Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00149/22.9BEMDL-R1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/21/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores: INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL ESPONTÂNEA;
INCIDENTE NÃO PROVIDO;
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO POR QUEM CARECE DE LEGITIMIDADE;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
Nos presentes autos em que é Requerente EMP01..., S. A. e Requerida a Associação ..., veio EMP02..., Lda., todas melhor identificadas nos autos, apresentar reclamação.
Alegando, formulou as seguintes conclusões:
1. Destina-se a presente iniciativa recursiva a suscitar a ponderação do que se crê constituir erro de julgamento por parte do Tribunal a quo que julgou a presente ação em 1ª instância, em relação ao despacho que não admitiu o recurso da aqui Reclamante.
2. Afigura-se, pois, que, em matéria de competência do Tribunal, em razão do território, à presente ação administrativa é aplicável a regra geral, vertida no artigo 16.°, n.° 1, do CPTA, segundo a qual é competente o tribunal da área da residência habitual ou da sede do Autor, não valendo a exceção a tal regra, constante no artigo 19.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, que, em matéria relativa a contratos, em concreto, à interpretação, validade ou execução de contratos, defere tal competência ao tribunal do lugar do cumprimento do contrato ou ao tribunal convencionado pelas partes.
3. O que significa, no caso sub judice, que o processo cautelar assim como a decisão de não admissão do recurso apresentado pela aqui Reclamante foi julgada por um tribunal territorialmente incompetente; que, por isso, não detinha o poder jurisdicional para julgar o referido processo.
4. E, na verdade, a incompetência em razão do território no processo administrativo, nos termos do artigo 89.º/3 e 4/a) do CPTA, é de conhecimento oficioso (ao contrário do que sucede em processo civil).
5. O que significa dizer que, nos termos do artigo 13.º do CPTA, antes de qualquer outra decisão o tribunal deve apreciar a sua competência; pois, no caso de efetivamente não ser o tribunal competente, logo aí se esgota o seu poder jurisdicional.
6. Consequentemente, o Tribunal a quo devia, antes de qualquer outra decisão, ter apreciado a sua competência e concluído, na verdade, pela incompetência territorial – o que o levaria a compreender que o seu poder jurisdicional se encontrava esgotado perante o caso sub judice, restando-lhe remeter o processo cautelar (e principal) ao TAF competente.
7. Não obstante e contrariando o dever que lhe incumbia, de apreciar a sua competência em primeiro lugar e antes de qualquer outra matéria, o Tribunal a quo decidiu o presente processo cautelar assim como o despacho de não admissão do recurso da aqui Reclamante – reitera-se, apesar de ser territorialmente incompetente para o fazer.
8. A este facto importa acrescentar que, apesar de ter julgado a procedência do processo cautelar, veio agora o TAF de Mirandela na ação principal (proc. n.º 237/22.1BEMDL) proferir despacho, a 08.02.2023, no sentido de ser o tribunal territorialmente incompetente para conhecer dos autos principais (cfr. certidão junta a estas alegações como doc. ...).
9. O que significa que, sendo o critério da competência territorial o mesmo, quer para o processo cautelar, quer para o processo principal, o Tribunal a quo julgou uma providência cautelar, para a qual também não tinha competência; conforme veio, aliás, agora reconhecer na ação principal.
10. E a situação dos autos é tanto mais grave que, no caso sub judice, e, face à evidência de que a Requerente tem a sua sede no concelho ... e tendo em consideração o que resulta do artigo 8.°, n.° 2 do Decreto-Lei n.° 174/2019, de 13 de dezembro, existe, no caso, um juízo de competência especializada, para conhecer do presente litigio: o Juízo de Contratos Públicos do TAF do Porto.
11. Ora, e com o devido respeito, se o legislador determinou a criação de juízos de competência especializada será porque entende que esses juízos serão mais competentes ou estarão melhor preparados para conhecer de litígios como o dos autos.
12. Consequentemente, não pode senão restar a este Douto Tribunal Central ordenar a revogação do despacho de não admissão do recurso apresentado pela aqui Reclamante assim como da decisão recorrida, atento que a sentença proferida no processo cautelar assim como o referido despacho foram julgados por quem não tinha poder jurisdicional para o fazer.
13. O mesmo decidiu o TCAS, no Acórdão proferido 11.10.2021, proc. n.º 590/21.4 BESNT, disponível em www.dgsi.pt., cujo trecho se copia para estas alegações, atenta a sua relevância para o caso sub judice.
14. E, por isso, desde já se requer, a revogação da sentença cautelar e da decisão de não admissão de recurso da aqui Reclamante que, ao invés, deverá ser decidida pelo Tribunal territorialmente competente, para onde os presentes autos devem ser remetidos, o juízo de contratos públicos do TAF do Porto.
15. Atenta a leitura conjugada do artigo 142.º/5 do CPTA e do artigo 644.º do CPC, só pode concluir-se que o despacho proferido pelo Tribunal a quo a 17.10.2022 só podia ser impugnado a final, o mesmo é dizer, no presente momento.
16. Salvo melhor opinião, o despacho proferido pelo Tribunal a quo padece de um erro de julgamento, conforme se demonstrará de seguida. E esse erro de julgamento resume-se, no fundo, ao Tribunal a quo ter feito uma interpretação demasiado restritiva do conceito de “contrainteressado”, que é contrária à posição maioritária adotada pela doutrina e até pela jurisprudência.
17. E, apesar do Tribunal a quo ter partido do pressuposto que “são contrainteressadas as pessoas ou as entidades que, na concreta relação material controvertida, sejam titulares de interesses contrapostos aos do autor ou do requerente da providência cautelar (cf. artigo 10.º, n.º 1, do CPTA)” e que “tem interesses contrapostos aos do autor ou aos do requerente da providência cautelar as pessoas ou as entidades a quem, diretamente, a procedência ou o provimento da demanda possa prejudicar ou que, diretamente, tenham interesse na manutenção do acto administrativo impugnado ou suspendendo e, daí, na manutenção dos seus efeitos, pessoas ou entidades cuja identificação deve resultar dos termos da concreta relação material controvertida ou de documentos integrantes do processo administrativo instrutor, devendo, por isso, ser obrigatoriamente demandadas, na qualidade de contrainteressadas, juntamente com a Requerente do acto administrativo impugnado ou suspendendo (cf. artigo 57.º do CPTA)” – apesar disso, veio, depois, entender que a aqui Recorrente não integrava a referida relação material controvertida nem tinha interesse na manutenção do ato administrativo impugnado ou suspendendo. Contudo, não se pode concordar com essa decisão. Vejamos.
18. O conceito de contrainteressados está interligado, no fundo, ao conceito de “legitimidade processual” para poder intervir numa ação.
19. Como é sabido, a legitimidade em sentido processual (o legislador emprega, por vezes, o termo legitimidade num outro sentido, dito material) representa uma posição da parte em relação a certo processo em concreto - melhor, em relação a certo objeto do processo, (ao contrário do que ocorre com os demais pressupostos processuais subjetivos relativos às partes (personalidade, capacidade, patrocínio judiciários) - os quais assistem ou faltam à parte em todos os processos ou, pelo menos, num grande número de processos, sendo, portanto, qualidades processuais do sujeito em si).
20. Assim, e conforme decorre do artigo 10.º do CPTA, considerar-se-ão como titulares de um interesse relevante para o efeito de aferição de legitimidade os sujeitos da relação material controvertida.
21. Ora, in casu, pela análise das peças processuais apresentadas pela Requerente, aqui Recorrida, e pelo processo administrativo instrutor junto pela Requerida é claro que a Recorrente faz parte da relação material controvertida espelhada nos autos e descrita pela Requerente e Requerida neste processo cautelar.
22. Efetivamente, não podemos esquecer que o conceito de “legitimidade processual” é um critério formal (que não implica a apreciação de mérito) e afere-se em função da forma como a relação material controvertida foi alegada pelas partes.
23. Assim, quer da forma como foi descrita a relação material controvertida pelas partes, quer pelo que decorre dos próprios documentos juntos pela Requerente (docs. ... a ... juntos com a petição inicial) e do p.a.i., na presente ação, a EMP02... é facilmente identificável como um terceiro que compõe e é parte integrante da referida relação jurídica material controvertida.
24. Acresce que, o mesmo decorre do ponto II destas alegações de recurso e do próprio p.a.i., onde nas várias comunicações enviadas pela Associação ... à aqui Recorrente se depreende que o procedimento administrativo de aplicação da sanção pecuniária compulsória à Requerente, aqui Recorrida, foi iniciado e desenvolveu-se, em consequência da denúncia feita pela EMP02....
25. E, isso reflete-se, aliás, pelo facto de a própria Recorrente, ao longo desse procedimento administrativo, ter sido sempre notificada do seu andamento, assim como da decisão final nele adotada.
26. Consequentemente, isso só pode significar que a aqui Recorrente faz parte da relação jurídica material controvertida em causa nos presentes autos; relação essa que é, por isso, multilateral e tripartida (EMP02...).
27. E não se diga que a legitimidade tem de ser vista noutra perspetiva, ou numa perspetiva diferente, por estarmos num processo cautelar. Efetivamente e conforme afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul em 20/02/2018, no proc. n.º 323/17.0BEBJA, disponível em www.dgsi.pt. “III – A relação de instrumentalidade estrutural entre o processo cautelar e a ação principal cujo efeito útil aquele visa acautelar faz com que naturalmente as partes em juízo, num e noutro processo, tendencialmente devam coincidir”.
28. Acresce que, (i) para além de ser uma entidade cuja identificação resulte dos termos da concreta relação material controvertida e dos documentos integrantes do processo administrativo instrutor, a aqui Recorrente (ii) também tem, naturalmente, interesse na manutenção do acto administrativo impugnado ou suspendendo e, daí, na manutenção dos seus efeitos.
29. Efetivamente e conforme referido no requerimento apresentado junto do Tribunal a quo, a Recorrente apresentou proposta no concurso público que deu origem ao contrato em causa nos autos.
30. E só isso, se virmos bem, devia ter sido suficiente para lhe ter sido conferido o estatuto de contrainteressada.
31. Recorde-se que nos termos do artigo 77.º-A/3/e) do CPTA os pedidos relativos à execução de contratos, ou seja, as ações relativas à execução dos contratos podem ser deduzidas “por quem tenha sido preterido no procedimento que precedeu a celebração do contrato”.
32. O que significa que a EMP02..., enquanto concorrente preterida, tem o direito de impedir que a execução do contrato sofra desvios face ao que está contratualmente previsto – e foi, precisamente isso que fez, no caso sub judice.
33. Ao fazê-lo a EMP02... tem, naturalmente, legitimidade para intervir na ação a que deu origem; assim como teria legitimidade (caso a Associação ... não tivesse aplicado a sanção), para vir, nos termos do artigo 77.º-A/3/e) do CPTA pugnar, junto do tribunal, para que a referida sanção fosse aplicada.
34. Assim, e contrariamente ao que foi afirmado pelo Tribunal a quo, a admissão da aqui Recorrente como contrainteressada não implicaria que se tivessem de considerar como contrainteressadas “todas as pessoas, singulares e colectivas, que, no mercado, actuam no mesmo sector de atividade em que atua a “EMP01...”, o que, manifestamente, não é defensável.” (p. 3 do despacho do qual se recorre).
35. Na verdade, a EMP02... demarcou-se das restantes pessoas coletivas e singulares, pois:
a. Concorreu ao concurso público que precedeu a celebração do contrato em causa nos autos;
b. Enquanto concorrente preterida tem legitimidade para pugnar pelo cumprimento do contrato nos moldes em que ele foi celebrado entre as partes;
c. A EMP02... não só tem esse direito, como o exerceu neste caso, denunciando uma situação de ilegidade à Associação ... e pugnando pela sua correção;
d. A EMP02..., atenta a denúncia feita, foi parte interveniente no procedimento de aplicação de sanção pecuniária compulsória que deu origem à deliberação cuja validade ora se discute.
36. Ora, no caso em concreto e pelos motivos já expostos a EMP02... (e não quaisquer outras pessoas singulares ou coletivas) tem de ser vista e admitida como contrainteressada.
37. Acresce que a EMP02..., não só nos presentes autos foi uma concorrente preterida, como atua no mesmo mercado económico, nos mesmos concursos públicos, que a EMP01.... No fundo, isso significa que a Requerente e a aqui Recorrente são empresas concorrentes e que, como é fácil de depreender, a EMP02... tem um interesse legítimo na manutenção dos efeitos do ato impugnado, pois o ato administrativo em questão gera, na esfera jurídica da EMP01..., um impedimento, nos termos do artigo 55.º/1/l) do CCP.
38. Ora, isso implica que, a partir da data da aplicação da sanção contratual pela Associação ... e até 3 anos depois, e sem prejuízo da possibilidade legal de relevação prevista no artigo 55.º-A do CCP, a EMP01... fique, à partida e pelo menos num primeiro momento, impedida de participar nos mesmos procedimentos pré-contratuais que a EMP02....
39. Ora, isto é especialmente benéfico num mercado como o da cartografia, onde o número de empresas é reduzido e, portanto, ter menos uma empresa a concorrer no mercado aumenta, de forma significativa, a probabilidade de poder vir a ser adjudicatária nos procedimentos aos quais concorre.
40. Consequentemente, e também ao contrário do que afirmou o Tribunal a quo, a Recorrente retirará um enorme benefício pela manutenção dos efeitos do ato impugnado que consistem em, inicialmente, afastar uma empresa que é sua concorrente direta durante 3 anos, da possibilidade de vir a ser adjudicatária em procedimentos pré-contratuais.
41. Não obstante, sempre se reitera que, para efeitos do preenchimento do conceito de “legitimidade” e para ser poder ser admitida como contrainteressada no procedimento, o interesse legitimo da EMP02... poderia ser apenas, conforme decorre de uma interpretação sistemática feita ao CPTA, mormente ao já referido artigo 77.º-A/3/e) do CPTA, o interesse em pugnar pelo estrito cumprimento do contrato em relação ao qual foi preterida. Efetivamente, a posição dos contrainteressados, mormente dos concorrentes preteridos, assume não só uma finalidade subjetiva (de tutela dos próprios interesses e direitos) como ainda uma finalidade objetiva que se prende com a atribuição aos concorrentes, mais uma vez, pelo legislador do papel de “fiscal” ou “garante do interesse público”, mormente de assegurar que os contratos são executados nos termos contratualmente acordados entre as partes e em respeito pelo princípio da concorrência.
42. Assim, e por tudo quanto foi supra exposto, a EMP02... deveria ter sido indicada como contrainteressada na presente ação pela Requerente EMP01..., uma vez que tem um interesse legítimo e contraposto a esta, quanto à sua pretensão requerida nos presentes autos, conforme já explicado.
43. Destarte, perante a falta de identificação no requerimento inicial da presente ação por parte da Requerente EMP01..., de contrainteressados, pelo menos, da EMP02..., que devia ter sido indicada e citada para contestar, o que não sucedeu, verifica-se a exceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, o que acarreta a absolvição da instância da Requerida, a Associação ... – cf. artigo 89.º, nos 2 e 4 , alínea e), do CPTA.
44. A não ser assim, sempre deverão os atos processuais praticados ser anulados e, pelo menos, garantir-se a citação da EMP02... enquanto contrainteressada e, em consequência, o exercício do seu direito de contraditório.
45. E não se diga que a EMP01... desconhecia tal situação, pois é certo e inequívoco que a mesma já tinha conhecimento de que deveria ter indicado à colação contrainteressados, nomeadamente a EMP02..., uma vez que no âmbito do processo judicial nº 1342/19.7BELSB-A, que correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo dos Contratos Públicos, referente, precisamente, uma providência cautelar intentada pela EMP01... e a EMP03..., E.M.,S.A. contra o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., onde era requerida a suspensão da decisão do IFAP de 23.04.2019, de aplicação de uma sanção contratual a ambas, por incumprimento de um contrato resultante de um concurso público, no âmbito da qual, em sede de decisão final, o Tribunal concluiu, precisamente, que no caso se verificava a [e]xceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, mormente por a EMP02... não ter sido chamada à ação, absolvendo-se assim da instância o IFAP (cf. doc. ... junto no requerimento de 01.09.2022).
Sem conceder,
46. Para além do despacho de que ora se recorreu, também a aqui Recorrente pretende recorrer da sentença cautelar proferida no passado dia 7.12.2022, pois entende que não se encontram verificados os pressupostos para o decretamento da suspensão da eficácia do ato impugnado, mormente (i) o periculum in mora e (ii) o fumus boni iuris.
47. Apesar da deliberação proferida pela Associação ... gerar um impedimento na esfera jurídica da EMP01..., nos termos do previsto no artigo 55.º/1/l) do CCP, também se encontra previsto no artigo 55.º-A a possibilidade de relevação desse mesmo impedimento. ´
48. Pelo que, na verdade, a Requerente, aqui Recorrida, teria sempre oportunidade de poder relevar o seu impedimento, tendo, para isso que demonstrar que já tinha adotado medidas de “self-cleaning” para garantir que não voltaria a incumprir com nenhum contrato público.
49. Ora, e partindo do pressuposto que a Requerente irá adotar uma postura responsável, com o intuito de corrigir a situação que originou a aplicação da referida sanção, então esta sempre poderia proceder à relevação do seu impedimento; o que significa que, mesmo durante os 3 anos em que está impedida de participar em procedimentos pré-contratuais, poderia acabar por participar e até ser adjudicatária em procedimentos pré-contratuais, se garantisse a relevação do seu impedimento.
50. Portanto, o argumento avançado pela Recorrida é falacioso e parte de um pressuposto errado... a não ser que a sua intenção passe por ignorar os erros cometidos no contrato celebrado pela Associação ..., optando por não os tentar corrigir (o que não parece ser digno de um operador económico sério e responsável).
51. Também não existe nenhum registo centralizado onde esteja publicada a relação dos operadores económicos “impedidas” de participar em procedimentos pré-contratuais (fruto das razões previstas no Artº 55 do CCP) e consultável pelos contratantes públicos para garantir a “idoneidade” das empresas concorrentes aos procedimentos de contratação pública pelo que, esse facto, muito provavelmente, nunca chegaria ao conhecimento das entidades privadas. Acresce que, também essas entidades têm noção de que a forma de atuação no mercado privado é muito diferente do que passa na contratação pública e, portanto, as situações não são sequer comparáveis.
52. Acresce que, também essas entidades têm noção de que a forma de atuação no mercado privado é muito diferente do que passa na contratação pública e, portanto, as situações não são sequer comparáveis.
53. Mas também nesta afirmação se denota a falsidade deste argumento já que, analisando a informação fiscal disponível na Internet sobre o volume de negócios desta empresa totalizou o montante de 2.053.334,00€ no ano 2020 e de 1.599.923,00€ no ano 2021 (doc.... junto a estes autos) e os dados dos contratos públicos constantes do portal www.base.gov.pt que lhe foram adjudicados nos anos de 2020 com o valor total de 555.672,64€ (correspondente a 14 contratos) e no ano de 2021 no valor de 153.396,62€ (correspondente a 10 contratos), verifica-se que essa percentagem do valor dos contratos públicos sobre o seu volume de negócios é de 27,1% em 2020 e de 10% em 2021!!!!
54. No fundo, e contrariamente ao que afirmou junto do Tribunal a quo, a faturação da Requerente, aqui Recorrida, EMP01... não está dependente em 50% dos contratos públicos por si celebrados. Neste sentido, e atenta a informação errónea trazida pela EMP01..., a junção do doc. ... tornou-se necessária, nos termos do artigo 651.º/1/in fine do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, pelo julgamento proferido na 1.ª instância, ter acolhido esse mesmo argumento (que, por não ser verdadeiro, não poderá sido relevado e considerado para o preenchimento do presente pressuposto).
55. E, ainda que a situação jurídica da aqui Recorrida chegasse ao conhecimento de operadores privados, sempre se diga que a aqui Recorrida só teria de assumir as consequências das condutas anteriormente adotadas, fazendo parte das suas tarefas “convencer” os operadores privados da reputação associada à empresa.
56. Consequentemente, e pelos motivos supra expostos, o critério do “periculum in mora” não se encontra preenchido e, desde logo por aí, a providência cautelar não poderia ter sido decretada.
57. Importa ainda referir que, também o segundo critério para decretamento de providências, o “fumus boni iuris” não se encontra verificado no caso sub judice.
58. Conforme decorre do p.a.i. junto, várias foram as mensagens de correio eletrônico trocadas entre funcionários das entidades em causa relativamente aos atrasos na execução do contrato. Vejam-se, por exemplo, os emails enviados pela Associação ... à EMP01... de 18.05.2021, 20.05.2021, 17.06.2021, 12.08.2021, 09.06.2022 e outros juntos ao p.a.i. onde se denota a clara insistência por parte da Associação ... em relação à necessidade de cumprimento da execução contratual, da urgência associada à execução do projeto e da transmissão dos constrangimentos que o atraso na execução contratual estava a gerar, nomeadamente ao nível da revisão dos PDM pelos Municípios.
59. E contrariamente ao que também a afirma o Tribunal a quo essa troca de mensagens de correio eletrónico tem valor jurídico, já que ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 11.º/2 do CPA e do princípio da responsabilidade previsto no artigo 16.º do mesmo diploma, os funcionários da administração pública são responsáveis pelas informações que prestam por escrito. Consequentemente, as informações prestadas por escrito pelos gestores do contrato, ao abrigo das referidas normas, vinculam a Associação ..., e, por isso, essas notificações deveriam relevar para os devidos efeitos, mormente para se considerar que a Requerida, ao longo da execução do contrato foi sempre transmitindo o desagrado e os constrangimentos gerados pela Requerente, aqui Recorrida, no atraso da execução do contrato; tendo incitado, várias vezes, a Requerente, aqui Requerente, a cumprir, com a maior urgência, com as obrigações contratuais a que se tinha obrigado e em relação às quais se encontrava em incumprimento.
60. Acresce que, nos termos do artigo 63.º do CPA, as comunicações entre as entidades administrativas e as pessoas coletivas podem (e preferencialmente, devem até) efetuar-se por via eletrónica – pelo que, o envio de mensagens eletrónicas corresponde, efetivamente, a uma interpelação formal.
61. Recorda-se ainda que, assim que a EMP02... denunciou junto da Associação ... o incumprimento da execução contratual perpretado pela EMP01..., apesar desta ter sido notificada dessa mesma situação e interpelada para se pronunciar, esta nada fez para a corrigir, mantendo o incumprimento.
62. Em todo o caso, e tal como o próprio Tribunal a quo acaba por admitir na sentença proferida, “mesmo considerando que a inobservância do sobredito dever de notificação não prejudica a faculdade da Requerida, de aplicar sanções pecuniárias à Requerente pela falta de cumprimento pontual das obrigações por esta contratualmente assumidas” (p. 28 da sentença).
63. Também conforme já referido, a 22.12.2021, a EMP02... denunciou à Associação ... as ilegalidades existentes na execução do contrato que esta entidade havia celebrado com a EMP01... (cfr. p.a.i).
64. Logo aí, a 07.01.2022, a Associação ... notificou a EMP01... da denúncia apresentada pela EMP02...
65. A 21.01.2022, a EMP01... pronunciou-se acerca da denúncia efetuada pela EMP02... (cfr. p.a.i).
66. Mesmo após se ter já pronunciado, a Associação ... a 04.03.2022, voltou a conceder à EMP01... o exercício do direito de audiência prévia.
67. E, mais uma vez, a 18.03.2022, a EMP01... veio pronunciar-se, exercendo o direito de audiência prévia (cfr. p.a.i).
68. E precisamente, na sequência do exercício do direito de audiência prévia, a Associação ... analisou cada um dos argumentos de defesa apresentados pela Requerente, aqui Recorrida, tendo inclusive, julgado alguns deles procedentes, conforme consta da informação técnica elaborada pela Associação ... n.º 27, de 27.04.2022.
69. Ora, de uma leitura atenta também dessa mesma informação, e contrariamente ao que o Tribunal a quo conclui, a Associação ... não invocou nenhuns factos novos; apenas analisou os argumentos invocados pela EMP01... para defender a desnecessidade de aplicação da sanção pecuniária compulsória. Mais concretamente a Associação ... analisou os seguintes argumentos invocados pela Requerente, aqui Recorrida:
a. Os condicionalismos provocados pela Covid-19;
b. O lapso temporal em que a cartografia esteve “nas mãos” da Associação ... para sua própria análise;
c. O não pagamento das taxas devidas à DGT pela EMP01....
70. E dessa análise a Requerida entendeu dar provimento aos primeiros dois argumentos apresentados pela EMP01... e, por isso, diminuiu a intenção inicial de aplicar uma sanção pecuniária compulsória por 343 para apenas 133 dias de atraso.
71. E, apenas por isso (e mais uma vez ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo), é que a primeira notificação da Requerida contém lapsos temporais e um n.° de dias de atraso diferentes face ao que consta da deliberação final – precisamente porque, e ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, não só a Requerida concedeu o exercício do direito de audiência prévia à EMP01... como ainda julgou procedentes alguns dos argumentos por si invocados, tendo diminuído, assim, consideravelmente a sanção a aplicar a esse operador económico.
72. Contudo, como nem todos os argumentos foram julgados procedentes (mormente, o relativo ao não pagamento das taxas junto da DGT), a Associação ... entendeu manter a intenção de aplicar uma sanção pecuniária compulsória pelo atraso verificado de 133 dias (ao invés dos iniciais 343).
73. Não obstante, não consta em lado algum da informação técnica n.° 27, de 27.04.2022, a apresentação de novos argumentos por parte da Requerida para justificar a aplicação da sanção pecuniária compulsória.
74. No mais, quando a Requerida referiu nessa informação anexa à deliberação final, o ponto de situação atual do projeto assim como os constrangimentos gerados com o atraso na execução contratual (nomeadamente, os atrasos verificados na revisão dos PDM) isso não só tinha já sido comunicado à EMP01...; como tais informações não correspondiam a razões para justificar a aplicação da sanção contratual (e em relação ao quais a Associação ... tivesse de se pronunciar), mas antes a consequências geradas pelo atraso na execução contratual. Reitera-se: aquilo que justifica a aplicação da sanção pecuniária compulsória é o incumprimento dos prazos contratuais e tão-só isso.
75. Pelo que entre o projeto de decisão e a deliberação para a decisão ou deliberação final, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo e como bem se pode concluir pela análise da referida informação elaborada pela Associação ..., não houve qualquer alteração substancial dos factos subjacentes à decisão de aplicação da sanção pecuniária.
76. Assim, não se consegue compreender de que forma o Tribunal a quo vislumbrou que o exercício ao direito de audiência prévia tivesse sido violado no caso sub judice; quando, na verdade, deveria ter chegado ao entendimento exatamente contrário.
77. Veja-se como a Requerida permitiu que a Requerente (aqui Recorrida) se pronunciasse em relação à denúncia apresentada pela aqui Recorrente e se pronunciasse, mais uma vez, em relação à sua intenção de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória. Por outro lado, não só garantiu o exercício desse direito como atendeu os motivos apresentados pela EMP01..., tendo considerado a maior parte deles procedentes. E tão-só por isso é que a duração dos períodos de incumprimento, as datas que os delimitam são diferentes (não se entendendo por que motivo o Tribunal a quo julgou que seria por outra razão ... que nem sequer se consegue vislumbrar qual seria).
78. Ora, a norma constante o n.º 3 da cláusula 9.ª do CE contém elementos exemplificativos (“nomeadamente”), daquilo que a Requerida poderia ter em conta na aplicação de uma sanção pecuniária compulsória (não sendo necessário, tendo em conta a situação concreta, abordar todos esses fatores). Por outro lado, e conforme resulta das informações elaboradas pela Associação ..., assim como das trocas de comunicações entre essa entidade e o cocontratante público, todos esses fatores foram tidos em consideração na aplicação da sanção pecuniária compulsória: a duração da infração (que até acabou por ser reduzida, depois de exercido o direito de audiência prévia pela EMP01...); a sua reiteração ao longo do tempo (note-se que à data da aplicação da sanção e conforme foi referido pela Associação ..., a EMP01... continuava em incumprimento); o grau de culpa (que foi considerado “desculpável” perante algumas situações, mormente a pandemia do COVID-19) e ainda as consequências do incumprimento (atrasos na revisão do PDM).
79. Acresce que o regime legal previsto nos artigos 55.º e segs. do CCP, não prevê nenhuma norma semelhante à constante do Caderno de Encargos.
80. Não obstante, reitera-se: a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, mormente por incumprimento da execução contratual, enquadra-se no exercício da discricionariedade administrativa, tal como resulta, aliás, do próprio n.º 3 do artigo 9.º do CE.
81. Consequentemente, o tribunal só poderia imiscuir-se na bondade da decisão adotada pela Associação ..., no caso da existência de um erro grosseiro ou manifesto – o que não se verifica no caso sub judice.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve a presente reclamação ser julgada procedente, e:
a) Admitir a junção aos autos da certidão anexa à presente reclamação, por se ter tornado necessário atenta a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos termos do artigo 651.º/1/in fine CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA; e
b) Revogar-se a decisão de não admissão do recurso da EMP02... assim como a decisão recorrida e ainda o despacho de 17.10.2022 que não admitiu a Reclamante como contrainteressada, atento o facto de o Tribunal a quo ter julgada estas questões, quando é territorialmente incompetente para o fazer, nos termos do artigo 13.º, 20.º, 89.º/2 e 89.º/4/a) do CPTA; e remeter-se o processo ao TAF territorialmente competente, para proferir nova decisão, quanto à admissão da EMP02... enquanto contrainteressada no procedimento cautelar assim como nova sentença cautelar; ou caso, assim não se entenda;
c) Admitir-se o recurso da EMP02..., nos termos do disposto nos artigos 142.º/5 e 147.º do CPTA e dos artigos 629.º, 631.º, 638.º, n.º 1, 644.º, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.º do CPTA.; e
d) Considerar-se verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, o que acarreta a absolvição da instância da Requerida, a Associação ... – cf. artigo 89.º, nos 2 e 4, alínea e), do CPTA; ou caso assim não se entenda,
e) Anular-se o presente processo cautelar e ordenar-se a sua repetição, mormente a citação da EMP02... enquanto contrainteressada; ou caso assim não se entenda,
f) Considerarem-se não verificados os pressupostos para o decretamento do presente processo cautelar, mormente o “periculum in mora” e o “fumus boni iuris”.
A EMP01..., S.A. respondeu à reclamação apresentada, sem conclusões, tendo finalizado assim:
Pelo exposto, e sem ulteriores delongas, de nenhum vício enferma o despacho que não admitiu o recurso, pelo que deve a presente reclamação ser julgada improcedente, mantendo-se o douto despacho reclamado.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
Cumpre apreciar e decidir.

A ora Reclamada, foi Requerente no processo em epígrafe, no qual propôs uma providência cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Diretivo da Associação de Municípios da ... Transmontano (doravante, a Associação ...), datada de 28.04.2022, nos termos da qual foi deliberado “aplicar à empresa EMP01..., uma sanção pecuniária no valor de 31.391,33 EUR, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, decorrente do atraso verificado na conclusão do contrato de prestação de serviços de “Execução de cartografia vetorial à escala 1/10000 dos municípios da ..., ..., ..., ... e respetiva homologação”.
Na pendência do presente processo cautelar, a 01.09.2022, a ora Reclamante atravessou-se nos autos, e invocou a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, apresentando-se sob a figura de intervenção principal espontânea, alegando que deveria ter sido citada no processo como contrainteressada e com base nesse fundamento, requereu a absolvição da instância da Associação ....
Por despacho proferido nos autos, a ...22, o Tribunal a quo julgou a invocada exceção dilatória de ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio improcedente.
Posteriormente, mediante sentença, o Tribunal a quo julgou o pedido cautelar da EMP01... procedente e, consequentemente, decretou a suspensão da eficácia do referido ato administrativo.
Tendo a Reclamante recorrido, simultaneamente, da sentença que decretou a suspensão da eficácia do acto de aplicação de multa e do despacho de 17.10.2022 que indeferiu a sua intervenção.
Para tanto, a Reclamante na presente reclamação não só repete substancialmente o teor do recurso que apresentou, e não foi admitido, como enxerta novos temas que, definitivamente, aqui não são chamados.
Determinou o despacho de 17.10.2022 julgar não verificada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, decorrente de falta de indicação de contra-interessado(a)s e, consequentemente, indeferiu o requerido.
E quanto a este despacho a ora Reclamante remeteu-se ao silêncio.
Só após a prolação da sentença final veio interpor recurso, o qual não foi admitido, com a fundamentação que se segue:
Do requerimento de interposição de recurso da sociedade comercial EMP02..., Ld.ª, de 28.12.2022, constante, no SITAF, sob o registo ...65:
A sociedade comercial EMP02..., Ld.ª, vem interpor recurso jurisdicional do despacho proferido nos autos a 17.10.2022, constante, no SITAF, sob o registo ...10, e, em simultâneo, da sentença proferida nos autos a 07.12.2022, constante, no SITAF, sob o registo ...83.
Junta as alegações de recurso.
Vejamos.

*
1. DO DESPACHO PROFERIDO NOS AUTOS A 17.10.2022
A presente acção cautelar foi intentada pela sociedade comercial EMP01..., S. A., contra a Associação ..., tendo como objecto a deliberação do Conselho Directivo desta de 28.04.2022, nos termos da qual foi decidido aplicar àquela uma sanção pecuniária de 31 391,33 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, pelo atraso verificado na conclusão da prestação de serviços denominada Execução de cartografia vetorial à escala de 1/10000 dos municípios de ..., ..., ..., ... e respetiva homologação.
A Entidade Requerente concluiu peticionando a suspensão da eficácia da sobredita decisão, não indicando quaisquer contra-interessados.
Todavia, por requerimento de 01.09.2022, constante, no SITAF, sob o registo ...88, e, necessariamente, a coberto do incidente de intervenção principal espontânea, previsto e regulado nos artigos 311.º a 315.º do CPC, aqui supletivamente aplicável por via do artigo 1.º do CPTA, veio a Recorrente aos autos e, arrogando-se contra-interessada, invocou a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, decorrente da falta de indicação de contra-interessados, e, consequentemente, requereu a absolvição da Entidade Requerida da instância, mais requerendo, subsidiariamente, a sua citação para os termos da presente acção, na qualidade de contra-interessada.
A 17.10.2022 e depois de ouvidas as Entidades Requerente e Requerida, foi proferida a decisão do incidente, substanciada no despacho que constitui o primeiro dos objectos do recurso jurisdicional em apreço (cf. o artigo 315.º, n.º 1, do CPC) e cujo segmento decisório parcialmente transcrevo:
(...)
Nos termos vindos de expor e com base nos argumentos neles vertidos, julgo não verificada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, decorrente de falta de indicação de contra-interessado(a)s.
Consequentemente:
1.º. Indefiro o requerido;
2.º Condeno a Requerente pelas custas do incidente.
(...)
Da sobredita decisão decorre, por um lado, que a primeira das decisões recorridas não substancia um despacho interlocutório, no sentido de um despacho de mero expediente ou que tenha tido em vista, unicamente, dar andamento ao processo, tratando-se, isso sim, de um despacho decisório, que foi proferido no âmbito de um incidente de intervenção de terceiros, em concreto, do incidente de intervenção principal espontânea, despacho, esse, que pôs termo ao incidente.
Por outro lado, do segmento decisório decorre a evidência de que o Tribunal, no entendimento de que a Recorrente não é contra-interessada, julgou o incidente não provido e improcedente, indeferindo, cito, (... ) o requerido (...), ou seja, indeferindo a peticionada absolvição da Entidade Requerida da instância, por preterição de litisconsórcio necessário, decorrente da falta de indicação de contra-interessados, e, subsidiariamente, indeferindo a peticionada citação da Recorrente para os termos da presente acção cautelar, na qualidade de contra-interessada.
Tal decisão constituiu, para a Recorrente, a decisão final, que, quanto ela, pôs termo ao processo.
Sob a epígrafe Decisões que admitem recurso, consigna o n.º 5 do artigo 142.º do C PTA que (...) As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil (...).
Estabelecendo a lei processual civil, em concreto, o artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do CPC, sob a epígrafe Apelações autónomas, que (...) Cabe recurso de apelação (...) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (...), apelação, essa, que sobe em separado e com efeito meramente devolutivo (cf., ainda, os artigos 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, do CPC).
Daqui decorre que a impugnação da decisão que não admita o incidente de intervenção principal espontânea não é deduzida no recurso que venha a ser interposto da decisão final, pois que tal incidente admite apelação autónoma, que sobe em separado e com efeito meramente devolutivo.
Porque proferida no âmbito de um processo de natureza urgente, como é o processo cautelar (cf. o artigo 113.º, n.º 2, do CPTA), o prazo para a interposição do recurso da decisão que, nele, não admita o incidente de intervenção principal espontânea é de 15 dias (cf. artigo 147.º, n.º 1, do CPTA).
O sobredito prazo de 15 dias conta-se, de forma continua e por respeitar a processo de natureza urgente, não se suspende durante as férias judiciais (cf. o artigo 138.º, n.º 1, do CPC), transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil imediato, quando termine em dia que não seja útil (cf. o artigo 138.º, n.º 2, do CPC).
No caso em apreço, a Recorrente deve ter-se por notificada da decisão que não admitiu o incidente de intervenção principal espontânea a 20.10.2022, por ser o 3.º dia posterior ao da remessa da notificação por meios electrónicos, pelo que, contados 15 dias a partir desta data, verifico que o termo final do prazo legal para a interposição do recurso ocorreu a 04.11.2022.
O recurso em causa poderia ser apresentado, ainda, num dos três dias úteis subsequentes a 04.11.2022, mediante o pagamento de multa (cf. o artigo 139.º, n.º 5, do CPC), pelo que, no limite, poderia ter sido apresentado até 09.11.2022.
Todavia, o requerimento de interposição de recurso em apreço e as respectivas alegações de recurso apenas deram entrada, via SITAF, no dia 28.12.2022, ou seja, perto de um mês e meio depois de terminado o prazo legal para o efeito.
Neste conspecto, o recurso jurisdicional em apreço é intempestivo, pelo que não é de admitir, o que se provirá.
*
2. DA SENTENÇA
Quanto ao recurso jurisdicional da sentença proferida nos autos, sob a epígrafe Legitimidade, dispõe o artigo 141.º, n.ºs 1 e 4, do CPTA:
1 - Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.
(...)
4 - Pode ainda recorrer das decisões dos tribunais administrativos quem seja direta e efetivamente prejudicado por elas, ainda que não seja parte na causa ou seja apenas parte acessória.
Para o que aqui releva, têm, pois, legitimidade para interpor recurso da sentença proferida por um tribunal administrativo a(s) parte(s) vencida(s) e quem seja directa e efectivamente prejudicado pela decisão.
No caso em apreço, a Recorrente, por um lado, não preenche o requisito de ser parte vencida, pois, nos termos expostos no segmento anterior, não é parte, seja a título principal ou acessório.
Por outro lado, a Recorrente, porque o contrário não demonstra, não é directa e efectivamente prejudicada pela decisão.
De facto, a decisão suspendenda, pela qual o Conselho Directivo da Associação de Municípios da ... aplicou à EMP01..., S. A., uma sanção pecuniária de 31 391,33 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, pelo atraso verificado na conclusão de uma prestação de serviços por ambas contratada, é um acto administrativo, como tal tipificado no artigo 307.º, n.º 2, alínea c), do Código dos Contratos Públicos, que foi emanado no âmbito de uma relação contratual absoluta e definitivamente consolidada na ordem jurídica e em relação à qual a Recorrente é estranha.
Não estamos, pois, no contexto de um litígio emergente de uma declaração do contraente público sobre interpretação ou validade de um contrato ou sobre a execução deste ou, ainda, perante uma decisão que obste a que, no futuro, a Recorrente possa, livremente, ser oponente a quaisquer procedimentos concursais públicos.
Nesse sentido, a sentença recorrida não prejudica directa e efectivamente a Recorrente, sendo de concluir, por conseguinte, que a Recorrente carece de legitimidade, pelo que, neste particular, o recurso jurisdicional em apreço também não é de admitir, o que se provirá.
*
Nestes termos e com base nos argumentos neles vertidos, julgo verificadas a intempestividade do recurso jurisdicional interposto e, bem assim, a falta de legitimidade da EMP02..., Ld.ª, para recorrer.
Consequentemente:
1) Não admito o recurso interposto.
Da sobredita decisão decorre, por um lado, que a primeira das decisões recorridas não substancia um despacho interlocutório, no sentido de um despacho de mero expediente ou que tenha tido em vista, unicamente, dar andamento ao processo, tratando-se, isso sim, de um despacho decisório, que foi proferido no âmbito de um incidente de intervenção de terceiros, em concreto, do incidente de intervenção principal espontânea, despacho, esse, que pôs termo ao incidente.
Por outro lado, do segmento decisório decorre a evidência de que o Tribunal, no entendimento de que a Recorrente não é contrainteressada, julgou o incidente não provido e improcedente, indeferindo, ( ... ) o requerido (...), ou seja, indeferindo a peticionada absolvição da Entidade Requerida da instância, por preterição de litisconsórcio necessário, decorrente da falta de indicação de contrainteressados, e, subsidiariamente, indeferindo a peticionada citação da Recorrente para os termos da presente acção cautelar, na qualidade de contra-interessada.
Ora, tal decisão constituiu, para a Recorrente, a decisão final, que, quanto a ela, pôs termo ao processo.
Sob a epígrafe Decisões que admitem recurso, consigna o n.º 5 do artigo 142.º do CPTA que (...) As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil (...). Estabelecendo a lei processual civil, em concreto, o artigo 644.º, n.º 1, alínea a), do C PC, sob a epígrafe Apelações autónomas, que (...) Cabe recurso de apelação (...) Da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (...), apelação, essa, que sobe em separado e com efeito meramente devolutivo (cfr., ainda, os artigos 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, do CPC).
Daqui decorre que a impugnação da decisão que não admita o incidente de intervenção principal espontânea não é deduzida no recurso que venha a ser interposto da decisão final, pois que tal incidente admite apelação autónoma, que sobe em separado e com efeito meramente devolutivo. Porque proferida no âmbito de um processo de natureza urgente, como é o processo cautelar (cfr. o artigo 113.º, n.º 2, do C PTA), o prazo para a interposição do recurso da decisão que, nele, não admita o incidente de intervenção principal espontânea é de 15 dias (cfr. artigo 147.º, n.º 1, do CPTA).
O sobredito prazo de 15 dias conta-se, de forma contínua e por respeitar a processo de natureza urgente, não se suspende durante as férias judiciais (cfr. o artigo 138.º, n.º 1, do CPC), transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil imediato, quando termine em dia que não seja útil (cfr. o artigo 138.º, n.º 2, do CPC).
No caso em apreço, a Recorrente tem-se por notificada da decisão que não admitiu o incidente de intervenção principal espontânea a 20.10.2022, por ser o 3.º dia posterior ao da remessa da notificação por meios electrónicos, pelo que, contados 15 dias a partir desta data, verifica-se que o termo final do prazo legal para a interposição do recurso ocorreu a 04.11.2022.
E é quanto a este despacho que sempre terá de se cingir a reclamação subjudice.
E não, como sucede na reclamação, que se desdobra em títulos e subtítulos que extravasam quer o objecto da reclamação, quer o do próprio recurso que não foi admitido, vindo agora com novos vícios que no passado olvidou.
A única questão aqui é saber se o indeferimento do incidente de intervenção principal espontânea deduzido pela reclamante transitou em julgado. Ou de forma diversa, se o mesmo obrigava a Reclamante, interveniente incidental a reagir desse despacho, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 644º, nº 1, do CPC.
E a resposta a esta questão tem de ser afirmativa em ambas as modalidades.
O despacho que indeferiu a intervenção principal espontânea, proferido em 17.10.2022, transitou em julgado.
Desse despacho deveria a ora Reclamante ter recorrido, no prazo de 15 dias, porque se tratava de despacho proferido no âmbito de providência cautelar.
Não o fez, transitou.
Deveria, portanto, a Reclamante ter interposto recurso, porque tal despacho decidiu de incidente autónomo, nos termos previstos no artigo 644º, nº 1, in fine, do CPC.
Pelo que, tal decisão já não é recorrível.
Neste sentido, atente-se no acórdão da Relação de Guimarães, de 23-04-2020, proc. 283/08.8TBCHV-B.G1, cujo sumário é:
- Nos termos do art. 644º, nº 1, al. a) do CPC, é admissível recurso de apelação da decisão proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;
- Assim, de harmonia com tal preceito legal, a apelação autónoma, na parte relativa aos incidentes, apenas abrange os processados autonomamente, ou seja, somente os incidentes que a lei processual civil expressamente prevê e regula de forma autónoma relativamente à acção principal, nos art. 296º a 361º do CPC.
No mesmo sentido, acórdão da Relação de Coimbra, de 13-12-2022, no processo nº 132/21.1T8TND.C1, onde se decidiu que:
I - Tendo o pedido de intervenção de terceiros sido indeferido no despacho saneador, cabia ao requerente recorrer da decisão, sob pena de a mesma transitar em julgado.
Por outro lado, é certo que a Reclamante não tem interesse em agir, porque a decisão impugnada é uma decisão de aplicação de cláusula penal no âmbito de contrato celebrado, contrato do qual a Reclamante não é parte.
O interesse em agir é analisado do ponto de vista jurídico e processual e não no sentido empírico de interesses ou vontades ocultos, dúbios ou subliminares, como bem aponta a Reclamada.
Também aqui, nenhuma censura merece o despacho reclamado.
Quanto ao mais, como se disse, temos uma extensa argumentação que extravasa o objecto da reclamação, que pretende uma nova impugnação dos autos, o que não pode ser.
A Reclamante não pode ambicionar o prosseguimento dos autos dos quais não é parte.
Em suma,
Desde já, importa atentar no disposto nos artigos 140.° e 141.° do CPTA, os quais sob o título “Dos Recurso Jurisdicionais” dispõem:
Artigo 140.°
“Espécies de recursos e regime aplicável”
“1 - Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários a apelação e a revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão.
2 - (...)
3 - Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais administrativos regem-se pelo disposto na lei processual civil, salvo o disposto no presente título.”
Artigo 141.º
“Legitimidade”
1 - Pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais.
(...).”.
A este propósito pode ler-se no Acórdão do TCA Sul, Processo n.° 07792/11, de 13-10­2011 “Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2 ª ed., pág. 803, dão o seguinte conceito de parte vencida:
«Parte vencida é aquela a quem a decisão causa prejuízo e, portanto, a parte relativamente à qual a decisão causa prejuízo e, portanto, a parte relativamente à qual a decisão se mostra desfavorável, independentemente de, sendo réu, ter ou não deduzido oposição. A legitimidade para recorrer pressupõe, assim, um interesse em agir que se traduz no interesse em afastar o resultado negativo que da decisão resulta para a sua esfera jurídica. Há, para o efeito, que atender apenas ao sentido da decisão (procedência/improcedência), e não aos respectivos fundamentos, mas também, se for caso disso, às diferentes partes dispositivas da sentença, quando esta se pronuncie sobre diversas questões e a decisão que sobre qualquer uma delas incida apresente um efeito de direito negativo».
Com efeito, atendendo ao sentido da decisão proferida pelo Tribunal a quo, não pode este Tribunal ad quem, admitir o presente recurso face à ausência de legitimidade da Recorrente para interpor recurso, em face de não figurar na ação como parte;
As demais questões suscitadas são novas e, como tal, não podem ser objecto de apreciação por este Tribunal ad quem;

(Os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso - Acórdão do STA, de 26/09/2012, proc. 0708/12;

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado - Acórdão do STA, de 13/11/2013, proc. 01460/13;

Em sede de recurso jurisdicional não pode ser conhecida questão nova, que o recorrente não tenha oportunamente alegado nos seus articulados, designadamente a invocação de um novo vício do ato impugnado, por essa matéria integrar matéria extemporaneamente invocada sobre a qual a sentença impugnada não se pronunciou, nem podia pronunciar-se - Acórdão do TCA Sul, proc.° 5786/09, de 3 de fevereiro.);

O objectivo do recurso jurisdicional é a modificação da decisão impugnada, pelo que, não tendo esta conhecido de determinada questão por não ter sido oportunamente suscitada, não pode o Recorrente vir agora invocá-la perante este tribunal ad quem, porque o objecto do recurso são os vícios da decisão recorrida;

A função do recurso, repete-se, é a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que a ela não foram submetidos;
Como é jurisprudência uniforme, os recursos, nos termos do artigo 627º do CPC (ex vi artº 140º/3 do CPTA), são meios de impugnações judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Ou seja, é função do recurso no nosso sistema jurídico, a reapreciação da decisão recorrida e não proceder a um novo julgamento da causa pelo que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados;
Como decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, proferido no âmbito do processo nº 09P0308:
“I-É regra geral do regime dos recursos que estes não podem ter como objecto a decisão de questões novas, que não tenham sido especificamente tratadas na decisão de que se recorre, mas apenas a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior. A reapreciação constitui um julgamento parcelar sobre a validade dos fundamentos da decisão recorrida, como remédio contra erros de julgamento, e não um julgamento sobre matéria nova que não tenha sido objecto da decisão de que se recorre.
II-O objecto e o conteúdo material da decisão recorrida constituem, por isso, o círculo que define também, como limite maior, o objecto de recurso e, consequentemente, os limites e o âmbito da intervenção e do julgamento (os poderes de cognição) do tribunal de recurso.
III-No recurso não podem, pois, ser suscitadas questões novas que não tenham sido submetidas e constituído objecto específico da decisão do tribunal a quo; pela mesma razão, também o tribunal ad quem não pode assumir competência para se pronunciar ex novo sobre matéria que não tenha sido objecto da decisão recorrida.”;
Dito de outro modo, os recursos são instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não servem para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre);
In casu, o pedido deduzido a final da reclamação extrapola do objecto da reclamação “de forma hiperbólica”.
Pelo exposto, de nenhum vício enferma o despacho que não admitiu o recurso, pelo que tem esta reclamação de ser desatendida, mantendo-se o despacho em apreço.

Decisão
Termos em que se julga improcedente a presente reclamação com a consequente manutenção na ordem jurídica do despacho reclamado.

Custas pela Reclamante.
Notifique e DN.
Porto, 21/04/2023
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro