Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00060/15.02BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/19/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
DESPACHO SANEADOR;
LIMITE TEMPORAL PRECLUSIVO;
Sumário:
I – A falta de pressupostos processuais ou a existência de quaisquer outras questões prévias que possam obstar ao prosseguimento da ação devem ser resolvidas em sede de despacho saneador, nos termos do art.º 87º, n.º 2 do CPTA [atualmente, artigo 88º, nº.2], não podendo ser apreciadas ou suscitadas em momento posterior do processo.

II – Neste enquadramento, é de manifesta evidência que o Tribunal a quo, ao suscitar e declarar a sua incompetência para conhecer da presente ação em razão da preterição de tribunal arbitral após a prolação de despacho saneador, não respeitou o limite temporal preclusivo, incorrendo em nulidade processual, por violação do disposto no art.º 87º, n.º 2 do C.P.T.A..*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...], S.A. [doravante [SCom01...]], Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM em que são Réus os MUNICÍPIOS DE ... e DE ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial [erroneamente classificada pelo Tribunal a quo como “despacho saneador-sentença”] promanada em 07.06.2023, que julgou “(…) verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, declarar este Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela incompetente para conhecer do presente litígio, absolvendo os réus da instância (…)”.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

1. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da Sentença proferida no processo n.º 60/15.0BEBRG do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta por preterição de Tribunal Arbitral e, em consequência, declarou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela incompetente para conhecer do litígio, absolvendo os Réus da instância.

2. Não obstante, e com o devido respeito pelo Tribunal a quo e pela Sentença proferida, não pode a Recorrente conformar-se com o mesmo, uma vez que, por um lado, entende que o douto Tribunal é o competente para decidir da questão e, por outro, a decisão de incompetência absoluta por preterição de Tribunal Arbitral, para além de violar, de forma manifesta, o caso julgado viola, igualmente, o n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, que estatui que está completamente vedado ao Tribunal a quo, nesta fase processual, suscitar e decidir sobre qualquer exceção dilatória (tenham, ou não, sido apreciadas no Despacho Saneador).

3. Refira-se, aliás, que situação análoga a esta já foi decidida por V. Exas. no âmbito do Processo n.º 00239/13.9BEMDL-S1, sentenciando esse douto Tribunal, ao contrário do Tribunal a quo, que tendo a questão da competência do TAF de Mirandela para conhecer da ação sido decidida já no despacho saneador, configura uma situação de “caso julgado tácito”, pelo que essa questão não pode ser suscitada e reapreciada.

4. O Tribunal a quo designou a decisão recorrida de “Saneador-Sentença” o que, com todo o respeito, para além de ser um manifesto erro de denominação pode inculcar em V. Exas. a ideia de que a presente decisão foi proferida após a audiência prévia e tentativa de conciliação, mas antes da audiência final

5. O que manifestamente não aconteceu, pois a aludida decisão foi proferida após o encerramento da audiência de discussão e julgamento. E, nessa esteira, nos termos do artigo 94.º do CPTA é uma Sentença.

6. Ademais, apenas podem ser denominadas Saneadores-Sentenças os Despachos Saneadores proferidos nos termos do artigo 88.º do CPTA que conheçam “total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória.”, cfr. alínea b) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 88.º do CPTA.

7. E, nessa senda, deveria a decisão recorrida ser denominada de Sentença, o que desde já se requer.

8. Em sede de Despacho Saneador, o douto Tribunal havia decidido que era materialmente competente para julgar o presente litígio, vindo agora, após a prolação do Despacho Saneador ter transitado em julgado (caso julgado formal) e sem que os pressupostos da ação se alterassem, decidir em sentido contrário ao que havia decidido – num verdadeiro terrorismo processual com o qual a Recorrente não pode ser complacente nem conivente!

9. Desde logo, o Tribunal a quo proferiu duas decisões contraditórias, violando o caso julgado, na medida em que não tendo havido qualquer recurso sobre o Despacho Saneador, a decisão nele contida acabou por transitar em julgado, formando caso julgado formal.

10. O caso julgado – perspetivado na vertente que se reporta à sua força e autoridade, decorrente de uma anterior decisão proferida já, no âmbito do mesmo processo, sobre a matéria em discussão – tem como finalidade evitar que a relação jurídica material, no que tange concretamente à questão exceptiva tratada, já definida por decisão anteriormente transitada, possa ser apreciada de modo diferente por decisão posterior, com ofensa dos valores da segurança, certeza e economia processuais.

11. Dessa forma, a decisão concretamente apreciada sobre a competência do Tribunal, proferida no Despacho Saneador, já havia transitado em julgado quando foi proferida a Sentença recorrida, pois que a oportunidade do Réu se insurgir contra tal decisão há muito havia terminado, razão pela qual a Sentença recorrida estava impedida de a reapreciar.

12. O Tribunal a quo ao conhecer questão de que não podia tomar conhecimento, cometeu pronúncia indevida, o que acarreta a nulidade da decisão – art. 668.º, n.º 1, d), 2.ª parte, ex vi dos arts. 716.º e 726.º do C.P.C.

13. Resulta do n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, que a incompetência absoluta do tribunal, tal como qualquer outra exceção dilatória que tenha sido apreciada no Despacho Saneador, não pode ser reapreciada em momento posterior do processo.

14. In casu, o Tribunal a quo proferiu Despacho Saneador em 6/11/2019, no qual decidiu que “O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território”.

15. Face ao exposto, tendo em consideração que tal questão foi apreciada no aludido Despacho Saneador, segundo o n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, não pode a mesma voltar a ser reapreciada!

16. E, mesmo que se entenda que tal exceção dilatória não foi apreciada no Despacho Saneador, o que não se concede, também não poderia ser apreciada em fase posterior ao aludido Despacho, uma vez que o n.º 2 do artigo 88.º do CPTA o interdita de forma perentória.

17. A Recorrente foi interpelada pelo Tribunal para se pronunciar acerca da incompetência material por preterição do tribunal arbitral prevista nas cláusulas 11º dos acordos parassociais juntos e alegada pelo Município .... O que, efetivamente, fez, tendo-se pronunciado acerca dos acordos parassociais e da sua interpretação.

18. Porém, na decisão recorrida o Tribunal a quo para além de fundamentar a sua decisão nos acordos parassociais recupera “ex novo” o contrato de entrega e receção de RSU’s e de recolha seletiva para a valorização, tratamento e destino final, celebrado entre a [SCom02...] e o Município .... Documento esse que, como V. Exas. poderão asseverar não foi indicado no Despacho transcrito…

19. E a verdade é que tal nova e imprevista abordagem apenas surge na decisão recorrida, resultando, naturalmente, que a aqui Recorrente nunca tenha se pronunciado sobre o aludido acordo e as suas cláusulas, não podendo olvidar-se que a Recorrente não é parte no mesmo.

20. É manifesto que tal questão e os factos em que pretensamente se mostra fundada, extravasa de todo, o que estava submetido à apreciação do tribunal, e veio a ser determinante na decisão da causa.

21. A decisão de recorrer a um contrato de entrega e receção de RSU’s e de recolha seletiva para a valorização, tratamento e destino final, celebrado entre a [SCom02...] e o Município ..., como fundamento para julgar o Tribunal a quo incompetente, sem que fosse dada oportunidade à Recorrente de sobre ele tomar posição, constitui assim clara e manifesta decisão-surpresa, cuja prática integra nulidade de sentença por excesso de pronúncia, ao abrigo do artigo 615.º, al. d), ou, subsidiariamente, uma nulidade processual nos termos do disposto no artigo 195.º nº 1 do CPC, nulidades essas que expressamente aqui se invocam quanto a este fundamento acolhido na Sentença sob recurso.

22. Encontra-se vertido na douta Sentença que o litígio em causa está excluído da competência do douto Tribunal, competindo ao Tribunal Arbitral a competência para o julgamento da causa. Pelo que, verifica-se uma exceção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, nos termos conjugados do disposto nos artigos 96.º, alínea b), 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, alínea a) do CPC, uma vez que segundo a 11ª cláusula dos acordos parassociais, seria competente o Tribunal Arbitral.

23. Porém e, com todo o respeito, não pode a Recorrente concordar com este entendimento, desde logo, porque o acordo parassocial não lhe é oponível, de facto, o acordo mediante o qual os Municípios que compõem a AMAT se vincularam encontrou o seu repositório num acordo parassocial, o qual, atualmente vigora entre todos os acionistas da Recorrente.

24. Todavia, não tendo a Recorrente participado na elaboração do referido acordo, esta falta de intervenção tem por imediata consequência a de tornar evidente a inoponibilidade deste acordo à Recorrente!

25. Na verdade, não nos parece que os efeitos deste acordo inter partes possam ser extrapolados, opondo-os a uma parte nele não outorgante, pese embora até conhecedora do seu teor e erigida em sua cumpridora.

26. Nesta senda, dispõe o artigo 17.º do Código das Sociedades Comerciais que “os acordos parassociais celebrados entre todos ou entre alguns sócios pelos quais estes, nessa qualidade, se obriguem a uma conduta não proibida por lei têm efeitos entre os intervenientes, mas com base neles não podem ser impugnados actos da sociedade ou dos sócios para com a sociedade.” (destacado nosso), ou seja, afirma a lei, claramente, o princípio da eficácia relativa como limite imposto a qualquer acordo parassocial.

27. De igual modo, as disposições do acordo parassocial não vinculam a sociedade, porquanto a sociedade não é parte nesse mesmo acordo. Tal sucede mesmo que seja outorgado por todos os sócios da sociedade, ainda que esses sócios exerçam funções de gerência e que possam vincular a sociedade.

28. Pelo exposto, e pela mesma ordem de razões, também não se pode considerar que a Recorrente está obrigada à cláusula de atribuição de competência ao Tribunal Arbitral, precisamente porque não é parte no acordo parassocial e o mesmo não lhe é oponível.

Logo, somos forçados a concluir que inexiste a exceção dilatória de competência absoluta, sendo, o douto Tribunal competente para a resolução do presente litígio.

29. Determina o n.º 2 da cláusulas 11.ª de ambos os acordos parassociais (cf. Documentos nºs. ... e ... juntos com a petição inicial) que: “2. No caso de não ser possível uma solução negociada e amigável nos termos previstos no número anterior, cada uma das partes poderá, a todo o momento recorrer a arbitragem, nos termos dos números seguintes;” (destacado nosso).

30. Ora, na cláusula supra transcrita, ao contrário do que parece inculcar o Tribunal, as partes não acordaram que a competência para dirimir eventuais litígios fosse competência exclusiva de um Tribunal arbitral, mas antes que, as partes poderiam recorrer à Arbitragem, como meio alternativo de resolução de litígios. Basta atentar na utilização do verbo transitivo “poder”...

31. Ou seja, com a presente cláusula as partes convencionaram que tinham a faculdade, se pretendessem, de recorrer “a todo o tempo” a um tribunal Arbitral. Por conseguinte, as partes estabeleceram uma competência jurisdicional concorrente e não exclusiva.

32. E, assim sendo, ao contrário do decidido na Sentença recorrida as partes não renunciaram expressamente aos tribunais estaduais, sendo, também por esta via, o douto Tribunal competente para a resolução do presente litígio (…)”.


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3. Notificados que foram para o efeito, os Recorridos produziram contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à verificação da exceção de incompetência absoluta do T.A.F. de Mirandela, por preterição de tribunal arbitral.

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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

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6. Cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) nulidade de sentença, por (i.1) excesso de pronúncia e/ou (i.2) violação do princípio do contraditório, bem como em (ii) erro de julgamento de direito, por (ii.1) ofensa do disposto no artigo 88º, nº.2 do CPTA e/ou por (ii.2) errada interpretação e aplicação do direito.

9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III.1 – DE FACTO

10. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art.º 663º, n.º 6, do CPC.


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IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

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11. Pela decisão judicial apelada - que, reitere-se, não configura qualquer despacho saneador, já que esse teve lugar na audiência prévia realizada em 25.09.2019 [cfr. fls. 349 e seguintes dos autos] - foi julgada verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do T.A.F. de Mirandela, por preterição de tribunal arbitral, na esteira do que foram absolvidos os Réus da instância.

12. Não se conformando com o assim decidido, a Recorrente veio a interpor o presente recurso jurisdicional.

13. Escrutinadas as conclusões apostas no presente recurso, nos termos em que as mesmas se encontram transcritas no ponto I) do presente Acórdão, vemos nelas a necessidade de responder às seguintes questões:

14. Em primeiro lugar, determinar se o despacho saneador-sentença recorrido incorreu em (i) nulidade de sentença, por (i.1) excesso de pronúncia e/ou por (i.2) violação do princípio de contraditório.

15. Em segundo, e em último lugar, apurar se a decisão judicial apelada, ao julgar verificada a excepção de incompetência absoluta do TAF de Mirandela, por preterição de tribunal arbitral, incorreu em (ii) erro de julgamento de direito, por (ii.1) violação do disposto no artigo 88º, nº. 2 do CPTA e/ou (ii.2) errada interpretação e aplicação do direito.

16. Vejamos estas questões especificadamente.

17. Assim, e no que tange ao primeiro ponto de discórdia, cabe notar que incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica, sem prejuízo do conhecimento oficioso de outras, permitido ou imposto por lei, devendo analisar-se, em primeira linha, as questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido [cf. art. 95.°, n.° 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) em articulação com o art. 608.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC)].

18. Quer isto tanto significar que, em termos de precedência lógica, compete ao Tribunal conhecer (i) das questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido – designadamente, a existência de eventuais exceções dilatórias -, e, uma vez ultrapassado este crivo processual, do (ii) mérito dos autos sempre nos termos e com o alcance gizados pelas partes, sem prejuízo, claro está, do conhecimento oficioso de quaisquer outras questões que se imponham nos autos.

19. Ora, entre os fundamentos para a absolvição da instância figura, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art.º 278.º do CPC, a incompetência absoluta do Tribunal, que é de conhecimento oficioso, nos termos da normação vertida no artigo 13º do C.P.T.A.

20. Assim, a circunstância do Tribunal a quo ter declarada a sua incompetência para conhecer a presente ação com fundamento em “preterição de tribunal arbitral” não faz incorrer o Tribunal em qualquer excesso de pronúncia, por se inserir no âmbito dos poderes ex officio do Tribunal quanto à verificação [ou não] dos “pressupostos processuais” do processo.

21. Questão diversa é de saber se nos autos se, ao fazê-lo nos termos descritos nos autos, o Tribunal a quo incorreu em nulidade processual, por violação do “caso julgado tácito”, em violação do artigo 88º, nº. 2 do C.P.T.A.

22. Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade de sentença, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento, cujo conhecimento relegamos para mais adiante.

23. De facto, saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei, são questões que já não contendem com a nulidade da sentença, mas sim com o erro de julgamento - este, traduzindo uma apreciação da questão em desconformidade com a lei [Vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 686, sublinham que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário].

24. Nesta esteira, é de manifesta evidência que não pode apontar-se à decisão judicial recorrida a qualquer excesso de pronúncia determinante da nulidade do Acórdão promanado nos autos, que assim improcede.

25. De igual modo, não se reconhece qualquer nulidade de sentença, por violação de princípio do contraditório, desde logo, porquanto as nulidades de sentença encontram-se tipificadas de forma taxativa no artigo 615.º do CPC, onde não se prevê qualquer nulidade de sentença do tipo invocado.

26. De facto, e como vem constituindo entendimento dominante, a eventual violação de princípio do contraditório é geradora, não de nulidade sentença, mas antes de nulidade processual, a apreciar nos termos gerais do artigo 195º do N.C.P.C., [cfr., por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “Ob. cit. vol. 1, pág. 9”; o prof. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 48”; Ac. do STJ de 6/10/2005, in “Rec. Revisão nº 1876/05 – 2ª sec.”; Acordãos desta Relação e Secção de 18/1/2004 e de 4/10/2005, respectivamente, in “Apelação nº 362/2004 e Apelação nº 1955/05”].

27. Sem prejuízo, retenha-se que a análise dos autos é absolutamente inequívoca na afirmação da observância do legal formalismo em matéria do cumprimento do direito do contraditório no que tange à suscitada exceção de incompetência absoluta, por preterição de tribunal arbitral, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à alegação da Recorrente no patamar em análise.

28. Não colhem, portanto, as objeções da Recorrente nos particulares conspectos de nulidade de sentença em análise.

29. Dissolvida a primeira questão decidenda, vejamos agora se assiste razão à Recorrente quanto ao invocado erro de julgamento de direito.

30. Neste domínio, cabe notar que a presente ação foi instaurada em 12.01.2015, pelo que é de aplicar o CPTA, na versão anterior à redação conferida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02 de outubro.

31. Assim, e no que para o que aqui releva, dispõe o artigo 13º do C.P.T.A., sob a epígrafe: “Conhecimento da competência e do âmbito da jurisdição”, que: “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.

32. Do que se vem de expor grassa à evidência que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de conhecimento oficioso e a sua apreciação tem precedência sobre o conhecimento de qualquer outra matéria.

33. A “preterição de tribunal arbitral” – matéria excetiva tratada na decisão apelada - integra uma das formas de incompetência absoluta [cfr. artigo 96º do CPC], caindo, portanto, na reserva estabelecida no sobredito artigo 13º do C.P.T.A.

34. Todavia, revestindo esta forma de incompetência absoluta a natureza de exceção dilatória [cfr. artigo 278º, nº.1, alínea a) do CPC], suscita-se no presente recurso a questão de saber se o conhecimento de tal matéria excetiva podia [ou não] ter lugar nos termos e com o alcance operados nos presentes autos, isto é, após a prolação do despacho saneador e da realização da audiência de julgamento.

35. Neste domínio, cabe notar que, no aresto de 31.10.2019, tirado no processo nº. 00807/11.3BEPNF, consultável em www.dgsi.pt, este Tribunal Central Administrativo Norte foi chamado apreciar, de entre outras, a questão de saber se o conhecimento de exceção de incompetência absoluta do Tribunal após a prolação de despacho saneador interferia com o regime decorrente do n.º 2 do art. 87.º do C.P.T.A.

36. Considerou-se, nesse aresto, que:” (…)

De acordo com o artº 99º/1, do CPC, a incompetência absoluta implica a absolvição do Réu da instância, sendo que o artº 87º/2, do CPTA diz: “as questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no saneador não podem vir a ser reapreciadas”. Ou seja, haja ou não conhecimento no despacho saneador da competência ou incompetência material do tribunal, tabelar ou quanto a questão concreta, essa competência ou incompetência fica definitivamente resolvida, não podendo mais ser apreciada.

Como defendido, o sistema é absolutamente fechado e não consente margem para interpretações.

Segundo o artº 9º/2 do CC, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar - ensina João Baptista Machado, em “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983, pág.189.

No caso posto, a letra da lei é clara.

Deste modo, não se vê necessidade de recorrer ao seu espírito.

De qualquer modo, mesmo reconstituindo-se o pensamento legislativo, não podemos deixar de concluir pela lógica legislativa supra assinalada.

Também José Lebre de Freitas, em BMJ 333º-18, refere: “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.

Como escrevem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 2005, Almedina, anotação 3 ao artº 87º, págs. 440/441:

“Ao impor ao juiz o dever de conhecer obrigatoriamente das questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, o legislador pretende reafirmar, por um lado, que essas questões, correspondendo a excepções dilatórias, são de conhecimento oficioso, devendo ser apreciadas independentemente de terem sido suscitadas pelas partes nos articulados (…) e, por outro, que tais questões terão de ser necessariamente analisadas e decididas no despacho saneador, por força da proibição que decorre do nº 2 deste artigo 87º”.

E na anotação 7 ao artº 87º, pág. 443, acrescentam:

“O nº 2 pretende concentrar na fase do despacho saneador a apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do processo. E nesse sentido, não só proíbe que sejam suscitadas e decididas em momento posterior do processo quaisquer outras questões ou excepções dilatórias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, como impede que as questões já decididas nesse despacho venham a ser reapreciadas com base em novos elementos”, esclarecendo a seguir: “A segunda parte do nº 2 consagra a solução constante do artigo 510º, nº 3, do CPC, que confere ao despacho saneador a força de caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; mas o disposto na primeira parte não tem paralelo na lei processual civil”.

Já na pág. 444 ensinam:

“Esta solução processual insere-se num princípio de promoção do acesso à justiça, visando evitar que o tribunal relegue para final a apreciação de questões prévias para só então pôr termo ao processo com uma decisão de mera forma (…). E avançam: “Com efeito, o artigo 87º, nº 2, configura uma situação de caso julgado tácito, que deriva de as partes não terem suscitado nos articulados a excepção dilatória que poderia pôr termo ao processo e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essa excepção dilatória, como lhe competia, na fase do saneador.”

“Assim, no âmbito da lei processual civil, (…), não fica afastada a possibilidade, conforme expressamente prevê o artigo 660º, nº 1, do CPC, de se conhecer na sentença, com precedência sobre a matéria de fundo, das “questões processuais que possam determinar a absolvição da instância”. No entanto, o legislador do CPTA, ao estabelecer uma clara proibição de apreciação de questões prévias em momento ulterior à fase do saneador, não tem em consideração as finalidades prosseguidas com a exigência legal dos pressupostos processuais e desinteressa-se das consequências que poderão resultar para as partes do prosseguimento do processo, quando sobrevenha questão que devesse obstar ao conhecimento do mérito, excluindo, nesta sede, o funcionamento do regime do artigo 660º, nº 1, do CPC.” “A norma do nº 2, na interpretação que acaba de ser exposta, não deve impedir, em todo o caso, o conhecimento, em momento posterior ao saneador, de questões processuais que apenas se suscitem após essa fase processual (…). O citado dispositivo deve, pois, ser entendido como reportando-se a questões prévias, ou seja, a excepções dilatórias ou nulidades processuais que tenham sido arguidas pelas partes nos articulados ou se tornem patentes ao juiz por força dos termos em que a ação é proposta, no momento em que o processo lhe é concluso para proferir o despacho saneador. O nº 2 terá, assim, que ser articulado com a alínea a) do nº 1, referindo-se às “questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo” que sejam detetáveis no momento em que o juiz se prepare para exercer a competência prevista nesse preceito, com exclusão, portanto, de quaisquer novas questões que se levantem posteriormente.

Estes autores não têm dúvidas em afirmar que, exactamente, a incompetência material do tribunal é uma das questões que obrigatoriamente tem de ser conhecida no saneador sob pena de não o poder ser mais tarde.

Como resulta inequivocamente do que escrevem, na obra citada, anotação 1 ao artº 89º, pág. 455: “O nº 1 enumera, apenas exemplificativamente, as questões que podem obstar ao conhecimento do objecto do processo, e que, nos termos do artigo 87º, nº 1, alínea a), o juiz deve apreciar no despacho saneador, independentemente de terem sido ou não suscitadas pelas partes”.

E, depois, na anotação 2, referem: “Para além das excepções dilatórias expressamente mencionadas no nº 1, devem considerar-se outras, como seja (…) a incompetência do tribunal (…).”

Sobre esta temática também se debruçaram Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, no seu “Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados”, Almedina, 2004, anotação XI ao artigo 87º, págs. 514/515:

“Ao contrário do que sucedia no direito anterior - em que isso apenas se verificava no caso de o tribunal se pronunciar pela existência de excepções dilatórias (decretando a absolvição da instância) - agora, também, quando decide no sentido da inexistência de questões que obstem ao conhecimento do objecto do processo, o despacho saneador faz caso julgado formal, reconhecendo-se, assim, à chamada “certificação tabelar positiva” - ou seja, à proposição conclusiva de que “o tribunal é competente, a ação tempestiva, as partes legítimas, o meio processual idóneo”, com que os tribunais costumam resumir o seu juízo a propósito da verificação dos pressupostos processuais - o carácter de irrevogabilidade. Sem prejuízo, claro, do recurso de agravo a que houver lugar, se o valor ou a natureza do processo o consentirem.

Sucede isso, de facto, diz claramente este artº 87º/2, em relação:

-às questões prévias que não tenham sido apreciadas no despacho saneador, porque já não podem ser suscitadas (ou decididas) mais tarde;

-às questões prévias aí julgadas improcedentes, porque já não podem ser reapreciadas pelo juiz ou pelo colectivo, só em recurso.

E, depois:

“(…) hoje, o despacho saneador, além de outros, tem também o inegável mérito de centrar num “único momento processual o saneamento das questões de índole adjectiva ou processual”- citando Carlos Cadilha, Reflexões …”Justamente por isso o artº 88º/1 faz referência ao dever do juiz suscitar e resolver (no despacho saneador) todas as questões que possam obstar ao conhecimento do objecto do processo, sob pena de sua preclusão, formando-se caso julgado formal sobre a sua inexistência, se o tribunal não as apreciar ou não as considerar procedentes (…).

Munidos destes ensinamentos doutrinais, com total aplicação à situação em análise, não podemos deixar de corroborar a conclusão da Apelante, qual seja a de que a segunda parte do nº 2 do artº 87º do CPTA não consagra a solução do então artigo 510º/3, do CPC.

Cremos, antes, que dela propositadamente se afasta ao substituir a expressão “concretamente apreciadas” pela expressão “decididas”.

Pretende-se, com isso - como decorre das regras de interpretação do artº 9º do CC - dizer que, em processo administrativo, tanto valendo que a decisão seja concreta, como tabelar, não pode nunca ser reapreciada.

É o que é coerente com a proibição de decisão posterior, mesmo que nenhuma se tenha proferido e é o que explica a diferença de texto que, evidentemente, não é por acaso - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.

Como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.

O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exacto alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte” - ensinava o Professor Baptista Machado, ob. cit., págs. 182/183. A ratio legis revela, portanto, a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.

(…)

Em suma:

-considere-se ou não que a decisão tabelar sobre a competência do tribunal, faz caso julgado formal, a solução, expressa e inequívoca do artigo 87º/2, do CPTA, é a mesma;

-com efeito, se se considerar que faz, cai-se na previsão da segunda parte desse normativo legal;

-se se entender que não faz tudo se passa como se não tivesse sido proferida e, então, cai-se na previsão da primeira parte desse preceito, isto é, na situação de caso julgado tácito, ao contrário da solução encontrada pelo Tribunal a quo;

-em ambos os casos é expressamente vedado por esse normativo legal ao Juiz decidir, como decidiu, isto é, pela incompetência material do Tribunal (…)”.

37. Posição substancial que deriva igualmente do acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 30.09.2022, no Procº. n.º 00239/13.9BEMDL-S1 [também citado nas conclusões de recurso]: “(…) a primeira questão que se coloca é desde logo a de saber se no momento em que o ora Recorrente invocou a incompetência absoluta em razão da matéria do TAF de Mirandela para conhecer do mérito da presente ação, o podia fazer, concretamente, se uma vez proferido despacho saneador e iniciada a audiência de discussão e julgamento, ainda podia ser arguida a incompetência em razão da matéria.

É que, se já não assistisse ao Apelante o direito a suscitar a exceção dilatória da incompetência material conforme, aliás, foi decidido pela 1ª Instância, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o Tribunal a quo não devia sequer ter invocado os demais argumentos que presidiram à decisão recorrida, uma vez que falecendo esse direito do Apelante, não mais essa questão podia ser suscitada, nem sequer apreciada pelo Tribunal, porque precludida por via do caso julgado formal que cobre o despacho saneador.

Vejamos.

Prevê a alínea a) do n.º1 do artigo 88.º do CPTA, que o despacho saneador se destina a «conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente».

Por seu turno, impõe o n.º2 do mesmo preceito que « As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem voltar a ser reapreciadas».

Resulta claramente do disposto no n.º2 do artigo 88.º do CPTA -, diferentemente da solução que se encontra estabelecida para o processo civil-, que a incompetência absoluta do tribunal, tal como qualquer outra exceção dilatória que não tenha sido apreciada no despacho saneador, não pode ser suscitada nem decidida em momento posterior do processo, e a que seja decidida no despacho saneador não pode vir a ser reapreciada, tudo sem prejuízo do conhecimento de exceções dilatórias supervenientes.

Em anotação a esta norma, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha- in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, pp. 741/742 – discorrem que « O n.º2 pretende concentrar na fase do despacho saneador a apreciação de quaisquer questões que obstem ao conhecimento do objeto do processo.

(…)o n.º2 do presente artigo configura uma situação de caso julgado tácito, que deriva de as partes não terem suscitado nos articulados a exceção dilatória que poderia por termo ao processo e de o juiz não ter apreciado oficiosamente essa exceção dilatória, como lhe competia, na fase do saneador».

Referem estes autores – idem, pág.742- que « a solução consagrada no CPTA pode implicar que, em certos casos, o processo prossiga inutilmente, quando não tenha sido suscitada oportunamente uma questão prévia que pudesse evitar uma apreciação de mérito, como sucederá quando o processo se dirija contra uma pessoa ou entidade que é parte ilegítima e relativamente à qual não poderá ser executada a sentença, ou tenha por objeto um ato administrativo inimpugnável, caso em que a eventual sentença anulatória não impedirá que venha a ser produzido pela entidade demandada um novo ato lesivo».

Ora, no caso em análise, importa recordar que o senhor juiz a quo, proferiu despacho saneador tabelar em que expressamente decidiu que « O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território».

Por outro lado, é incontornável que o Réu não invocou na contestação que apresentou, a incompetência material do TAF de Mirandela para conhecer da pretensão deduzida pela Autora, tendo apenas suscitado a verificação dessa exceção dilatória no decurso da audiência de julgamento.

Sendo assim, como se colhe do disposto no transcrito n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, e bem decidiu o senhor juiz a quo «as exceções dilatórias que tenham sido decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas» pelo que, tendo já sido proferido despacho saneador em que o TAF de Mirandela foi declarado « competente em razão da matéria para apreciar este litígio», mesmo que se «admitisse a pertinência da alegação da Entidade Demandada quanto à existência de um pacto privativo de jurisdição que afastasse a competência material deste Tribunal, a verdade é que, nesta fase, não é já possível atender à mesma sem violação do caso julgado formal».

Ora, tanto basta para que se considere o presente recurso improcedente, uma vez que, ainda que os demais argumentos eventualmente procedessem a verdade é que a questão da competência do TAF de Mirandela para conhecer da presente ação foi decidida já no despacho saneador, configurando uma situação de «caso julgado tácito», pelo que, essa questão não pode ser suscitada e reapreciada por este Tribunal intraprocessualmente, como seria o caso de se reapreciar os demais argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo para concluir pela improcedência da exceção dilatória da incompetência material dos tribunais administrativos e fiscais para conhecer da relação jurídica material sobre que versam os presentes autos, argumentos esses que não merecem a adesão do Apelante que lhes imputa erro de direito.

Reafirma-se, operado “caso julgado formal tácito” com a prolação de despacho saneador, o decidido aí adquire força obrigatória dentro do processo, não podendo essa questão – a (in)competência material do tribunal- ser suscitada por quem quer que seja e reapreciada pelo Tribunal no âmbito do presente processo (…)”.

38. Reiterando esta linha jurisprudencial, tem-se, portanto, por assente, que a questão em torno da eventual incompetência dos T.A.F. deve ser resolvida no despacho saneador nos termos do art.º 87º, n.º 2 do CPTA, não podendo ser apreciada ou suscitada em momento posterior do processo.

39. Assim, estava vedado ao Tribunal a quo possibilidade de suscitar, ex novo, tal questão em fase posterior à prolação do despacho saneador.

40. Neste enquadramento, é de manifesta evidência que o Tribunal a quo, ao suscitar e declarar a sua incompetência para conhecer da presente ação após a prolação de despacho saneador e da realização da audiência de julgamento, não respeitou o limite temporal preclusivo, incorrendo em nulidade processual, por violação do disposto no art.º 87º, n.º 2 do C.P.T.A.

41. Por conseguinte, não é de aplaudir, mas de censurar vivamente a abordagem da sobredita questão nos termos e com o alcance operado pelo Tribunal a quo.

42. Uma nota final para referir que não se ignora que a Recorrente errou ao identificar a normação na qual estriba o erro de julgamento de direito em análise [identificou o artigo 88º, nº. 2 do CPTA em vez do artigo 87º, nº.2 do CPTA].

43. Acontece, porém, que tal erro não se repercute decisivamente no sentido da decisão deste recurso, pois a solução normativa prevista em ambos os preceitos legais é a mesma, não se divisando, portanto, qualquer impacto daí resultante quanto ao desfecho anunciado do presente recurso.

44. Consequentemente, deve ser anulado todo o processado praticado na presente ação desde a prolação do despacho de 22.05.2023 a suscitar a exceção de incompetência absoluta do T.A.F. de Mirandela [cfr. 779 e seguintes], e determinada a baixa dos mesmos para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais, mormente com a oportuna prolação de sentença, se nada mais obstar.

45. Ao que se provirá no dispositivo, o que determina a prejudicialidade do conhecimento da remanescente argumentação aduzida no domínio do invocado erro de julgamento de direito. [artigo 95º, nº. 1 in fine do C.P.T.A. e 608º nº.2 do CPC].

* *

IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice”, e, em consequência, anular todo o processado praticado desde a prolação do despacho de 22.05.2023 a suscitar a exceção de incompetência absoluta do T.A.F. de Mirandela [cfr. 779 e seguintes], e determinar a baixa dos mesmos para que aí prossigam os seus ulteriores trâmites processuais, mormente com a oportuna prolação de sentença, se nada mais obstar.

Custas pelos Recorridos.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 19 de janeiro de 2023,


[Ricardo de Oliveira e Sousa]

[Luís Migueis Garcia - em substituição]

[Helena Maria Mesquita Ribeiro]