo, conclui-se que a aquisição de participações não foi realizada no âmbito da atividade da Impugnante e em ordem ao seu interesse societário, pelo que os encargos financeiros incorridos com tais aquisições não passam o crivo da necessária relação causal entre os custos incorridos e a atividade da Impugnante, prevista no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC e, em consequência, não devem ser deduzidos para efeitos deste imposto.” e, sobre as prestações acessórias e empréstimos não remunerados “Mas mesmo admitindo-se que a «atividade» de uma empresa poderá não se esgotar, no conjunto de operações produtivas ou operacionais, abrangendo, além do mais, a realização de investimentos, bem como a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a verdade é que, nos casos em que se está perante uma situação de detenção pela participante apenas de uma parte do capital da participada, só se pode considerar que os custos são “comprovadamente indispensáveis”, como exige o artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos, se estiver assegurada a possibilidade de influência significativa da participante na gestão da sociedade participada i.e. de participação da sociedade investidora na definição das políticas operacionais e financeiras da participada, pois se essa possibilidade não existir, se o investimento for efetuado sem qualquer possibilidade de a participante influenciar o seu destino, não se poderá considerar assegurado (comprovado) que ele irá ser utilizado no seu interesse. A comprovar-se esta influência, o financiamento da participada pela investidora será do seu interesse ou propósito económico-legal, inserindo-se no âmbito das operações normais de gestão da participante.” mais prosseguindo, afasta a indispensabilidade dos custos na falta de posição influenciadora da Recorrente enquanto investidora na gestão das participadas.
In casu, a AT colocou em causa a indispensabilidade dos custos referenciados e a Impugnante/Recorrente arrolou testemunha, pretendendo fazer a prova de factos – alegados na petição – e referentes à racionalidade económica da respectivas operações. É certo que alegou um facto em si complexo, mas ainda assim susceptível de eventual prova e recondução a uma base probatória pela positiva ou negativa.
E, a sentença sob recurso, concluiu (na parte ora também recorrida) pela legalidade da correcção da matéria colectável, considerando que o contribuinte não demonstrou (como era seu ónus) a indispensabilidade daqueles.
Por singeleza e perfeita aderência do ali decidido com a questão que nos ocupa, passamos a transcrever o Acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário do STA de 22.01.2014, proferido no âmbito do recurso por oposição de acórdãos, proc. nº 1632/13, cuja contextualização e considerandos se subscrevem, os quais aqui se transcrevem.
Porém, tal como na situação apreciada no aqui invocado acórdão fundamento, «(…) parece patente a necessidade de inquirição das testemunhas, em vista da afirmação (ou não) daquela indispensabilidade e, em suma, da descoberta da verdade, para o que a lei concede ao juiz poderes de direcção do processo e de investigação – princípio do inquisitório – art. 13º, nº 1 do CPPT (Cfr. Jorge de Sousa, Anotado e Comentado, 5ª Edição, anotação 4ª ao art. 114.) E note-se que tal necessidade não depende sequer da questão de saber a quem cumpre o ónus de prova de tal indispensabilidade (sendo que, todavia, como se disse, o aresto recorrido o imputou à contribuinte).
Na verdade, se esta tese é correcta, parece óbvio que não pode deixar de admitir-se-lhe a prova dos factos constitutivos do seu direito, como se afirma no acórdão fundamento, “sob pena de revestir uma dimensão violentadora dos princípios do contraditório e das garantias do direito a uma tutela jurisdicional efectiva”.»
E de igual modo seria, caso o ónus de prova incumbisse à Fazenda.
Pois que, então, seria, ainda, sem dúvida incontroverso, o interesse da impugnante em contradizer
«(…) mostrando a indispensabilidade do custo –, através de contraprova ou, até, da prova do contrário, com relação aos factos alegados pelo Fisco. E sempre sem esquecer as ilações – de facto – que deles o tribunal pode tirar em termos de livre apreciação da prova produzida. Por outro lado, a selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa terá de ser efectuada, “segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida” – art. 511º, nº 1 do CPC – e sobre aquela consequentemente há-de recair a prova testemunhal arrolada.»
Esta argumentação exarada no acórdão fundamento é inteiramente aplicável no caso dos presentes autos.
E como salienta o MP, a solidez da fundamentação do mesmo acórdão fundamento, conjugada com a especial autoridade da formação (Pleno da Secção) que o proferiu, por unanimidade, justificam a adesão à sua doutrina, expressa no respectivo sumário: «I - Em vista da concretização do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material - art. 12º, n° 1 e 113º do CPPT -, incumbe ao juiz a direcção do processo e a realização de todas as diligências que, num critério objectivo, considere úteis ao apuramento da verdade. II - Controvertida, na lide impugnatória, a indispensabilidade dos custos, nos termos do art. 23º do CIRC, não se pode considerar dispensável a inquirição das testemunhas arroladas em vista da demonstração do aludido requisito.»
Em suma, tendo o acórdão recorrido concluído pela desnecessidade da produção de prova testemunhal arrolada (por entender que tal diligência apenas se justificaria no caso de o contribuinte ter cumprido os deveres de escrituração e documentação contabilística e, ainda assim, restassem dúvidas sobre a interpretação da realidade comprovada pela documentação idónea apresentada) a verdade é que, como se deixou explicitado, também é plausível a solução contrária no sentido de que o custo poderá ser dedutível se tiver ocorrido e existir efectiva afectação empresarial.
Impondo-se, assim, a produção da prova testemunhal arrolada.
E, consequentemente, a revogação do douto acórdão recorrido.
Sendo que, no acórdão fundamento citado (Acórdão também ele do Pleno, de 16.10.2010, in processo 46/10) em que estava em causa aquisição de acções de uma empresa tecnicamente falida, mais ali se referiu a final que Ora, entendendo o acórdão recorrido que, para afirmação do requisito da indispensabilidade, não basta a afectação empresarial do custo – pois que há ainda que ter em conta “as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica – e que o abuso de dedutibilidade se estende também aos custos empresariais efectivos mas arriscados, anormais, imprudentes ou ruinosos – perspectiva em que entendeu dispensável a inquirição das testemunhas –, a verdade é que é igualmente plausível – logo porque assente no acórdão fundamento -, a solução contrária no sentido de que o custo é fiscalmente aceite se tiver uma afectação empresarial e que o abuso de dedutibilidade se cinge aos custos não empresariais.
Ora, tanto uma como outra das soluções, porque ambas plausíveis demandam a produção da prova testemunhal e até mais a primeira.
Não pode pois pretender-se que a inquirição em causa não constitua contributo relevante para a descoberta da verdade.”

Destarte, in casu não poderia o Tribunal a quo ter deixado de realizar a diligência requerida de realização de inquirição de testemunha, atento o respeito pelo princípio do inquisitório, pois só tal realização e sequente reflexo em termos de densificação dos factos provados e fixação de factos não provados, permitirá que se reúnam todas as condições para a cabal apreciação do alegado pela Recorrente.
Decidindo o julgador, incorretamente, pela não realização de tal inquirição, estamos perante uma situação de um erro de julgamento, assistindo nesta parte razão à Recorrente, resultando por esta via prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados.
E por assim ser, a existência do aludido erro de julgamento, acarreta a anulação da sentença recorrida, face ao consignado no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, devendo, por conseguinte, os presentes autos baixar à 1.ª instância, para realização da diligência de inquirição de testemunha requerida (com eventual ampliação da matéria de facto e fixação de factos não provados) e posterior prolação de nova decisão que tenha em conta o resultado da mesma.
2.3. Conclusões
I. O juízo de comprovada indispensabilidade é um juízo casuístico, pois só analisando em concreto cada custo poder-se-á aferir da respectiva indispensabilidade de um gasto para “… a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” – art. 23.º do CIRC;

II. Tendo sido questionada a indispensabilidade dos gastos, nos termos do art. 23º do CIRC, não pode considerar-se dispensável a prova testemunhal arrolada com vista a fazer a prova de factos alegados na petição e referentes à demonstração daquele requisito, mormente se acaba por concluir-se que o contribuinte não demonstrou (como era seu ónus) a indispensabilidade daqueles gastos.


3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para eventual ampliação da matéria de facto e prolacção de nova decisão, com preliminar inquirição da testemunha arrolada.
Sem custas.
Porto, 12 de Setembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis