Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00847/17.9BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/26/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:ACÇÃO PARA RECONHECIMENTO DE UM DIREITO OU INTERESSE LEGÍTIMO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
Sumário:I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
II - Na interpretação do pedido formulado deve usar-se de alguma flexibilidade não afastando o recurso à figura do pedido implícito, por desta forma se salvaguardar melhor o respeito pelos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do princípio pro actione.
III - A cumulação de pedidos é legalmente admissível, estando em causa uma acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nas expressas condições do artigo 104.º ex vi artigo 145.º, n.º 4, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
IV - A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal trata-se de um meio processual residual, que é utilizado para assegurar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, quando nenhum outro meio previsto legalmente é adequado ao efeito jurídico concreto que se pretende obter com a acção.
V - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, sendo discutível a exigência de coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC.
VI - Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:J...e A...
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

J..., contribuinte fiscal n.º 1…, residente na Rua…, Esmoriz, Ovar, e A..., contribuinte fiscal n.º 1…, residente na Rua…, Esmoriz, Ovar, interpuseram recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 06/10/2017, que indeferiu liminarmente a petição inicial da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, relacionada com a execução fiscal n.º 37602005010000934 e apenso (3760200501020390), originalmente em nome de S..., Lda., nipc 5…, mas revertida contra eles pelo Serviço de Finanças de Ovar.

Os Recorrentes terminaram as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1. A presente Ação de Reconhecimento de um Direito ou Interesse em Matéria Tributária é meio adequado para o reconhecimento dos direitos dos recorrentes, pois o artigo 145º/3 do CPPT, em conjugação com os princípios tributários e constitucionais vigentes permite que este tipo de ação seja proposta quando esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efetiva do direito ou do interesse legalmente protegido.
2. Este meio processual aqui em causa tem um carácter complementar e não alternativo, conforme se extrai de Jorge Lopes de Sousa in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Vol. II, pp. 495 a 498.
3. Prevalece, na jurisdição tributária, o Princípio da Justiça Material, ou seja o primado da substância sobre a forma, pelo que o julgamento deve e tem de ser feito no caso concreto, pois a cada direito corresponde uma ação adequada para o satisfazer, nos termos do artigo 97º, nºs 2 e 3 da LGT.
4. Não existe erro na forma de processo e a inutilidade da convolação, ao contrário do que decidiu o Juiz a quo, uma vez que:
- não se pode afastar a possibilidade de uso da ação de reconhecimento de direito ou interesse legalmente legítimo após se ter esgotado o prazo para interposição de recurso, ainda mais, quando se mostre duvidoso que o interessado consiga, uma mais efetiva, eficaz, plena e rápida tutela do seu direito ou interesse violado, e
- não houve lugar à cumulação, entendida como utilização simultânea, dos diferentes meios processuais tributários para a satisfação do mesmo direito ou interesse.
5. No caso em apreço, os supostos impostos de IRC referem-se aos anos de 2000 e de 2001; a sua liquidação ocorreu no término do prazo de caducidade, em 2004 e 2005; a Autoridade Tributária iniciou o processo de a cobrança coerciva em 2005; e, os recorrentes tentam demonstrar a sua inocência desde 2006, tentando a Autoridade Tributária protelar essa decisão até à data de hoje.
6. Nos anos de 2004 e 2005 a autoridade tributária liquidou IRC da sociedade S..., Lda, relativo aos anos 2000 e 2001.
7. Esta sociedade, àquelas datas, já se encontrava desativada e não exercia qualquer atividade desde 1999.
8. Estando a sociedade desativada, não exerceu nenhuma atividade e não exercendo qualquer atividade, não teve receitas, não teve movimento económico nem financeiro, não houve lucro nem hipótese de existir lucro, pelo que não há causa nem base legal para qualquer liquidação de IRC.
9. Facto que se expôs e suscitou no início da petição da ação recorrida e que, por razões de legalidade, verdade e justiça material, poderia e deveria ter sido conhecido pelo Juiz a quo, através da realização de todas as diligências consideradas úteis e necessárias à descoberta da verdade material.
10. Os Recorrentes J... e A... foram citados, na qualidade de revertidos, em 27/02/2006 e em 04/08/2006, respetivamente.
11. Os artigos 268º, nº 3 da CRP, 23º, nº 4 e 77º, nº 1 da LGT, exigem à Autoridade Tributária o dever de fundamentação de todas as decisões, o que não ocorreu no despacho de reversão nem na citação, pelo que a reversão é ilegal por vício de fundamentação legalmente exigida.
12. Na contagem do prazo para a prescrição do tributo têm que se ter em consideração os elementos quantitativos conjugados com os analíticos, ou seja, além de mera contagem de prazos, deve analisar-se globalmente o tempo que decorreu desde o início da cobrança do tributo.
13. A executada originária foi citada para o processo executivo na data de 22/04/2005.
14. A citação, de acordo com o artigo 49º nº 1 da LGT, interrompeu a prescrição do imposto, sendo que, como estabelece o artigo 48º nº 2 da LGT, a interrupção e a suspensão aproveitam igualmente ao devedor principal e aos devedores subsidiários.
15. Os Recorrente foram chamados à execução fiscal enquanto responsáveis subsidiários da sociedade em datas distintas, J… em 27/02/2006 e A… em 04/08/2006.
16. Há que atender, no que respeita à prescrição da prestação tributária em causa, o que a LGT dispunha nos seus artigos 48º e 49º antes da data de 1 de janeiro de 2007, de acordo com o princípio geral de aplicação das leis no tempo, previsto no artigo 12º, nº 1 do CC.
17. O artigo 48º, nº. 2 diz que “as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e as responsáveis solidários ou subsidiários.”
18. Só não seria assim nos termos deste nº. 2 se, conforme diz o nº. 3 do artigo, existir responsável subsidiário, caso em que “a interrupção relativamente o devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º. Ano posterior ao da liquidação”.
19. Tendo em consideração a data em que ocorreu a liquidação do imposto do IRC, a data da citação (22/04/2005) da sociedade S... para este processo de execução fiscal, e as datas da citação (27/02/2006 e 04/08/2006) dos Recorrentes nos processos de execução fiscal que lhes foram instaurados por estas dívidas,
20. verifica-se que decorreram menos de 5 anos entre a data da liquidação dos impostos e a data da citação dos Recorrentes, como responsáveis subsidiários, o que significa que, procedendo-se à aplicação do disposto nos artigos 48º, nºs 2 e 3 e 49º da LGT, os Recorrentes beneficiam o prazo de prescrição da S..., que teve o seu início na data de 22/04/2005.
21. Na data de 22/04/2005, considerando-se que, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1, da LGT, então em vigor, a citação interrompeu a prescrição e começou a contagem de novo prazo prescricional.
22. As obrigações tributárias dos ora Recorrentes encontram-se prescritas, pois estes, no caso concreto, beneficiam do prazo de prescrição da sociedade S..., face à data da citação desta sociedade para o processo executivo fiscal.
23. Mesmo que se entendesse que o prazo da prescrição tinha que ter o seu início nas datas em que os Recorrentes foram citados para o processo de execução fiscal,
24. e que só nestas datas, se iniciou a contagem de novo prazo de prescrição, a dívida fiscal dos Recorrentes já se encontra prescrita, porque o prazo de 8 anos de prescrição terminou nas datas de 27/02/2014 e 04/08/2014, respetivamente.
25. Em 24/05/2006, na sequência do procedimento de reversão, os Recorrentes instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, um processo de impugnação judicial que, por decisão avessa à sua vontade, foi convolado em oposição à execução.
26. Na data da propositura da oposição, o artigo 49º ainda não havia sido alterado pela Lei nº 53/2006 pelo que, de acordo com os seus nºs 1 e 3 em vigor na altura, a oposição deduzida não determinou a interrupção nem a suspensão da prescrição 27. Desta forma, a prescrição para a cobrança fiscal sobre os Recorrentes decorrentes desta dívida fiscal da sociedade S... ocorreu nas datas de 27/02/2014 e 04/08/2014, respetivamente, tendo, nessas datas, se operado a prescrição dos créditos fiscais sobre os ora Recorrentes.
28. Na data da propositura da ação judicial, o artigo 49º ainda não havia sido alterado pela Lei nº. 53-A/2006 com entrada em vigor no dia 01/01/2007, pelo que, nesta data, já os Recorrentes haviam adquirido o direito de poderem invocar a contagem dos prazos de prescrição e a própria prescrição nos moldes em que surgiu o direito de o poderem fazer.
29. Segundo o artigo 49º, nº 2 da LGT em vigor na altura, uma “paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
30. Na data da ocorrência dos factos já havia entrado na esfera jurídica fiscal dos Recorrentes um direito adquirido, substantivo e substancial que nenhuma lei posterior podia derrogar sob pena da aplicação da nova norma legal ao caso dos Recorrentes violar a disposição normativa do artigo 12º, nº 1 do CC, pelo que a sua não aplicação, constituiria uma violação de um direito essencial que a Constituição da República Portuguesa confere aos aqui Recorrentes;
31. Formou-se uma expectativa jurídica na esfera dos Recorrentes, beneficiadora da proteção legal do artigo 49º, nº 2 da LGT (consagrada há mais de 40 anos no ordenamento jurídico tributário), tendente a defender os seus interesses e a garantir-lhes, em caso de inércia do poder judicial, a transformação da interrupção em suspensão do prazo de prescrição da dívida.
32. Os Recorrentes confiavam que a sua atuação fosse reconhecida pela ordem jurídica e assim permanecesse em todas as suas consequências – esperavam legitimamente que, uma vez parado o processo por mais de um ano, fosse imediatamente proferida uma decisão, sob pena de prescrição da dívida tributária.
33. No entanto esta confiança foi violada quando o legislador decidiu revogar o nº 2 do artigo 49º da LGT, com efeitos retroativos desiguais, injustificados e desproporcionais para os cidadãos com processos pendentes, mas parados há menos de um ano.
34. A consagração legal do regime da prescrição da prestação tributária tem por fundamentos a certeza, segurança e paz jurídicas e a estabilidade das relações sociais, por se entender “que não se compadecem com a cobrança de impostos cujo pressuposto, ou cujo vencimento, se situem em épocas muito remotas” ih Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, p. 274.
35. A revogação do artigo 49º, nº 2 da LGT padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios constitucionais da justiça; da certeza, segurança jurídica e proteção da confiança; da proporcionalidade; da proibição de normas retroativas restritivas de garantias; da proibição do retrocesso social; da congruência; do acesso à justiça e do direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
36. Por outro lado, a alteração do artigo 49º da LGT, pela Lei nº 53-A/2006, é organicamente inconstitucional, por violação da Lei de Autorização Legislativa nº 41/98, ao abrigo da qual foi aprovada a LGT, na medida em que, na prática, configura uma situação de alargamento do prazo de prescrição senão mesmo a impossibilidade prática de esta alguma vez se verificar, quando aquela lei apontou, ao invés, para um encurtamento desse mesmo prazo (cfr. artigos 1º, nº 2 e 2, nºs 17 e 18 da Lei de Autorização Legislativa nº 41/98).
37. Sem prescindir,
38. De acordo com o artigo 96º, nºs 1 e 2 do CPPT, o processo judicial tributário tem por função a tutela plena, efetiva e em tempo útil dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária;
39. Ora, a decisão proferida, no caso concreto, em sede da impugnação fiscal, data de 17/03/2011, cinco anos após a instauração, por isso, viola essa função e viola o princípio constitucional da tutela jurisidicional efetiva (artigo 20º da CRP).
40. Acresce que, a decisão de convolação da impugnação judicial em oposição à execução, proferida pelo TAF de Aveiro, em nada tem que ver com a vontade dos executados subsidiários.
41. Isto porque, o artigo 99º do CPPT, relativo aos fundamentos da impugnação, é meramente exemplificativo, usando o termo “designadamente”; ora, se o legislador pretendesse que fosse taxativo teria usado a expressão “só poderá ter algum dos seguintes fundamentos”, como faz na oposição à execução (artigo 204º do CPPT).
42. Ainda no âmbito desta impugnação não foi prestada garantia adequada, a requerimento dos executados, no prazo legal, para a suspensão do processo de execução, pelo que a garantia prestada pelo J..., em 02/01/2007, não teve qualquer efeito suspensivo em relação à execução, conforme as disposições conjugadas dos artigos 103º, nº 4, 169º, nºs 1, 6 e 7 (à data, nºs 1 e 2) e 199º do CPPT.
43. O artigo 49º da LGT estabelece um elenco fechado das causas de suspensão da prescrição, o que exclui a garantia bancária de J..., “prestada nos termos do Art.º 169º, n.º 2 de CPPT, para efeitos de suspensão do Processo de Execução Fiscal”, no início de 2007;
44. A prestação de uma garantia tem uma eficácia adjetiva que pode suspender e suspende os trâmites de apreensão ou penhora de bens, mas não impede, nem condiciona o direito substantivo inerente ao exercício do direito e à invocação da prescrição, pois só serve para impedir a Autoridade Tributária de proceder à penhora dos bens dos executados subsidiários e não suspende o prazo prescricional do imposto.
45. No ano de 2005, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1, da LGT, a citação da sociedade S... interrompeu a prescrição e começou a contagem de novo prazo prescricional.
46. Significa isto que as obrigações tributárias dos ora Recorrentes se encontram prescritas desde o ano de 2013, prescrição esta que se invoca, pois os Recorrentes, no caso concreto, beneficiam do prazo de prescrição da sociedade S..., face à data da citação desta sociedade para os processos executivos fiscais.
47. Mesmo que se entendesse que, à data da propositura da ação judicial, o prazo da prescrição interrompe com a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação, considerando o Exmo. Sr. Dr. Juiz que os Requerentes, em 24/05/2006:
- deduziram oposição, esta não teve efeitos interruptivos, contando-se o prazo a partir da citação dos responsáveis subsidiários aqui Requerentes, em 27/02/2006 e em 04/08/2006, ou
- impugnaram judicialmente a reversão, esta teve efeito interruptivo, contando-se o prazo a partir da data em que entrou a petição inicial, 24/05/2006.
48. A prescrição para a cobrança fiscal sobre os Recorrentes por esta dívida fiscal da sociedade S... ocorreu, para o Recorrente J... em 27/02/2014 e para o A... em 04/08/2014 ou, no máximo, para ambos os Recorrentes na data de 24/05/2014.
49. Quer o processo de impugnação judicial fiscal quer o processo de oposição à execução fiscal, após a sua convolação, estiveram parados por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte.
50. Mesmo que se entendesse, à data da prestação de garantia, que o prazo de prescrição suspende, enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida nos termos legais, considerando o Exmo. Sr. Dr. Juiz que os Requerentes, em 24/05/2006:
- deduziram oposição, esta não teve efeitos suspensivos porque, não foi prestada garantia adequada nos termos conjugados dos artigos 212º, 169º, nºs 10,1, 6 e 7 (à data, nºs 5, 1 e 2) e 199º do CPPT contando-se o prazo desde a data da citação dos responsáveis subsidiários, ou
- impugnaram judicialmente a reversão, esta não teve efeitos suspensivos porque, não foi prestada garantia adequada nos termos conjugados dos artigos 103º, nº 4, 169º, nºs 1, 6 e 7 (à data, nºs 1 e 2) e 199º do CPPT, contando-se o prazo desde 24/05/2006.
51. A prescrição para a cobrança fiscal sobre os Recorrentes por esta dívida fiscal da sociedade S... ocorreu, para o Recorrente J... em 27/02/2014 e para o A... em 04/08/2014 ou, no máximo, para ambos os Recorrentes na data de 24/05/2014.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ao recurso ser concedido provimento, revogando-se a sentença recorrida com o que se fará, JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao indeferir liminarmente a presente petição de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, por verificação de erro na forma do processo e por inutilidade/impossibilidade de convolação no meio processual adequado.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“1) Os agora Autores deduziram Oposição (nº 768/06.0BEAVR) à Execução Fiscal nº 37602005010000934 e apenso (3760200501020390), tendo a mesma sido objeto de sentença (de improcedência) em 28-02-2013, entretanto transitada em julgado – fls. 42 do processo físico e consulta ao SITAF;
2) Os mesmos Autores, com os mesmos fundamentos dos presentes autos, deduziram Ação Para o reconhecimento de Direito em Matéria Tributária (nº 372/16.5BEAVR) cuja decisão, já transitada em julgado, ordenou a convolação do pedido em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal – fls. 42 do processo físico e consulta ao SITAF;
3) Após decisão do Serviço de Finanças de Ovar declarando que não ocorreu a prescrição da dívida exequenda os agora Autores deduziram Reclamações judiciais previstas no artigo 276º e seguintes do CPPT (Processo nº 581/17.0BEAVR, de J... e 540/17.2BEAVR, de A...), requerendo apenas a declaração de prescrição das mesmas dívidas, que este Tribunal decidiu (em 19/7/2016 o processo 581/17.0BEAVR e em 11/7/2017 o processo 540/17.2BEAVR), ambos improcedentes e com trânsito em julgado – fls.18 a 37 e 42 do processo físico e consulta ao SITAF;
4) - A presente ação deu entrada no SF de Ovar em 4/9/2017 - fls. 4 do processo físico.”

2. O Direito

Tendo em vista sindicar a sentença recorrida, passa-se a transcrever parcialmente o seu teor:
“ (…) A – Da forma processual:
A Ação para Reconhecimento de um Direito ou Interesse Legítima em Matéria Tributária é um meio processual residual (cfr. nº 3 do artº 145º do CPPT), como refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado,2011,Volume II, pág. 500.
No caso dos autos, pretendem os Autores unicamente o reconhecimento da prescrição da dívida que se encontra em execução fiscal.
E sendo assim, é pacífico que o meio próprio para alcançar tal desiderato seria o requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, pedindo o reconhecimento da prescrição, e, após eventual indeferimento, a reclamação judicial de tal despacho, nos termos do disposto no artº 276º e segts. do CPPT (Obra e Autor citados, pág. 500).
Nesse sentido, pronunciou-se o Acórdão do STA, processo nº 01513/13, de 11-03-2015, disponível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos, que acompanhamos sem qualquer hesitação:
“Este Tribunal tem vindo a decidir que de acordo com o disposto no nº 3 do art. 145º do CPPT, a acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária apenas pode ser proposta «sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido.» (por todos o ac. deste STA de 21/05/2014 tirado no recurso nº 0737/13 disponível no site da DGSI).
E, como aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Vol. I pp. 491/495.
Sobre o alcance e objecto das acções para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (ARD), em articulação com os restantes meios contenciosos, apontam-se a teoria do alcance mínimo (a ARD é meio residual quando não exista, em abstracto, outro meio à disposição do interessado para obter uma tutela eficaz da sua posição jurídica); a teoria do alcance médio (a ARD constitui meio complementar dos outros meios processuais, a utilizar em certas situações, designadamente, inexistência de acto administrativo); teoria do alcance máximo (a ARD é admissível como um instrumento de tutela plena, a utilizar sempre que o contencioso de anulação ou outros meios, mesmo complementados com a execução de julgados, não forneçam em concreto ao particular uma protecção máxima, designadamente tendo em conta as respectivas deficiências, nomeadamente, sempre que não pudesse ser interposto recurso contencioso por inexistência de acto lesivo; sempre que, sendo o recurso contencioso possível, a propositura da acção se revelasse vantajosa; quando o particular tivesse deixado passar o prazo do recurso contencioso, em caso de erro desculpável ou para obter o reconhecimento de efeitos jurídicos não abrangidos pelo caso decidido).
Sobre esta matéria, cfr. Marta Rebelo, A tutela jurisdicional efectiva e os poderes de pronúncia do juiz em sede de acção para reconhecimento de um direito ou interesse em matéria fiscal - a teoria do alcance médio, in Fiscalidade, 13/14, Janeiro/Abril de 2003, pp. 27 a 38.
Bem como Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 2ª ed., 1999, pp.131 e ss.) embora relativamente à interpretação da norma idêntica que constava do nº 2 do art. 69º da LPTA, não tenha havido unanimidade, nem na doutrina, nem na jurisprudência da Secção de Contencioso Administrativo do STA, já, no âmbito tributário, a jurisprudência do STA tem vindo a aceitar que a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária é um meio processual complementar, apenas devendo ser proposta quando os restantes meios contenciosos não assegurem uma tutela efectiva dos direitos e interesses legítimos dos administrados [(cfr. os acs. desta Secção do Contencioso Tributário, de 11/12/2002, proc. nº 46283; de 8/10/2003, proc. nº 525/03; de 12/11/2003, proc. nº1237/03; de 14/1/2004, proc. nº 1698/04 ; de 6/10/2005, proc. nº 607/05; de 17/10/2012, proc. nº 0295/12, bem como o de 16/10/2013 (Pleno), também proferido nesse mesmo proc. nº 0295/12].
O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas”, (cfr., entre outros, o acórdão datado de 05 de Novembro de 2014, recurso n.º 01015/14).
E, no caso, vistas as suas especificidades diz a sentença recorrida, e bem, (sublinhado nosso) através de fundamentação que se acompanha que não pode a recorrente intentar “ processo de impugnação, em acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”. Porém concorda-se com o Sr. Procurador Geral Adjunto, neste STA, que a mesma decisão não é de confirmar relativamente à impossibilidade de convolação que a mesma sentença ponderou mas apenas entre outras formas processuais para a hipótese de reclamação do artº 276º do CPPT, concluindo, obviamente, que não podia convolar-se para reclamação (entenda-se de actos praticados pelo Órgão de Execução Fiscal) por não ter sido suscitada previamente a questão (entenda-se da prescrição) perante o referido Órgão.
Ora, sendo exacto, que nada obsta a que a questão da prescrição possa ser apreciada pelo órgão de execução fiscal mediante iniciativa do contribuinte, desde que esteja pendente o processo de execução fiscal ou por iniciativa oficiosa do órgão por atenção ao disposto no artº 175º do CPPT o qual dispõe que a prescrição será conhecida oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito, não pode excluir-se a convolação da petição inicial para requerimento ao dito Órgão.
De facto, como se salienta no destacado parecer (…) se é certo que não é viável a convolação em oposição judicial, uma vez que, como a própria recorrente aceita, a pretensão é intempestiva, nada obsta a que se convole o processo em requerimento dirigido ao OEF, no âmbito do PEF, que se encontra activo, como resulta, nomeadamente, de fls. 72/86 dos autos, para apreciação da eventual prescrição da dívida, uma vez que o processo de execução fiscal é um processo judicial desde o início (artigos 52.º do CPPT e 103.º da LGT)(…).
Pelo exposto e uma vez que ocorre efectivo erro na forma de processo utilizada, a decisão recorrida que considerou existir impossibilidade legal de convolação do processo na forma adequada não se pode manter, determinando-se a convolação da petição inicial em requerimento dirigido ao OEF, no âmbito do PEF, para apreciação da prescrição, devendo os autos baixar à 1.ª instância para os ulteriores termos.”
Assim, declara-se a existência do apontado vício de erro na forma processual usada, que é de conhecimento oficioso.
B – Da possibilidade de convolação
Nos termos dos artigos 97º, n.º 3, da LGT, 98º, n.º 4, do CPPT e 193º do CPC cumpriria, agora, ao Tribunal aferir a possibilidade de convolação dos presentes autos em Oposição à Execução ou requerimento dirigido ao OEF, por estarem – eventualmente - reunidas as condições necessárias.
Sendo certo que, não poderá ordenar-se tal convolação quando a petição não possa ser aproveitada para outro meio processual, por haver algum obstáculo a que esse meio possa prosseguir, designadamente por a isso se opor a extinção do prazo de propositura da ação ou a ocorrência de outra exceção perentória ou dilatória, uma vez que não será de convolar uma determinada ação noutra espécie se o seu destino for o indeferimento liminar.
E para tal, cumpre fixar a seguinte factualidade relevante, com base nos documentos juntos aos autos: (…)
Vejamos.
Como resulta do probatório, os Autores já apresentaram Oposição à Execução, que foi objeto de sentença transitada em julgado, pelo que, por força da exceção de caso julgado e por extinção do respetivo prazo de defesa por esse meio, não é possível a convolação dos presentes autos em Oposição à Execução (artigo 89º, nº1, alínea i), do CPTA e artigos 278º, nº1, alínea e), 576º, nº 2, 577º, alínea i), e 578º do CPC, ex vi artº 2º, alíneas c) e e) do CPPT).
Sem embargo, poderia ainda considerar-se a possibilidade de convolação da presente ação em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal, conforme decidido no Acórdão supra citado, uma vez que a prescrição é de conhecimento oficioso e pode ser conhecida a todo o tempo - Cfr., entre outros, Acórdãos do STA, processos nº 01271/13, de 04-03-2015 e 0380/15, de 14-05-2015, disponíveis em www.dgsi.pt.
No entanto, o Tribunal entende que no caso concreto tal solução não será admissível.
Na verdade, conforme resulta do probatório, essa solução já foi adotada por este Tribunal há relativamente pouco tempo e a sua repetição, sem qualquer alteração substancial da situação, equivaleria à prática de ato inútil e, por isso, proibido por lei.
Até porque os Autores não modificaram a causa de pedir (1) e o pedido em termos que justifiquem uma decisão material diferente das que já conhecem.
1 - Causa de pedir que o Tribunal não pode conhecer nos presentes autos, como se disse, devido ao “erro no meio processual” concretamente usado.
Aliás, a mera repetição do pedido, outra vez em erro de forma – apesar da decisão proferida na ação absolutamente idêntica que correu termos sob o nº 372/16.5BEAVR (facto 2 do probatório) - configura o reinício de um ciclo de pedidos que se afiguram ser meramente dilatórios e desrespeitosos das decisões já proferidas e das autoridades que as proferiram.
Tal atitude rasa a desobediência e a má-fé processual. Pelo que não merece qualquer acolhimento. (…)”
A jurisprudência dos tribunais superiores, com o apoio da doutrina, tem afirmado, de modo reiterado, que o erro na forma do processo se afere pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição – reimpressão, págs. 288/289. No mesmo sentido, RODRIGUES BASTOS, in Notas ao Código de Processo Civil, volume I, 3.ª edição, 1999, pág. 262, e ANTUNES VARELA, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 378.).
Contudo, o STA, tendo sempre em vista os princípios da tutela jurisdicional efectiva e pro actione, “(…) tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir – ainda que com recurso à figura do pedido implícito – qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica. Mas isso não autoriza que, no método para aferir da verificação do erro na forma do processo, se substitua o pedido, enquanto elemento determinante para apurar a propriedade processual, pela causa de pedir.
Assim, para saber se ocorre ou não erro na forma do processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter; já saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pelos Recorrentes, observa-se que pretendem o reconhecimento de que não lhes é devido o pagamento das dívidas exequendas, referentes a IRC dos exercícios de 2000 e 2001 da actividade da devedora originária; solicitando, a final, dever a presente acção ser julgada procedente e reconhecida e declarada a prescrição para a cobrança fiscal sobre os Autores da dívida fiscal da sociedade S..., Lda. com referência ao pagamento do IRC de 2000 e 2001.
Tal formulação revela uma deficiente exposição de o que é o pedido. O pedido é o efeito jurídico concreto que se pretende obter com a acção.
Ora, pedir a procedência da acção é o mesmo que nada pedir, pois em tal formulação nada se indica quanto à concreta pretensão de tutela jurídica visada. Contudo, os Recorrentes, ao longo da sua petição inicial, vão densificando vários pedidos.
De início, tendo subjacente a causa de pedir assente na inexistência do facto tributário, uma vez que se reporta a uma sociedade devedora originária desactivada, que não exercia qualquer actividade desde 1999, que, portanto, não tinha receitas, nem movimentos económicos ou financeiros e, consequentemente, não existindo lucro, concluem que não há causa nem base legal para a existência de qualquer liquidação de IRC. Efectivamente, tal causa de pedir tem implícito o pedido de eliminação das liquidações de IRC da ordem jurídica e, consequentemente, o pedido de reconhecimento de que as dívidas que lhes subjazem não terão que ser objecto de pagamento pelos Recorrentes.
De seguida, o grosso da petição inicial prende-se com a demonstração de que as dívidas exequendas se mostram prescritas desde 24/05/2014. Esta causa de pedir e os seus fundamentos/argumentos sobrepõem-se aos constantes do processo n.º 372/16.5BEAVR, cuja decisão, já transitada em julgado, ordenou a convolação do pedido em requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal – cfr. ponto 2 do probatório. Após decisão do Serviço de Finanças de Ovar, declarando que não ocorreu a prescrição da dívida exequenda, os agora Recorrentes deduziram Reclamações judiciais previstas no artigo 276.º e seguintes do CPPT (Processo n.º 581/17.0BEAVR, de J... e n.º 540/17.2BEAVR, de A...), requerendo apenas a declaração de prescrição das mesmas dívidas, que foram julgadas improcedentes, em 19/7/2016 o processo 581/17.0BEAVR e em 11/7/2017 o processo 540/17.2BEAVR, ambas com trânsito em julgado – cfr. ponto 3 do probatório. Assim, mais uma vez, in casu, descortina-se um pedido implícito de extinção do processo de execução fiscal e apenso, por via da declaração de prescrição, que levaria ao reconhecimento de um interesse legítimo de que os ora Recorrentes já não tinham que pagar as dívidas exequendas.
Por último, ainda se desvela, cumulativamente, dado que os Recorrentes colocam todas as questões “sem prescindir” das que foram sendo apresentadas, a alusão à ilegalidade do despacho de reversão de que foram alvo, imputando-lhe vícios próprios, designadamente, o vício de forma por falta de fundamentação – cfr. artigos 66.º a 69.º da petição inicial. Aqui é expressamente pedida a declaração de ilegalidade do despacho de reversão, sendo-lhe imputada a invalidade referida e que, mais uma vez, tem implícito o pedido de eliminação do mesmo da ordem jurídica, com as inerentes consequências na execução fiscal.
Assim, contrariamente ao que parece resultar da decisão recorrida, afigura-se-nos a presença de uma cumulação de pedidos que, afinal, o corpo do articulado acaba por confirmar, embora o pedido a final gere uma interpretação mais duvidosa.
«Na interpretação dos articulados são aplicáveis os princípios comuns à interpretação das leis e interpretação das declarações negociais, valendo, por isso, aquele sentido que, segundo o disposto nos arts. 9.º e 236.º do CC, o declaratário normal ou razoável deva retirar das declarações escritas constantes do articulado» – cfr. os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 01/02/2005, proferido no processo com o n.º 5460/01; e de 05/04/2005, proferido no processo com o n.º 5410/01.
A causa de pedir invocada é efectivamente uma causa de pedir múltipla, mas, no fundo, os Recorrentes sabem que, sendo eliminados da ordem jurídica os actos de liquidação de IRC e os actos de reversão, o processo de execução fiscal e apenso não poderão subsistir vigentes contra eles, mas sem que a tónica mais importante se afaste da prescrição das dívidas exequendas, daí a fórmula utilizada para individualizar o pedido a final. Contudo, os Recorrentes não quiseram deixar de assacar vícios próprios aos actos de liquidação e de reversão (cfr. artigos 2.º a 5.º e 66.º a 69.º da petição inicial), escolhendo esta acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo para abarcar todos os pedidos identificados.
Os rigores formalistas na interpretação das peças processuais estão hoje vedados pelos princípios do moderno processo civil e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, justificando-se alguma benevolência na interpretação da petição inicial. Na verdade, existindo dúvidas, a causa de pedir pode ser utilizada como elemento de interpretação do pedido.
Nestes termos, reiteramos a existência nesta acção de uma cumulação de pedidos, que se mostra regulada pelo disposto no artigo 104.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por força do disposto no artigo 145.º, n.º 4 do CPPT.
Efectivamente, as acções de reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária seguem os termos do processo de impugnação.
Tudo aponta, desde logo, para uma cumulação ilegal de pedidos, dado que não existe identidade dos fundamentos de facto e de direito invocados subjacentes aos mesmos, resvalando para a adequação de diferentes formas processuais – cfr. artigo 104.º do CPPT.
Salientamos, por exemplo, que o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão, com fundamento em falta de fundamentação ou preterição de formalidades a tal acto imputadas, é a oposição à execução – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 07/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01265/13.
Por outro lado, a impugnação de liquidações, com fundamento na sua ilegalidade em concreto, nomeadamente, por inexistência do facto tributário, deve ser efectuada por via da impugnação judicial – cfr., entre outros, o Acórdão do TCA Norte, de 10/12/2015, proferido no âmbito do processo n.º 367/07.0BEBRG.
Não podemos deixar de reiterar a jurisprudência citada na sentença recorrida, que a acção prevista no artigo 145.º do CPPT e na alínea c) do n.º 1 do artigo 49.º do ETAF se trata de um meio processual residual, que é utilizado para assegurar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, quando nenhum outro meio previsto legalmente é adequado ao efeito jurídico concreto que se pretende obter com a acção.
Ressalta que outros meios processuais são adequados a cada um dos pedidos cumulados na presente acção, mas nem se justifica, como veremos, fazer apelo ao disposto no artigo 4.º, n.º 3 do CPTA ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT, convidando os Recorrentes a indicarem o pedido que pretendem ver apreciado no processo.
Isto porque, dando de barato que na presente acção, atento o circunstancialismo, era adequado conhecer os pedidos relativos à eliminação da ordem jurídica dos actos de liquidação de IRC e dos actos de reversão (o que é, do ponto de vista técnico-jurídico, manifestamente temerário), sempre não poderia prosseguir a acção quanto a estes efeitos jurídicos concretos, porque o prazo de instauração da mesma é de quatro anos após a constituição do direito ou do conhecimento da lesão do interessado – cfr. artigo 145.º, n.º 2 do CPPT.
Ora, resulta dos autos, dos processos apensos e das próprias alegações de recurso que os Recorrentes foram citados para a execução fiscal em 2006 e que recorreram à via judicial nos termos do artigo 22.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária, tendo, nessa data, tomado conhecimento tanto dos vícios dos actos de liquidação como dos das decisões de reversão, pelo que não poderão fazer valer e ver reconhecidos os seus direitos ou interesses legítimos a esse respeito pela presente acção intentada em 04/09/2017 – cfr. ponto 4 do probatório.
Aqui chegados, entroncamos no pedido decorrente da apreciação da prescrição, causa de pedir e pedido identificados na sentença recorrida, que, conforme é alegado, terá ocorrido em 24/05/2014.
Na verdade, os Recorrentes não colocam em causa o segmento decisório da decisão recorrida na parte referente ao caso julgado, nem questionam que não modificaram a causa de pedir e o pedido em termos que justifiquem uma decisão material diferente das que já conhecem nos processos n.º 372/16.5BEAVR, n.º 581/17.0BEAVR e n.º 540/17.2BEAVR, onde se conheceu a questão da prescrição.
Trata-se, realmente, de recolocar a mesma questão e formular o mesmo pedido, tendo em vista protelar o pagamento das dívidas exequendas no processo de execução fiscal ou evitar o accionamento da garantia bancária prestada.
A autoridade do caso julgado impede que se conheça a mesma questão, seja nos presentes autos, seja convolando o processo para meio adequado, conforme efectuado no processo n.º 372/16.5BEAVR.
O caso julgado é um pressuposto processual de conhecimento oficioso que obsta a que o tribunal conheça não só do mérito da causa como ainda dos restantes pressupostos processuais.
Ao lado da excepção do caso julgado, propriamente dita, costuma falar-se da figura da autoridade do caso julgado.
Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado, pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.
A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido.
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, sendo discutível a exigência de coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC.
Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.
Importa jamais olvidar que o caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artigo 621.º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».
Claramente, perante soluções já adoptadas, há muito pouco tempo, sem quaisquer alterações nos factos relevantes para a análise da questão da prescrição, equivaleria, permitindo-se a reapreciação na presente acção, a poder colocar-se em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais, dado que existe o risco de a decisão que vier a ser proferida poder dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto das decisões anteriores transitadas em julgado, abalando assim a autoridade desta.
O que fica exposto é suficiente para considerarmos prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso, impondo-se negar provimento ao mesmo e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
II - Na interpretação do pedido formulado deve usar-se de alguma flexibilidade não afastando o recurso à figura do pedido implícito, por desta forma se salvaguardar melhor o respeito pelos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do princípio pro actione.
III - A cumulação de pedidos é legalmente admissível, estando em causa uma acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária, nas expressas condições do artigo 104.º ex vi artigo 145.º, n.º 4, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
IV - A acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido em matéria fiscal trata-se de um meio processual residual, que é utilizado para assegurar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, quando nenhum outro meio previsto legalmente é adequado ao efeito jurídico concreto que se pretende obter com a acção.
V - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, sendo discutível a exigência de coexistência da tríplice identidade prevista no artigo 581.º do CPC.
VI - Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo dos Recorrentes, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 26 de Abril de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro