Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01425/04.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/30/2012
Tribunal:TCAN
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NEGLIGÊNCIA MÉDICA
PARTO COM CESARIANA
PARALISIA CEREBRAL
PRESTAÇÃO SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE CULPA - ART. 799º, N.º1 CÓDIGO CIVIL
ACTIVIDADE PERIGOSA - ART. 493º N.º 2 CÓDIGO CIVIL
INCAPACIDADE ABSOLUTA E PERMANENTE PARA TRABALHO
INCAPACIDADE FUNCIONAL ABSOLUTA DEFINITIVA
DANOS MORAIS
DANOS PATRIMONIAIS - LUCROS CESSANTES/DANOS EMERGENTES
DANOS FUTUROS
ACOMPANHAMENTO POR TERCEIRA PESSOA
Sumário:1. No domínio da prestação dos serviços de saúde é mais adequado à realidade e conduzir a soluções mais justas, a aplicação do regime da responsabilidade contratual do que o regime da responsabilidade extracontratual, pois estamos perante uma situação de facto equivalente à de um contrato de prestação de serviços – art.º 1154º do Código Civil -, e, por isso, a justificar a mesma protecção legal.
2.Aplica-se, por isso, neste domínio, a presunção de culpa a que alude o artigo 799º, n.º1, do Código Civil, no caso de deficiente prestação do cuidado de saúde, cabendo ao hospital demandado, no caso, provar que os seus funcionários usaram de toda a diligência e que só por circunstâncias imprevisíveis, de caso fortuito ou força maior, uma criança nasceu com lesões cerebrais irreversíveis, num parto por cesariana que nenhum risco especial apresentava.
3. Ainda que se entendesse regular o caso o regime da responsabilidade extracontratual, sempre seria aplicável a presunção de culpa estabelecida no n.º 2 do artigo 493º do Código Civil, pois que uma intervenção cirúrgica de parto por cesariana é uma actividade perigosa quer por si mesma, por ser invasiva do corpo da mãe e pela manipulação de um corpo extremamente frágil como é o da criança a nascer, quer pelos meios utilizados, instrumentos e substancias com potencialidade letal.
4. Não tendo o hospital demandado feito a referida contraprova, deve ressarcir o autor, representado pelos seus pais, pelos danos decorrentes da situação de incapacidade a 100% para o trabalho e para qualquer actividade, decorrente da paralisia cerebral de que ficou a padecer.
5. Dado que a vítima não manifesta sinais ou sintomas de sofrimento de forma consciente e não ser seguro haver uma avaliação da imagem personalizada, de acordo com o relatório pericial, não se justifica atribuir qualquer indemnização a título de danos morais.
6. O Tribunal não está adstrito aos limites dos pedidos parciais formulados pelo autor a título de indemnização por danos morais e por danos patrimoniais mas apenas ao montante global pedido, face ao disposto no artigo 661º do Código de Processo Civil.
7. A título de danos emergentes justifica-se fixar, desde logo, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 564.º do Código Civil, uma parcela indemnizatória, face à necessidade de o autor ter até ao fim da sua vida de ser acompanhado por terceira pessoa, mostrando-se equitativa a este título, face a um período de vida expectável de 70 anos e às especiais qualidades exigíveis a uma pessoa para fazer esse acompanhamento, indemnização de 200.000 € (duzentos mil euros).
8. Ainda a título de danos emergentes deve ser fixada, autonomamente, uma parcela indemnizatória pela perda total de capacidade funcional.
9. Tendo em conta que em termos económicos este prejuízo se revela, por um lado, inferior ao prejuízo resultante da perda de capacidade de trabalho mas, por outro lado, esta incapacidade se revelará por todo o tempo previsível de vida do lesado, 70 anos, entende-se equitativo fixar a este título o valor indemnizatório parcelar de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros).
10. A título de lucros cessantes, pela incapacidade absoluta para o trabalho, mostra-se equitativa a parcela indemnizatória de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros), tendo em conta o valor do salário mínimo vigente em 2004, ano da propositura da acção, e um período provável de vida activa de 50 anos.*
*Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:02/09/2012
Recorrente:Hospital de São Marcos
Recorrido 1:M. ... e outros
Votação:Maioria
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Nega provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
1
Decisão Texto Integral:
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EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

O Hospital de São Marcos veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga de 12.10.2012, a fls. 625 e seguintes, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção administrativa comum, sob processo ordinário, intentada por BA. … e MA. … em representação do filho, PM. …, para condenação do réu a pagar-lhe o montante global de 450.000 euros, acrescido de juros, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais resultantes de um parto mal sucedido, realizado naquele hospital e do qual resultaram lesões irreversíveis para o seu filho.

Invocou para tanto que a sentença recorrida incorreu em erro de interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 483º, nº1, 487º, 493º, 562º e 563, todos do Código Civil.

Os Recorridos contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

São estas as conclusões das alegações do presente recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto:

1. O Recorrente não se pode conformar com a douta sentença que julgou procedente a presente acção e o condenou no pagamento aos Autores da quantia de 450.000€ acrescida de juros.

2. A sentença em crise não fez uma correcta interpretação e aplicação da lei e da prova produzida.

3. No presente processo estamos perante a eventual responsabilidade civil extracontratual do Réu.

4. Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual são, o facto voluntário ilícito, a culpa, a afectação da esfera jurídica de outrem e o nexo de causalidade adequada, nos termos dos artigos 483º, nº1, 562 e 563 do Código Civil.

5. Dos factos dados como provados não é possível considerar verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

6. O artigo 483º do Código Civil fala da ilicitude e da culpa. O primeiro com o sentido de acção ou omissão consciente e livre proibida pelo direito, e o segundo com a envolvência da censura ético-jurídica.

7. In casu, desde logo não existe o facto voluntário ilícito, entendendo-se este como o comportamento de uma pessoa, por acção ou omissão, controlável pela vontade consubstanciado na violação do direito de outrem.

8. Quanto ao pressuposto culpa temos que o mesmo se traduz na imputação ético-jurídica do facto ao agente, imputação essa a título de dolo ou negligência, que neste último caso consiste na censura dirigida ao autor do facto por não ter usado da diligência que teria um bom pai de família.

9. A ilicitude e a culpa não estão verificadas no presente caso.

10. Não existe nenhum facto dado como provado do qual seja possível retirar a conclusão a que chegou o tribunal a quo de que “estado morfo - fisiológico do PM. … se deve à tardia ou intempestiva extracção (por cesariana) e ou pela sua deficiente extracção do útero materno”.

11. Dos factos dados como provados, não resulta, nem pode, que a decisão de submeter a Cesariana foi tardia.

12. Desde logo a decisão de submeter a cesariana não foi por qualquer situação de sofrimento, mas antes por ausência de encravamento (o bebé não desceu no canal de parto).

13. O bebé apresentava sinais positivos (tal como se refere na fundamentação os quais seriam negativos caso houvesse sofrimento).

14. Para percepção de todo este processo é preciso ter presente que o trabalho de parto é composto por uma evolução, por várias etapas.

15. A mãe do menor deu entrada nos serviços do Réu em início de trabalho de parto e apresentava, no momento da sua admissão, um colo em início de extinção, intermédio-anterior, com 2 cm de dilatação, apresentação cefálica no I Plano de Hodge, ruídos cardíacos fetais positivos e altura uterina de 28 cm (facto 46),

16. Tendo sido encaminhada para a sala de partos onde lhe foi prescrito um soro glicosado 1000cc com 10 unidades de acitocina E.V. lenta, e vigilância de ruídos cardíacos fetais (facto 47).

17. Foi assim ordenada a vigilância da parturiente e desta forma, aguardar (sempre sob vigilância bem entendido) que a mãe natureza fizesse o seu trabalho, pois tudo indicava que este bebé nasceria de parte normal, ou seja, parto vaginal.

18. De facto, a quando da sua admissão a parturiente encontrava-se em início de trabalho de parto, o bebé ainda estava no primeiro plano de Hodge, ou seja, ainda não tinha iniciado o chamado processo de descida pelo canal de parto, só tinha dois dedos de dilatação, o colo estava em início de extinção e principalmente o bebé apresentava ruídos fetais positivos, sinal de que estava bem (cfr. facto 46).

19. Posteriormente, cerca das 22:45 horas, já se tinha produzido alguma evolução no trabalho de parto, apresentando, agora 3 cm de dilatação, 30% de extinção do colo, mantinha-se no primeiro plano de Hodge (são três planos), membranas integras (ainda não se tinha verificado a ruptura da bolsa de águas) e ruídos cardíacos fetais positivos (cfr facto 48),

20. Pelo que se deveria aguardar pela continuação da evolução natural do parto, uma vez que, repete-se, nunca foram detectados quaisquer sinais de sofrimento (ruídos cardíacos fetais positivos).

21. Cerca das 9:45, a mãe apresentava colo extinto, dilatação completa, sinais fetais positivos (cfr. facto 49).

22. E às 10.10h, por ausência de encravamento (repete-se o bebé mantinha-se no primeiro plano de Hodge), foi decidido submeter cesariana (cfr facto 51).

23. Ou seja, todos os factores necessários ao desencadear do parto estavam completos, mas o bebé não “desceu”, não entrou no canal de parto e, por isso, não nasceria sozinho, necessitando de ser extraído através de uma cesariana.

24. O bebé nasce, com um apgar de 8/8/8, (cfr facto 52), o que representa que o Bebé nasceu bem sem asfixia.

25. Dos sinais recebidos, da evolução do parto, em nenhuma altura foi verificado qualquer sinal de sofrimento fetal que justificasse uma actuação diferente daquela que foi a actuação do Réu.

26. A prova pericial efectuada nos autos refere à pergunta se a cesariana ocorreu no momento certo que “de acordo com os motivos aduzidos para realização da cesariana “dilatação completa e ausência de encravamento) esta foi realizada em momento adequado”.
27. Acrescenta, ainda “globalmente os procedimentos foram adequados”.

28. Em nenhum momento do processo e em especial dos factos dados como assentes se fala em deficiente extracção, pelo que nunca sequer o tribunal a quo poderia ter chegado a essa conclusão.

29. Do relatório pericial provou-se isso sim que a decisão de Cesariana foi a decisão correcta e no momento devido.

30. Na conduta do Réu não existe qualquer facto ilícito.

31. A ilicitude in casu sempre terá forçosamente de ser analisada perante os factos perceptíveis antes do nascimento do PM. …, ou seja, à data e perante os vários sinais que foram sendo observados e em especial a evolução do trabalho de parto e a verificação de sinais fetais positivos, nenhum factor foi verificado (nomeadamente sofrimento) que indicasse qualquer comportamento diferente daquele que foi seguido pelo Réu.

32. Também, nenhuma culpa pode ser imputada na conduta do Réu, uma vez que perante as circunstâncias do caso e os sinais que lhe eram permitidos observar, não lhe era exigido, ou deveria, ter agido de outro modo, ou ainda que se a sua actuação fosse diferente, tal teria obstado à incapacidade de que padece o menor.

33. A sentença em crise considera que in casu se verifica uma presunção legal de culpa, no seguimento do decidido no acórdão do pleno do STA nº 36463, de 29/04/98.

34. Da leitura do acórdão que serviu de referência à decisão verifica-se que este se debate com a possibilidade, ou não, de aplicação à responsabilidade extracontratual da administração pública da presunção prevista no artº 493º do CC.

35. Ora, o que naquele acórdão se trata é da responsabilidade causada por coisa, sendo certo que tal situação, obviamente, não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto.

36. Naquele acórdão a questão colocada prende-se com a aplicabilidade do artº 493 do CC, por força do disposto no nº 1 do artº 4 do DL 48051, ou seja, e com o devido respeito por opinião contrária, se é possível à responsabilidade extracontratual da administração aplicar a presunção legal prevista no artº 493º do CC, ou apenas as presunções legais que expressamente vierem previstas no referido DL.

37. Claro que a entender-se a aplicabilidade de tal regime à responsabilidade extracontratual do Estado, obviamente que será precisamente nas circunstâncias expressamente previstas naquele artigo, ou seja, danos causados por coisas, animais e actividades especialmente perigosas, ou seja, sem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, pelo que nenhuma razão assiste em considerar a existência de uma presunção legal de culpa.

38. Mesmo reportando-se tal artigo à actividade médica, tal artigo consagraria uma presunção de culpa pelos danos causados pelos aparelhos perigosos de que se serve (nº 1 do artº 493º) e ao próprio funcionamento do aparelho (nº do artº 493º) - cfr Dr. António Silva Henriques Gaspar; Prof J. A. Esperança Pina e Ac STA 23/4/96.

39. Assim, sendo e nos termos do artº 487º do CC é ao lesado quem incumbe provar a culpa do lesado, o que in casu não se verificou.

40. Mesmo a entender-se existir presunção de culpa, também essa presunção legal teria forçosamente de se considerar afastada atentos os motivos supra exposto e em especial a prova pericial produzida

41. Também não se verifica o nexo de causalidade, pois não é possível estabelecer um nexo causalidade entre o facto – realização da cesariana naquele momento – e as lesões do menor.

42. Do próprio relatório médico resulta que não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a assistência médica realizada e as lesões.

43. A asfixia perinatal é um conceito médico que poderá ter muitas origens e causas, não havendo acordo quanto à sua definição e momento de ocorrência e tal como se refere no relatório pericial “a determinação da causa das lesões neurológicas do tipo das diagnosticadas na criança e a sua atribuição a eventos relacionados com o período perinatal é sempre rodeada de dificuldades e incertezas. Particularmente, a distinção entre ocorrências intraparto ou imediatamente antecedentes ao parto é habitualmente difícil”.

44. Acresce que, mesmo no contexto são manifestamente exageradas, infundadas e até infundamentadas as indemnizações arbitradas.

45. A jurisprudência parece ser unânime em considerar este como o sofrimento, dores físicas, desgosto, incómodos e preocupações relacionadas com o facto ilícito, que sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária não integram o património do lesado.

46. Conforme refere o relatório pericial do IML, não se fixou “quantum doloris, dado que a vítima não manifesta sinais ou sintomas de sofrimento de forma consciente”, nem fixou dano estético “uma vez que não é seguro haver uma avaliação da imagem personalizada, por parte da vítima”.

47. Logo parece que in casu nenhuma quantia poderá ser arbitrada a título de dano não patrimonial.

48. Também o dano patrimonial atribuído nos parece manifestamente exagerado, desde logo porque o mesmo não se encontra sequer devidamente fundamentado quer em critérios de equidade ou razoabilidade.

49. De acordo com o professor Antunes Varela, este tipo de danos abrangem os prejuízos que sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão de forma directa (restauração natural ou reconstituição da situação que se verificava antes da existência do dano), pelo menos de forma indirecta (através de equivalente ou indemnização pecuniária).

50. Mesmo tendo em consideração para cálculo o facto do menor ter uma incapacidade de 100% (calculada com base numa vida activa de quarenta anos e salário mínimo actual), necessitar de terceira pessoa (calculada pelo período de 40 anos e pelo salário mínimo) e sem qualquer redução pelo facto de receber a quantia de uma vez, sempre obteremos valores substancialmente inferiores aos fixados.

51. Pelo que, mesmo no contexto dos factos provados, é manifestamente exagerada a verba fixada a título de danos sofridos.

52. Não actuando conforme supra exposto violou a douta sentença, entre outras, as disposições dos arts 483º, nº1, 487º, 493º, 562º e 563 do Código Civil.
*

I - A matéria de facto.

Ficaram provados os seguintes factos sem preparos nesta parte:

1 - No dia 18 de Dezembro de 1994, pelas 17.49 horas, a mãe do Autor, MA. …, deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de S. Marcos.

2 - Onde foi examinada pela equipa médica de urgência.

3 - Foi diagnosticado à mãe do Autor, trabalho de parto em início.

4 - O Autor é filho de MA. … e de BA. … [Cfr. doc. 3 junto com a petição inicial].

5 - O Autor PM. … reclama do Réu a título de indemnização por danos patrimoniais, quantia não inferior a € 250.000,00.

6 - O Autor PM. … reclama do Réu a título de indemnização por danos morais, quantia não inferior a € 200.000,00.

7 - Os pais do Autor receberam o documento n.º 2 junto com a Petição inicial, em 22/02/1998, que constitui um relatório médico elaborado por uma neuro pediatra do Hospital Pedro Hispano de Matosinhos, datado de 12/02/1998 e que versou sobre o autor e a história pregressa quanto à paternidade dos seus progenitores.

8 - A equipa médica de urgência remeteu a mãe do Autor, MA. …, dado o seu avançado estado de gravidez, para o serviço de Obstetrícia.

9 - A equipa médica de urgência do Réu procedeu ao internamento da mãe do Autor no Serviço de Obstetrícia.

10 - A equipa médica de urgência do Réu procedeu ao internamento da mãe do Autor no Serviço de Obstetrícia, 16 minutos depois de a mesma se ter dirigido ao Hospital de São Marcos.

11 - No dia 19 de Dezembro de 1994, às 10,10 horas, por ausência de encravamento, foi dada ordem médica para que a mãe do Autor fosse preparada para cesariana.

12 - O nascimento do Autor ocorreu às 10,45 horas do dia 19 de Dezembro de 1994, por parto por cesariana.

13 - Efectuada a cesariana, o Autor, recém-nascido, foi enviado para a Urgência de Neonatologia “com gemidos”.

14 - Às 05,30 horas do dia 20 de Dezembro de 1994, foi pedida a intervenção do INEM- Subsistema de transporte de recém-nascidos de alto-risco, sedeado no Hospital de São João, tendo a equipa chegado ao local às 07,10 horas e saído dos serviços do Réu às 07,40 horas, e chegado ao Serviço de Urgência do Centro hospitalar de Vila Nova de Gaia às 09,04 horas.

15 - Foi pedida a intervenção do INEM- Subsistema de transporte de recém-nascidos de alto-risco, e que dos registos efectuados no pedido, vêm enunciados os motivos do pedido, que entre o mais, refere ter sido devido a asfixia perinatal, sofrimento fetal, convulsões e apneias.

16 - Face a esse diagnóstico, foi ministrada vária medicação ao Autor, nomeadamente fenobarbital e fenitoína.

17 - Durante o internamento na Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia de Gaia, o PM. … manteve convulsões durante os primeiros três dias, hipotonia e fraca reacção aos estímulos.

18 - No primeiro dia de vida, foi efectuada Ecografia Transfontanelar ao autor.

19 - A qual revelou edema cerebral.

20 - Aos sete dias de vida foi-lhe efectuada nova ecografia.

21 - A qual revelou hiperecogenicidade difusa, ao nível dos núcleos da base.

22 - Ao 13.° dia de vida, o Autor PM. … recebeu Alta Hospitalar sem qualquer prescrição de medicação, e foi enviado para consulta externa.

23 - Até este tempo de vida, o Autor PM. … mostrava-se irritado, com gemidos constantes e sem qualquer reacção ao nível dos quatro membros.

24 - Atento o quadro clínico do Autor PM. …, com cerca de 1 mês e meio de via, o mesmo foi enviado para consulta de Pediatria, com orientação posterior para consulta de Neuropediatria.

25 - Foi efectuado ao Autor exame neurológico onde ficaram demonstradas alterações compatíveis com paralisia cerebral.

26 - Por este motivo, o Autor foi encaminhado para o C.P.C. de Braga.

27 - Com dois meses de idade, o Autor recomeçou com convulsões.

28 - Por este motivo foi-lhe realizado EEG bilateral, onde ficaram demonstradas pontas e ondas abruptas temporais.

29 - Aos quatro meses de idade, o autor fez um Síndrome de Espasmos Infantis, ou Síndrome de West, secundário, com agravamento do quadro geral, das alterações neurológicas e epilepsia.

30 - O que levou a uma necessidade de internamentos frequentes e sucessivos para controlo das crises.

31 - E levou ainda a que o Autor tivesse sido submetido a investigação para efeitos de despiste de doença metabólica com alterações precoces.

32 - A cromatografia dos aminoácidos plasmóticos, os ácidos orgânicos urinários e a amónia foram considerados normais.

33 - O lactato e piruvato do plasmo e liquor cela forraquidiono apresentaram alterações não conclusivas.

34 - Por este motivo foi efectuada ao autor uma biopsia muscular.

35 - Da qual resultou o estudo estrutural do músculo por microscopia óptica e electrónica normal.

36 - E as enzimas da cadeia respiratória mitocondrial, também se apresentaram como normais.

37 - Foi efectuada ao autor Ressonância Magnética Cerebral, que veio a demonstrar um manto cerebral delgado, com sulcos profundos e substância branca resumida a pequenas áreas nos cornos occipitais.

38 - A que corresponde um diagnóstico de hidrocefalia ex-vácuo, alargamento dos espaços de liquor da convexidade.

39 - Em resultado de tal investigação, foi diagnosticada ao Autor, asfixia perinatal.

40 - Desde que a mãe do Autor entrou no serviço de urgência do Réu, a mesma foi submetida a intervenção cirúrgica por cesariana, quando os respectivos serviços assim o determinaram.

41 - O Autor padece de uma Incapacidade Permanente Total, de 100%, que o afecta para toda a vida e totalmente para o trabalho.

42 - Necessitando ao longo da sua vida de um terceiro que o acompanhe e cuide.

43 e 44 - O Autor, actualmente com 15 anos de idade, é detentor de um nível de inteligência de 10%, que não reage visualmente, mas que reage ao som, e que é detentor de uma encefalopatia refractária grave, o que o impede no controlo dos movimentos, não sendo conhecido, em termos médicos, se o mesmo tem noção de que está doente.

45 - A mãe do Autor foi internada nos serviços de urgência do Réu em 18/12/94, cerca das 18:05h, em início de trabalho de parto.

46 - No momento da sua admissão a mãe do Autor apresentava um colo em início de extinção, intermédio-anterior, com 2 cm de dilatação, apresentação cefálica no I Plano de Hodge, ruídos cardíacos fetais positivos e altura uterina de 28 cm.

47 - A mãe do Autor foi encaminhada para a sala de partos onde lhe é prescrito um soro glicosado 1000cc com 10 unidades de acitocina E.V. lenta, e vigilância de ruídos cardíacos fetais.

48 - Cerca das 22:45horas, a mãe do Autor apresentava um colo 30% extinto, amolecido com 3 cm de dilatação, membranas integras, apresentação cefálica no I Plano de Hodge e ruídos cardíacos fetais positivos.

49 - Cerca das 9:45 horas da manhã do dia seguinte (19/12/1994), a mãe do Autor apresentava colo extinto, dilatação completa, apresentação cefálica em ODP e ruídos fetais positivos.

50 - Pelo que lhe foi prescrito soro glicosado 1000cc com 10 unidades de acitocina E.V..

51 - Cerca das 10:10 horas, por ausência de encravamento, a mãe do Autor foi enviada para a realização da cesariana.

52 - A qual foi efectuada pelas 10:45 horas, com extracção de recém-nascido vivo do sexo masculino, com Apgar de 8/8, com 3490 gramas de peso e que apresentava circular ao pescoço.

53 - O Autor foi transferido para o Hospital de Gaia na madrugada do dia 20 de Dezembro de 1994, e foi seguido nesta unidade até, pelo menos, ao 5º mês de vida.

54 - O Autor esteve internado nos serviços do Réu entre 15 de Maio de 1995 a 18 do mesmo mês e ano.
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II – O enquadramento jurídico.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, rege-se pelo disposto no Decreto-Lei n.º 48.051, de 21.11.1967.

Determina o seu art.º 2º, nº1, que:

“O Estado e demais pessoas colectivas públicas, respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas aos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”.

São assim pressupostos deste tipo de responsabilidade civil: a) o facto, comportamento activo ou omissivo voluntário; b) a ilicitude, traduzida na ofensa de direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios; c) a culpa, nexo de imputação ético - jurídica do facto ao agente ou juízo de censura pela falta de diligência exigida de um homem médio ou de um funcionário ou agente típico; d) a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou moral, esta quando relevante; e) o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, segundo a teoria da causalidade adequada (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.01.1987, de 12.12.1989 e de 29.01.1991, in Ac. Dout. n.º 311, p. 1384, n.º 363, p. 323 e n.º 359, p. 1231).

Este tipo de responsabilidade corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que tem consagração legal no artigo 483º, nº1, do Código Civil (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10.10.2000, recurso n.º 40576, de 12.12.2002, recurso n.º 1226/02 e de 06.11.2002, recurso n.º 1311/02).

Há no entanto de ter em atenção o disposto no artigo 6º do mesmo diploma que nos dá neste domínio particular uma definição de ilicitude: é ilícito o acto que viole normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como aquele que viole as regras de ordem técnica e de prudência comum”.

O conceito de ilicitude consagrado neste preceito é, pois, mais amplo que o consagrado na lei civil (vd. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., vol. II, p. 1125; ac. Supremo Tribunal Administrativo de 10.05.1987, in Ac. Dout. 310, p. 1243 e segs.).

A propósito do requisito da ilicitude refere aquele Professor na citada obra:

“É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um facto ilícito. Este facto tanto pode ter consistido num acto jurídico, nomeadamente um acto administrativo, como num facto material, simples conduta despida do carácter de acto jurídico. O acto jurídico provém por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa colectiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O artigo 6º do Decreto-lei n.º 48 051 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos actos jurídicos, incluindo portanto os actos administrativos, consideram-se ilícitos “os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis”: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do acto e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respectivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração”.

No mesmo sentido Jean Rivero, Direito Administrativo, pág. 320, e Margarida Cortez, Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, página 96.

No que toca à culpa "Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo"Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª edição, p. 531).

É também jurisprudência firme e reiterada que à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública é aplicável a presunção de culpa prevista no artigo 493.°, n.º1, do Código Civil (por todos, ver os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 25.10.2000 (Pleno), recurso n.º 37 510, de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

Este regime radica nas seguintes razões: 1ª - nas regras da experiência comum, segundo as quais normalmente os danos provocados por coisas procedem de falta de adequada vigilância; 2ª- na necessidade de acautelar o direito de indemnização do lesado contra a extrema dificuldade de provar, neste tipo de casos, os factos negativos que consubstanciam a violação do dever objectivo de cuidado; 3ª na conveniência de estimular o cumprimento dos deveres de vigilância que recaem sobre o detentor da coisa (Antunes Varela, "Das Obrigações Em Geral" volume I, páginas 590-591; acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.05.1996, Apêndices ao D.R., de 23.10.1998, p. 3697).

Relativamente a danos que radiquem em actividades de gestão pública, também estas razões se aplicam, pois o ónus da demonstração do incumprimento culposo dos deveres de organização e de actuação necessários para prevenir o dano por actividades também se apresenta excessivamente oneroso para o lesado.

Trata-se de demonstrar factos negativos - a inobservância do dever de zelo no exercício da actividade administrativa – cujo conhecimento, por via de regra, não ocorre em simultâneo com o evento e são relativos ao modo de organização ou disciplina de acção dos serviços e, portanto, normalmente sem visibilidade e acessibilidade de prova para o particular lesado por não lhe serem pessoais.

Ao invés, a inversão do ónus da prova da culpa mostra-se neste caso razoável e justo, uma vez que o serviço público obrigado a vigilância e zelo pode ilidir a presunção demonstrando quer a adopção das providências adequadas a evitar o dano quer a ocorrência de caso fortuito ou de força maior a determinar esse evento.

Trata-se de factos positivos, relativos à organização e desenvolvimento da actividade do ente público, cuja demonstração está facilmente ao seu alcance, em regra por meios probatórios extraídos dos seus próprios serviços.

Daí a regra do n.º 2 do artigo 493º do Código Civil:

“Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”

Assim como é pacífico o entendimento de que, por beneficiar dessa presunção, o autor só tem que demonstrar a realidade dos factos causais que servem de base àquela para que se dê como provada a culpa do réu, cabendo a este ilidir a presunção (artigos 349º e 350.° n.ºs 1 e 2, do Código Civil; Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20.03.2002, recurso n° 45 831, e de 03.10.2002, recurso n° 45 621).

A elisão de uma presunção (iuris tantum) só é feita com a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2005, proc. n.º 1758/03).

No domínio da prestação dos serviços de saúde, entre outros, entendemos, contudo, ser mais adequado à realidade e conduzir a soluções mais justas, a aplicação do regime da responsabilidade contratual.

Isto sendo certo que o Tribunal apenas está adstrito à matéria de facto articulada pelas partes, sendo plenamente livre no enquadramento jurídico desses factos – art.º 567.º, do Código de Processo Civil.

No presente litígio, em que se discute a responsabilidade por danos alegadamente causados por actos médicos praticados num hospital público, deve ter-se por referência a disciplina jurídica da responsabilidade contratual, mais concretamente da prestação de serviços, pois estamos perante uma situação de facto equivalente à de um contrato de prestação de serviços – art.º 1154º do Código Civil -, e, por isso, a justificar a mesma protecção legal (vd. Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro, A responsabilidade médica em Portugal, no BMJ 332, p. 50, onde se referem as figuras das "relações contratuais de facto" e do "contrato de adesão" neste domínio).

Designadamente, no que diz respeito às regras de repartição do ónus da prova, as quais, no domínio da responsabilidade contratual, são mais favoráveis ao credor (lesado), existindo neste domínio presunções de culpa que a lei não estabelece no domínio da responsabilidade extracontratual (vd. art.º 799º, n.º1, do Cód. Civil; Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro, ob. cit., p. 38 e segs.)

Faz mais sentido – e é justo – que sejam os técnicos que prestam os cuidados de saúde, neste caso o membros da equipa médica que procedeu ao parto, a provarem que agiram com zelo, precisamente porque dominam – ou é suposto dominarem - os conhecimentos técnicos na sua área de actuação, do que fazer recair o ónus da prova da falta de zelo sobre os pacientes que, na generalidade dos casos, não têm conhecimentos técnicos na área da saúde.

Para já não falar na natural inibição dos técnicos da área deporem de forma desfavorável aos seus colegas de profissão.

Aliás, não estamos no caso concreto, em bom rigor, perante responsabilidade emergente de actos de gestão pública, uma vez que na prestação de assistência hospitalar, designadamente, no acompanhamento e assistência a um parto, não existem prerrogativas de autoridade ou uma regulamentação de natureza pública que permita distinguir, como acto de gestão pública, a assistência prestada por um hospital público e a assistência prestada, como acto de gestão privada, por um hospital particular.

Tratando-se de um acto de gestão privada sempre existiria responsabilidade pelo risco, ou seja, independente de culpa, a onerar o Réu, Hospital de São Marcos, nos termos das disposições combinadas dos art.ºs 493.º e 494.º, do Código Civil.

De todo o modo, como se disse, estamos perante uma situação contratual de facto e iremos tomar, por isso, como quadro jurídico de referência para o caso concreto, a responsabilidade contratual (e a obrigação de indemnizar dela decorrente), prevista nos artigos 798.º e seguintes ( e artigos 562.º e seguintes), do Código Civil.

Dito isto vejamos.

Desde logo existe um facto relevante: a prestação do cuidado de saúde de assistência a um parto, com a intervenção cirúrgica de cesariana.

Existe também a ilicitude, traduzida no incumprimento do contrato de prestação de serviços, uma vez que era suposto, não se tratando de um parto com especial risco, a mãe e o filho recém-nascido saírem do Hospital de perfeita saúde.

Decorre daqui também uma presunção de conduta negligente ou de culpa, no incumprimento do “contrato”.

Na verdade, sendo suposto o recém-nascido sair do Hospital de São Marcos com perfeita saúde, a falta de cumprimento do “contrato” sempre seria de presumir devida ao devedor, o réu Serviços de Saúde de Macau, nos termos do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do Código Civil.

Verifica-se também o dano, desde logo o directo, o nascimento do filho dos autores com lesões cerebrais.

E, finalmente, verifica-se o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano.

Refere a este propósito o Recorrente que tudo estava no início – e sempre esteve – normal.

Mas não é normal num parto normal com cesariana bem realizada, o recém-nascido ficar com lesões cerebrais irreversíveis.

Cita o Recorrente a este propósito um parecer técnico:

Sabe-se hoje que a grande maioria dos casos de asfixia ocorrem no período pré-natal e não na altura do parto como era correntemente aceite. O parto é o momento crucial para a ocorrência de lesão cerebral no feto embora não contribua com mais de 10% a 15% dos casos de asfixia” in Asfixia Perinatal de Célia Iglesias Neves, Conceição Faria, Ana Nunes, Eduarda Reis, MA Bispo, Helder Ornelas, António Galrito – cfr Doc 1.

E o relatório pericial:

“…a determinação da causa das lesões neurológicas do tipo das diagnosticadas na criança e a sua atribuição a eventos relacionados com o período perinatal é sempre rodeada de dificuldades e incertezas. Particularmente, a distinção entre ocorrências intraparto ou imediatamente antecedentes ao parto é habitualmente difícil”.

Ora se a distinção é entre a possibilidade de ocorrência deste tipo de eventos antes e no decurso do parto – sem que se ponha a hipótese de acontecerem depois – e se, como decorre da matéria de facto, tudo estava bem antes do parto, só se pode concluir, ao contrário do pretendido pelo Recorrente, que as lesões se verificaram no decurso do parto.

E se se verificaram no decurso do parto impõe-se concluir, por imperativo lógico, que decorreram por virtude da intervenção do pessoal médico ou assistente no parto.

Isto sendo certo que não é reportada qualquer situação excepcional que exclua essa imputação.

Em todo o caso, da matéria de facto resulta provado, com segurança, que as lesões se verificaram enquanto a mãe e o seu filho estavam aos cuidados do Hospital de São Marcos, durante, antes ou depois do parto, ou seja, quando os seus funcionários, em particular o pessoal médico, tinham o domínio da situação, e, portanto, o dever de evitar qualquer evento danoso na mãe ou no filho.

O que não sucedeu.

Em resumo, as circunstâncias em que a assistência hospitalar foi prestada à parturiente e ao filho, e, em particular, o facto de, em condições de parto normal, o bebé apresentar após o parto lesões cerebrais que se vieram a revelar irreversíveis são de molde a fazer concluir pela deficiente prestação de cuidados hospitalares e, assim, a fazer presumir a culpa na intervenção dos funcionários do Hospital S. Marcos.

À mesma conclusão se chegaria se entendêssemos, como se fez na decisão recorrida, estarmos perante uma situação de responsabilidade extracontratual.

Na verdade não vemos qualquer razão para não se aplicar no caso a norma invocada na sentença recorrida, a contida no n.º2 do artigo 493º do Código Civil:

A intervenção cirúrgica em causa, a de um parto por cesariana, é uma actividade perigosa quer em si mesma que pelos meios utilizados.

Em si mesma porque se trata de uma intervenção invasiva do corpo da parturiente e envolve a manipulação de um corpo extremamente frágil como é o de um feto e, depois, recém-nascido.

Assim como implica o recurso a instrumentos que podem, mal utilizados, provocar a morte ou lesões graves quer no feto quer na mãe.

O mesmo se diga em relação aos medicamentos necessariamente utilizados, como sejam os anestésicos.

Sucede que o Recorrente não fez prova do contrário, como se lhe impunha face a esta norma, ou seja, prova de que os seus funcionários usaram de toda a diligência e rigor técnicos e que o evento danoso só ocorreu por caso fortuito ou de força maior, imprevisíveis e inultrapassáveis.

Apurados todos os pressupostos da responsabilidade contratual (e também extracontratual), resta saber agora quais os prejuízos a indemnizar e quantificar as várias parcelas indemnizatórias.

1. Danos morais.

Não se vê razão para não aplicar no domínio da responsabilidade contratual o disposto no art.º 496.º do Código Civil, relativo à responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.

Mostra-se quanto a nós justa e, portanto, querida pelo legislador – art.º 9.º, n.3, do Código Civil - a solução de incluir na indemnização devida, ainda que no domínio da responsabilidade contratual, a reparação dos danos morais que pela sua gravidade, como é o caso do sofrimento físico, mereçam a tutela do direito.

Isto desde que se apure a existência de danos morais, graves, que possam ser considerados um prejuízo causado ao credor – art.º 798.º do Código Civil.

No caso concreto e nesta parte, porém, o Recorrente tem razão:

Como decorre do relatório pericial do Instituto de Medicina Legal, não se fixou o quantum doloris, o grau de sofrimento, padecido pelo menor, dado que a vítima não manifesta sinais ou sintomas de sofrimento de forma consciente.

Assim como não se fixou dano estético por não ser seguro haver uma avaliação da imagem personalizada por parte da vítima.

Na verdade, a fazer fé neste relatório – e não existem elementos que o possam pôr em causa - o grau de incapacidade do filho dos Autores, resultante da paralisia cerebral de que padece, impede-o de sofrimento e da capacidade de avaliar a sua extrema limitação.

Não há por isso que fixar indemnização a este título.

O Tribunal não está, contudo, limitado na fixação da indemnização devida aos limites dos pedidos parcelares mas apenas ao montante global pedido, face ao disposto no artigo 661º do Código de Processo Civil (ver neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.01.1979, no B.M.J. 283, p. 260).

Isto sendo certo que foi deduzido pedido por ambos os tipos de danos indemnizáveis, os danos morais e os danos patrimoniais.

2. Danos patrimoniais.

Dito isto, vejamos os danos patrimoniais sofridos, conforme resulta da matéria de facto provada.


O réu está obrigado a indemnizar o prejuízo que causou a situação aqui em causa – art.º 798.º, do Código Civil -, traduzindo-se a indemnização na reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação - art.º 562.º, do Código Civil.

Na impossibilidade de proceder a esta reconstituição, a indemnização é fixada em dinheiro – 566.º,n.º1, do Código Civil.

No que diz respeito aos danos patrimoniais, o dever de indemnizar abrange não só o prejuízo causado (danos emergentes) como os benefícios que o lesado deixou de obter (lucros cessantes).

2.1. Danos emergentes.

2.1.1. A necessidade de pessoa para acompanhar o lesado para toda a vida.

A este título e face ao que veio alegado e foi dado como provado (facto 42), temos apenas uma parcela, o valor que terá de ser pago a terceiro (ou aos progenitores que não poderão desenvolver outras actividades) pelo acompanhamento do menor que deverá ser para toda a sua vida.

Trata-se na verdade de um dano futuro que, por ser previsível, é indemnizável, nos termos do n.º 2 do art.º 564.º do Código Civil (neste sentido ver o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2002, Revista n.º 4401/01 - 7.ª Secção.

Dado tratar-se de serviços com especiais exigências e tendo por referência, portanto, um salário algo acima o mínimo legal, reportado ao ano de 2004 (em que foi a acção proposta), e o período expectável de 70 anos de vida, entende-se equitativo fixar a este título, nos termos do disposto no artigo 566º, n.º3, do Código Civil, o valor de 200.000 € (duzentos mil euros).

2.1.2. A perda total de capacidade funcional.

A afectação da pessoa do ponto de vista funcional na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas ao nível da sua actividade geral, justifica uma indemnização no âmbito do dano patrimonial, independentemente da valoração que se imponha como incapacidade para o trabalho ou a título de dano não patrimonial.

Na verdade é substancialmente diversa a situação de uma pessoa que fica incapacitada para o trabalho mas, mesmo assim, ainda consegue exercer algumas actividades não profissionais que lhe permitam gozar minimamente a vida, de uma pessoa que nem sequer pode exercer qualquer actividade dentro ou fora do âmbito laboral, como é aqui o caso.

Neste sentido ver os acórdãos do Supremo Tribunal Justiça de 07.10.2004, Revista n.º 2970/04 - 7.ª Secção, de 22.09.2005, Revista n.º 2586/05 - 7.ª Secção, e de 11.09.2007, Revista n.º 2195/07 - 1.ª Secção.

No caso concreto o filho dos Autores ficou com uma incapacidade funcional absoluta (facto 41).

Tendo em conta que em termos económicos este prejuízo se revela, por um lado, inferior ao prejuízo resultante da perda de capacidade de trabalho mas, por outro lado, esta incapacidade se revelará por todo o tempo previsível de vida do lesado, 70 anos, entende-se equitativo fixar a este título o valor indemnizatório parcelar de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros).

2.2. Lucros cessantes. A incapacidade para o trabalho.

Os danos futuros são indemnizáveis, como acima se referiu desde que sejam previsíveis – art.º 564.º, n.º2, do Código Civil.

Desde logo temos a incapacidade absoluta - do agora menor - para o trabalho (facto 41).

Este prejuízo deve ser indemnizado com um capital produtor de rendimentos que possa equivaler ao que o lesado poderia usufruir durante o seu período de vida laboral, se não fosse a lesão (neste sentido, ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.5.1986, no B.M.J. 357, p. 396).

O menor poderia começar a trabalhar auferindo o salário mínimo pelo menos aos 16 anos e até aos 66 ou 67 anos de idade, tendo em conta o progressivo alargamento do limite de idade para a reforma.

Tendo em conta o valor do salário mínimo na data da propositura da acção, de 365, 6 euros por mês x 14 (Decreto-Lei n.º 19/2004 de 20 de Janeiro), e os cerca de 50 anos prováveis de vida laboral, mostra-se equitativo fixar a este título a parcela indemnizatória de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros).

Em caso idêntico e fixando o mesmo valor para a incapacidade absoluta para o trabalho, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Justiça de 09-12-2004, Revista n.º 3743/04 - 6.ª Secção.

3. O valor global da indemnização.

De tudo o que ficou dito, chega-se a um valor global igual ao que chegou a sentença recorrida, o valor total da indemnização pedida, de 450.000 € (quatrocentos e cinquenta mil euros).

Os juros de mora de mora, à taxa legal, devem contar-se, como decidido, desde a citação, dado os valores parcelares da indemnização terem sido calculados por referência ao ano da propositura da acção.

O que significa dever manter-se a sentença recorrida, embora por fundamentos parcialmente diversos.

*

Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, pelo que mantêm a decisão recorrida, a julgar a acção totalmente procedente.

Custas pelo Recorrente.
*

Porto, 30 de Novembro de 2012
Ass. Rogério Martins – por vencimento
Ass. João Beato Oliveira Sousa
Ass. Antero Salvador (vencido)

VOTO DE VENCIDO NOS TERMOS DE PROJECTO QUE SEGUE

"...

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, as questões suscitadas pelo recorrente resumem-se em determinar se, na situação vertente, a sentença recorrida fez uma correcta apreciação da prova produzida, verificando se se verificam todos os requisitos da responsabilidade civil, com vista a eventual condenação do Réu/Recorrente no pedido de indemnização, sendo que a sentença, por entender que se verificavam todos os requisitos da responsabilidade civil – art.º 483.º do Código Civil - condenou o recorrente no pedido formulado - pagamento de € 450.000,00 aos AA., em representação de seu filho menor PM. ….


*

Antes de mais, atentemos nos fundamentos essenciais que levaram o TAF de Braga a entender que se verificavam os pressupostos legais para, em procedência da acção, condenar o recorrente no pagamento de uma indemnização no valor de € 450.000,00.

"...

Para apurar se estamos perante uma ou outra situação, há que fazer apelo às regras da experiência comum, ou, dito de outro modo, à aptidão abstracta que a conduta do lesante revela para que possa ser considerada como causa do dano. Será de afastar tal aptidão, quando, designadamente, se demonstre que aquele sempre ocorreria fruto de qualquer outra causa que não a conduta do Réu.
Ora, conforme resultou provado, no dia 18 de Dezembro de 1994, pelas 17.49 horas, a mãe do Autor, MA. …, deu entrada no Serviço de Urgência do Réu Hospital de S. Marcos, a qual, tendo sido examinada pela equipa médica de urgência, entrou em trabalho de parto, tendo a equipa médica de urgência remetido a mãe do Autor, MA. …, dado o seu avançado estado de gravidez, para o serviço de Obstetrícia, onde foi internada, o que ocorreu cerca de 16 minutos após [pelas 18,05 horas], e posteriormente, mo dia 19 de Dezembro de 1994, às 10,10 horas, por ausência de encravamento.
Resultou ainda assente que no momento da sua admissão a mãe do Autor apresentava um colo em início de extinção, intermédio-anterior, com 2 cm de dilatação, e apresentação cefálica no I Plano de Hodge, com ruídos cardíacos fetais positivos e altura uterina de 28 cm, tendo sido encaminhada para a sala de partos onde lhe foi prescrito um soro glicosado 1000cc com 10 unidades de acitocina E.V. lenta, e vigilância de ruídos cardíacos fetais, e ainda, que cerca das 22:45horas, a mãe do Autor apresentava um colo 30% extinto, amolecido com 3 cm de dilatação, membranas integras, apresentação cefálica no I Plano de Hodge e ruídos cardíacos fetais positivos, e que cerca das 9:45 horas da manhã do dia seguinte [19/12/1994], a mesma [mãe do Autor] apresentava colo extinto, dilatação completa, apresentação cefálica em ODP e ruídos fetais positivos, tendo-lhe por isso sido prescrito soro glicosado 1000cc com 10 unidades de acitocina E.V..

Mais resultou provado que, desde que a mãe do Autor entrou no serviço de urgência do Réu, a mesma foi submetida a intervenção cirúrgica por cesariana, quando os respectivos serviços assim o determinaram, e que cerca das 10,10 horas, por ausência de encravamento, foi dada ordem médica para que a mãe do Autor fosse preparada para cesariana, na sequência do que, cerca de 35 minutos depois, veio a nascer o filho dos Autores, PM. …, às 10,45 horas do dia 19 de Dezembro de 1994 [por cesariana], com Apgar de 8/8, com 3490 gramas de peso e que apresentava circular ao pescoço, tendo o mesmo [recém nascido] sido enviado para a Urgência de Neonatologia “com gemidos”.
E depois de fazer apelo à demais matéria provada, continuou, referindo que:

"... Atenta a factualidade dada por assente, e bem assim, atentos os pressupostos determinantes da efectivação de responsabilidade civil extra-contratual dos entes públicos, pela prática de actos ilícitos praticados [ou omitidos] por órgãos ou agentes administrativos no exercício das respectivas funções [o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade], quando tidos por violadores, designadamente, de regras de ordem técnica que devem ser tidas em consideração, e de que resultem, segundo um juízo de causalidade adequada, danos a terceiros, que tenham resultado como consequência directa e necessária a actuação daqueles, cumpre então apreciar e decidir. Ou seja, uma vez identificadas as coordenadas - os factos e o direito - nas quais se vai alicerçar a decisão dos pedidos que vêm submetidos à apreciação deste Tribunal, importa averiguar, em face das circunstâncias concretas, se se mostram preenchidos todos os requisitos legais, de verificação cumulativa, para que se verifique a obrigação de indemnizar, por parte do Réu, e em caso afirmativo, determinar qual o seu quantum indemnizatório.

Ora, como resultou provado [por decorrência da matéria de facto decorrente da instrução dos autos], e como desde já julgamos, os Autores lograram fazer prova de que o estado morfo-fisiológico que caracteriza o PM. …, seu filho, na actualidade, e sendo já volvidos mais de 15 anos sobre o seu nascimento, e mesmo, horas volvidas sobre o seu nascimento [ocorrido às 19,45 horas do dia 19 de Dezembro de 1994], se deve à tardia, ou intempestiva extracção [por cesariana] e/ou pela sua deficiente extracção do útero materno.

Atentemos de novo nos factos.

A mãe do PM. … deu entrada no serviço de urgência do Réu às 17,49 horas do dia 18 de Dezembro de 1994, tempo e lugar onde lhe foi diagnosticado início de trabalho de parto, e internada cerca das 18,05 horas, tendo o seu nascimento [do PM. …] apenas veio a ocorrer cerca de 17 [dezassete] horas depois, às 10,45 horas do dia 19 de Dezembro de 1994, por ausência de encravamento, sendo relevante que tinha o peso de 3,490 gramas, e apresentava circular a pescoço, o que, como deposto por algumas testemunhas arroladas, médicas, até é um acontecimento, um facto vulgar/comum.

De todo o modo, se esta circular [de cordão umbilical] estivesse a afectar o feto, como [não] resultou provado, teriam sido ouvidos [e registados pelos serviços do Réu], ruídos fetais negativos [sendo que, sempre foram registados como positivos, pelos serviços do Réu].

É de enfatizar que à data da sua admissão no serviço de urgência, a Autora apresentava um colo intermédio-anterior com 2 cm de dilatação, e ruídos cardíacos fetais positivos e altura uterina de 28 cm, e que, neste contexto físico e biológico [da parturiente e do feto], foi ministrado á Autora um soro glicosado de 1000 cc com 10 unidades de acitocina E.V. lenta, sendo que, volvidas cerca de 5 [cinco] horas – às 22,45 horas - sobre essa medicação, a Autora apresentava já o colo intermédio-anterior com 3 cm de dilatação, e no dia seguinte [19 de Dezembro de 1994], cerca das 9,45 horas, o colo apresentava-se com dilatação completa, e já com apresentação cefálica e ruídos fetais positivos, tornou a ser-lhe [à mãe do Autor] ministrado soro glicosado de 1000 cc com 10 unidades de acitocina E.V., e volvidos cerca de 35 minutos, por ausência de encravamento, foi então realizada à Autora, intervenção cirúrgica [cesariana], para extracção do feto [o Autor PM. …].

Conforme assim depuseram a generalidade das testemunhas inquiridas, com conhecimentos e prática no domínio de actos médicos e/ou de enfermagem, a acitocina é um medicamento que tem como propriedades, nomeadamente, e com referência a uma parturiente, “forçar” a contracção do útero por forma a que o feto possa ser “expulso”, de forma natural, isto é, sem recurso à realização de intervenção cirúrgica, que neste contexto é denominada de “cesariana”.

Ora, apesar de ter resultado provado – Cfr. pontos 46, 48 e 49 da matéria de facto assente -, que em sede da auscultação da Autora [como referido por testemunhas arroladas pelo Réu, feito com recurso a um aparelho denominado “Dopler” – embora dos registos clínicos nada conste nesse sentido-, foram registados ruídos fetais positivos, o certo é que, resultou provado que depois de efectuada a cesariana, e nascido que estava o PM. …, o mesmo foi enviado para a urgência de Neonatologia “com gemidos” , e volvidas 18 [dezoito] horas sobre o parto [às 05,30 do dia 20 de Dezembro de 1994], os serviços médicos do Réu pediram a intervenção do INEM - Subsistema de transporte de recém nascidos de alto-risco, por ter sido diagnosticado ao PM. …, asfixia perinatal, sofrimento fetal, convulsões e apneias, tendo-lhe inclusivamente, por causa dos síntomas por si manifestados, sido ministrado vária medicação, conhecida do ponto de vista médico e medicamentoso como “potente ou forte” [fenobarbital e fenitoína], consideradas as poucas horas de vida do PM. … – Cfr. pontos 13, 15 e 16 da matéria de facto assente.

O PM. … foi transportado pelo INEM para o Centro Hospitalar de V. N. de Gaia, e logo no primeiro dia de vida foi-lhe efectuada uma ecografia transfontanelar que veio a revelar edema cerebral [sendo que, durante os primeiros três dias de vida, manteve convulsões, hipotonia e fraca reacção aos estímulos] e aos sete dias de vida uma nova ecografia revelou hiperecogenicidade difusa, ao nível dos núcleos de base, tendo ao 13.º dia de vida recebido alta hospitalar, sem qualquer medicação, e enviado para consulta externa – Cfr. pontos 17, 18, 20, 21 e 22 da matéria de facto assente, e durante todo este seu tempo de vida, sempre o PM. …, recém nascido, se mostrou irritado, com gemidos constantes e sem qualquer reacção ao nível dos quatro membros - Cfr. ponto 23 da matéria de facto assente.

Tendo o PM. … sido seguido em consulta externa de Pediatria e posteriormente em Neuropediatria, aqui nesta especialidade, foram-lhe realizados vários exames onde ficaram demonstradas alterações neurológicas, e alterações compatíveis com paralisia cerebral e cujo diagnóstico final foi de “asfixia perinatal” - Cfr. pontos 25, 31, 37, 38 e 39 da matéria de facto assente - e outros exames [para despiste de doença de que o PM. … padecesse] cujos resultados foram tidos por normais, ou seja, que não padecia o PM. … de qualquer doença genética, isto é, que delas [alterações neurológicas] fosse originariamente portador – Cfr. pontos 31, 32, 33, 34, 35 e 36 da matéria de facto assente.

Vejamos se, em face destes factos, se mostram preenchidos todos os pressupostos de que depende a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, que vem imputada ao Réu.

Como referimos atrás, e no que à culpa respeita, aplica-se a presunção estabelecida no artigo 493.°, n.° 2 do Código Civil à responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, regulada no Decreto-Lei n.° 40 851.
Dispõe aquele preceito legal que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.” [sublinhados nossos].
Ora, funcionando esta presunção de culpa, mostra-se como adequada a prova que foi feita em sede da instrução dos autos.
Para ilidir a referida presunção, e assim afastar a sua responsabilidade pelos danos causados, impendia sobre o Réu o ónus de provar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, e pelas leges artis, com o fim de prevenir os danos.
Incumbia ao Réu demonstrar que efectuou todas as diligências necessárias com vista ao correcto cumprimento das obrigações que sobre si, enquanto estabelecimento de saúde hospitalar impendem, mormente, que adoptou todas as medidas adequadas a evitar a ocorrência de quaisquer danos, desde logo não patrimoniais, na pessoa do PM. …, o que, como julgamos, não logrou fazer.
Com efeito, a mãe do Autor, após ter dado entrada no serviço de urgência do Réu, foi remetida para cesariana, no tempo em que os respectivos serviços assim o determinaram, decorridas várias horas, sendo que, a medicação que lhe foi ministrada [acitocina, e por duas vezes] para acelerar o processo de parto [para contracção do útero], os gemidos do PM. …, logo após o nascimento e durante os 13 primeiros dias de vida, e as sequelas manifestadas no seu corpo, mais concretamente no seu cérebro [desde logo, um edema cerebral, registado por ecografia no seu 1.º dia de vida], são para nós, como assim julgamos, manifestações/resultados de uma prática irregular por parte dos serviços do Réu, que são determinantes do preenchimento e existência de um facto, ilícito e culposo, que não sendo imputável, em concreto, a um qualquer funcionário do Réu, tem de ser reputada[s] como falta[s] grave[s] no[s] funcionamento do[s] serviço[s] prestado[s] à Autora.
E atentos os danos ocorridos na integridade física do PM. …, que julgamos terem ocorrido na constância do período ocorrido entre a entrada da sua mãe no serviço de urgência do Réu, e até á sua transferência [do PM. …], pelo INEM, para o Centro Hospitalar de V. N. de Gaia, é manifesto que tal há-de ter consequências na esfera patrimonial do Réu.

Com efeito, em resultado da prática seguida pelos serviços do Réu, e das sequelas manifestadas no organismo do PM. …, daí resulta que o mesmo padece, desde sempre e até á actualidade, de uma incapacidade permanente total [de 100%], que o afecta para toda a vida e para qualquer trabalho, sendo detentor de um nível de inteligência de 10%, e de uma encefalopatia refractária que o impede de controlar os seus movimentos, e em termos médicos, não é mesmo possível saber-se se o PM. … tem a mínima noção de que está doente, situação [morfo-fisiológica do PM. …] que demanda a sua dependência de terceira pessoa, que o acompanhe e cuide, porque absolutamente incapaz de regular a sua vida - Cfr. pontos 41, 42, 43 e 44 da matéria de facto assente

Neste patamar, é de referir que em face de acção ou omissão de órgão ou agente de ente público, por violação de normas legais ou regulamentares, está desde logo inerente um juízo de reprovabilidade e censura.

É inequívoco que o Réu estava legalmente obrigado a prestar à mãe do Autor as adequadas condições para que o feto [o seu filho PM. …] nascesse em condições de segurança física, não tendo prosseguido, como devia [ou omitiu], esse seu dever de agir. Assim, é-lhe imputável uma omissão que viola o disposto nas normas legais atrás indicadas e que, por via disso, se deve reputar de ilícita à luz do disposto no art. 6º. do Decreto-Lei nº. 48 051, de 21.11.67 [quanto à omissão ilícita, na doutrina, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 528 e Pedro Pita e Cunha Nunes de Carvalho, Omissão e Dever de Agir em Direito Civil, pág. 135 e segts.].
...

Importa, ainda, salientar que a já apontada não prestação das adequadas condições para que o feto [o filho da Autora, PM. …] nascesse em condições de segurança física, é censurável no plano ético, já que o funcionário típico, zeloso e cumpridor, a que faz apelo a regra do nº. 2, do artigo 487.º do CC, aplicável ex vi do nº 1, do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 48051, de 21-11-67, teria agido em conformidade com a norma, seja pela não provocação [indução] humana do parto [por ausência de encravamento do cérebro], seja pela tempestiva realização da cesariana, seja ainda, à falta de outra concreta prova, pela realização desta intervenção cirúrgica sem quaisquer rebates significantes no corpo do recém nascido.

É que, como já enunciamos supra, e por decorrência do que resultou provado, o PM. … nasceu com gemidos [que se prolongaram durante, pelo menos, os 13 primeiros dias], que só os podemos reputar [os gemidos] como decorrentes de dores que suportava, e depois, que logo no 1.º dia, após exame que lhe foi efectuado, já no Centro Hospitalar de V. N. de Gaia, foi-lhe diagnosticado um edema cerebral, que, em linguagem comum significa que o crâneo/cabeça do feto, seja já dentro ou fora do útero materno, foi alvo de acção traumatizante, contundente, que motivou uma contusão no seu cérebro.

Como resultou provado, até à realização da cesariana, sendo os ruídos fetais positivos, podendo daí assacar-se a conclusão de que, eventualmente a até essa hora, o feto não teria ainda sofrido qualquer repercussão no seu organismo, tendo o feto um edema cerebral e estando já integralmente formado o seu sistema nervoso [central e periférico], a partir do registo desse dano que lhe foi infligido, só podiam ser ouvidos, medicamente, ruídos fetais negativos, o que, porque já fora do útero materno, se traduziram nos “gemidos”, e em todo o ulterior diagnóstico, que veio a ser determinante do chamamento do INEM, por estar o recém nascido em sofrimento fetal.

Enfatizando, até ser determinado que a mãe Autora fosse submetida a intervenção cirúrgica [cesariana], o Réu logrou fazer prova que os ruídos fetais eram positivos, mas já não logrou provar, todavia, porque é que, nos cerca de 35 minutos seguintes e até momentos após o nascimento do PM. …, o mesmo veio a manifestar sintomas de sofrimento, através de “gemidos”, e até, diagnostificado um edema cerebral, logo no 1.º dia de vida.

Ora, esta factualidade não é, como julgamos, compatível com uma regular e sã prática de nascimentos [tanto mais que prosseguida num estabelecimento de saúde especialmente vocacionado para tanto], seja se ocorrida pela via natural, seja por recurso a cesariana.

A culpa consiste no nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto ilícito. Isto, sem esquecer, por outro lado, que o conceito de “bom pai de família”, vertido no artigo 487º. do Código Civil, quando transposto para o âmbito da responsabilidade dos entes públicos, implica a comparação do comportamento ilícito apurado com o que seria de exigir a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

No caso vertente, o Réu não logrou provar ter cumprido diligentemente o dever de utilizar todas as providências necessárias e exigidas para o nascimento do PM. … [sem sequelas corporais], que não pôde ocorrer de modo natural, [até à sua extracção do útero materno], e assim, não podemos deixar de o julgar como merecedor de censura, por não ter usado a diligência que um agente ou funcionário normal e típico não deixaria de ter adoptado, por forma a assegurar uma efectiva prestação que absolvesse o menor de quaisquer danos na sua integridade física.

...

De modo que, e independentemente de à partida nos encontrarmos perante o regime da presunção legal de culpa, nos termos do artigo 493º. do Código Civil, os factos permitem firmar um juízo de reprovação da conduta omissiva do Réu, com culpa efectiva, ao não ter submetido, ou tê-lo feito tardiamente, colocando a Autora sob vigilância para uma decisão em torno da execução de cesariana, depois de duas ministrações de acitocina [para forçar o útero a expelir o feto], ou, como assim julgamos convictamente, que se não antes, que foi durante o desenrolar da realização da cesariana, que a mesma foi de molde a produzir as lesões registadas no corpo do PM. …. Há nessa omissão, ou por decorrência dessa acção/conduta, uma quebra de diligência e uma infracção da prudência comum que têm de ser valoradas negativamente, e que preenchem o conceito de ilicitude, tal como é definido para os actos materiais pelo artigo 6º. do Decreto-Lei nº 48.051. E o conceito da ilicitude encontra-se intimamente associado ao pressuposto da culpa, como tem sido reconhecido em numerosos arestos do STA [cfr., por exemplo, os Acs. de 21.3.96, proc.º nº 38.902, 17.12.96, proc.º nº 38.481, 8.7.99, proc.º nº 43.956, 21.1.98, proc.º nº 42.975, 12.5.98, proc.º nº 39.614 e 26.11.98, proc.º nº 42.545].

A este propósito pode falar-se do princípio da competência da Administração, no sentido de que [como já expendemos supra] a mesma deve actuar com a diligência a que uma pessoa competente e prudente está vinculada.

Importa agora apreciar se existe um nexo de causalidade entre os danos e a actuação omissiva do Réu.

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Neste quadro, a actuação e/ou omissão do Réu, na utilização de todas as providências que as circunstâncias em causa exigiam de si, considerando para tanto que desde a entrada no serviço de urgência e até ao nascimento do PM. …, o Réu demorou quase 17 [dezassete] horas pela realização de um parto [artificial, por cesariana], quando havia já sinais evidentes de que o nascimento não ocorreria por via normal [por ausência de encravamento – Cfr. ponto 51 da matéria de facto assente], e depois, considerados os registos fetais positivos anteriores ao nascimento, e os gemidos do recém nascido, [obviamente que por sofrimento fetal], após o nascimento, em abstracto e de acordo com as regras da experiência comum, tem aptidão para provocar as lesões registadas no organismo do PM. … e, não havendo a interposição de circunstâncias anómalas que a justifiquem, deve, por consequência, dar-se por verificado o nexo de causalidade que é também pressuposto da responsabilidade do Réu.

Demonstrada que está a verificação, in casu, dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos pela prática de actos ilícitos, importa agora apurar o montante dos danos indemnizáveis, ou seja, aqueles que resultaram como consequência directa e necessária do facto ilícito e culposo atrás descrito.

...

De modo que, face ao que deixamos enunciado supra, os pedidos deduzidos na presente acção devem proceder, na sua totalidade".


***

Depois de termos analisado pormenorizadamente os autos (e o PA junto), com especial acutilância para a factualidade provada --- que não vem questionada por nenhuma das partes, convenhamos! --- temos por seguro que da mesma não decorre qual a prática médica, em concreto, que induziu a que o PM. … viesse a ter as graves lesões que, aliás, não são questionadas, por nenhuma das partes, tão objectivas, evidentes e graves elas são.

Embora, a sentença recorrida tenha partido do pressuposto fáctico de que os danos se deveram a tardia ou intempestiva extracção, por cesariana. ou deficiente extracção do útero materno, o certo é que este facto não se mostra provado em qualquer um dos muitos números acima referidos dando conta dos factos provados.

Se porventura o Sr. Juiz do TAF de Braga criou essa convicção ao longo da inquirição das muitas testemunhas ouvidas, compaginadas com os relatórios médicos ou de enfermagem existentes nos autos [que - convenhamos - com interesse para a fase especial e temporal que precede o nascimento e a verificação deste - desde a entrada no Hospital e a data do nascimento (17. 49 horas do dia 18/12/1994 e as 10.45 do dia seguinte), não muito parcos], o certo é que a resumida (porventura mesmo deficitária) alegação efectivada na pi, não permitia questionar mais, a não ser o que se alegou nos arts. 39.º e especialmente 40.º da pi, onde se refere que a "asfixia perinatal ... se deveu exclusivamente à negligência médica praticada pela omissão dos deveres de cuidado e técnico do R. e seu pessoal clínico .., quando este ainda se encontrava no ventre materno" - art.º 39.º e que "Com efeito, foi ultrapassado o tempo a que a mãe foi submetida a cesariana e não foram tomadas as medidas técnicas necessárias conforme se alegou" - art.º 40.º.

Ora, apenas a matéria deste art.º 40.º poderia ser questionada, em sede de base instrutória.

Assim, no art.º 34.º da mesma, questionou-se "Desde que a mãe do autor entrou no serviço de urgência do réu, foi ultrapassado o período de tempo para efeitos de determinação médica da sua submissão a intervenção cirúrgica por cesariana ?"

Acontece que a resposta dada, em sede de resposta aos artigos da base instrutória, foi apenas a seguinte:

"Provado apenas que, desde que a mãe do Autor entrou no serviço de urgência do Réu, a mesma foi submetida a intervenção cirúrgica por cesariana, quando os respectivos serviços assim o determinaram" - cfr. fls. 597 dos autos.

Ora esta resposta, em bom rigor, é inócua e nada diz com interesse para o "problema" que se colocava, ou seja, saber se existiu ou não atraso na decisão e submissão da mãe do PM. … a cesariana, para depois se poder questionar se foi ou não esse atraso que importou os graves danos de que veio a sofrer o PM. ….

E a fundamentação para esta resposta louva-se, além do depoimento da testemunha ML. … (médica que seguiu a mãe do PM. … em consulta externa no Hospital de S. Marcos, na fase de gravidez, por ter sido remetida pelo médico de família de Vila Verde para este Hospital), por lhe ter sido diagnosticado risco potencial de gravidez, nos diversos relatórios médico legais constantes dos autos, a saber:

- de fls. 225 a 227, do Conselho Médico Legal;

- de fls. 167 a 173 do relatório pericial do Gabinete Médico Legal de Braga; e ainda,

- de fls. 234 a 241 do parecer médico legal.

Ora, lidos estes relatórios, verifica-se que em nenhum deles se diz que a cesariana foi tardia ou intempestiva.

No primeiro - do Conselho Médico Legal -, antes se refere que: "De acordo com os motivos aduzidos para a realização da cesariana ("dilatação completa" e "ausência de encravamento"), esta foi realizada em momento adequado".

No segundo - do Gabinete Médico Legal de Braga -, diz-se que o " ... não pode o perito pronunciar-se sobre um eventual nexo de causalidade entre a assistência prestada ao parto e as sequelas verificadas. No entanto, parece evidente que o seu estado, designado habitualmente de paralisia cerebral, resultou do trauma do parto".

No terceiro - escreve-se, em termos de conclusão, que os danos verificados no PM. … "... resultaram como complicação do parto" e ainda que " A idade gestacional ultrapassou a idade prevista podendo ter contribuído para o aparecimento da anóxia perinatal que provocou as sequelas neurológicas irreversíveis".

Ou seja, perante estas "opiniões técnicas" diversas, embora nenhuma assertiva quanto à verdadeira causa dos danos, a resposta dada pelo TAF de Braga não permite concluir - como a sentença o dita - que a causa dos danos foi a tardia decisão do nascimento do PM. … por cesariana.

Deste modo, porque - lida e relida a pi - a única causa alegada como eventual causadora dos danos de que sofre o PM. … é a tardia cesariana e porque tal não foi provado nos autos --- facto que, repetimos - as partes não discutem neste recurso ---, temos de concluir que não se mostra provada a causa dos danos.

Ou seja, não se mostra provada a actuação (ou omissão) ilícita, a denominada negligência médica, dos clínicos do réu que assistiram a mãe do PM. … desde a altura em deu entrada no Serviço de Urgência e o nascimento, por cesariana.

Poder-se à questionar se a "circular ao pescoço" verificada aquando do nascimento - cfr. ponto 52 dos factos provados -, derivada do cordão umbilical não terá sido a causa ou contribuído para a asfixia perinatal que lhe foi diagnosticada.

Porém, esta possibilidade não foi alegada e, por isso, não foi questionada e assim não passa de mera hipótese para aferir da eventual ilicitude por parte dos serviços do Réu/Recorrente.

Assim, temos de concluir que os AA, em representação de seu filho menor PM. …, não alegaram e obviamente não provaram - o que era seu ónus - n.º1 do art.º 487.º do Código Civil - qual a causa concreta dos graves danos que o PM. … apresentou aquando do nascimento e que persistem.


*

Não tendo os AA demonstrado a actuação (ainda que por omissão) do Réu, será que no caso se verifica a inversão do ónus da prova, como decidiu o TAF de Braga - questão que também vem suscitada neste recurso - art.º 487.º n.º 1, última parte do CCivil.

Contrariamente, ao entendimento veiculado na sentença recorrida, é nosso entendimento que, em situações de responsabilidade extracontratual, diversamente se se versasse responsabilidade contratual, por alegada responsabilidade civil por alegada negligência médica em hospitais públicos - como é o caso dos autos - não se verifica a inversão do ónus da prova, pois que tal não resulta de nenhuma norma jurídica, nem esta tese foi defendida em qualquer decisão dos tribunais superiores, v.g, STA.

Embora esta questão seja objecto de estudo académico/doutrinário, sendo cada vez mais as vozes que defendem a aplicação a situações como a dos autos do princípio da inversão do ónus da prova, atenta a dificuldade em os lesados provarem a actuação ilícita em caso de negligência médica em hospitais do SNS, o certo é que nenhuma norma ou diploma legal possibilita este entendimento.

E não existindo esta inversão do ónus da prova, não podemos - pese embora a situação objectivada nos autos - concluir pela responsabilidade do Hospital de S. Marcos, Réu/Recorrente nos autos, inexistindo, assim, qualquer razão para a sua condenação em qualquer montante indemnizatório, pelo que fica prejudicado o conhecimento atinente à contabilização dos danos.


III

DECISÃO


Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:

- conceder provimento ao recurso;

- revogar a sentença recorrida; e assim,

- julgar improcedente a acção, absolvendo do pedido o Réu/recorrente Hospital de S. Marcos ....".Ass. Antero Pires Salvador