Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00606/09.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/15/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina da Nova
Descritores:IMPOSTO DE SELO, DOAÇÃO AO FILHO E AO SEU CÔNJUGE, RENÚNCIA À DOAÇÃO, ESCRITURA PÚBLICA DE RETIFICAÇÃO,
ERROS MATERIAIS.
Sumário:1.Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente as que tenham por objeto: Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluído a aquisição por usucapião;(…) Aquisição derivada de invalidade, distrate, renúncia ou desistência, resolução, ou revogação da doação entre vivos com ou sem reserva de usufruto;

2.O CIS, no seu art. 6.º, al. e) dispõe que estão isentos do imposto de selo, quando este constitua um encargo, o cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas de que forem beneficiários;

3.O tratamento muito especial que a norma do art. 249.º prevê explica-se pelo facto de o lapso cometido ser manifesto. Na realidade, não deve haver qualquer fundada dúvida sobre o que se quis declarar. Os erros ou lapsos de escrita estão claramente definidos na lei processual, no art. 667.º (atual 614.º), em que os erros apenas são os que têm expressão material da vontade dos contraentes, erros de escrita ou cálculo ou inexatidões e não já os erros que possam ter influído na formação da vontade declarada. os erros terão de ser perfeitamente percetíveis no contexto da escritura. Os erros terão de ser perfeitamente percetíveis no contexto da escritura.

4.A escritura pública na qual a donatária renúncia à metade indivisa do imóvel, consolidando a totalidade da propriedade numa única pessoa, está sujeita a imposto de selo.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:M.
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

fazenda pública, veio recorrer da sentença que julgou procedente a impugnação do imposto de selo relativo à doação de prédio urbano realizada em 21-02-2005.

Formulam nas respetivas alegações (cfr. fls. 87-95) as seguintes conclusões que se reproduzem:

I. A presente impugnação versa sobre as liquidações de Imposto do Selo n.º 51973 e 51976, no montante de € 4.785,75, cada.
II. Na douta sentença recorrida julgou-se procedente a impugnação deduzida, entendendo o Tribunal a quo que as liquidações em causa deveriam ser anuladas uma vez que em virtude da escritura de rectificação da doação a Impugnante não é proprietária de metade do prédio doado, não existindo facto tributário.
III. A Fazenda Pública considera a que deveriam ter ido à Matéria Assente os factos, com suporte documental, referidos em 4.
IV. Nessa medida, e atento o disposto na alínea a) do art.2 712º do Código de Processo Civil, ex vi art.º 2º, alínea e) do CPPT, deverá a matéria de facto ser alterada, no sentido de serem dados como provados os factos indicados em 4. da presente peça processual.
V. Assim sendo, imperioso se torna concluir que a escritura de rectificação foi efectuada apenas e tão só para a Impugnante se eximir ao pagamento do imposto devido.
VI. Da escritura de doação celebrada em 21.02.2005 resulta inequivocamente que a doação do prédio contemplava o marido da Impugnante e ela própria, nela constando: “Que doam aos segundos outorgantes, seus filho e nora” tendo estes últimos declarado que “aceitam a presente doação nos termos exarados”.
VII. Acresce que, se os doadores apenas pretendiam doar o imóvel ao filho e atento o art.º 1683º, n.º 1 do C.C. segundo o qual os cônjuges tem legitimidade para aceitar doações, heranças ou legados, independentemente do consentimento um do outro, como se justifica a intervenção da Impugnante, na qualidade de outorgante, na escritura de 21.02.2005?
VIII. A nosso ver, tal intervenção apenas teve lugar pelo seguinte motivo: uma vez que a Impugnante é casada no regime de comunhão de adquiridos, o bem doado exclusivamente ao filho nunca faria parte da comunhão, nos termos do disposto no art.º 1722º, n.º 1, al. b).
IX. Assim sendo, para que a doação contemplasse a Impugnante, tal como era a intenção dos doadores, ela teria necessariamente de intervir e aceitar a doação, como sucedeu.
X. No acto de outorga da escritura pública de doação foi lido e explicado o seu conteúdo.
XI. Em todos os actos em que a Impugnante interveio declara-se quer como beneficiária da doação quer como proprietária do imóvel doado.
XII. Não se compreendendo que a mesma venha a invocar que foi por lapso do Notário (!?) e dos outorgantes que os pais do marido da Impugnante doaram o prédio não só ao seu filho, mas também à sua nora, ora Impugnante.
XIII. Na sentença proferida a Mmª Juíza considerou que “Tendo por escritura sido alterada a vontade dos doadores, retirando a Impugnante dessa doação, esta tem efeito reportado à data da escritura de doação.
XIV. No entanto, salvo o devido respeito por melhor opinião, o negócio celebrado em 27.04.2006 não configura qualquer rectificação.
XV. Segundo o art.º 249º do Código Civil (CC) o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.
XVI. Porém é necessário que se trate de erro ostensivo, neste sentido Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil anotado, Vol. 1, 4ª Edição Revista e actualizada, Coimbra Editora Limitada.
XVII. Também na Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 112, pág. 6, Vaz Serra defende que quando o erro na declaração negocial não for patente ou ostensivo, não é razoável sujeitar a contra-parte da declaração ou inclusivamente terceiro a quem essa declaração possa ser oposta, à mera rectificação do erro de que não se possa ter apercebido.
XVIII. Na douta sentença proferida a Mmª Juíza considerou que tendo, por escritura de rectificação sido alterado a vontade dos doadores, retirando a Impugnante dessa doação, esta tem efeito reportado à data da escritura de doação.
XIX. Sucede, porém, que uma mera escritura de rectificação não é susceptível de alterar a vontade dos outorgantes, tal apenas seria possível através de acção anulatória da doação, deduzida nos termos do art.º 247º do C.C., com fundamento em erro na declaração.
XX. O Tribunal poderia ter determinado que a rectificação da escritura apenas produz efeitos inter partes, não perante a Administração Tributária.
XXI. Segundo o art.º 36º, n.º 4 da Lei Geral Tributária a qualificação jurídica efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a Administração Tributária.
XXII. A escritura pública de rectificação apenas faz prova plena de que os outorgantes declararam perante o notário que pretendiam rectificar a doação efectuada em 21.02.2005.
XXIII. No entanto, não faz prova de que as declarações dos outorgantes não se encontram afectadas por vícios de consentimento ou que não se tenha verificado uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real dos outorgantes.
XXIV. Até porque como resulta de todos os factos apurados é manifesto que, através da rectificação, se pretendeu eximir a Impugnante do imposto devido e já liquidado (evasão fiscal).
XXV. Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que considere a impugnação improcedente.
Revogando a douta sentença recorrida e julgando a impugnação improcedente, Vossas Excelências farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA»
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A recorrida, M., não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se pela procedência do presente recurso, com base no seguinte: (…) A nosso ver a razão está pelo lado da FP.
Os termos constantes da escritura de doação datada de 21.02.2005, são totalmente esclarecedores de que a reclamante, ora recorrida, outorgou como donatária da metade indivisa do direito de propriedade sobre o prédio em causa, perfeitamente consciente dos direitos e deveres decorrentes dessa qualidade de donatária.
Nos temos das disposições conjugadas dos art. s 945.º, n.º 1, 954.º, n.º 1, 969.º, n.º 1 e 970, todos do C. Civil, os efeitos translativos do direito de propriedade sobre imóveis doados, através de escritura pública, com aceitação do donatário, ocorrem no momento da celebração do contrato de doação, só podendo ser revogada por ingratidão do donatário.
Consequentemente, nos supra referidos termos, com a outorga da escritura de doação, datada de 21.02.2005, a ora recorrida adquiriu o direito de propriedade sobre a metade indivisa do imóvel. E tanto assim é que, relativamente à aquisição desse direito, cumpriu todas as obrigações fiscais e registrais previstas na lei.
Como a qualidade de donatária da metade indivisa do referido prédio não resulta de erro na declaração efectuado no citado negócio jurídico, não se equaciona a hipótese de justificar a rectificação da referida qualidade.
Consequentemente, a escritura de justificação datada de 27.04.2006, através da qual se declara sem efeito a qualidade de donatária assumida pela ora recorrida na escritura de doação datada de 21.02.2005, não pode produzir quaisquer efeitos revogatórios dos já produzidos através daquela escritura de doação.
Daí que a escritura de rectificação, em que interveio a ora recorrida e seu marido, não passa de uma nova escritura de doação, através da qual procede á doação do direito que adquirira — o direito de propriedade sobre o imóvel — como donatária na anterior escritura de doação.
Portanto, e em conclusão, a tributação de IS, objecto da presente impugnação judicial, não é passível de qualquer censura, pelo que a sentença, anulando-a, incorreu em erro de julgamento.
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Sem vistos dos Exmos. Juízes adjuntos, por assim se ter acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações saber se a sentença errou ao considerar que com a 2.ª escritura deixou de existir facto tributário.
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3. FUNDAMENTOS de FACTO

Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
«1. A Administração fiscal, emitiu em nome da Impugnante, a demonstração da liquidação de Imposto de Selo n.º 2006 000063078, no valor de 4 785.75 €, tendo por base a matéria colectável de 47857.50 € (fls. 8 dos autos);
2. A liquidação foi objecto de reclamação graciosa, instauradas em 31.07.2006, a qual veio a ser indeferida, em 26.03.2009;
3. A Impugnante interpôs recurso hierárquico o qual não foi decidido;
4. Em 21.02.2005, no Cartório Notarial de Guimarães, A. e mulher M., doaram à Impugnante e marido, o prédio urbano, formado por casa de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, destinada a clínica médica e habitação, sito na freguesia de Caldeias, Guimarães, com o art.º (…) urbano, com o valor patrimonial de 34 189.60 € (fls. 12 a 15 do Processo Administrativo apenso aos autos);
5. Em 22.03.2005, os impugnantes apresentaram o modelo 1, do IMI, tendo o prédio sido avaliado em 191 430.00 €;
6. Em 27.04.2006, no mesmo Cartório Notarial do licenciado de Carlos Manuel Ribeiro Tavares, os Impugnante e seus pais e sogros, celebraram, uma escritura de rectificação na qual consta que “(...) a intenção dos primeiros outorgantes era doar o referido prédio apenas ao segundo outorgante marido, seu filho, pelo que pela presente escritura rectificam aquela escritura de doação, no sentido de que a mesma é efectuada unicamente ao segundo outorgante M. (fls. 16 a 19 do dos autos).
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, e documentos constantes do processo administrativo apenso por linha.»
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4.Apreciação jurídica do Recurso.

Antes de entrar na análise do recurso, cumpre apreciar uma questão prévia suscitada pela impugnante.

A impugnante veio requerer que o tribunal a quo por despacho procedesse à correção de um lapso material da sentença quando no decisório alude a anulação da liquidação em causa, embora no introito diga que a impugnação visa as liquidações do Imposto de Selo.
Certo é que o processo, após interposição de recurso, subiu a este tribunal.

Cumpre agora apreciar [art. 614.º, n. º2 do CPC]
Analisando o processo e cotejando-o com a sentença concluiu-se ter havido lapso de escrita no decisório e até alguma imprecisão no elenco factual do julgamento de facto, na medida em que omite uma das liquidações.

Com efeito, quer do presente processo quer do processo administrativo apenso resulta abundantemente que o que está em causa são duas liquidações com os números 51973 e 51976, como evidenciam os documentos a fls. 8 e 9 dos autos, que corporizam as demonstrações das liquidações.

Assim, procede-se à correção do n. º1 dos factos provados que passará a ter a seguinte formulação:

A Administração fiscal, emitiu em nome da Impugnante, as demonstrações de liquidação de Imposto de Selo n.ºs 51973 e 51976, no valor de 4 785.75 €, cada uma, tendo por base a matéria coletável de 47857.50 € (fls. 8 e 9 dos autos)

4.1 A recorrente impugna o julgamento da matéria de facto.

Considera que deveriam ter ido para os factos provados, porquanto se lhe afigura relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente os factos que resultam do suporte documental, como:
-Na relação de bens, foi relacionada, em cada um dos anexos, a metade indivisa do prédio urbano e anexo II-Liquidação por Doação;
-Em 22-03-2005 foi apresentada a declaração a que alude o art. 13.º do CMI, no qual foi avaliado em €191.430,00;
-Em 01-04-2005 a Impugnante e seu cônjuge registaram na Conservatória do Registo Predial a seu favor a aquisição do imóvel doado e as liquidações foram notificadas à impugnante em 09-03-06.

Atendendo a que tais factos resultam dos documentos juntos ao processo, e respetivo processo administrativo, ponderadas as várias soluções plausíveis de direito, são assim, aditados ao julgamento da matéria de facto, seguindo-se, para o efeito, a numeração indicada na sentença.
Assim, aditam-se os seguintes factos com a enumeração sequencial referida.
7. Na relação de bens, foi relacionada, em cada um dos anexos, a metade indivisa do prédio urbano e anexo II-Liquidação por Doação;
8. -Em 22-03-2005 foi apresentada a declaração a que alude o art. 13.º do CMI, no qual foi avaliado em €191.430,00
9. Em 01-04-2005 a Impugnante e seu cônjuge registaram na Conservatória do Registo Predial a seu favor a aquisição do imóvel doado e as liquidações foram notificadas à impugnante em 09-03-06.

Estabilizada o julgamento de facto, importa agora apreciar se a sentença incorreu em erro de julgamento.

4.2. Está em causa saber se os factos erigidos na sentença permitem, tal como fez a Administração fiscal, confirmar a existência de facto tributário decorrente da escritura de doação a ambos os cônjuges, ou, se a 2.ª escritura sob a epígrafe retificação fez desaparecer a realidade factual que sustenta a liquidação.

A sentença direcionou a sua apreciação do seguinte modo:
A questão a decidir é a de saber se o com o acto de rectificação da escritura de doação existe ou não facto tributário, ou seja, o acto de transmissão gratuito, efectuado em 21.02.2005 se mantém.
Os Impugnantes alegam que só quando receberam a demonstração de resultados, se aperceberam que a doação tinha sido incorrectamente efectuada.
E de imediato procederam a uma escritura de rectificação do acto, na qual de dizia expressamente que a doação era efectuado ao marido da Impugnante.
A Fazenda Pública faz uma interpretação doutrinária de interpretação dos negócios jurídicos e concluiu pelo animus donandi abrangia o filho e a nora, tendo-se efectuado a rectificação somente para fugir ao pagamento dos impostos.
O art.º 1.º do CIS preceitua que. “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
2 - (...)
3 - Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente, as que tenham por objecto:
a) Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluindo a aquisição por usucapião;
Por sua vez, consta da tabela anexa. 1 - Aquisição de bens:
1.1- Aquisição gratuita de bem ou por doação do direito de propriedade ou de figura parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos - sobre o valor de 0.8%.
A alínea a) do art.º 5.º do mesmo Código, preceitua que a obrigação tributária considera-se constituída, na data da celebração de actos e
contratos.
O nº 1 do art.º 13º do Código do Imposto de Selo (CIS) determina que “1- O valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIAM á data da transmissão, ou o determinado por avaliação nos casos de prédios omissos ou inscritos sem valor patrimonial.
2 - No caso de imóveis e direitos sobre eles incidentes cujo valor não seja determinado por aplicação do disposto neste artigo e no caso do artigo 14.º do CIMT, é o valor declarado ou o resultante de avaliação, consoante o que for maior.
3 - (...)”
Resulta da matéria assente em 21.02.2005, no Cartório Notarial de Guimarães, A. e mulher M., doaram à Impugnante e marido, o prédio urbano, formado por casa de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, destinada a clínica médica e habitação, sito na freguesia de freguesia de Caldeias, Guimarães, com o art.º (…) urbano, com o valor patrimonial de 34 189.60 €.
Em 22.03.2005, os Impugnantes apresentaram o modelo 1, do IMI, tendo o prédio sido avaliado em 191 430.00 €.
Em 27.04.2006, no mesmo Cartório Notarial do licenciado de Carlos Manuel Ribeiro Tavares, os Impugnante e seus pais e sogros, celebraram, uma escritura de rectificação na qual consta que “(...) a intenção dos primeiros outorgantes era doar o referido prédio apenas ao segundo outorgante marido, seu filho, pelo que pela presente escritura rectificam aquela escritura de doação, no sentido de que a mesma é efectuada unicamente ao segundo outorgante M..
Com base na escritura de doação, a Impugnante, adquiriu, por doação, o prédio urbano com o art.º 1232.º, porém volvidos mais de um ano, os doadores aperceberam-se que a escritura de doação, não correspondia á sua vontade e procederam á sua rectificação.
O facto tributário é a aquisição por doação, titulada pela escritura de doação, a qual está sujeito a imposto de selo.
Tendo, por escritura de rectificação sido alterado a vontade dos doadores, retirando a Impugnante dessa doação, está tem efeito reportado á data da escritura de doação.
Face a está rectificação a Impugnante, não é proprietária de metade indivisa do prédio doado, consequentemente não existe acto tributário que conduza ao pagamento do imposto de selo.
Importa ainda sobre este assunto relembrar o comando do art.º 370.º do Código Civil (CC) o qual determina que: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim, como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.”
Por sua vez, o n.º 1 do art.º 372.º do CC determina que “A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na falsidade”
Ora a Administração Fiscal não pode desvalorizar uma escritura pública, por lhe parecer que se trata de uma manobra para evitar o pagamento de imposto.
Tais argumentos ou percepções não são suficientes para abalar a credibilidade da escritura pública que a Impugnante assinou conjuntamente com os doadores, perante uma autoridade, teria de se socorrer dos meios judiciais e vir arguir a falsidade da mesma.

Para o efeito, importa indagar o que dispõe o Código do Imposto de Selo, sobre as doações, em vigor à data das escrituras públicas de 21-02-2005 e 27-04-2006, pois será perante tal quadro normativo que se deverá avaliar do acerto da liquidação e do juízo feito pelo tribunal a quo.

O imposto de selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens, não estando sujeitos a este imposto as operações sujeitas a IVA e dele não isentas. [art. 1.º, n.ºs 1 e 2 do CIS]

Para efeitos da verba 1.2 da Tabela Geral, são consideradas transmissões gratuitas, designadamente as que tenham por objeto: Direito de propriedade ou figuras parcelares desse direito sobre bens imóveis, incluído a aquisição por usucapião;(…) Aquisição derivada de invalidade, distrate, renúncia ou desistência, resolução, ou revogação da doação entre vivos com ou sem reserva de usufruto, salvo nos casos previstos nos artigos 970.º e 1765.º do Código Civil, relativamente a bens e direitos enunciados nas alíneas anteriores. [n. º3 als. a) e g) do CIS] (sublinhado nosso)

Nas transmissões gratuitas [art. 2.º, n. º2 CIS] são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares para quem se transmitem os bens, sem prejuízo das seguintes regras:
a) Nas sucessões por morte, o imposto é devido pela herança, representada pelo cabeça de casal, e pelos legatários
b) Nas demais transmissões gratuitas, incluindo as aquisições por usucapião, o imposto é devido pelos respetivos beneficiários.

O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no art. 1.º [art. 3.º, n.º 1 e n. º3, al. a)], considerando-se interesse económico, nas aquisições gratuitas, os adquirentes dos bens.

Por sua vez, a obrigação considera-se constituída, nos atos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes [art. 5.º, al. a) do CIS]

Vejamos,
É à AT que cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, isto é, de demonstrar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar [pois que no exercício da sua competência de averiguação e fixação dos factos que integram a base de incidência do imposto atua no uso de poderes vinculados, submetida ao princípio da legalidade], compete-lhe demonstrar a existência e conteúdo do facto tributário, ou seja, e no que ao caso interessa, que a impugnante, juntamente com o seu cônjuge, foram beneficiários de uma doação, feita pelos pais do cônjuge marido, proprietários do prédio urbano inscrito na matriz respetiva sob o n.º 1232, objeto da doação.

Neste contexto, e tendo por referência o enquadramento legal referido do Código do Imposto de Selo, a doação feita está sujeita a imposto de selo. [art. 2.º, n. º2, al. b)], ou seja, nas doações o sujeito passivo é sempre o donatário, sendo o imposto apurado especificamente pelo valor dos bens transmitidos, isto é, o valor em concreto dos bens doados, com aplicação de uma taxa de 10%.

Todavia, o CIS, no seu art. 6.º, al. e) dispõe que estão isentos do imposto de selo, quando este constitua um encargo, o cônjuge, descendentes e ascendentes, nas transmissões gratuitas de que forem beneficiários.
Assim, na doação do prédio por escritura pública de 21-02-2005 não está sujeita a imposto de selo a doação feita ao filho, recaindo imposto de selo na restante metade relativa ao cônjuge do filho dos doadores.

A recorrente discorda da sentença na medida em que a 2.ª escritura não traduz qualquer erro ou lapso revelado no próprio texto, trata-se de uma manifestação de vontade diferente da 1.ª, com o intuito de a recorrida se eximir ao pagamento do imposto de selo porquanto todas os atos subsequentes à doação apontam para a aceitação da doação nos termos em que o foi declarado.

Analisando,

A 2.ª escritura sob epígrafe retificação claramente não identifica, de acordo com o art. 249.º do Código Civil, o erro de escrita ou lapso cometido no seu texto, antes se apresenta como uma nova declaração de vontade dos donatários, direcionada para que seja apenas beneficiário da doação o filho, com renúncia da donatária à metade indivisa de que tinha beneficiado com a 1.ª escritura de doação.

Na verdade, o tratamento muito especial que a norma do art. 249.º prevê explica-se pelo facto de o lapso cometido ser manifesto. Na realidade, não deve haver qualquer fundada dúvida sobre o que se quis declarar. Os erros ou lapsos de escrita estão claramente definidos na lei processual, no art. 667.º (atual 614.º), em que os erros apenas são os que têm expressão material da vontade dos contraentes, erros de escrita ou cálculo ou inexatidões e não já os erros que possam ter influído na formação da vontade declarada. Notas ao Código Civil, Vol. I, Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, Lisboa 1987.

Quer isto dizer que os erros terão de ser perfeitamente percetíveis no contexto da escritura.

Como se intui, não é claramente a situação espelhada nos autos na medida em que após a escritura de doação ambos os donatários praticaram atos que apontam para a completude do que haviam declarado, tal como os doadores, pois, entre a 1.ª escritura e a segunda medeia mais de um ano, apenas o procedimento de liquidação veio pôr o enfoque das consequências fiscais de tal doação.

A escritura pública de doação ocorrida em fevereiro de 2005 produziu os seus efeitos civis e fiscais.

O facto translativo concretizou-se de tal sorte que se registou a propriedade em nome dos donatários.
Por sua vez a obrigação do imposto surgiu no momento em que ocorreu a transmissão, quer na 1.ª escritura quer na 2.ª, nesta a propriedade transmitida consolidou-se na totalidade na esfera jurídica do filho dos doadores, com a exclusão da inicial donatária na metade indivisa do prédio. Embora aflorando outra questão, veja-se, a propósito da doação e al. g) do n. º3 do art.1.º CIS, o acórdão do STA de 19-04-2012, no processo 01189/11, disponível em www.dgsi.pt


Por fim, cabe dilucidar a questão das duas liquidações. Uma respeita ao imposto da doação de metade indivisa por escritura de 21-02-2005, a outra liquidação obedece ao que dispõe o art. 1.º, n. º3, al. g) do CIS, o imposto incide sobre a renúncia à doação da recorrida/impugnante na escritura de 27-04-2006. Ac. do STA de 20-05-2020 no recurso 0121/16.8 BEMDL, disponível em www.dgsi.pt

Na verdade, a escritura intitulada de retificação é uma nova doação em que uma das partes, a donatária, renúncia à sua parte na doação de que foi beneficiária na escritura pública de 21-02-2005.
Ora, a renúncia, desistência, resolução ou revogação da doação entre vivos está igualmente sujeita a imposto de selo.

Sendo assim, procede o recurso e a sentença terá de ser revogada.
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5. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, julgar improcedente a impugnação.
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Custas a cargo da recorrida
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Notifique-se.
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Porto, 15 de Abril de 2021

Cristina da Nova
Ana Paula Santos
Margarida Reis
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i) Notas ao Código Civil, Vol. I, Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos, Lisboa 1987.

ii) Embora aflorando outra questão, veja-se, a propósito da doação e al. g) do n. º3 do art.1.º CIS, o acórdão do STA de 19-04-2012, no processo 01189/11, disponível em www.dgsi.pt

iii) Ac. do STA de 20-05-2020 no recurso 0121/16.8 BEMDL, disponível em www.dgsi.pt