Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00649/09.6BEBRG |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 01/13/2022 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | Ana Patrocínio |
| Descritores: | NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO, PRESUNÇÃO, CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO, CARTA DEVOLVIDA, FALTA DE RECEPTÁCULO POSTAL, APENSAÇÃO DOS PROCESSOS DE EXECUÇÃO FISCAL, OMISSÃO DE PRONÚNCIA |
| Sumário: | I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância. II - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (artigo 36.º, n.º 1 do CPPT). III - Não pode ter-se como validamente efectuada uma notificação de liquidação de tributo devolvida aos serviços da Administração Tributária, com o pretenso argumento de que é imputável ao contribuinte a falta de receptáculo postal, dado que a presunção do n.º 5 e n.º 6 do artigo 39.º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, pois as normas em causa têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva. IV - A presunção a que alude o artigo 39.º do CPPT, da perfeição da notificação, apenas poderia prevalecer quando se soubesse que a carta enviada para tal efeito não fosse devolvida pelos serviços postais com a indicação “impossível a entrega por falta de receptáculo postal”, uma vez que neste caso era seguro que a notificação não tinha chegado efectivamente ao seu destinatário, nem lhe tinha chegado ao conhecimento de que lhe havia sido enviada uma carta para tal efeito.* * Sumário elaborado pela relatora |
| Recorrente: | S. |
| Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso. |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório S., NIF (…), com domicílio no Lugar (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 22/01/2014, que julgou improcedente a presente oposição, deduzida contra os processos de execução fiscal n.º 3476200801089323, n.º 3476200901004638, n.º 3476200801079590, n.º 3476200801019910 e n.º 3476200801040332, por dívidas de IMI e IMT, além do mais, referente ao excesso da quota-parte do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), sob o artigo 742º, que lhe foi adjudicado na escritura de partilha em 03/08/2006. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “a) - O Juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir. b) - Os processos n.°s 3476200801089323, 3476200901004638 e 3476200801079590 encontravam-se apensos. c) - O órgão que tinha competência para fazer a apensação já a tinha feito. d) - O valor da oposição deverá ser de 114 924,80€. e) - A decisão recorrida não aprecia a perfeição da notificação da decisão da segunda avaliação, para efeitos de IMI, bem como a notificação da liquidação adicional de IMT resultante da avaliação efectuada dentro do prazo de caducidade das liquidações controvertidas, objecto das execuções n.°s 3476200901004638 e 3476200801079590, questões que haviam sido suscitadas na petição inicial da oposição. f) - O conhecimento de tais questões é essencial à decisão de mérito. g) - A sua omissão constitui nulidade, nos termos do artigo 125.°, n.° 1 do CPPT. h) - Foram violados os artigos 43.°, n.° 2 e 39.°, n.° 5 do CPPT. i) - É direito e garantia constitucional dos administrados (art.° 268.°, n.° 3 da C.R.P.) a notificação na forma prevista na Lei, dos actos administrativos que afectem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos, como o são os actos que afectam a sua situação tributária. j) - Não pode considerar-se efectuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efectivamente efectuada, como sucede nos casos em que a carta notificação seja devolvida, porquanto a presunção estatuída pelo n.° 5 do artigo 39.° do CPPT opera apenas nos casos em que a carta não seja devolvida. l) - Por maioria de razão, não pode considerar-se notificado o contribuinte que, embora não tenha dado cumprimento ao disposto no n.° 1 do artigo 43.º do CPPT, isto é, não tenha comunicado em prazo, alteração do seu domicílio ou sede, não tenha recebido a comunicação da administração tributária por a carta ter sido enviada para uma morada que não é a sua. m) - O n.° 2 do artigo 43.° culmina a falta desta comunicação com a inoponibilidade à administração tributária, da falta de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos legais, sem prejuízo do que a lei dispuser quanto à obrigatoriedade da citação ou notificação pessoal, que terão de ser “perfeitas” de acordo com as regras do art.° 39.º do CPPT. n) - O ónus da prova da efectivação da notificação impende sobre a administração tributária. o) - Na situação concreta que se aprecia, o recorrente não foi notificado de nenhuma das notificações objecto dos presentes e a administração tributária não faz prova de que as cartas tenham sido efectivamente recebidas pelo destinatário, muito pelo contrário, porque todas foram devolvidas à Administração Fiscal. p) - O prédio situado rua (…) (...), para onde foram enviadas as notificações, no período objecto dos presentes autos, encontrava-se inabitável e o recorrente nunca lá fixou a sua residência. q) - Encontram-se reunidos os pressupostos do justo impedimento. r) - A Administração Fiscal não tomou qualquer iniciativa para notificar o recorrente, embora conhecesse outro domicílio do recorrente. s) - A Administração Fiscal conhecia outro domicílio do recorrente. t) - Nos casos em que não seja conhecido o domicílio fiscal deverão aplicar-se as disposições aplicáveis à citação em processo civil, incluindo a forma edital (arts. 38.°, n.° 6, e 192.°, n.° 1, do CPPT). u) - Em matéria de citações e notificações é irrelevante o dever de comunicar à Administração Tributaria a alteração de residência. v) - A haver abuso de direito, esse abuso existe por parte da Administração Fiscal. x) - Com efeito, agarrou-se à letra da Lei, e não tomou qualquer iniciativa, para que o recorrente tomasse conhecimento da sua situação. y) - Por afectar a situação patrimonial do contribuinte, e por ele ter o direito de impugnação contenciosa do acto administrativo de liquidação do imposto, é exigida a concretização de a mesma ser validamente notificada, também em obediência ao acima citado preceito constitucional, sem que o imposto é inexigível. Termos em que deverá ser concedido integral provimento ao recurso interposto, e revogada a douta sentença proferida, nos termos supra expendidos, assim se fazendo Justiça.” **** A Recorrida não contra-alegou.**** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso, por se verificar nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, e, em substituição, dever ser julgada a oposição improcedente.**** Tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido, notificou-se cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. Ambas as partes anuíram neste conhecimento, tendo a Fazenda Pública remetido para a sua posição já assumida na contestação e informado que o valor atribuído à causa deverá ser alterado de €37.152,00 para €102.540,80, caso se considere os processos de execução fiscal não atendidos pelo tribunal recorrido, correspondendo ao valor à data da petição de oposição dos processos n.ºs 3476200801089323, 37476200901004638 e 3476200801079590.**** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.**** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIARCumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, e se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar válida a notificação das liquidações em apreço ao aqui Recorrente. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1) Em 31.10.2008 o Serviço de Finanças de Guimarães .. remeteu ao aqui Oponente, R. (…) (...), por carta registada com aviso de recepção, o ofício n.º 8513, respeitante a “IMT – LIQUIDAÇÃO ADICIONAL EFECTUADA NOS TERMOS DO ARTº 27º DO CIMT” com o seguinte teor: “(…) Fica V. Exa notificado para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da assinatura do respectivo aviso de recepção, liquidar o Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT), neste Serviço de Finanças no montante de 37.152,00€, referente ao prédio urbano, inscrito na matriz sob o a 742° da freguesia de (...) relativamente ao excesso da quota-parte do bem imóvel, que lhe foi adjudicado na Escritura de partilha lavrada no Cart. Notarial (...) em 03/08/2006, nos termos da al) c) do n° 5 do art° 2° e n° 7 do art° 36° do CMIT. V. P. - 1.238400,00€: 2 = 619.200,00€ a cada um - O S.P. leva a mais 619.200,00€ x 6% = 37.152,00€ Findo aquele prazo sem que se mostre efectuado o pagamento, será extraída certidão de dívida para cobrança coerciva. (…)” - cfr. fls. 19 dos autos. 2) O ofício descrito em 1) foi devolvido ao Serviço de Finanças de Guimarães .. Finanças com a menção de “Não tem RPD” – cfr. fls. 20 e 22 dos autos. 3) Em resultado do descrito em 2), o Serviço de Finanças de Guimarães 2 remeteu ao aqui Oponente, R. (...) (...), por carta registada com aviso de recepção, o ofício n.º8616, respeitante “IMT – LIQUIDAÇÃO ADICIONAL EFECTUADA NOS TERMOS DO ARTº 27º DO CIMT 2ª notificação efectuada nos termos do nº 5 do artº 39º do CPPT,” nos seguintes termos: (…) Fica V. Exa notificado para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da assinatura do respectivo aviso de recepção, liquidar o Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT), neste Serviço de Finanças no montante de 37.152,00€, referente ao prédio urbano, inscrito na matriz sob o a 742° da freguesia de (...) relativamente ao excesso da quota-parte do bem imóvel, que lhe foi adjudicado na Escritura de partilha lavrada no Cart. Notarial (...) em 03/08/2006, nos termos da al) c) do n° 5 do art° 2° e n° 7 do art° 36° do CMIT. V. P. - 1.238400,00€: 2 = 619.200,00€ a cada um - O S.P. leva a mais 619.200,00€ x 6% = 37.152,00€ Da liquidação do IMT, poderá reclamar no prazo de 20 dias (artº 70 do CPPT) ou impugnar no prazo de 90 dias (artº 102º do CPPT), com os fundamentos referidos no artº 99º do CPPT) Findo aquele prazo sem que se mostre efectuado o pagamento, será extraída certidão de dívida para cobrança coerciva. (…)”– cfr. fls. 23 dos autos. 4) O ofício descrito em 3) foi devolvido ao Serviço de Finanças de Guimarães .. Finanças com a menção de “Devolvido por falta de receptáculo Postal ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/90, de 6 de Abril” – cfr. fls. 24 a 26 dos autos. 5) À data da remessa dos ofícios descrito em 1.e 3. o Oponente tinha domicílio fiscal declarado na R. (...) (...). 6) O Serviço de Finanças de Guimarães .. instaurou em 16.12.2008 o processo de execução fiscal n.º 3476200801089323, por dívidas de IMT no montante de €37.152,00 e referente ao excesso da quota-parte do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), sob o artigo 742º, que foi adjudicado ao Oponente por escritura de partilha em 3.08.2006 - cfr. fls. 26 e 28 do PEF junto aos autos. 7) O prédio sito na R. (...) (...) esteve em obras desde Janeiro de 2005 até 2008 – cfr. testemunho de M. e F.. 8) No período das obras do prédio descrito em 7), a casa não estava habitável, nem tinha receptáculo postal, encontrando-se vedada com material próprio de obras – cfr. testemunho de M. e F.. 9) O Oponente alterou o seu domicílio fiscal para o prédio descrito em 7) por erro. ** Factos não provadosNão se mostram provados quaisquer outros factos invocados relevantes para a decisão dos presentes autos. ** Motivação da decisão de factoO Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil e ainda pela prova produzida testemunhalmente. M., engenheira civil, foi directora de obra do Oponente, tendo respondido aos factos constantes nos artigos 3ª a 5ª, 8ª a 11ª e 13ª a 16ª da petição inicial de forma séria e credível. Declarou que foi directora de obra sita na Rua (…) em (...), que decorreu entre Janeiro de 2005 até 2008, obra que obteve licenciamento e licença de utilização. Afirmou que no período da obra o imóvel não era habitável e não havia caixa do correio porque não fazia sentido. Opinou no sentido de que não fazia sentido deixar qualquer carta na casa porque esta se encontrava em processo de obras. Por fim declarou não ter qualquer conhecimento de ter sido entregue qualquer carta a funcionários no local da obra. F., engenheiro civil, é administrador da empresa que prestou serviços ao Oponente e respondeu à matéria de facto ínsita dos artigos 3ª a 5ª, 8ª a 11ª e 13ª a 16ª da petição inicial de forma séria e credível. Declarou que os serviços prestados respeitaram à remodelação de imóvel pré-existente para habitação. Ademais disse que a obra decorreu entre 2005 até 2007, não tendo certeza absoluta se foi até meados de 2008 e que apesar da casa ser habitável, durante o decurso das obras esta não foi habitada, nem era possível ser habitada. Afirmou que no decurso das obras houve períodos em que não esteve lá gente a trabalhar, no entanto, não tinha a certeza porque a obra não foi adjudicada na totalidade à sua empresa. Por fim, declarou que a casa não foi demolida, mas quase, e estava vedada quando foi comprada, tendo-se mantido em parte o muro desta, mas parte do muro foi demolido, sendo provável que a caixa do correio estivesse situada na parte do muro demolido.” Pela pertinência para o conhecimento do objecto do recurso e uma vez que os respectivos documentos identificados se mostram ínsitos nos autos, adita-se ao probatório a seguinte factualidade, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC): 10 - Pelo ofício n.º 3434819, de 9 de Maio de 2007, foi remetida para o domicílio fiscal do oponente referido em 5) carta registada com aviso de recepção do resultado da 2.ª avaliação efectuada ao prédio inscrito sob o art. 742.º, urbano, da freguesia de (...), carta essa que foi devolvida em 22 de Maio de 2007 ao remetente com a indicação de “Não atendeu às 11 h 40, (segue-se palavra parcialmente ilegível mas que se deduz ser impossível) a entrega por falta do Receptáculo Postal” – cfr. fls. 9 dos autos. 11 – Nesta sequência, nos termos do referido no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT e a coberto do ofício n.º 3478114, de 29 de Maio de 2007 foi novamente remetida para o domicílio fiscal do oponente carta registada com aviso de recepção do resultado da 2.ª avaliação efectuada ao prédio inscrito sob o art. 742.º, urbano, da freguesia de (...), carta essa que foi devolvida em 31 de Maio de 2007 ao remetente com a indicação de “Não atendeu às 10 h 40, impossível a entrega por falta do Receptáculo Postal” – cfr. fls. 11 dos autos. 12 - Foi remetida para o domicílio fiscal do oponente mencionado em 5) carta registada com aviso de recepção da liquidação adicional de IMT resultante da avaliação efectuada, (Dívida no montante de €62.912,00 constante do processo executivo n.º 3476200901004638), referente ao prédio inscrito sob o art. 742.º, urbano, da freguesia de (...), carta essa que foi devolvida em 5 de Novembro de 2007 ao remetente com a indicação de “Não atendeu às 11 h 10, impossível a entrega por falta do Receptáculo Postal” – cfr. fls. 13 e 14 dos autos. 13 – Mais uma vez, na sequência da devolução, nos termos do n.º 5 do artigo 39.º do CPPT e a coberto do ofício n.º 8364 de 6 de Novembro de 2007 foi novamente remetida para o domicílio fiscal do oponente carta contendo os termos da liquidação adicional de IMT resultante da avaliação efectuada, referente ao prédio inscrito sob o art. 742.º, urbano, da freguesia de (...), carta essa que foi devolvida em 7 de Novembro de 2007 ao remetente com a indicação de “Devolvido por falta de Receptáculo Postal, ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/90, de 6 de Abril” – cfr. fls. 16 a 18 dos autos. 14 - O Serviço de Finanças de Guimarães .. instaurou em 30/10/2008 o processo de execução fiscal n.º 3476200801079590, por dívidas de IMI, ascendendo a quantia exequenda a €2.4476,80. 15 - O Serviço de Finanças de Guimarães .. instaurou em 20/01/2009 o processo de execução fiscal n.º 3476200901004638, por dívidas de IMT, ascendendo a quantia exequenda a €62.912,00. 16 – Aquando da apresentação da presente oposição judicial os montantes totais em cobrança coerciva em cada processo de execução fiscal eram os seguintes: - No processo de execução fiscal n.º 3476200801079590 a dívida exequenda, juros de mora e custas ascendiam ao montante de €2.658,36; - No processo de execução fiscal n.º 3476200801089323 a dívida exequenda, juros de mora e custas ascendiam ao valor de €39.086,57; - No processo de execução fiscal n.º 3476200901004638 a dívida exequenda, juros de mora e custas ascendiam à quantia de €71.632,45 – cfr. fls. 1 da cópia certificada dos processos de execução fiscal em causa. 2. O Direito O Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade, por omissão de pronúncia, e erro de julgamento, consubstanciado em falta de notificação das liquidações que deram origem às dívidas exequendas, impedindo que estas sejam exigíveis. De facto, o tribunal recorrido decidiu apreciar as questões colocadas na petição de oposição só relativamente ao processo de execução fiscal n.º 3476200801089323, fazendo reflectir tal decisão na fixação do valor da causa. Vejamos como o realizou: “(…) Nos termos do que dispõe o artigo 306º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi, artigo 2º alínea e) do CPPT, “compete ao juiz fixar o valor da acção, sem prejuízo do dever de indicação que impede sobre as partes.” Como tal, e a convite do Tribunal o Oponente veio indicar como valor da acção €114.924,80, valor aceite pela Fazenda Pública por não impugnado, nos termos do que preceitua o n.º 4 do artigo 205º do CPC. Não obstante o acordo das partes quanto ao valor da acção, e não estabelecendo à data o artigo 98-A do CPPT qualquer regra especifica quanto ao valor das oposições à execução fiscal, há que atender o que dispunha para o efeito o CPC, atenta a aplicação subsidiária por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT. Assim, e atento o determinado pelo artigo 315º do CPC (à data dos factos aqui em questão), entendendo-se que o valor acordado tacitamente está em flagrante oposição com a realidade, deverá ser fixado o valor considerado adequado. Ora, por forma a fixar devidamente o valor dos presentes autos há previamente que aferir e decidir do pedido de apensação a estes autos dos processos de execução fiscal n.º 3476200901004638, n.º 3476200801079590, n.º 3476200801019910 e n.º 3476200801040332, requerido em sede do articulado inicial. Vejamos. Não obstante o Tribunal reconhecer que a apensação de todos os processos de execução fiscal que correm contra o Oponente seria corolário do princípio da economia e celeridade processual, não cabe dentro dos poderes do juiz o comando de impor à Administração Fiscal que proceda à apensação de todas as execuções, uma vez que tal não decorre do instituído do artigo 151º do CPPT, e também porque o juiz não estaria em condições de saber se tais execuções se encontram nas condições por lei exigidas para que tal ocorra (artigo 179º do CPPT). Nesta medida, tal poder está entregue, oficiosamente ou a pedido do executado, à Administração Fiscal, encontrando-se apenas sujeitos ao controle posteriori do juiz, por meio da faculdade estabelecida pelo artigo 276º do CPPT. Neste sentido, vide, Acórdão do STA de 21-03-2012, rec.0867/11. Por conseguinte, a pretensão que vem formulada será somente apreciada e decidida quanto ao processo de execução fiscal n.º 3476200801089323, não sendo decididos os fundamentos respeitantes aos outros processos. Nesta senda, o valor a fixar será o respeitante ao valor do processo de execução fiscal n.º 3476200801089323, que ascende a €37.152,00. Assim, fixa-se o valor dos presentes em €37.152,00. (…)” O recorrente deduziu oposição às execuções n.°s 3476200801089323; 3476200901004638; 3476200801079590; 3476200801019910; 3476200801040332 – cfr. petição de oposição. Resulta da decisão recorrida transcrita que a pretensão formulada pelo Recorrente só foi apreciada quanto ao processo de execução fiscal n.º 34762008010899323, tendo, por isso, sido fixado aos presentes autos o valor de €37.152,00. O Recorrente não se conforma com a apreciação da oposição limitada ao processo executivo n.º 3476200801089323. Com efeito, em sede de contestação, como questão prévia, a Fazenda Pública informou que se encontravam extintos os processos n.°s 3476200801019910 e 3476200801040332, pelo que, quanto a estes, o Recorrente nada aponta nas suas alegações de recurso. Informou, ainda, a Representação da Fazenda Pública que os processos n.°s 3476200801089323, 3476200901004638 e 3476200801079590 se encontravam apensos. Acrescentando dever considerar-se que o oponente se opõe ao processo de execução fiscal n.º 3476200801079590 e apensos. Estes processos dizem respeito a dívidas referentes a IMT e IMI, ficando claro que a apensação se encontrava efectuada quando a oposição foi remetida a tribunal. Note-se, ao contrário do decidido pelo tribunal recorrido, que o órgão que tinha competência para fazer a apensação já a tinha feito. É, por isso, que o Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, entendendo verificar-se omissão pronúncia quanto às questões colocadas nos processos n.º 3476200901004638 e n.º 3476200801079590, pugnando por que o valor da oposição seja fixado em €114.924,80. Efectivamente, a decisão recorrida não aprecia a perfeição das notificações realizadas ao Recorrente da decisão da segunda avaliação efectuada ao prédio urbano situado no Lugar do (…), inscrito na matriz sob o artigo 742.º, para efeitos de IMI, na sequência de transmissão, bem como da liquidação adicional de IMT resultante da avaliação efectuada dentro do prazo de caducidade das liquidações controvertidas, objecto das execuções n.°s 3476200901004638 e 3476200801079590. Compulsado o teor da petição de oposição, verifica-se que estas questões haviam sido suscitadas na petição inicial. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia ou a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, no penúltimo segmento da norma. A nulidade por omissão/excesso de pronúncia traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660.º, n.º 2 do CPC, actual artigo 608.º, n.º 2, que impõe ao juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; e, por outro lado, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente. Lembramos que ocorre nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do tribunal sobre questões a que esteja obrigado a pronunciar-se. Nesta matéria, a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que “só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio” (cfr. Acórdão do STA, de 19/09/2012, processo n.º 0862/12). Por conseguinte, só há omissão de pronúncia “quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões” (cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, processo n.º 0514/14). Efectivamente, não residem dúvidas que o Recorrente dedicou também os artigos 10.º a 15.º da petição de oposição às questões que não foram abordadas pelo tribunal recorrido: o oponente não teve conhecimento do resultado definitivo da avaliação do imóvel e da liquidação de IMT resultante da avaliação efectuada (o tribunal “a quo” somente conheceu as questões relativas ao processo executivo onde está em cobrança a liquidação de IMT referente ao excesso da quota-parte que foi adjudicada em partilha ao Recorrente). Reiteramos que a apontada nulidade por omissão de pronúncia só ocorre nos casos em que o Tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” - Vide Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363. Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13/07/11 e de 20/09/11, proferidos nos recursos n.º 0574/11 e n.º 0268/11, respectivamente. A este propósito, importa recordar Alberto dos Reis, segundo o qual “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção” - Vide Alberto dos Reis, CPC, anotado, Volume V, pág. 143. Ora, in casu, conforme decorre da transcrição parcial que realizámos da sentença recorrida, observa-se que a Meritíssima Juíza “a quo” apontou razões para justificar a sua limitação ao processo executivo n.º 3476200801089323: não cabe dentro dos poderes do juiz o comando de impor à Administração Fiscal que proceda à apensação de todas as execuções, uma vez que tal não decorre do instituído do artigo 151º do CPPT, e também porque o juiz não estaria em condições de saber se tais execuções se encontram nas condições por lei exigidas para que tal ocorra (artigo 179º do CPPT). Uma vez que a sentença recorrida indicou explicitamente os motivos para não tomar conhecimento das questões indicadas pelo Recorrente, não podemos falar em nulidade da mesma, mas somente em erro de julgamento quanto a esta parte, uma vez que as razões apontadas não têm respaldo na realidade dos factos. Com efeito, o tribunal recorrido terá sido induzido em erro pelo pedido expresso de apensação formulado no final da petição de oposição, não se apercebendo existir informação oficial nos autos, obtida através de consulta ao sistema informático da Direcção-Geral dos Impostos, no sentido de que os processos executivos já estavam apensados pelo órgão de execução fiscal. Nesta conformidade, ao não ter apreciado as questões colocadas quanto aos processos n.º 3476200901004638 e n.º 3476200801079590, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, bem como de erro na determinação do valor da causa; pelo que se fixa, agora, por via dos três processos de execução fiscal visados na presente oposição judicial – n.º 3476200801089323, n.º 3476200901004638 e n.º 3476200801079590 – que se encontram apensos, o valor de €113.377,38 – cfr. artigo 317.º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável à data da instauração dos processos de execução fiscal em análise. O erro de julgamento detectado na sentença recorrida não tem como efeito incontornável a remessa imediata do processo para o Tribunal “a quo”, devendo o Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação do objecto do recurso se dispuser dos elementos necessários para tal – cfr. artigo 665.º, n.º 2 do CPC. Nesta conformidade, prevendo a eventualidade de este tribunal ter que conhecer em substituição ao tribunal recorrido, notificou-se cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC; tendo ambas emitido pronúncia, nos termos já indicados supra. Está em causa saber se deverão ter-se como validamente realizadas as notificações efectuadas ao Recorrente da decisão da segunda avaliação efectuada ao prédio urbano situado no Lugar (…), inscrito na matriz sob o artigo 742.º, para efeitos de IMI, na sequência de transmissão, bem como a da liquidação do IMT referente ao excesso de quota-parte que lhe foi adjudicado em partilha e a da liquidação adicional de IMT resultante da avaliação efectuada dentro do prazo de caducidade das liquidações controvertidas. Como resulta do aditamento que efectuámos à decisão da matéria de facto, as cartas enviadas e a respectiva devolução é absolutamente semelhante nas três situações, pelo que procederemos a uma análise conjunta das mesmas, tendo por base o julgamento realizado pela primeira instância, que, apesar de não ter sido feito para os três processos de execução fiscal (mas somente para o processo n.º 3476200801089323), a realidade subjacente aos mesmos é idêntica. Vejamos, desde logo, o julgamento do tribunal recorrido com o qual o Recorrente não se conforma: “(…) Pugna o Oponente pela falta de notificação das liquidações de IMT referente ao excesso da quota-parte que lhe foi adjudicado em partilha e da liquidação adicional de IMT resultante da avaliação, que constituem fundamento de oposição admitido pelo artigo, 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT, na medida em que a falta de notificação é um acto ulterior à liquidação determinante da inexigibilidade da dívida, constituindo um facto modificativo da obrigação. (…) Invoca o Oponente não ter culpa na não recepção da liquidação, uma vez que por erro alterou o seu domicílio fiscal, não tendo por sua vez sido deixados avisos para levantar as cartas. A Fazenda Pública vem no entanto invocar que, a falta de notificação da sobredita liquidação é imputável única e exclusivamente ao Oponente, uma vez que esta foi remetida para a morada que à data constava no cadastro como domicílio fiscal, acrescendo o facto de em desobediência ao disposto no Decreto Regulamentar n.º 8/90, de 6 de Abril, não cumpriu o ónus de colocar receptáculo postal no prédio. Cumpre apreciar e decidir. Preceitua a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 268º n.º 3 que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei”. A notificação é o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa (n.º 1 do artigo 35º do CPPT), e como bem enunciado pelo Acórdão do STA de 06.05.2009, rec. 0270/09 e aqui trasladado: “O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância”. Estatui o artigo 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.”, recaindo sobre a AT o ónus de comprovar a notificação devida, inter allios Aresto do STA de 16-05-2012, rec. rec. 01181/11 Por sua vez, o artigo 38º n.º 1 do CPPT determina que “as notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação paras estes assistirem ou participarem em actos ou diligências.” Nas palavras de Jorge Lopes de Sousa (in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Vol. I, pag. 371) “Como actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes devem considerar-se não só aqueles que efectivamente determinam uma alteração desta, mas também aqueles em que está em discussão a possibilidade de se concretizar esta alteração.” Entre estes actos que exigem notificação por carta registada com aviso de recepção encontram-se assim os actos de liquidação adicional de IMT, nos termos previstos no artigo 27º do CIMT, por susceptíveis de alterar a situação tributária. Ademais, tais notificações devem ser remetidas para o domicílio fiscal indicado pelos sujeitos passivos de imposto, considerando-se domicilio fiscal o local da residência habitual, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19º da LGT. Acresce que, com a entrada em vigor do Decreto Regulamentar n.º 8/90 de 6 de Abril, foi estendida a obrigatoriedade de instalação de receptáculos postais domiciliários, além das cidades de Lisboa e Porto. Com efeito o n.º 1 do artigo 2 do sobredito Decreto Regulamentar estabelece que “Para a entrega de correspondência ordinária não volumosa, os edifícios a construir, independentemente do local, e os já construídos em locais onde a colocação de receptáculos postais vinha sendo obrigatória devem possuir receptáculos individualizados por cada fracção autónoma e ainda um destinado à administração do imóvel, sempre que a existência de tal entidade esteja legalmente prevista”. Revertendo ao caso sub judice, dúvidas não subsistem que estamos perante um acto capaz de alterar a situação tributária do aqui Oponente, e como tal impunha-se a notificação através de carta registada com aviso de recepção no cumprimento do estatuído pelo artigo do 38º n.º 1 do CPPT. Nessa senda e conforme resulta do probatório, ponto 1, tal formalidade foi cumprida, porquanto a AT procedeu ao envio da notificação por carta regista com aviso de recepção. No entanto, a notificação enviada foi devolvida à AT com a menção de “ “Não tem RPD” – cfr. factualidade coligida, ponto 2. Ora, estando-se perante a obrigatoriedade de notificação por carta registada com aviso de recepção o regime legal é o previsto no n.º 3 a 6º do artigo 39 do CPPT. Desta forma, prevê o n.º 3 do sobredito artigo 39º que a notificação considera-se efectuada aquando da assinatura do aviso de recepção respectivo. No entanto e tendo a carta sido devolvida aos serviços da AT, foi remetida nova notificação por carta registada com aviso de recepção conforme ponto 3. do acervo probatório, tendo esta também sido devolvida com a menção de “Devolvido por falta de receptáculo Postal ao abrigo do Decreto Regulamentar 8/90, de 6 de Abril”, conforme ponto 4. da matéria de facto assente. Isto porque, na situação do aviso de recepção ser devolvido ou não ser assinado porque o destinatário se recusou a recebê-lo ou não o levantou no prazo previsto dos serviços postais e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efectuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de recepção, presumindo-se a sua notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada no 3º dia útil posterior ao do registo, conforme n.º 5 e 6º do artigo 39º do CPPT. Porém, mesmo tendo sido dado cumprimento àquela formalidade para efeitos de funcionamento da presunção prevista no citado n.º 5 conjugado com o n.º 6 do artigo 39º do CPPT, tal presunção só ocorre com o preenchimento de determinados condicionalismos. Em anotação ao sobredito artigo 39º do CPPT escreve Jorge Sousa, (in CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Vol. I, pág. 386, versando os requisitos da presunção de notificação: “Na segunda situação, pressupõe-se que foi feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta registada, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que ela se encontrava depositada nos serviços postais, pode exigir-se que ele a vá levantar. Nesta perspetiva, o funcionamento da presunção referida dependerá, cumulativamente de - ter sido deixado um aviso na residência do destinatário conhecida da administração tributária de que a carta podia ser levantada; - Não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicara à administração tributária a alteração da sua residência.” Considerando ainda que: “Assim, conjugando estas situações com as formas de ilidir a presunção constata-se que a presunção deixa de valer quando se demonstrar - Que não foi deixado aviso para levantamento da carta; - Que, tendo sido deixado tal aviso, houve qualquer facto - Que o destinatário tenha mudado de residência e tinha já feito a comunicação da alteração à administração tributária; - Que o destinatário tinha mudado de residência há menos de 20 dias (prazo que lhe é concedido para comunicar a alteração do domicílio, no n.º 1 do art. 43.º); - Que o destinatário tinha mudado de residência e provar que não pôde fazer tal comunicação no referido prazo.” Concluindo a final que “Correlativamente, presunção só valerá nos seguintes casos: - Quando tiver sido deixado aviso e não houver justo impedimento ao levantamento da carta; - Quando o destinatário tiver mudado de domicílio há mais de 20 dias e não tiver feito comunicação da alteração à administração tributária nem tenha estado impossibilitado de o fazer.” In casu, não resulta do probatório que o Oponente se tenha recusado a receber as notificações remetidas pela AT, pelo contrário, da factualidade provada, pontos 2. E 4., conclui-se que por falta de receptáculo Postal o aviso não foi deixado. Nesta senda, não funciona a presunção prevista no sobredito nº 5 do artigo 39º do CPPT, consoante supra se adiantou. Não obstante o que ficou dito, resulta claramente do probatório, apurado com base nos factos confessados na petição inicial pelo próprio Oponente e pelas declarações das testemunhas arroladas, que desde 2005 até 2008 o prédio onde foi declarado o domicílio fiscal esteve em obras, vedado com material próprio de obras não sendo possível ser habitado nesse período de tempo (cfr. pontos 5., 7. e 8 do acervo probatório). Acresce que o prédio também não tinha receptáculo postal, por forma a ser deixada qualquer correspondência, aliás M. chegou mesmo a afirmar que não fazia sentido deixar qualquer carta na casa porque esta se encontrava em processo de obras (cfr. ponto 8. do probatório). Assim, para além do Oponente não ter cumprido com as obrigações que sobre si impendiam, como designar como domicílio fiscal o local onde habitava, assim como instalar um receptáculo postal em tal local, não assegurou condições mínimas para o recebimento da correspondência postal. É, pois, no facto da alteração do domicílio fiscal para local que não a sua residência habitual que reside o fundamento da impossibilidade de proceder à sua notificação. Impossibilidade essa que verte o incumprimento das formalidades legais para a notificação controvertida, isto é, não estamos perante uma comum situação de não recepção de correspondência fiscal, mas de impossibilidade de proceder a essa mesma notificação, decorrente da actuação do Opoente. Com efeito, o Oponente ao alterar o seu domicílio fiscal para local que não a sua residência e sem qualquer condição para que fosse deixada carta e/ou aviso postal, impediu que fosse realizada qualquer notificação fiscal. Acresce que, atendendo à factualidade supra, considera o Tribunal subsumir-se os presentes fundamentos a abuso de direito na vertente “venire contra factum proprium”. Preceitua o artigo 334º do Código Civil (CC), por aplicação do disposto na alínea d) do artigo 2º da LGT, que o abuso de direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa legitimidade do facto do titular do direito exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito, Boa fé, que no seu sentido ético e objectivo, reconduz-se às exigências fundamentadas da ética jurídica, que se exprime na virtude de manter a palavra dada e a confiança de cada uma das partes proceder honesta e lealmente segundo uma consciência razoável para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos – Almeida Costa (in Direito das obrigações, 9º Edição, pag.104-105). O abuso de direito, na modalidade ora em causa, caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta assumida e proclamada, Tal como decidido pelo Acórdão do STJ de 04-10-2007, rec. 07B2739 “Existe abuso de direito quando um certo direito, admitido como válido em tese geral, surge, num determinado caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante.” Nesta senda, entende o Tribunal que não se justifica que deixe de funcionar a presunção estabelecida no n.º 5 do artigo 39º do CPPT, com fundamento exclusivo na impossibilidade comprovada de se proceder a notificação, com a observância do cumprimento das formalidades legais que se impunham, decorrente da actuação do Oponente, improcedendo o que vem invocado. (…)” Sustenta o Recorrente não poder considerar-se efectuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efectivamente efectuada, como sucede nos casos em que a carta notificação seja devolvida, porquanto a presunção estatuída pelo n.º 5 do artigo 39.° do CPPT opera apenas nos casos em que a carta não seja devolvida. Por maioria de razão, não pode considerar-se notificado o contribuinte que, embora não tenha dado cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 43.º do CPPT, isto é, não tenha comunicado em prazo, alteração do seu domicilio ou sede, não tenha recebido a comunicação da administração tributária por a carta ter sido enviada para uma morada que não é a sua. Alerta o Recorrente que o n.º 2 do artigo 43.º cumina a falta desta comunicação com a inoponibilidade à administração tributária, da falta de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos legais, sem prejuízo do que a lei dispuser quanto à obrigatoriedade da citação ou notificação pessoal, que terão de ser “perfeitas” de acordo com as regras do artigo 39.º do CPPT. Efectivamente, o ónus da prova da efectivação da notificação impende sobre a administração tributária. Na situação concreta, o Recorrente não teve conhecimento de nenhuma das cartas em apreço, sendo que a administração tributária não fez prova de que as cartas tenham sido efectivamente recebidas pelo destinatário, muito pelo contrário, porque todas foram devolvidas à Administração Fiscal. A tese do Recorrente vai de encontro à jurisprudência uniforme deste tribunal, bem como dos restantes tribunais superiores: A presunção de notificação prevista nos nºs 5 e 6 do artigo 39º do CPPT funciona em duas situações, a saber: - Recusa do destinatário a receber a notificação; - Não levantamento da carta no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que, entretanto, o contribuinte comunicou alteração do seu domicílio fiscal – cfr., entre outros, o Acórdão do TCA Sul, de 27/04/2017, proferido no âmbito do processo n.º 03874/10. Se os avisos de recepção em causa foram devolvidos, não assinados, somente com a indicação de falta de receptáculo postal, nada se adianta a respeito de qualquer recusa, de não terem sido reclamados ou levantados, mas revela que não houve possibilidade de deixar qualquer aviso e que foi por isso que as cartas foram devolvidas; logo, não pode valer a presunção de notificação a que alude o n.º 5 e n.º 6 do artigo 39.º do CPPT. De facto, a sentença recorrida, aludindo a doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência, de que esta presunção deixa de valer quando não foi deixado aviso para levantamento da carta, chega a conclui que não funciona a presunção prevista no sobredito n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, dado que foi precisamente por falta de receptáculo postal que o aviso não foi deixado. E, se assim é, o Recorrente não teve possibilidade de saber da existência de qualquer das cartas registadas com aviso de recepção que lhe foram enviadas. É, portanto, requisito da presunção de notificação que tenha sido feita qualquer comunicação ao destinatário para levantar as cartas registadas, pois só fornecendo-lhe a possibilidade de ter conhecimento de que elas se encontravam depositadas nos serviços postais, pode exigir-se que ele as vá levantar. Como o Recorrente defende, o próprio artigo 43.º, n.º 2 do CPPT excepciona as situações respeitantes às notificações das liquidações. In casu, as notificações não foram perfeitas, pois que as cartas com os avisos de recepção foram devolvidas, o que afasta a presunção de notificação, cabendo, pois, à Administração Tributária o ónus da prova de que o foi; acrescentando-se que, afectando a segunda avaliação do imóvel e as consequentes liquidações de imposto a situação patrimonial do contribuinte, estas não podem, por força do artigo 268.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, deixar de ser validamente notificadas, sem o que o imposto será inexigível. Entendemos, portanto, que outras circunstâncias, que não as previstas no artigo 39.º, n.º 5 do CPPT, têm de ser confrontadas com a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos, feita no n.º 3 do artigo 268.º da CRP, e com o direito de impugnação contenciosa de tais actos, assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo, cuja concretização prática pode depender da existência de uma comunicação ao interessado na prática do acto. Assim, tratando-se de actos que afectem a esfera patrimonial dos contribuintes, não poderá considerar-se efectuada uma notificação quando se demonstra que ela não foi efectivamente efectuada, como sucede nos casos em que a carta enviada para notificação seja devolvida. Transpondo esta doutrina para o nosso caso teremos que concluir que a AT não demonstrou a correcta efectivação das notificações e que nenhum esforço adicional efectuou no sentido de notificar o Recorrente. Nesta conformidade, tanto basta, mesmo perante a falta de receptáculo postal, para que o Recorrente não possa considerar-se notificado em qualquer das situações que subjazem aos processos de execução fiscal em apreço; não podendo manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica, merece provimento o recurso. Conclusões/sumário I - O direito à notificação constitui uma garantia não impugnatória dos contribuintes, que se destina não apenas a levar ao seu conhecimento o acto praticado pela Administração Tributária como a permitir-lhes reagir contra ele em caso de discordância. II - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a eles quando lhes sejam validamente notificados (artigo 36.º, n.º 1 do CPPT). III - Não pode ter-se como validamente efectuada uma notificação de liquidação de tributo devolvida aos serviços da Administração Tributária, com o pretenso argumento de que é imputável ao contribuinte a falta de receptáculo postal, dado que a presunção do n.º 5 e n.º 6 do artigo 39.º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, pois as normas em causa têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efectiva. IV - A presunção a que alude o artigo 39.º do CPPT, da perfeição da notificação, apenas poderia prevalecer quando se soubesse que a carta enviada para tal efeito não fosse devolvida pelos serviços postais com a indicação “impossível a entrega por falta de receptáculo postal”, uma vez que neste caso era seguro que a notificação não tinha chegado efectivamente ao seu destinatário, nem lhe tinha chegado ao conhecimento de que lhe havia sido enviada uma carta para tal efeito. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e, em substituição, julgar a oposição judicial totalmente procedente, extinguindo os processos de execução fiscal em apreço. Altera-se, ainda, o valor da causa, fixando-se em €113.377,38. Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou. Porto, 13 de Janeiro de 2022 Ana Patrocínio] Paula Moura Teixeira Conceição Soares |