Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00714/10.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/23/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IVA;
FISCALIZAÇÃO;
APREENSÃO DE DOCUMENTOS;
Sumário:
I. A exigência de emissão de documento de transporte visa o controlo dos bens em circulação, por forma a prevenir e combater a fraude e evasão fiscais. A fiscalização do cumprimento das normas previstas no DL n.º 147/2003, Regime dos Bens em Circulação (RBC), compete à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana.

II. A acção realizada ao abrigo do n.º 1, do artigo 13.º, a Brigada Fiscal da GNR, por via da qual procedeu à apreensão de vários documentos (guias de transporte e outros), desenvolve-se no decurso de uma acção de fiscalização levada a efeito no âmbito de competência própria, extraprocessual daquela entidade não carecendo da intervenção da autoridade judiciária.

III. A recolha de documentos de transporte visualizados num caixote de lixo da Impugnante, pela brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana é subsumível à (pelo menos tentativa) de destruição de elementos fiscalmente relevantes (artigo 118º n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributária), e como tal é aplicável à situação o artigo 48.º do Regime Geral das Contraordenações.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A [SCom01...], Ld.ª (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 30.04.2013, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios relativa ao exercício de 2005, no montante de €56.000,00, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
A. Não tendo sido cumprido o formalismo inerente à apreensão de documentos, a declaração dos militares da Brigada da GNR de que os documentos que remeteram foram os mesmos que foram apreendidos ou recolhidos nas instalações da Impugnante, não pode ser validade no sentido de se concluir pela verificação de tal pressuposto, na medida em que não foi assegurada, para os devidos efeitos, a comprovação perante o contribuinte da apreensão em causa;

B. Por tal facto, não poderia ter sido dado como provado que ocorria identidade entre os documentos recolhidos e os que foram remetidos, e bem assim, se estes eram os provenientes das instalações da Impugnante;
AO DIREITO

C. A interpretação do Art.º 13º do Dec.-Lei n.º 147/03 no sentido em que em sede de fiscalização da circulação de mercadorias se pode processar a apreensão de documentos que se encontrem nas instalações do contribuinte, sem que haja a evidência que estes se referem ao transporte ou à mercadoria inspeccionada, viola do disposto nos ns. 2 e 3 do Art.º 18º da CRP e Art.º 1º do Cód. Penal, ao configurar uma interpretação extensiva da norma de limitação de direitos, liberdades e garantias;

D. Com efeito, a apreensão de documentos nas circunstâncias descritas na sentença agora em recurso, teria que ter sido efectuada ou ao abrigo do disposto no Art.º nos Arts.º 174 e segs. do CPP, nomeadamente, os requisitos legais para a sua efectivação, em concreto, nas seguintes situações:
– Existência de autorização judicial para o efeito – Art.º 174º n.º 2 e 3 e 176º; Existência de autorização do visado e desde que o consentimento fique documentado -Art.º 174º n.º 4 al. b);
E teria que ter ocorrido a validação da apreensão nos termos do Art.º 178 n.º 5 do CPP por autoridade judiciária;

E. Assim, a apreensão em causa, por ilegal, deve ter-se por nula, para os devidos e legais efeitos, sendo que, as exigências ern matéria tributária ou matéria penal, em concreto são as mesmas, ou seja, se a apreensão não cumpriu os requisitos legais para o efeito em sede penal, também não pode ser validade em sede fiscal;

F. Da mesma forma, a apreensão documental em causa, também não foi efectuada ao abrigo do regime legal do procedimento de inspecção, nomeadamente, não foram respeitadas as formalidades inerentes ao direito de defesa,


G. Por último, deve ter-se que, se a apreensão em causa se deve considerar como ilegal, todos os actos praticados que desta dependem, nomeadamente, os referentes à construção de um modelo putativo para a fixação por métodos indirectos do volume de negócios, devem ter-se como afectados pela ilegalidade cometida, e como tal, sem o suporte documental, deve anular-se a liquidação;

H. Com efeito, sendo sustentados os pressupostos da liquidação na suposta existência de operações omitidas, por referência aos documentos apreendidos, não podendo ser validada a apreensão, nem os documentos, carece de fundamento a liquidação, por inexistência dos pressupostos da mesma;
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado como provado e procedente e cm conformidade, deverá ser amigada a liquidação efectuada, como é de Justiça.»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não usou do direito de contra-alegar.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 239 do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes: se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto e subsequente erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Com interesse para a decisão da causa resulta apurada a seguinte factualidade:
a) Ao abrigo da ordem de serviço ...74. impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que teve início em 01/04/2008 e término em 09/09/2008 (cf. doc. de fls. 13 a 32 dos autos).
b) A acção referida em a) teve origem “numa participação emanada pela Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana. Na citada esta entidade participa que na sequência de uma diligência por si efectuada foram encontradas num balde do lixo nas instalações do s.p. e apreendidas 577 guias de transporte e uma guia de remessa. Anexamos 323 guias de transporte relativas a 2005 assim como a guia de remessa” (cf. doc. de fls. 18 do Processo Administrativo, doravante apenas).
c) A impugnante é uma sociedade que exerce a sua actividade através de um armazém na lota da ... e de uma loja aberta ao público na Rua ..., também na ..., inscrita no cadastro com o CAE 46381 – Comércio por Grosso de Peixe e Outros Crustáceos (cf. fls. 18 do PA).
d) Em sede inspectiva apurou-se que “A participação da Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana já exposta na alínea B do Capítulo II do relatório, mormente que os factos indiciam subfacturação por parte do s.p.. Relativamente às 323 guias de transporte apreendidas respeitantes a 2005 é de referir que:
– Das 323 guias de transporte apreendidas, 12 respeitam ao transporte de mercadorias entre o armazém e a loja do s.p. respeitando as restantes 311 guias de transporte a transportes realizados pelo s.p. tendo como destino diversos clientes, não se encontrando no entanto os mesmos identificados nas guias, excepção feita a 7 guias que contêm referência ao cliente do s.p. «AA», ES D.......9
– As 311 guias de transporte. referentes a transportes realizados pelo s.p. tendo como destino diversos clientes, não contêm qualquer alusão/inscrição ao seu retorno ao armazém ou a loja do s.p.
– As facturas emitidas pelo s.p. e patentes na contabilidade mencionam, na sua maioria, a respectiva guia de remessa, tendo-nos sido ainda informado pelo s.p. que as facturas que não mencionam o número da guia de remessa respeitam a mercadorias adquiridas e transportadas pelo adquirente e para as quais não foram emitidas guias de transporte ou guias de remessa.
– O s.p. nas facturas emitidas menciona exclusivamente as guias de remessa e nunca guias de transporte” (cf. doc. de fls. 19 do PA).
e) As guias de transporte foram apreendidas pela Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana, nas instalações da impugnante, que as levou para o Sub-Destacamento Fiscal e as carimbou e, posteriormente, as fez chegar ao Serviço de Finanças, uma vez que a representante da impugnante se recusou a recebê-las (cf. fls. 33 a 349 do PA, que aqui se dão por reproduzidas e depoimento das testemunhas).
f) A participação da Brigada Fiscal da GNR com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
g) Na sequência da inspecção supra mencionada, na qual foram ponderadas as guias referidas em e), a impugnante veio a ser notificada da fixação da matéria tributável em sede de IRC e de IVA para o ano de 2005, com recurso a métodos indirectos (cfr. doc. de fls. 351 a 354 dos autos).
h) A impugnante apresentou um pedido de revisão da matéria tributável (cf. fls. 369 a 378 do PA).
i) Foi efectuado o procedimento de revisão e na ausência de acordo entre os peritos, foi por cada um lavrado o respectivo parecer e proferida decisão de indeferimento do pedindo em 06/10/2009 (cf. doc. de fls. 362 a 368 e 392 a 399 do PA).
j) Foram emitidas, em relação ao ano de 2005, as liquidações de IVA nº ...76, no valor de € 14.71003; nº ...74, no valor de € 15.224,34: nº ...72, no valor de €13.637,85 e nº ...70, no valor de €12.191.97 e, ainda, as liquidações de juros compensatórios nº ...75, no valor de €1,745,17; nº ...71, no valor de €1.626,04; nº ...73, no montante de €1.703,80 e nº ...77, no valor de €1.534.68, todas com data limite de pagamento de 31/...09 (cf. doc. de fls. 47 a 54 dos autos).
k) O acesso às instalações da impugnante foi facultado por um seu empregado (cf. depoimento das testemunhas).
1) A Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana, quando se dirigiu às instalações da impugnante, fê-lo na sequência duma acção de fiscalização no âmbito da circulação de mercadorias (cf. depoimento das testemunhas).
m) A presente impugnação foi deduzida em 09/03/2010 (cf. fls. de fls. 56 dos autos).
Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas.»
2.2. De direito
Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 30.04.2013 pela qual se considerou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2005, assim como contra as correspectivas liquidações de juros compensatórios.
As liquidações supra referidas resultaram de uma acção inspectiva promovida pelos serviços da AT, assentando a tese da Recorrente de que no âmbito da mesmo os trabalhos de cálculo, preparação de elementos e demais actos praticados em que se alicerçaram as liquidações, assentaram numa participação da Guarda Fiscal escorada na apreensão de documentos que configuram guias de transporte e de remessa apreendidos nas instalações da impugnante.
Defende que tal prova é nula e inadmissível, pois para a sua recolha a Brigada Fiscal da GNR invoca o artigo 13º do DL nº 147/03, mas resulta daquele diploma que, em concreto, em sede de fiscalização apenas podem ser abertas as embalagens, malas e outros contentores de mercadorias.
Mais diz que, do mesmo modo, que ao abrigo dos artigos 15º a 18º do citado diploma, apenas poderá ser efectuada a apreensão de bens nos termos ali referidos, sendo que ao abrigo do DL nº 147/03, jamais poderiam vir a ser apreendidos documentos que estivessem no caixote do lixo (ou em qualquer outro local) das instalações (armazém) da impugnante.
Alega. ainda, que a apreensão de documentos e a actuação dos agentes em causa, teria de se pautar pelo disposto nos artigos 174º e ss. do Código de Processo Penal (CPP), nomeadamente, quanto aos requisitos legais para a sua efectivação em concreto, ou seja, autorização judicial para o efeito (artigo 174º, nº 2 e 3 do CPP) e existência de autorização do visado e desde que o consentimento fique documentado (artigo 174º, nº 4 alínea b) do CPPT), o que não aconteceu.
Por sua vez a Recorrida defende-se em sede de Impugnação argumentando que os documentos foram apreendidos pela Brigada Fiscal da GNR, quando esta se encontrava a efectuar uma operação de controlo de bens em circulação na qualidade de entidade fiscalizadora, no âmbito das competências que lhe são atribuídas pelo artigo 13º, nº 1 do DL 147/2003 de 11 de julho, e que a interpretação que a impugnante faz daquele diploma, quando refere que apenas podem ser abertas as embalagens, malas e outros contentores de mercadorias não tem qualquer correspondência à intenção do legislador.
Em suma, o cerne da questão em discussão na presente impugnação prende-se com a validade, ou não, da apreensão dos documentos.
As questões suscitadas nestes autos, nomeadamente aquelas que compõem o objecto do presente recurso, foram já objecto de recente acórdão deste TCAN, onde as partes, a decisão proferida em 1ª instância e as alegações de recurso são análogas e, portanto, as questões a apreciar são idênticas, divergindo, apenas, o período a que respeitam as liquidações de IVA, ali 2006, aqui 2005.
Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Subsecção Comum, de 26.10.2023, proferido no âmbito do processo n.º 2128/09.2BEPRT [ainda inédito]:
«No que se refere ao erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se que aplicando a versão do Código de Processo Civil (doravante CPC) aplicável aos presentes autos (a anterior à vigente resultante do Decreto-Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, que entrou em vigor a 1 de setembro de 2013), temos que o controlo efetuado pelo Tribunal Central Administrativo sobre a decisão da 1.ª instância relativa à matéria de facto pode revestir, segundo a sua finalidade, três modalidades: esse controlo pode visar a reponderação da decisão proferida, o reexame da decisão com novos elementos ou a anulação da decisão. Este controlo só pode recair sobre factos com interesse para a decisão da causa – tal como referido por Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2.ª edição, página 415.
Na presente situação, atento o teor das conclusões A) e B), interpreta-se de que a Recorrente pretenderia que o Tribunal ad quem reapreciasse a matéria de facto (pois por um lado não ocorreu a junção de qualquer novo documento que coloque em causa ou destrua a prova já apreciada e sobre a qual assentou a decisão recorrida e por outro lado não se reputa de deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto e nem se julga indispensável a ampliação da referida matéria de facto).
Ora, o Tribunal ad quem pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão proferida em duas situações:
· Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou se, tendo havido gravação dos depoimentos prestados, o recorrente tiver cumprido o ónus de transcrição das passagens da gravação em que fundamenta o seu recurso – artigo 712.º, n.º 1, al. a) do CPC ;
· Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas – artigo 712, n.º 1, al. b) do CPC
Na presente situação temos que a 30 de janeiro de 2013 foi realizada diligência de inquirição de testemunhas, a qual foi objeto de gravação, tal como se constata da ata constante de fls. 132 a 134 do processo físico.
Assim sendo, uma vez que não foi cumprido o ónus que sobre si impendia nos termos do artigo 685.º, n.º 1 do CPC, dado que não indicou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e porque não indicou os concretos meios probatórios que impusessem decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, rejeita-se quanto a este ponto o recurso (sendo que a legalidade dos meios probatórios e a forma pela qual foram obtidos irão ser infra apreciados).
No mais, quanto ao não cumprimento do formalismo inerente à apreensão de documentos, constata-se que a Recorrente importa conceitos e institutos jurídicos do Direito Penal e do Direito do Processo Penal, os quais de nenhuma relevância têm nesta sede Tributária.
Aliás, decorre de todo o processo (quer em sede de petição inicial e alegações pré-sentenciais e de recurso) que a Recorrente parte de uma presunção errada. Senão vejamos:
O que consta dos autos e resulta dos factos provados não é que ao abrigo do Decreto-Lei n.º 147/2003 de 11 de julho (Regime dos Bens em circulação, objeto de transações entre sujeitos passivos de IVA) que a apreensão de documentos foi realizada. Nem o referido Decreto-Lei o prevê, nem tal foi invocado.
O que resulta dos autos e consequentemente dos factos provados é que no seguimento de uma fiscalização realizada, essa sim, ao abrigo do referido Decreto-Lei e no seguimento da deslocação às instalações da Recorrente foram aí encontrados no caixote do lixo, guias de transporte e uma guia de remessa.
Face a tal constatação, foram as guias de transporte apreendidas pela Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana, nas instalações da recorrente, que as levou para o Sub-Destacamento Fiscal e as carimbou e, posteriormente, as fez chegar ao Serviço de Finanças, uma vez que a representante da impugnante se recusou a recebê-las.
Tais atos não deram origem a processo criminal, mas sim a uma inspeção tributária.
Sobre tal questão, foi feito constar da sentença o seguinte entendimento, com o qual este Tribunal concorda:
[O Regime de Bens em Circulação, aprovado pelo Dec-Lei 147/2003, de 11/7 (doravante designado por RBC), estabelece as normas sobre os documentos de transporte que devem acompanhar os bens em circulação, consagrando o seu n.º 1 que, “Todos os bens em circulação, em território nacional, seja qual for a sua natureza ou espécie, que sejam objecto de operações realizadas por sujeitos passivos de imposto sobre o valor acrescentado deverão ser acompanhados de documentos de transporte”.
Os documentos de transporte a que alude o referido artigo reportam-se à factura, guia de remessa, nota de venda a dinheiro, nota de devolução, guia de transporte ou documentos equivalentes e devem ser processados de harmonia e com os elementos elencados nos Arts. 4.º, 5.º, 6.º e 8.º do RBC.
A exigência de emissão de documento de transporte visa o controlo dos bens em circulação, por forma a prevenir e combater a fraude e evasão fiscais.
A fiscalização do cumprimento das normas previstas no DL n.º 147/2003 compete à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana.
No acto de fiscalização efectuada ao abrigo do n.º 1, do artigo 13.º, do Regime dos Bens em Circulação (RBC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/03 de 11 de Julho, a Brigada Fiscal da GNR procedeu à apreensão de vários documentos (guias de transporte) melhor descritos na factualidade apurada.
Tal apreensão, efectuada pela Brigada Fiscal da GNR, desenvolveu-se no decurso de uma acção de fiscalização levada a efeito no âmbito de competência própria, extraprocessual daquela entidade não carecendo da intervenção da autoridade judiciária, tal como defende a impugnante.
Lembremos que não se encontrava em curso qualquer diligência de investigação criminal, nem decorria qualquer inquérito que determinasse a intervenção de autoridade judicial.
A Brigada Fiscal da GNR agiu no exercício das suas funções no âmbito da actuação fiscalizadora/preventiva que detém.] – Fim de transcrição
Cumpre ainda referir que nos termos da Lei n.º 63/2007, de 06 de novembro – Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (doravante LOGNR) – faz parte das atribuições da Guarda Nacional Republicana (doravante GNR) a prevenção e investigação das infrações tributárias, fiscais e aduaneiras, bem como fiscalizar e controlar a circulação de mercadorias sujeitas à ação tributária, fiscal ou aduaneira – artigo 3.º, n.º 2, al. d) da LOGNR.
Acresce ao referido que nos termos do artigo 70.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (doravante LGT)a denuncia de infração tributária pode dar origem ao procedimento, caso o denunciante se identifique e não seja manifesta a falta de fundamento da denuncia.” – na presente situação, temos que a denúncia (participação) foi realizada por um denunciante que se identificou ab initio.
Por sua vez, o número 6 do artigo 6.º, referente ao Circuito e Validade dos Documentos de Transporte, constante do Regime de Bens em Circulação dispõe que “Sem prejuízo do disposto no artigo 52.º do Código do IVA, devem ser mantidos em arquivo, até ao final do 4.º ano seguinte ao da sua emissão, os exemplares dos documentos de transporte destinados ao remetente e ao destinatário, bem como os destinados à inspeção tributária que não tenham sido recolhidos pelos serviços competentes.” – os documentos de transporte em causa foram visualizados num caixote de lixo, o que não indicia o seu arquivamento.
Ora, o que foi visualizado pela GNR brigada Fiscal é passível de ser subsumível ao tipo previsto no artigo 118.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributária, o qual prevê que “1 - Quem dolosamente falsificar, viciar, ocultar, destruir ou danificar elementos fiscalmente relevantes, quando não deva ser punido pelo crime de fraude fiscal, é punido com coima variável entre (euro) 750 e o triplo do imposto que deixou de ser liquidado, até (euro) 37 500.” – toda a situação retratada pelos factos provados, são subsumíveis à (pelo menos tentativa) de destruição de elementos fiscalmente relevantes.
Atento o exposto, não há como não considerar aplicável à presente situação o artigo 48.º do Regime Geral das Contraordenações, o qual reza:
1 - As autoridades policiais e fiscalizadoras deverão tomar conta de todos os eventos ou circunstâncias suscetíveis de implicar responsabilidade por contraordenação e tomar as medidas necessárias para impedir o desaparecimento de provas.
2 - Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal.
3 - As autoridades policiais e agentes de fiscalização remeterão imediatamente às autoridades administrativas a participação e as provas recolhidas.”
Assim sendo, do compêndio legislativo transcrito e do conspecto dos factos considerados provados não há como não concluir que nenhuma ilegalidade do ponto de vista tributário foi cometida, tendo ocorrido o estrito cumprimento da lei fiscal.
Se, eventualmente ocorreu alguma violação, tal ocorreu a nível do direito penal e direito processual penal, não sendo apreciável nesta sede, mas sim no âmbito da jurisdição comum, mormente, criminal.
Assim sendo, o presente recurso está destinado a soçobrar in totum.» (fim de transcrição)
Por tudo o exposto, aqui totalmente transponível com as devidas adaptações, impõe-se negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida com os presentes fundamentos.
2.3. Conclusões

I. A exigência de emissão de documento de transporte visa o controlo dos bens em circulação, por forma a prevenir e combater a fraude e evasão fiscais. A fiscalização do cumprimento das normas previstas no DL n.º 147/2003, Regime dos Bens em Circulação (RBC), compete à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana.

II. A acção realizada ao abrigo do n.º 1, do artigo 13.º, a Brigada Fiscal da GNR, por via da qual procedeu à apreensão de vários documentos (guias de transporte e outros), desenvolve-se no decurso de uma acção de fiscalização levada a efeito no âmbito de competência própria, extraprocessual daquela entidade não carecendo da intervenção da autoridade judiciária.

III. A recolha de documentos de transporte visualizados num caixote de lixo da Impugnante, pela brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana é subsumível à (pelo menos tentativa) de destruição de elementos fiscalmente relevantes (artigo 118º n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributária), e como tal é aplicável à situação o artigo 48.º do Regime Geral das Contraordenações.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo-se o sentido decisório da sentença recorrida com os presentes fundamentos.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 23 de novembro de 2023

Irene Isabel das Neves
José Coelho
Paula Moura