Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00066/21.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:09/10/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL - MODELO DE AVALIAÇÃO DAS PROPOSTAS – ESCALAS GRADATIVAS
Sumário:I - O uso de uma escala densificada e gradativa com recurso as expressões do tipo “descrição muito detalhada” ou mesmo do tipo “descrição detalhada” dos elementos permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe.

II- Só se pode avaliar a “maior” ou a “menor” valia de uma proposta consoante o “maior” ou “menor” detalhe da forma como o concorrente se propõe executar a obra, enfim, consoante a “riqueza” ou “pobreza” do detalhe da proposta nos domínios assinalados, o que se enquadra perfeitamente com o uso de expressões do tipo “descrição muito completa” ou mesmo “completa”.

III- A mera previsão destes descritores é incapaz de fulminar o procedimento concursal com ofensa dos artigos 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 do CCP, exigindo-se, para tal, a alegação e demonstração suplementar que a Administração, na realização das respetivas tarefas avaliativas, incorreu, efetivamente, em desvio procedimental, por avaliar antes os aspetos estéticos da propostas e não os concretos atributos das propostas.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICIPIO (...) E OUTROS
Recorrido 1:S., LDA E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso interposto pelo Municipio (...) e negar provimento ao recurso de S., Lda.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

O MUNICÍPIO (...) e S., LDA., devidamente identificados nos autos, vêm interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que, em 25.06.2021, julgou procedente a presente Ação de Contencioso Pré-Contratual, consequentemente, (i) anulando o “(…) ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do procedimento concursal para “Aquisição de serviços de elaboração do cadastro da rede de saneamento de águas residuais do Município (...)” à Contrainteressada E. (…)” e (ii) condenando o Réu “(…) a proceder à correção do artigo 16.1.2.1 SF 2.1 - Memória Descritiva - do Programa de Concurso, de forma a que passe a incluir uma escala gradativa de avaliação suficientemente densificada de modo a fundamentar os diversos níveis de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, reiniciando o concurso após a referida correção”.
Alegando, o Recorrente Município (...) formulou as seguintes conclusões:“(…)

I. Os descritores dos subfatores de avaliação das propostas demonstram que a avaliação feita no subfator 2.1 - Memória Descritiva, constante do artigo 16.1.2.1, do programa de concurso, debruçou-se sobre planificação de metodologia e dos serviços a efetuar (meios humanos e materiais que os concorrentes se propunham a empregar na execução do contrato).
II. Não foi feita, nem decorria da letra das peças de procedimento, que seria feita uma avaliação da memória descritiva, enquanto documento, sem que se avaliasse aspetos de execução do contrato.
III. Ao contrário do que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto referiu na sentença recorrida, os descritores do subfator 2.1- Memória Descritiva não sofrem de ilegalidade, por falta de objetividade.
IV. A tecnicidade dos serviços a prestar implicaram que aspetos da execução, mais precisamente, os meios humanos e materiais a empregar, fossem postos à concorrência, uma vez que os Serviços Municipalizados de Eletricidade, Água e Saneamento da (...) não pretenderam, nem tinham recursos humanos com conhecimento técnico para tal, definir esses aspetos a priori.
V. E é, precisamente, para estes casos que foi concebida a modalidade da qualidade-preço, no critério de adjudicação: para que a entidade adjudicante consiga pôr à concorrência aspetos de execução, levando a poder adjudicar à proposta que apresenta uma melhor relação do preço com a forma de execução.
VI. Se o Recorrente tivesse escolhido a modalidade da avaliação apenas do preço ou custo, aí, sim, teria de ter todos os aspetos de execução definidos de forma a que os concorrentes soubessem, exatamente, o que apresentar para corresponder ao pedido.
VII. Neste caso, não existindo a necessidade nem possibilidade de definir a metodologia dos serviços, no que respeita aos meios humanos e materiais a empregar na execução, não seria exigível densificar mais os descritores.
VIII. Se o Recorrente definisse, como parece exigir a Sentença recorrida, o que se considera, por exemplo, por uma “excelente planificação das tarefas a realizar”, então estaria a planificar e usaria apenas o critério do valor; mas não é essa a finalidade quando o critério de avaliação é o da qualidade-preço.
IX. É na margem de liberdade, que é dada à entidade adjudicante na avaliação da qualidade-preço, que se encontra a graduação feita na descrição dos subfatores, não se podendo considerar que a avaliação feita foi arbitrária (…)”.
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Quanto ao seu recurso, concluiu a Recorrente S., Lda., nos seguintes termos: “(…)
1. Na presente ação de contencioso pré-contratual, a A. impugnou o ato adjudicatório. Como fundamento essencial da sua pretensão, a A. alegou que o modelo de avaliação constante do Programa do Procedimento padece de uma ilegalidade que afeta o subfator 16.1.2.1 SF 2.1 - Memória Descritiva. Neste subfator é avaliada a completude da Memória Descritiva, através da aferição do nível de aprofundamento do estudo da prestação de serviços e do nível de detalhe da descrição da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar e da qualidade planificação das tarefas a realizar. Deste modo, o que é avaliado são apenas e só aspetos de natureza eminentemente formal das propostas na sua vertente puramente documental e não verdadeiros atributos das propostas, ou seja, aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência. Acresce que, por avaliar o nível de detalhe da descrição da metodologia e dos meios materiais e humanos a empregar, este subfator implica uma análise e ponderação subjetiva ou arbitrária das propostas apresentadas por parte do júri do procedimento.
2. De facto, como se demonstrou na Petição Inicial da A. e no presente recurso, o subfator Memória Descritiva é ilegal porque avaliava aspetos relativos à estética, à redação, à completude ou ao detalhe da proposta em si, enquanto documento, e não a forma como o concorrente se propunha executar o contrato naqueles aspetos que a entidade adjudicante entender submeter à concorrência, violando assim o disposto nos artigos 74.°, n.° 1, e 75.°, n.° 1, e 139.°, n.° 3 do CCP, e ainda dos princípios da transparência e da concorrência.
3. Isto porque, o nível de completude e aprofundamento da Memória Descritiva, o nível de detalhe da descrição da metodologia apresentada e dos meios humanos e materiais a empregar, e a qualidade da planificação das tarefas a executar, não são, em si mesmos, atributos da proposta, já que não consubstanciam qualquer aspeto da execução do contrato passível de ser submetido à concorrência. Quanto muito, atributo poderia ser a adequação da metodologia proposta às necessidades da Entidade Demandada, ou a adequação dos meios humanos e materiais a empregar aos níveis de serviço definidos pela Entidade Demandada, ou ainda a adequação da planificação apresentada ao cumprimento dos prazos propostos e ao sucesso do projeto.
4. Mas essa adequação não está, evidentemente, dependente do nível de detalhe, completude e/ou aprofundamento da descrição contida na Memória Descritiva. É que, como é óbvio, uma proposta pode conter uma descrição da metodologia de trabalho muito pouco ou nada detalhada e ainda assim ser muitíssimo adequada, do ponto de vista técnico, às necessidades da Entidade Adjudicante. Como pode suceder o inverso e a proposta conter uma descrição da metodologia de trabalho proposta muitíssimo detalhada e aprofundada e, ainda assim, essa metodologia ser pouco ou nada adequada, do ponto de vista técnico, às necessidades da entidade adjudicante.
5. Contudo, apesar da sentença recorrida ter entendido que o ato impugnado padecia do vicio de violação de lei [por violação das disposições conjugadas dos artigos 74.°, n.° 1, 75.°, n.° 1, 132.° n° 1 al. n) e 139.° do CCP], fez assentar a sua decisão no facto de em nenhum dos fatores ou subfatores estar devidamente densificado e pormenorizado o que se entendia por “descrição muito completa”, “completa”, “suficiente” ou “insuficiente”, o que não permitiu aos concorrentes apresentar as propostas de modo a compreender o que consubstancia uma proposta detalhada ou muito detalhada e assim instruir as mesmas por forma a obter o máximo de pontuação.
6. Por conseguinte, ao entender que, num modelo de avaliação, é admissível avaliar o nível aprofundamento do estudo da prestação de serviços, o nível de detalhe da descrição da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar e a qualidade da planificação das tarefas a realizar, a decisão que ora se recorre padece de um grave erro de julgamento que o Tribunal Central Administrativo Norte deverá corrigir, declarando a ilegalidade do referido modelo nos termos exatos que a A. expôs na Petição Inicial.
7. Por força da declaração de ilegalidade do subfator Memória Descritiva e dos fundamentos aqui expostos que levariam obrigatoriamente à anulação do ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do procedimento, a A. pediu ainda a condenação da Entidade Demandada a aprovar um novo Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação.
8. Todavia, o tribunal a quo não se pronunciou sobre este pedido, tendo condenado a Entidade Demandada a proceder à correção do artigo 16.1.2.1 SF 2.1 - Memória Descritiva - do Programa de Concurso, de forma a que passe a incluir uma escala gradativa de avaliação suficientemente densificada de modo a fundamentar os diversos níveis de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, reiniciando o concurso após a referida correção.
9. Salvo melhor entendimento desta decisão, o tribunal a quo condenou a Entidade Demandada a corrigir a escala gradativa de avaliação do SF 2.1 - Memória Descritiva e a reiniciar o mesmo procedimento após essa correção. O que significa que a Entidade Demandada não terá de aprovar novas peças, nem lançar um novo procedimento, bastando-lhe voltar a avaliar as propostas já apresentadas pelos concorrentes à luz da nova escala gradativa. O mesmo é dizer que a Entidade Demandada irá, durante a pendência do procedimento e depois da apresentação das propostas e da sua disponibilização a todos os concorrentes, alterar o programa do procedimento para o adequar à sentença recorrida.
10. Com efeito, esta decisão viola o princípio da estabilidade das peças do procedimento, que estabelece que as regras e dados constantes das peças do procedimento devem manter-se inalteradas durante a pendência dos respetivos procedimentos, sendo proibida a sua alteração (eliminação, aditamento, modificação) ou desconsideração.
11. Pelo que, este venerando Tribunal Central Administrativo Norte deverá, também em relação a este pedido da A., corrigir a sentença recorrida e condenar a Entidade Demandada a, num prazo de 20 dias, aprovar um novo Programa de Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação (…)”.
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Notificada da interposição do recurso jurisdicional por parte do Município (...), a Recorrida S., Lda., produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à procedência da presente ação.
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O Recorrido Município (...) também contra-alegou o recurso apresentado pela S., Lda., tendo advogado a improcedência do mesmo.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão dos dois recursos, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A..
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes:

(i) Recurso jurisdicional interposto pelo Município (...): Erro de julgamento de direito quanto à declarada ilegalidade de que padece o subfator 2.1 – Memória Descritiva – do Programa de Concurso;

(ii) Recurso interposto por S., Lda.: Erro de julgamento de direito quanto à decidida condenação do Réu a proceder “(…) à correção do artigo 16.1.2.1 SF 2.1 – Memória Descritiva – do Programa de Concurso, de forma a que passe a incluir uma escala gradativa de avaliação suficientemente densificada de modo a fundamentar os diversos níveis de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, reiniciando o concurso após a referida correção (…)”.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [positivo e negativo] apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
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III.2 - DO DIREITO
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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
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I- Recurso jurisdicional interposto pelo Município (...)
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Do imputado erro de julgamento de direito quanto à declarada ilegalidade de que padece o subfator 2.1 – Memória Descritiva – do Programa de Concurso
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Examinados os termos em que o Recorrente Município (...) esteia o presente recurso jurisdicional, é para nós absolutamente apodítico que o mesmo vem afrontar a interpretação perfilhada pelo Tribunal a quo no tocante à declarada ilegalidade [por indeterminabilidade dos descritores] do subfator 2.1 - Memória Descritiva - previsto no Programa de Concurso.
Realmente, o Recorrente mantém a firme convicção de que “ (…) Ao contrário do que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto referiu na sentença recorrida, os descritores do subfator 2.1-Memória Descritiva não sofrem de ilegalidade, por falta de objetividade (…)”.
A questão recursiva a analisar é, portanto, a de saber se assim o é ou não.

Para facilidade de análise, convoquemos, no particular conspecto em análise, o que de mais fundamental se discorreu na 1ª instância: “(…)
In casu, o critério de adjudicação fixado foi o da proposta economicamente mais vantajosa (v. artigo 16.° do Programa do Concurso), baseado em dois fatores: o preço, a que se atribuiu uma ponderação de 70%, e a Qualidade e Mérito Técnico a que se atribuiu uma ponderação de 30%; e no que agora interessa, a qualidade e mérito técnico foi desdobrada em dois subfatores: “SF 2.1 - Memória descritiva” e “SF 2.2 - Experiência da Equipa Técnica” (com uma ponderação respetiva de 50%, para cada um, dos 30% atribuídos à qualidade e mérito técnico).
Aqui chegados, por se mostrar controvertido, importa apreciar a legalidade do modelo de avaliação do subfator SF 2.1 — Memória Descritiva (que está plasmado no artigo 16.° do Programa do Concurso) que é do seguinte teor:
...F2 - Qualidade e Mérito Técnico — 30%
Na avaliação deste fator será considerada uma escala de zero a vinte valores e resultará da aplicação da fórmula seguinte:
Pontuação de F2 = SF2.1 x 50% + SF2.2 x 50%
Sendo que, para a apreciação dos dois subfatores que integram este fator, serão também consideradas escalas de zero a vinte valores, nos termos seguintes:
Subfatores de avaliaçãoCoeficientes de pontuação
SF 2.1 — Memória Descritiva50
SF 2.2 — Experiência da equipa técnica50

16.1.2.1 SF 2.1 - Memória Descritiva
Na avaliação deste subfator será considerado o seguinte parâmetro: descrição da metodologia dos serviços a efetuar, com indicação dos meios humanos e materiais a empregar. A escala de valoração será a seguinte:
Descrição muito completa: A Memória Descritiva revela um estudo muito aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição muito detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma excelente planificação das tarefas a realizar.20
Descrição completa: A Memória Descritiva revela um estudo aprofundado da Prestação de serviços, contendo uma descrição detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma boa planificação das tarefas a realizar.17
Descrição suficiente: A Memória Descritiva revela um estudo Pouco aprofundado da Prestação de serviços, contendo uma descrição pouco detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma planificação suficiente das tarefas a realizar.10
Descrição insuficiente: A Memória Descritiva revela um estudo insuficiente da prestação de serviços, contendo uma descrição insuficientemente detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma fraca planificação das tarefas a realizar.5
Sem Descrição: A Memória Descritiva não revela estudo da prestação de serviços, sendo muito generalista e não evidencia a planificação das tarefas a executar.0

Tal como já foi dito, os atributos da proposta (o objeto da avaliação) são as respostas dos concorrentes às perguntas formuladas pelo caderno de encargos (cfr. Miguel Assis Raimundo, A formação dos contratos públicos, p. 813) e, como tal, têm de tratar-se de pontos que o caderno de encargos deixa em aberto, porque de outra forma não existe uma pergunta a que se possa responder com relevância avaliativa, ou seja, dito de outra forma, a existência de atributos avaliáveis pressupõe a associação a condições contratuais não total ou excessivamente reguladas pelo caderno de encargos - cfr. Pedro Sanchez, Direito da Contratação Pública, vol. II, p. 337.
Importa referir que, na linha da Diretiva 2014/24/UE, o n.° 2 do artigo 74.° do CCP estabelece uma lista exemplificativa de fatores e subfatores que a Entidade Adjudicante poderá utilizar, a saber:
- qualidade, designadamente valor técnico, características estéticas e funcionais, acessibilidade, conceção para todos os utilizadores, características sociais, ambientais e inovadoras e condições de fornecimento;
- organização, qualificações e experiência do pessoal encarregado da execução do contrato em questão, caso a qualidade do pessoal empregue tenha um impacto significativo no nível de execução do contrato, designadamente, em contratos de serviços de natureza intelectual, tais como a consultoria ou os serviços de projeto de obras;
- serviço e assistência técnica pós-venda e condições de entrega, designadamente a data de entrega, o processo de entrega, o prazo de entrega ou de execução e o tempo de prestação de assistência;
- sustentabilidade ambiental ou social do modo de execução do contrato, designadamente no que respeita ao tempo de transporte e de disponibilização do produto ou serviço, em especial no caso de produtos perecíveis, e a denominação de origem ou indicação geográfica, no caso de produtos certificados.
Pese embora o catálogo apresentar um caráter meramente exemplificativo, certo é que os fatores ou subfatores devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar (cfr. artigo 75.°, n.° 1 do CCP).
“Em relação a essa exigência de conexão entre os fatores e o objeto do contrato, o nº. 4 do artigo 75.°presume ligados ao objeto do contrato quando estiverem relacionados com as obras, bens ou serviços a executar ou fornecer ao abrigo desse contrato, sob qualquer aspeto e em qualquer fase do seu ciclo de vida; e o nº.5 acrescente que, “ainda que não façam parte da sua substância material, consideram-se relacionados com o objeto do contrato os fatores envolvidos no processo específico de produção ou fornecimento das obras, bens ou serviços ou num processo específico em relação a oura fase do seu ciclo de vida.” - Pedro Costa Gonçalves, op. Cit., p. 905.
No caso concreto, o artigo 16.1.2.1 do Programa de Concurso refere que na avaliação do subfator “SF 2.1 - Memória Descritiva” será considerada a descrição da metodologia dos serviços a efetuar, com indicação dos meios humanos e materiais a empregar, correspondendo a valoração qualitativa (Descrição muito completa: A Memória Descritiva revela um estudo muito aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição muito detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma excelente planificação das tarefas a realizar; Descrição completa: A Memória Descritiva revela um estudo aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma boa planificação das tarefas a realizar; Descrição suficiente: A Memória Descritiva revela um estudo pouco aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição pouco detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma planificação suficiente das tarefas a realizar; Descrição insuficiente: A Memória Descritiva revela um estudo insuficiente da prestação de serviços, contendo uma descrição insuficientemente detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma fraca planificação das tarefas a realizar; Sem descrição: A Memória Descritiva não revela estudo da prestação de serviços, sendo muito generalista e não evidencia a planificação das tarefas a executar) a uma pontuação quantitativa (20; 17; 10; 5; 0), em função do aprofundamento do estudo da prestação de serviços que se reflete no grau de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar.
Ora, para avaliação deste subfator não foi estabelecido uma escala gradativa de avaliação (parcial) suficientemente densificada de modo a fundamentar os diversos níveis de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, de forma a que os interessados possam perceber o que considera a entidade adjudicante uma descrição “muito detalhada”, “detalhada”, “pouco detalhada”; “insuficientemente detalhada”, “não revela estudo”.
Assim sendo, não se conseguem perceber as razões da diferente pontuação atribuir à memória descritiva e com isso a pontuação atribuição no factor “qualidade e mérito técnico” nem tão pouco quais os concretos dados a ponderar aquando da avaliação do grau de detalhe da memória descritiva.
Sucede que, o modelo de avaliação plasmado no artigo 139.° do CCP visa dar corpo aos princípios da concorrência, transparência, imparcialidade, igualdade e boa-fé e primado do interesse público que norteiam a contratação pública, na medida em que se exige a prefixação dos critérios de avaliação, em termos tais que se torne claro o que é pretendido pela entidade adjudicante e os candidatos possam, em função disso, ajustar os termos das respetivas propostas.
De facto, o princípio da transparência impõe que “Os interessados devem...poder retirar do modelo de avaliação das propostas” as informações necessárias e úteis à conceção e apresentação da sua melhor proposta, ou seja, devem poder retirar dele os dados necessários para conhecer o que é que as entidades adjudicantes irão tomar em consideração para apurar a proposta mais competitiva, e em que medida ou em que peso.” (Vide RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Os princípios gerais da contratação pública, in Estudos de Contratação Pública, volume I, Coimbra Editora, 2008, página 101.)
Assim, o que se pretende é que seja possível ao júri comparar o mérito das propostas, escolhendo a proposta economicamente mais vantajosa, avaliando e comparando as vantagens de cada uma das propostas, avaliando as vantagens e desvantagens de cada uma de acordo com os critérios e subcritérios predefinidos - cfr. Acórdão TCA Norte, de 14-09-2018.
In casu, em ponto algum - fator ou subfator -, está densificado e pormenorizado o que se entende por “descrição muito completa”, “completa”, “suficiente” ou “insuficiente”, não permitindo, por isso, aos concorrentes apresentar as propostas de modo a compreender o que consubstancia uma proposta detalhada ou muito detalhada e assim instruir as mesmas por forma a obter o máximo de pontuação.
Da forma como as descrições estão elencadas não se alcança a razão pela qual se pode pontuar em 20 ou 17 as propostas muito completas ou completas, pois que nada de objetivo existe na densificação/pormenorização do critério/subfator que permita ao concorrente apresentar a proposta de modo a obter a pontuação máxima visto que, na descrição do subfator SF 2.1, a pontuação máxima é atribuída quando: “A Memória Descritiva revela um estudo muito aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição muito detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma excelente planificação das tarefas a realizar.”
E, para alcançar a pontuação de 17, apenas diverge na supressão do advérbio “muito” (aprofundado) e substitui o adjetivo “excelente” (planificação) por “boa” (planificação).
Além de que, de acordo com o artigo 16.° do Programa do Procedimento, na avaliação deste subfator será considerada a descrição da metodologia dos serviços a efetuar, com indicação dos meios humanos e materiais a empregar sem, contudo, em momento algum, se indicar qual a ponderação avaliativa para cada um destes parâmetros, qual o peso atribuído à descrição atinente à indicação dos meios humanos em contraponto com os materiais.
Nessa medida, atendendo a que a comparação de candidaturas pressupõe que se percecione a razão pela qual foi atribuída uma concreta classificação - e não qualquer outra -, a cada um dos concorrentes, o que in casu, no tocante ao subfator SF2.1 - Memória Descritiva, não é possível alcançar.
Nesta medida, mostra-se procedente o suscitado vício de violação de lei, imputado ao modelo de avaliação definido para o subfator SF2.1 - Memória Descritiva, por violação das disposições conjugadas dos artigos 74.°, n.° 1, 75.°, n.° 1, 132° n° 1 al. n) e 139.° do CCP. (…)”.

Espraiada a fundamentação vertida na sentença recorrida, adiante-se, desde já, que divergimos do sentido da decisão adotado pelo Tribunal a quo no domínio da causa de invalidade em análise.

Explicitemos pormenorizadamente este nosso juízo.
O procedimento concursal visado nos autos é regulado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro [na versão anterior à Lei n.º 30/2021, de 21/05], que aprova o Código dos Contratos Públicos [CCP], que estabelece a disciplina aplicável à contratação pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo.
Ora, estabelece o nº. 4 do artigo 1º do C.C.P que:” (...) À contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência (...)”.

Por sua vez, determina o artigo 74º do mesmo diploma legal que a adjudicação é feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa ou o do mais baixo preço, sendo que os fatores e os eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa devem abranger todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, não podendo dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes [nº.1 do artigo 75º].
Por outra banda, estatui a alínea n) do artigo 132º do Código dos Contratos Públicos que “(...) O critério de adjudicação, bem como, quando for adotado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas, explicitando claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, os valores dos respetivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos fatores ou subfatores elementares, a respetiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais (...)”.

Finalmente, preceitua o artigo 139.º do mesmo diploma legal: “(...) 1 - No caso de o critério de adjudicação adotado ser o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas deve ser elaborado de acordo com o disposto nos nº.s 2 a 4.
2- A pontuação global de cada proposta, expressa numericamente, corresponde ao resultado da soma das pontuações parciais obtidas em cada fator ou subfator elementar, multiplicadas pelos valores dos respetivos coeficientes de ponderação.
3 - Para cada fator ou subfator elementar deve ser definida uma escala de pontuação através de uma expressão matemática ou em função de um conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos para o aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos respeitante a esse fator ou subfator.
4 - Na elaboração do modelo de avaliação das propostas não podem ser utilizados quaisquer dados que dependam, direta ou indiretamente, dos atributos das propostas a apresentar, com exceção dos da proposta a avaliar.
5 - As pontuações parciais de cada proposta são atribuídas pelo júri através da aplicação da expressão matemática referida no n.º 3 ou, quando esta não existir, através de um juízo de comparação do respetivo atributo com o conjunto ordenado referido no mesmo número (...)”.

Ora, do que vem de se transcrever grassa à evidência que o modelo de avaliação das propostas a integrar no Programa de Procedimento, conterá, a fim de assegurar a observância dos princípios da contratação pública e da atividade administrativa em geral [transparência, igualdade e concorrência], a elencagem e densificação de fatores e eventuais subfatores de avaliação considerados indispensáveis à boa estruturação do critério de adjudicação, sendo que estes deverão reportar-se a aspetos do contrato a celebrar e serem submetidos à concorrência mediante o caderno de encargos.
O modelo de avaliação deverá ser ainda integrado por certa e rigorosa valoração dos coeficientes de ponderação dos fatores e subfatores indicados e por escalas de pontuação dos fatores e/ou subfatores [tais escalas deverão assumir uma expressão matemática ou materializar-se num conjunto ordenado de atributos diversos passiveis de integrar a execução do contrato].
Quer isto tanto significar que a melhor e legal definição do critério de adjudicação a prever no Programa do Concurso, para além de pressupor coerência entre os elementos que substanciam o modelo de avaliação, exigirá que os fatores se diferenciem entre si e sejam complementares [deverão, também, incidir sobre atributos a apresentar em sede de propostas] e que os subfatores expressem um desenvolvimento lógico dos fatores, obrigará a que os coeficientes de ponderação atribuídos a fatores e subfatores se articulem, de modo progressivo, e que as escalas de pontuação assumam um desenvolvimento proporcional por forma a permitir a valoração de todas as propostas e a respetiva diferenciação, e, em suma, pressuporá que os fatores, subfatores e escalas de pontuação não contrariam a essência do critério de adjudicação eleito, o qual, «in casu», se traduz em “proposta economicamente mais vantajosa”.

Munidos destes considerandos de enquadramento, e revertendo ao caso sujeito, temos, para o que ora nos interessa, que o artigo 16º do Programa de Concurso visado nos autos prevê taxativamente que a adjudicação é efetuada segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, aplicando-se os critérios do Preço [F1] - com uma ponderação de 70% - e da qualidade e Mérito Técnico [F2] - com uma ponderação de 30% -, sendo a avaliação deste F2 [F2] realizada de acordo a seguinte fórmula: Pontuação de F2 = SF2.1 [Memória descritiva] * 0,50%] + SF2.2 [Experiência da equipa Técnica]* 0,50%.

É também consensual que, no domínio do 2SF1 - Memória Descritiva - , alude-se à possibilidade de a classificação variar entre a pontuação de entre (i) 20 valores, (ii) 17 valores, (iii) 10 valores, (iv) 5 valores e (v) 0 valores, consoante as propostas apresentem uma (i) “descrição muito completa”, definida como a memória descrita que “(…) revela um estudo muito aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição muito detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma excelente planificação das tarefas a realiza (…)”; (ii) “completa”, definida como a memória descrita que “ (…) revela um estudo aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma boa planificação das tarefas a realizar (…)”; (iii) “suficiente”, definida como a memória descrita que “(…) revela um estudo pouco aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição pouco detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma planificação suficiente das tarefas a realizar (…)”; (iv) “insuficiente”, ou seja, a memória descritiva que “(…) revela um estudo pouco aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição pouco detalhada da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, evidenciando uma planificação suficiente das tarefas a realizar (…)”; e (v) “sem descrição, definida como a memória descritiva que “(…) não revela estudo da prestação de serviços, sendo muito generalista e não evidenciando a planificação das tarefas a executar (…)”.

Mais é apodítico que, para a explicitação e melhor compreensão do SF2.1 [1º SF do 2F - Qualidade e Mérito Técnico], o Programa de Concurso estabelece que a Memória Descritiva deverá conter “(…) a descrição da metodologia de trabalho a empregar na execução da prestação de serviços incluindo o cronograma de trabalhos e a descrição dos meios materiais e humanos a utilizar em cada fase dos trabalhos (…)” [cfr. alínea e) do artigo 12º], o que conduz à constatação que o Programa de Concurso procede a uma clara determinação e densificação do conceito de “Memória Descritiva”.

Ante a realidade fáctica ora exposta, entendemos ser forçosa a conclusão de que não é possível sustentar que o Programa de Concurso não adianta qualquer densificação no domínio do 2SF1 – Memória Descritiva do 2F - Qualidade e Mérito Técnico.

Na verdade, para a explicitação e melhor compreensão da convicção que ora se vem de evidenciar, entendemos reproduzir, na parte que releva, o teor da Jurisprudência firmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão editado em 14.09.2018, no processo n.º 686/18.0BEBRG, porque esclarecedora da matéria em análise:” (…)
Os Recorrentes discordam da decisão recorrida sustentando, em suma, que o modelo de avaliação previamente fixada no programa concursal não violou a lei, mormente os artigos 132º nº 1 al. n) e 139º do CCP, no especifico ponto censurado pela sentença, e que ainda que assim fosse, sem conceder, caberia aplicar o princípio do aproveitamento do ato administrativo por irrelevância da alegada ilegalidade na graduação dos candidatos.
Vejamos.
Como se retira do Programa do Procedimento Concursal - PP (ponto 12 e anexo), o critério de adjudicação fixado foi o da proposta economicamente mais vantajosa, baseado em dois fatores: o preço, a que se atribuiu uma ponderação de 70%, e a valia técnica a que se atribuiu uma ponderação de 30%; e no que agora interessa, a valia técnica foi desdobrada em subfatores “Memória descritiva e justificativa; Programa de trabalhos” (com uma ponderação respetiva de 50%, dos 30% atribuídos à valia técnica e garantia da proposta) a avaliar segundo 4 Parâmetros/critérios – Conhecimento do Local (CL) – 15%; Descrição da Obra a realizar - (DO) – 30%; Metodologia de execução (ME) – 35% ENSAIOS (ENS) – 20% – e respetivas escalas de pontuação explicitadas e gradativas, destinadas a permitir a atribuição das diferentes pontuações parciais; definindo-se assim os valores dos coeficientes de ponderação dos fatores e subfatores, bem como, em relação aos subfactores/parâmetros elementares, a referida escala de pontuação.
Sabendo-se já que a exigência de o modelo de avaliação das propostas ser previamente fixado no PP e de acordo com o disposto nos artigos 132.º nº 1 al. n) e 139º nº 2, 3 e 5 do CCP, visa prosseguir os princípios da concorrência, da transparência, da imparcialidade, da igualdade, da boa fé e do interesse público, entre outros – afigura-se-nos que tal modelo cumpriu a lei.
Aliás, a censura da decisão recorrida quanto ao modelo de avaliação em causa cingiu-se aos dois primeiros descritores do quadro/escala de pontuação relativa ao sub-critério ou parâmetro “Conhecimento do Local” (valorado em 15%), do item da Memória Descritiva e Justificativa (MDJ) avaliada em função da metodologia de execução que cada concorrente se propõe na execução da obra, e da sua compatibilidade com os meios a afetar, atendendo ao prazo de execução previsto” (com uma ponderação de 50%, dos 30% atribuídos à valia técnica e garantia da proposta) pelo facto de os referidos descritores, ainda que com reporte a “descrição muito detalhada” e “descrição detalhada” não densificarem elementos diferenciadores, justificativos da diferente pontuação: 100, para a descrição muito detalhada, 80, para a descrição detalhada.
Ora, e como já resulta do atrás exposto, o item MDJ foi densificado em 4 sub-critérios ou parâmetros destinados a constatar e avaliar “o conhecimento revelado pelos concorrentes, por se considerar que a sua análise detalhada e aprofundada confere uma maior qualidade e fiabilidade à proposta global, nomeadamente o do “Conhecimento do Local (CL)” nos termos do quadro em questão:
Descrição muito detalhada: do local da obra, sua envolvente e situação existente incluindo registo fotográfico, apresentação de plantas e ou fotografias aéreas, descrição exaustiva do terreno e das pré existências 100
Descrição detalhada: do local da obra, sua envolvente e situação existente incluindo registo fotográfico, apresentação de plantas e ou fotografias aéreas, descrição exaustiva do terreno e das pré existências 85
Descrição suficiente: do local da obra, sua envolvente e situação existente incluindo registo fotográfico, apresentação de plantas e ou fotografias aéreas, descrição sumária do terreno e das pré existências 75
Descrição sucinta do local da obra, sua envolvente e situação existente, sem registo fotográfico, ou apresentação de plantas e ou fotografias aéreas 50
Não descreve o conhecimento do local 0

Ou seja, no caso, pretendeu-se, mediante uma escala densificada e gradativa dotar o júri de elementos respeitantes ao conhecimento revelado pelos concorrentes sobre o local onde a obra será implantada, sua envolvente e situação existente, a avaliar e a quantificar segundo o tipo de descrição efetuada e documentação apresentada (Muito detalhada - 100; Detalhada - 85; Suficiente - 75; Sucinta - 50; Inexistente - 0).
É certo que os elementos a considerar na “descrição muito detalhada” e na “descrição detalhada” estão repetidos: local da obra, sua envolvente e situação existente; - registo fotográfico; - plantas e ou fotografias aéreas; - descrição exaustiva do terreno e das preexistências (sem prejuízo de, quando ao último ponto, se poder entender, segundo as regras da experiência comum e da lógica que o uso da palavra “exaustiva” no segundo descritor configura um erro material).
No entanto, o uso das expressões “descrição muito detalhada” e “descrição detalhada” dos elementos a considerar – seguida de “descrição suficiente” de tais elementos (3º descritor) – não é, neste contexto, irrelevante, permitindo aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida, mas com menor grau de detalhe.
De resto, e como já se viu, as demais escalas gradativas dos outros parâmetros que densificam a valia da MDJ, designadamente os da “Descrição da Obra a realizar” e da “Metodologia de execução”, seguiram, em geral, o mesmo método avaliativo, ainda que com mais clara diferenciação dos atributos avaliáveis, ponderados em 5 patamares de avaliação, com 100, 85, 75, 50 e 0, correspondentes a descrição muito detalhada, detalhada, suficiente, muito sucinta e ausência de descrição (note-se, ainda, que no caso dos dois primeiros pontos do patamar Metodologia de execução “Descrição muito detalhada…” e “Descrição detalhada o seu conteúdo é igual com a diferença de, neste caso, a parte relativa a “Apresenta proposta de escalonamento das diferentes tarefas/trabalhos” ter sido adjetivada de exaustiva apenas na “Descrição muito detalhada”.)
Vale isto por dizer que não se vislumbra que o modelo de avaliação em causa possa ter impedido os candidatos de, nos pontos censurados pelo TAF, ajustar os termos das respetivas propostas ao pretendido pela entidade adjudicante (…)”.

Ressalte-se, também, o expendido por esta mesma Instância no Acórdão prolatado em 04.07.2017, no processo 00305/16.9BEMDL, aliás, em processo de contornos fácticos muitos similares à situação em judice:”(…)
I) – Legalidade ou ilegalidade do modelo de avaliação
Neste ponto a sentença recorrida concluiu pela ilegalidade.
Nos seguintes termos:
«(…)
Conforme resulta da matéria de facto, à avaliação qualitativa correspondia uma pontuação quantitativa valorada em função de vários patamares avaliativos: entre 0-5, 6-9, 10-13, 14-16, 17-20.
Ora, afigura-se que tal modelo de avaliação é ilegal, por não fazer corresponder à avaliação qualitativa uma avaliação quantitativa certa, atribuindo ao júri um verdadeiro poder arbitrário, já que nenhum critério foi definido para que o júri pudesse valorar entre, por exemplo, entre 14-16, pelo que a atribuição de 14, 15 ou 16 é meramente arbitrária, não encontrando no próprio modelo de valoração qualquer elemento definidor.
O facto da valoração das propostas se situar no campo da discricionariedade, não significa que possam ser atribuídos poderes ao júri que são arbitrários. A quantificação da análise qualitativa das propostas deve conduzir a uma situação em que duas propostas com a mesma análise qualitativa tenham necessariamente a mesma valoração.
Ora, no caso em apreço, o modelo, tal como definido permite, por exemplo, que duas propostas consideradas pelo júri como contendo uma memória justificativa e descritiva do modo de execução da Obra quer revela «um estudo aprofundado do processo de concurso com uma descrição detalhada dos trabalhos a desenvolver e adequada à Obra em questão» sejam valoradas com 3 pontuações distintas: 14, 15 ou 16, sem que exista qualquer critério previamente definido. Estamos, portanto, já no campo do mero arbítrio do júri e não no âmbito da discricionariedade.
Esta situação é a agrava pela forma como as situações tipo previstas estão descritas: os primeiros patamares dos vários subfatores fazem mera referência a critérios que pela sua subjetividade não permitem uma graduação efetiva, de que são exemplos a distinção entre “estudo muito aprofundado do processo de concurso”, “estudo aprofundado do processo de concurso” e “estudo do processo do concurso” ou “muito bem adequada à Obra”, “bem adequada à Obra” e “adequada à Obra”.
Muito embora a valoração se faça com base em valorações que tem, necessariamente um pendor subjetivo, é necessário que sejam definidos alguns critérios objetivos de distinção que permitam por um lado ao júri exteriorizar convenientemente as razões que o levaram a atribuir determinada pontuação e que possibilitem aos concorrentes e ao Tribunal controlar aspetos centrais da valoração.
Afigura-se, portanto, que este modelo não cumpre as imposições dos artigos 139.º, n.º 3 e 1.º, n.º 4 do CCP porque não é estabelecida uma escala de pontuação que respeite o princípio da transparência e da concorrência, pelo que é de declarar a ilegalidade do modelo de avaliação definido.
(…)».
Como se vê, tudo se reconduz a saber se o modelo de avaliação poderia, ou não, assentar nas grelhas classificativas previstas para os subcritérios do fator “Valia Técnica”, nos modos em que foi feita sua previsão.
O uso de grelhas classificativas com enunciações de juízos avaliativos sempre foi de recurso comum nos procedimentos concursais, com compreensíveis vantagens, mas que também podem dar lugar a objeções.
(…)
A decisão recorrida encarou que “afigura-se que tal modelo de avaliação é ilegal, por não fazer corresponder à avaliação qualitativa uma avaliação quantitativa certa (…) os primeiros patamares dos vários subfatores fazem mera referência a critérios que pela sua subjetividade não permitem uma graduação efetiva”.
Mas não nos parece.
Não podemos esquecer que na avaliação do fator “Avaliação Técnica” intervém o que por excelência é momento de discricionariedade ou de exercício de poderes discricionários, campo do domínio da denominada “justiça administrativa”.
Se os modelos de avaliação devem prosseguir objetividade e transparência, eliminando puro subjetivismo, devem também permitir «“acomodar” as inovações e as “surpresas” constantes das propostas, e valorizá-las devidamente, o que só sucederá com recurso a expressões que concedam ao júri uma margem de livre apreciação» (Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no CCP, in Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE -I, Coimbra Editora, 2008, pág. 208).
Importa que “da norma ou do concurso de normas que regem o ato administrativo tem de poder extrair-se o núcleo essencial do tipo de situação sobre a qual poderá incidir o exercício do poder” (Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina, 1987, pág. 492).
E, no caso, atinge-se essa compreensão.
Não só pela menção isolada, também pelo plano gradativo em que em cada grelha se decompõe previsão do juízo.
Cada descritor, em cada nível, é padrão aproximativo.
Sendo de admitir que cada um deles possa ter intervalo oscilatório, em adequação ao contributo dado por diferentes propostas; é perfeitamente percetível que a uma maior pontuação corresponde a uma maior valorização do seu mérito (…)”.

Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada por este Tribunal Superior, tem-se, portanto, por assente, para o que ora nos interessa, que o uso das expressões do tipo “descrição muito detalhada” e “descrição detalhada” dos elementos a considerar, acrescida de “descrição suficiente” de tais elementos, permite aos destinatários, segundo o critério do homem médio colocado na situação concreta dos candidatos, perceber a diferente pontuação no sentido de diferença de grau de detalhe na descrição da obra e demais elementos enunciados, correspondendo, assim, a primeira situação às propostas que descrevam com muito detalhe ou exaustivamente tais elementos e a segunda àquelas que os descrevem de forma detalhada ou desenvolvida.

Assim, e com reporte ao caso em apreciação, é para nós absolutamente insofismável que o uso de uma escala densificada e gradativa com recurso as expressões do tipo (i) “descrição muito completa”, (ii) “completa”, (iii) “suficiente”, (iv) “insuficiente” ou mesmo do tipo (v) “sem descrição” não é valorizável no domínio da ofensa do regime jurídico plasmado no C.P.P., ademais e especialmente, no domínio da ofensa dos princípios da transparência e da concorrência e, bem assim, da normação constante do artigo 139.° do CCP, em razão da concreta determinabilidade de tais descritores.

Realmente, os descritores acima mencionados consentem a compreensão do tipo de situação que qual poderá incidir o poder avaliativo da Administração, correspondendo, assim, (i) a primeira situação às propostas que revelem um estudo muito aprofundado da prestação de serviços, contendo uma descrição muita detalhada de tais elementos; (ii) a segunda situação às propostas que revelem um estudo aprofundado, contendo uma descrição detalhada de tais elementos; (iii) a terceira situação às propostas que revelem um estudo pouco aprofundado, contendo uma descrição pouco detalhada de tais elementos; (iv) a quarta situação às propostas que revelem um estudo insuficiente da prestação de serviços, contendo uma descrição insuficientemente detalhada de tais elementos, e, finalmente, (v) a quinta situação às propostas que não revelem sequer um estudo da prestação de serviços, sendo muito generalista e não evidencia a planificação das tarefas a executar, não fulminando, por isso, o procedimento concursal visado com violação do bloco legal constantes dos artigos 74.°, n.° 1, 75.°, n.° 1, 132° n° 1 al. n) e 139.° do CCP.

Tal convicção surge ainda potenciada pelo facto dos demais elementos probatórios postos à disposição do Tribunal nada aportarem de relevante no sentido da aquisição processual de que a aqui Recorrida solicitou esclarecimentos ou retificações das peças do procedimento, no primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, nos termos do número 1 do artigo 50º do CCP, ou mesmo que ao Recorrente Município (...) foi apresentada qualquer lista identificadora de erros ou omissões detetadas no Caderno de Encargos, até ao termo do quinto sexto do prazo fixado para a apresentação das propostas, nos termos do número 1 do artigo 61º do CCP, o que também contribuiu para a posição assumida pelo Tribunal no que diz respeito à matéria acima indicada.
Daí que, no âmbito dos fundamentos em análise, a atuação da Administração em análise não encerre qualquer errónea interpretação e aplicação dos artigos 74.°, n.° 1, 75.°, n.° 1, 132° n° 1 al. n) e 139.° do CCP.

Deste modo, não tendo sido este também o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta não fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.
E assim procedem todas as conclusões deste recurso.
*
I- Recurso jurisdicional interposto por S., Lda.
*

*
Do imputado erro de julgamento de direito quanto à decidida condenação do Réu a proceder “(…) à correção do artigo 16.1.2.1 SF 2.1 – Memória Descritiva – do Programa de Concurso, de forma a que passe a incluir uma escala gradativa de avaliação suficientemente densificada de modo a fundamentar os diversos níveis de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, reiniciando o concurso após a referida correção (…)”.
*

Esta questão está veiculada nas conclusões 5º a 11º da Recorrente supra transcritas, substanciando-se, no mais essencial, na alegação de que o Tribunal não se pronunciou sobre (i) um dos dois fundamentos que estribam a suscitada ilegalidade do subfator 16.1.2.1 SF 2.1 – Memória Descritiva - que se prende com invocação de que este SF 2.1 é ilegal porque avalia aspetos relativos à estética, à redação, à completude ou ao detalhe da proposta em si, enquanto documento, e não a forma como o concorrente se propunha executar o contrato naqueles aspetos que a entidade adjudicante entender submeter à concorrência -, bem como sobre (ii) o pedido de condenação da Entidade Demandada a aprovar um novo Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação, tendo, por isso, incorrido em erro de julgamento de direito.
Vejamos, sublinhando, desde já, que a qualificação operada pela Recorrente em torno da verificação desta patologia – traduzida na existência de erro de julgamento de direito - não é conforme à normação processual aplicável, por consubstanciar antes uma nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.
Cumpre, por isso, emitir pronúncia nos termos do disposto no artigo 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
Assim, e entrando na questão que cabe apreciar, dir-se-á que de acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”

A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.

O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.

Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT, cujo teor ora parcialmente se transcreve:
“(…) As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.

Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.

Munidos destes considerandos de enquadramento doutrinal e jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, assiste inteira razão à Recorrente na arguida omissão de pronúncia.
Expliquemos pormenorizadamente este nosso juízo.

A Autora, por intermédio da presente ação, visa[va] a anulação do ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do procedimento à Contrainteressada E. e, bem assim, a condenação das Rés a aprovar um Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação.

Invoca, para tanto, como fundamento das suas pretensões, de entre outras, a ilegalidade do subfator SF 2.1 – Memória Descritiva – do Programa de Concurso por duas ordens de razão, como sejam, a (i) razão deste não avaliar um verdadeiro atributo da proposta, ou seja, um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência, mas apenas e só aspetos de natureza eminentemente formal das propostas na sua vertente puramente documental, e, bem assim, a (ii) razão deste implicar uma análise e ponderação subjetiva ou arbitrária das propostas apresentadas por parte do júri do procedimento.

O Tribunal a quo, como sabemos, julgou esta ação procedente, tendo (i) anulado o “(…) ato administrativo que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do procedimento concursal para “Aquisição de serviços de elaboração do cadastro da rede de saneamento de águas residuais do Município (...)” à Contrainteressada E. (…)” e (ii) condenando o Réu “(…) a proceder à correção do artigo 16.1.2.1 SF 2.1 - Memória Descritiva - do Programa de Concurso, de forma a que passe a incluir uma escala gradativa de avaliação suficientemente densificada de modo a fundamentar os diversos níveis de detalhe da metodologia de trabalho e dos meios humanos e materiais a empregar, reiniciando o concurso após a referida correção”.

Fê-lo, como sabemos, com fundamento na ilegalidade do subfator 2.1 - Memória Descritiva - previsto no Programa de Concurso em razão da exclusiva indeterminabilidade dos seus descritores, ou seja, unicamente com recurso ao segundo fundamento da causa de invalidade invocada no libelo inicial.

Quer isto tanto significar que o Tribunal não se pronunciou sobre o primeiro dos fundamentos da causa de invalidade invocada no libelo inicial, o que se repercutiu igualmente no dispositivo da sentença, incorrendo, assim, em omissão de pronúncia determinante de nulidade da sentença recorrida.

Tendo nós concluído no sentido que se vem de expor, temos agora, nos termos do artigo 149º do C.P.T.A., exercer o nosso poder de substituição, já que o processo contém os elementos probatórios que permitem com segurança e em consciência realizar o julgamento omitido.

Assim, e entrando no conhecimento de tal tarefa, dir-se-á que a questão nuclear no presente recurso é a de saber se o subfator F2.1. – Memória Descritiva avalia o modo verdadeiros atributos das propostas, ou seja, aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência, mas antes aspetos de natureza eminentemente formal das propostas, em clara violação dos artigos 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 do CCP.

A resposta é manifestamente desfavorável às pretensões da Recorrente.
De facto, prevendo o nº. 1 do artigo 75º do CCP que o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa deverá ser densificado por fatores e eventuais subfatores que, por sua vez, devem estar ligados ao objeto do contrato a celebrar, abrangendo todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, cumpre à Administração avaliar apenas o modo como os concorrentes se propõem executar o objeto do contrato a celebrar, ou seja, avaliar apenas os atributos da proposta.
Efetivamente, “(…) entende-se por atributo da proposta qualquer elemento ou característica da mesma que diga respeito a um aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos (…) ” [cfr. artigo 56.º, n.º 2, do CCP].
Realmente, os atributos da proposta são “(…) as prestações (com as suas características e circunstâncias) aí oferecidas ou pedidas à entidade adjudicante em relação aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, logo, com correspondência necessária no ou nos fatores de adjudicação, e de acordo com os quais, em caso de adjudicação, o concorrente fica obrigado a contratar (…) ” [Vd. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, Almedina, 2010, pág. 929].

Volvendo ao caso dos autos, e escrutinando o Programa de Concurso, facilmente se apreende que o SF2.1 - Memória Descritiva - deverá conter “(…) a descrição da metodologia de trabalho a empregar na execução da prestação de serviços incluindo o cronograma de trabalhos e a descrição dos meios materiais e humanos a utilizar em cada fase dos trabalhos (…)” [cfr. alínea e) do artigo 12º].
Os atributos a avaliar neste domínio são, portanto, a (i) metodologia de trabalho, (ii) o cronograma de trabalha e os (iii) meios humanos a utilizar em cada fase dos trabalhos.
Ora, com referência a estes atributos, é para nós evidente que só se pode avaliar a “maior” ou a “menor” valia de uma proposta consoante o “maior” ou “menor” detalhe da forma como o concorrente se propõe executar a obra, enfim, consoante a maior ou menor “riqueza” do detalhe da proposta nos domínios assinalados.
De facto, só assim é possível estabelecer uma diferença qualitativa e quantitativa entre as opções de execução da obra propostas pelos concorrentes.
A presença dos descritores em questão justifica-se, portanto, pela necessidade de estabelecer uma diferenciação das propostas, cuja gradação que está dependente, para além da identificação da presença dos referidos atributos na propostas, do nível da detalhe da sua descrição.
O que se enquadra perfeitamente no uso de escalas densificadas e gradativas com recurso as expressões do tipo “descrição muito completa” ou mesmo “completa”, “suficiente”, “insuficiente” e “sem descrição”, como sucede no caso dos autos.
Isto não significa, todavia, que, com o recurso a tais descritores, se pretenda avaliar unicamente aspetos meramente estéticos das propostas relacionados com o volume descritivo das propostas.
Realmente, não é a circunstância da proposta conter mais ou menos páginas descritivas dos atributos que deve relevar em matéria de adjudicação do procedimento concursal, mas antes a maior ou menor valia dos atributos propostos, que são, verdadeiramente, os aspetos da execução do contrato a celebrar.
Assim, a mera previsão destes descritores é incapaz de fulminar o procedimento concursal com ofensa dos artigos 74.º, n.º 1, 75.º, n.º 1 do CCP, exigindo-se, para tal, a alegação [e demonstração] suplementar que a Administração, na realização das respetivas tarefas avaliativas, incorreu, efetivamente, em desvio procedimental, por avaliar antes os aspetos estéticos da propostas e não os concretos atributos das propostas.
Porém, no caso em análise, não é possível assegurar que assim foi.
Na verdade, a Recorrente demitiu-se de alegar e demonstrar tal realidade, como era seu ónus, e, resulta do art. 342º, nº 1, do Código Civil, facto que não se pode presumir do Relatório Final junto aos autos.
A omissão de alegação e demonstração que a Administração, na realização das respetivas tarefas avaliativas, avaliou os aspetos estéticos da propostas e não os concretos atributos das propostas, como está bom de ver, impede este Tribunal Superior de realizar a existência do invocado desvio procedimental.
Neste enquadramento, não se pode acompanhar a tese aduzida pela Recorrente de que o se visa avaliar no SF 2.1 – Memória Descritiva - são as características e valias técnicas da metodologia, dos meios humanos e materiais, e da planificação das tarefas proposta, e não o nível de completude, detalhe e qualidade com que a metodologia, os meios a empregar e a planificação das tarefas são descritos, desde logo, por refletir uma abordagem simplista e desacompanhada da equação obrigatória a considerar no domínio em análise, que assim improcede.
Não vingando a tese da Recorrente, soçobra, naturalmente, o pedido de condenação da Entidade Demandada a aprovar um novo Programa do Procedimento, sem reincidir nas ilegalidades detetadas, e a praticar todos os atos e diligências subsequentes previstos na tramitação legal do procedimento de contratação.

De facto, à míngua da demonstração do caráter ilícito da atuação da Administração visada nos autos, não pode tal pedido obter provimento judicial.

O presente recurso jurisdicional não merece, portanto, provimento.
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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em:

(i) CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto pelo Município (...);
(ii) NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional interposto por S., Lda.;
(iii) e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, e julgar a ação totalmente improcedente.
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Custas do recurso jurisdicional interposto pelo Município (...) pela Recorrida.
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Custas do recurso jurisdicional interposto por S., Lda. pela Recorrente.
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Registe e Notifique-se.
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Porto, 10 de setembro de 2021,

Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Luís Migueis Garcia