Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02867/14.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/19/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES; REGULAMENTO; SOLICITADOR; INCOMPATIBILIDADE LEGAL; CANCELAMENTO DA INSCRIÇÃO;
RESGATE DAS CONTRIBUIÇÕES.
Sumário:1 - A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [CPAS] foi criada pelo Decreto-Lei n.º 36.550, de 22 de outubro de 1947 [e reconhecida pela Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, que promulgou as bases da reforma da previdência social, e pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que veio a aprovar as bases gerais do sistema de segurança social], tendo por fim estatutário, nos termos do seu artigo 3.º, designadamente, conceder pensões de reforma por velhice aos beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, assim como conceder subsídios por invalidez aos beneficiários.

2 – Tendo o Autor apresentado em 03 de abril de 2014, pedido de resgate das contribuições pagas à CPAS, atento o princípio “tempus regit actum”, o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores que regula a situação em apreço nos autos, foi aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril [posteriormente alterada pelas Portarias n.ºs 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22665/2007, de 28 de setembro, dos Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social].

3 - Tendo a Ré deliberado o cancelamento da inscrição do Autor como beneficiário ordinário com fundamento no artigo 5.º, n.º 1 do RCPAS [por deliberação de 31 de março de 2014] com efeitos a partir da data do cancelamento da sua inscrição na Câmara dos Solicitadores, em 03 de março de 2014, por ter sido cancelado, a seu pedido, o exercício da actividade profissional que determinou a sua inscrição na CPAS, o Autor só podia manter-se ligado à CPAS, como beneficiário extraordinário, caso assim o tivesse requerido.

4 – Nas situações de pedido de resgate das contribuições, o requisito único é o de que o cancelamento da inscrição do interessado na associação pública profissional assim esteja declarada, e que tenha sido efectuada a notificação à CPAS, e que no caso dos autos a mesma [CPAS] deixou de ter e considerar o Autor, ora Recorrido como beneficiário ordinário, sem que o mesmo lhe tenha requerido a manutenção da inscrição enquanto beneficiário extraordinário, pois que só nesta eventualidade, pese embora não estar com a inscrição em vigor [portanto, estando cancelada], é que não lhe era permitido o resgate das contribuições.

5 - Atenta a epígrafe do artigo 10.º do RCPAS [“Cancelamento da inscrição“], aí se prevêm as situações/efeitos que daí podem advir, sendo certo que o cancelamento pode resultar de um acto voluntário/do próprio, a seu pedido, por razões que no seu entender de tanto sejam determinantes, ou então, como resultado da existência de uma incompatibilidade legal com o exercício de uma qualquer das funções a que se reporta o artigo 114.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril [alterado pelas Leis n.ºs 49/2004, de 24 de agosto, e 14/2006, de 26 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro], e que veio a ser revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro [que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução].

6 - Na vigência do RCPAS aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, o pedido de resgate das contribuições pagas, não está legal ou regularmente indexado à existência de incompatibilidade legal, nem à emissão/prestação de uma declaração de incompatibilidade do exercício da função de solicitador com pelo menos uma das funções a que se reporta o artigo 114.º do ECS, nem à apresentação de qualquer documento que ateste a existência dessa incompatibilidade.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores
Recorrido 1:R.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I - RELATÓRIO

CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 17 de abril de 2020, pela qual foi julgado procedente o pedido formulado na Petição inicial [atinente à anulação da deliberação da Direcção da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, e à restituição do valor das contribuições liquidadas durante o período em que manteve a inscrição em vigor, acrescido de juros – que o Tribunal recorrido julgou como acção de condenação à prática do acto devido], e que consequentemente, condenou a Ré a reconhecer o direito do Autor ao resgate das contribuições que tenha efectuado ao longo da sua carreira contributiva.
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, a Recorrente Caixa de Previdência elencou a final as respectivas conclusões, que para aqui se extraem como segue:

“CONCLUSÕES:
1.ª Vem o presente recurso Jurisdicional da sentença que julgou a presente acção administrativa procedente e, em consequência, condenou a CPAS «a reconhecer o direito do Autor ao resgate de contribuições que tenha efectuado ao longo da sua carreira contributiva.»
2.ª O resgate de contribuições estava previsto no art.º 10.º do RCPAS então em vigor (aprovado pela Portaria n.º n.º 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.ºs 623/88, de 8 de Setembro, e 884/94, de 1 de outubro).
3.ª Da conjugação do disposto no n.º 1 e do n.º 3 do referido art.º 10.º do RCPAS então em vigor conclui-se que o resgate das contribuições pagas pelo beneficiário (exceptuando das destinadas à acção de assistência e da percentagem afeta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos) só será possível caso o beneficiário ordinário da CPAS «passe a exercer actividade legalmente incompatível» com a advocacia ou solicitadoria.
4.ª Pelo que o resgate das contribuições pagas só deve ser admitido em casos muito excepcionais.
5.ª Pois o resgate de contribuições, na medida em que descapitaliza a instituição, deixa-a mais frágil do ponto de vista financeiro e, por isso, pondo em risco o seu futuro e a garantia das pensões de reforma dos seus muitos milhares de beneficiários.
6.ª E por outro lado, o resgate das contribuições, na medida em que o beneficiário deixa de poder contar com uma futura pensão de reforma, deixa (ou pode deixar) o beneficiário sem qualquer protecção social futura.
7.ª Colocando, dessa forma, em risco, o direito à Segurança Social, previsto no art.º 63.º da CRP.
8.ª Assim, a única possibilidade do resgate de contribuições, que deverá ser meticulosamente avaliada, será no caso de o beneficiário cancelar a sua inscrição no seu organismo profissional, pelo facto de ter passado a exercer uma profissão incompatível com a advocacia ou a solicitadoria e faça prova desse facto junto da CPAS.
9.ª No presente caso, nada disso se passou: de facto, o Recorrido, não alegou junto da CPAS (e muito menos provou) que passou a exercer outra actividade profissional incompatível com a solicitadoria.
10.ª Não sendo de admitir que o pressuposto previsto no n.º 1 do art.º 10.º do RCPAS em causa, não tenha de ser verificado pela CPAS.
11.ª Assim, a sentença recorrida violou o disposto no art.º 10.º, n.º 1 e 3 do RCPAS (aprovado pela Portaria 487/83, de 27 de Abril, com as alterações constantes das Portarias n.º 623/88, de 8 de Setembro e n.º 884/94, de 1 de Outubro) e o art.º 63.º da CRP.
12.ª A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção improcedente e absolva a CPAS dos pedidos.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exas deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a presente acção improcedente, por não provada e, em consequência, seja a CPAS absolvida dos pedidos com o que se fará a acostumada
JUSTIÇA!
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O Recorrido apresentou Contra alegações, tendo elencado a final as conclusões que ora se reproduzem:

“2 – Conclusões:
2.1 - A Sentença recorrida julgou procedente a presente acção administrativa e condenou a Apelante a reconhecer o direito do Apelado, ao resgate das contribuições que tenha efectuado ao longo da sua carreira contributiva.
2.2 – No recurso interposto a Apelante vem sustentar que a sentença recorrida não julgou em conformidade com as normas regulamentares aplicáveis, porquanto entende que o resgate das contribuições pagas pelo beneficiário só será possível caso este passe a exercer actividade legalmente incompatível com a solicitadoria.
2.3 – Advoga a Apelante que o resgate das contribuições (…) descapitaliza a instituição, deixa-a frágil do ponto de vista financeiro e, por isso, põe em risco o seu futuro e a garantia das pensões de reforma dos seus muitos milhares de beneficiários; (…) que o beneficiário deixa de poder contar com uma futura reforma (…) colocando, dessa forma, em risco, o direito à segurança social; e, finalmente, entende que a única possibilidade que o beneficiário tem para solicitar o resgate das contribuições é fazendo prova, também junto da própria C.P.A.S. e não apenas da O.S.A.E., que o cancelamento da sua inscrição no seu organismo profissional fundamentou-se no facto de ter passado a exercer uma profissão incompatível com a advocacia ou solicitadoria.
Cremos, porém,
2.4 – Que tal argumentação não pode proceder, porquanto a Sentença recorrida é uma decisão judicial onde ficou plasmada uma criteriosa apreciação da matéria de facto em discussão e uma correcta aplicação do direito vigente, não sendo, no nosso entendimento, passível de qualquer crítica ou censura, porque não violou qualquer disposição legal, substantiva ou processual, e, como tal, deverá ser mantida, integralmente, nos seus precisos termos.
Assim,
2.5 - A alegada – mas não demonstrada - e/ou eventual descapitalização da instituição ou a sua suscitada – mas não comprovada – e/ou eventual fragilidade do ponto de vista financeiro, nunca ficou a dever-se, a ter existido ou vindo a existir, ao exercício do direito de resgate das contribuições, mas sim a um conjunto de inúmeras outras situações que nada contendem com o exercício daquele direito.
Por sua vez,
2.6 - O resgate das contribuições prestadas pelo beneficiário não pode descapitalizar a instituição e/ou fragilizar a sua situação financeira, pois, resgatadas as contribuições, nelas serão deduzidas tudo o quanto o beneficiário auferiu até então, seja a que título for, e, ainda, as mencionadas comissões administrativas, não vindo este a beneficiar, no futuro, qualquer contrapartida a título de pensão por parte da Apelante.
Finalmente,
2.7 - O risco da perda do direito à segurança social por parte do beneficiário é um risco muito mais próximo e presente no âmbito da C.P.A.S. do que em qualquer outro sistema ou subsistema previdencial ou de segurança social.
Noutro aspecto,
2.8 – Alavancados na argumentação da sentença recorrida, concluímos que a C.P.A.S. detém dois universos distintos de beneficiários - os ordinários e os extraordinários - sendo certo que os ordinários são aqueles que estejam inscritos na Câmara dos Solicitadores e os extraordinários os que tenham a sua inscrição suspensa no respetivo organismo profissional, desde que requeiram a manutenção da sua inscrição na Caixa.
Ora,
2.9 - Desta alteração de status de beneficiário ordinário para extraordinário conjugado com a circunstância da suspensão da inscrição no respetivo organismo profissional, motivada por situação fáctico-jurídica geradora de incompatibilidade com o exercício da solicitadoria, que emerge o âmbito de aplicação objetivo e subjetivo previsto no n.º 1 do artigo 10.º do R.C.P.A.S., com o consequente direito ao resgate das contribuições que o beneficiário tenha efetuado durante toda a sua carreira contributiva, a que se reporta o n.º 3 do mesmo artigo 10.º.
2.10 - Não obstante a norma regulamentar prevista no n.º 1 do artigo 10.º do R.C.P.A.S., invocar o conceito de cancelamento ao referir “será cancelada a inscrição”, tal cancelamento não se confunde com o cancelamento da inscrição no respetivo organismo profissional.
2.11 - O cancelamento a que se refere o n.º 1 artigo 10.º do R.C.P.A.S., é o cancelamento da inscrição do beneficiário, enquanto beneficiário ordinário, conclusão, esta, que se retira pelo segmento final da norma, ao referir “sem prejuízo dos artigos […] e 7.º” ou seja a possibilidade de continuarem na Caixa, mas como beneficiários extraordinários.
Deste jeito,
2.12 - Não prevendo o referido artigo 10.º qualquer espécie de tramitação procedimental para a comprovação do preenchimento do pressuposto do cancelamento da inscrição junto da C.P.A.S., nem mesmo quanto à motivação do respetivo cancelamento, conclui-se que o referido pressuposto é de verificação “automática” por reporte à comunicação que lhe for efetuada pela Câmara dos Solicitadores, conforme se afere pelo dever de estreita colaboração da C.P.A.S. com aquela Câmara dos Solicitadores previsto n.º 2 do artigo 2.º do R.C.P.A.S., bem como o dever de comunicação de inscrição, previsto no n.º 5 do artigo 5.º do mesmo regulamento.
Ou seja,
2.13 - Solicitada a suspensão na respetiva ordem profissional e sendo a mesma motivada por verificação de incompatibilidade tem-se automaticamente por verificado o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 10.º do R.C.P.A.S., sem necessidade de qualquer controlo e verificação por parte da C.P.A.S., porquanto o cancelamento na C.P.A.S. não tem autonomia nem se verifica de motu próprio, tendo sempre na sua génese um pedido de suspensão de inscrição efetuado junto da Câmara dos Solicitadores.
Para mais,
2.14 - Note-se que seria errada a interpretação que o “cancelamento” a que se referia o n.º 1 do artigo 10.º do R.C.P.A.S. - com a inerente direito ao resgate a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo - tivesse de equivaler ao efetivo cancelamento da inscrição na Câmara dos Solicitadores, porquanto, para além de serem realidades substancialmente distintas, tal interpretação contrariaria a lógica de “reinscrição” a que se reportava o artigo 11.º do R.C.P.A.S. que referia que “serão obrigatoriamente reinscritos na Caixa os antigos beneficiários que voltem a encontrar -se na situação prevista no artigo 5.º do presente diploma” mais prevendo que no n.º. 2 que “[n]o caso de reinscrição, o tempo das inscrições anteriores será adicionado ao da reinscrição, desde que não tenha sido exercido o direito de resgate das contribuições”.
Assim,
2.15 - O resgate das contribuições a que se reportava o n.º 3 do artigo 10.º, era um direito que assistia a todo aquele que, por motivo de incompatibilidade com exercício da solicitadoria, tenha suspendido ou cancelado, a sua inscrição na respetiva Câmara dos Solicitadores, respetivamente.
Ora,
2.16 - De acordo com o acervo material fáctico apurado nos autos – e que se mostra assentado - resulta provado que o Apelado, a 03.04.2014, requereu o resgate das contribuições pagas ao longo da sua carreira contributiva, nos termos do artigo 10.º tendo informando a C.P.A.S., aquando do requerimento que efetuou para reiterar o seu pedido, que a suspensão na Câmara dos Solicitadores tinha como fundamento o exercício de atividade legalmente incompatível com os estatutos daquela Câmara, conforme atestou com certidão emitida por esta. Dessa mesma incompatibilidade, verificam-se preenchidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do R.C.P.A.S., em vigor à data dos factos, o que faz surgir na esfera jurídica do Apelado, o direito ao resgaste das contribuições que efetuou, conforme lhe proporciona o n.º 3 do mesmo artigo 10.º.
De qualquer forma,
2.17 – No que respeita a redobrada prova que a Apelante argui, cumpre evidenciar que não há qualquer regime procedimental ou regulamentar instituído – pelo menos que seja do conhecimento dos seus beneficiários – que exija o cumprimento dos trâmites agora afiançados.
2.18 - O que efectivamente sucedeu – tal como a Apelante bem deu conta disso na sua Contestação – foi uma estratégica alteração interpretativa (mais restritiva dizem) da Apelante para as situações similares à discutida nos presentes autos.
Sucede que,
2.19 - A alteração interpretativa gizada – para lá de ser, manifestamente, ilegítima e ilegal – não teve ou passou a estar coberta por qualquer regime procedimental prévia ou posteriormente instituído, designadamente, por via de regulamentos internos ou de aviso público.
Além disso,
2.20 – Os regimes especiais, como é o caso da C.P.A.S., estão abrangidos pelo sistema previdencial, aplicando-se-lhe o princípio da contributividade e as condições de acesso à protecção social pelos regimes do sistema previdencial que pressupõe o autofinanciamento do regime, bem como a inscrição e o cumprimento da obrigação contributiva.
2.21 - O sistema previdencial do C.P.A.S. tem por base uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.
2.22 - De tal sinalagma decorrerá, naturalmente, o inverso, isto é, não tendo o interessado direito a qualquer prestação do C.P.A.S. também não lhe poderá ser exigido que contribua para o que quer que seja.
2.23 - Por via disso, as regras inscritas nos números 2, 3, e 4 do artigo 10.º, do R.C.P.A.S, são aplicáveis às situações mencionadas no n.º 1 daquela norma como a quaisquer outras situações em que se verifique o cancelamento da inscrição do beneficiário que haja contribuído, até então, para o sistema.
2.24 - Assim não sendo, o sistema previdencial da C.P.A.S. estará a arrecadar contribuições por parte de quem nunca irá usufruir de qualquer tipo de pensão de reforma ou subsídio, isto é, a Apelante nunca cumprirá a contraprestação a que está adstrita perante o Apelado pela contribuição que este, periodicamente, satisfez durante a vigência da sua inscrição na C.P.A.S.
Sem prescindir,
2.25 - Sempre se consigna, também, que a posição e interpretação realizada pela Apelante na deliberação impugnada é, cremos, violadora do princípio da igualdade ínsito no artigo 13.º da C.R.P. – que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
2.26 - Se o n.º 2, 3 e 4 do artigo 10.º do R.C.P.A.S. fosse aplicável, apenas, àqueles que cancelassem a sua inscrição no organismo profissional nos termos do n.º 1 do mesmo dispositivo, teríamos a concessão de um privilégio injustificado em relação a todos aqueles que, pelas mais variadíssimas razões, tivessem, também, que cancelar a sua inscrição no organismo profissional.
Noutro âmbito,
2.27 - A pretendida restituição dos valores pagos pelo Apelado à Apelante sempre terão lugar, ainda, por força da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, nos termos do disposto nos artigos 473.º, n.º 1, 474.º, 479.º e 480.º, todos do C.C.
Finalmente,
2.28 - A fundamentação da Apelante para o indeferimento da pretensão do Apelado, assente no facto de ter passado a considerar que o resgate de contribuições previsto no artigo 10.º, n.º 3, do R.C.P.A.S. tem lugar, apenas, no caso de ser cancelada na C.P.A.S., nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 10.º, a inscrição dos beneficiários que passem a exercer uma actividade legalmente incompatível com a de advogado ou solicitador, consoante a profissão que determinou a inscrição obrigatória naquela caixa, é uma inversão daquilo que, anteriormente, era considerado e sustentado pela Apelante, inclusivamente, em sede judicial.
2.29 – Argumentado tudo e o seu contrário, como ocorreu, por exemplo, no âmbito do Proc. n.º 879/07 do Supremo Tribunal Administrativo cujo o acórdão decisor, de 06/03/2008, encontra-se disponível para consulta em www.dgsi.pt. e na presente acção judicial.
Termos em que, invocando-se o Douto suprimento do Venerando Tribunal, deve a apreciação do presente recurso ser julgado totalmente improcedente determinando-se, em consequência, que a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga deverá ser, integralmente, mantida.
Porém, V. Ex.as decidirão como for de JUSTIÇA.”
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência, relativamente ao qual a Recorrente veio a apresentar pronúncia pela qual sustentou, a final e em suma, como nas conclusões das Alegações de recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece do invocado erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

III.1. Factos provados:
Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos:

1. O Autor inscreveu-se na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores em 01.05.2002. – Cfr. fls. 2 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Em março de 2009, o Autor requereu ao Réu o benefício por nascimento, tendo-lhe sido deferido no montante de € 475,00 euros. – Cfr. fls. 20 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. Pelo ofício n.º 6879/2014 enviado pela, à altura, Câmara de Solicitadores foi comunicado à Ré que o Autor cancelou a inscrição com efeitos a partir de 03.03.2014. – Cfr. fls. 29 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 31.03.2014 foi deliberado pela Ré cancelar a inscrição do Autor como beneficiário ordinário desde 03.03.2014. – Cfr. fls. 30 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Por carta datada de 02.04.2014 foi comunicado ao Autor que a sua inscrição como beneficiário tinha sido cancelada desde 31.03.2014. – Cfr. fls. 31 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 03.04.2014, o Autor apresentou na Ré requerimento a requerer o resgate das contribuições pagas até à data. – Cfr. fls. 32 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7. Em 23.05.2014, o Autor apresentou requerimento na Ré reiterando o pedido efetuado em 03.04.2014. – Cfr. fls. 40 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Com o pedido referido em 7., o Autor juntou uma certidão emitida pela, à data, Câmara dos Solicitadores na qual constava “…que em três de Março de 2014, requereu o cancelamento da inscrição como Solicitador, pelos motivos que se passam a transcrever: “… este cancelamento se deve a incompatibilidade, do aqui signatário, com actividade profissional que exerce actualmente por conta de outrem…”. Cfr. fls. 42 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
9. A Ré enviou ao Autor missiva datada de 04.06.2014 com o seguinte teor:
“… Para apreciação do pedido de resgate de contribuições, no âmbito do artigo 10.º do RCPAS, mostra-se necessário o envio à Caixa de uma declaração emitida pela Câmara dos Solicitadores que ateste que nos termos do respectivo Estatuto as funções exercidas por V. Exa são incompatíveis com o exercício da solicitadoria, não relevando, assim, para o efeito o certificado ora junto por V. Exa..
Mostra-se ainda necessário seja comprovado, por documento idóneo, o exercício efectivo da referida actividade.
Neste contexto, solicitamos o envio dos referidos documentos no prazo de 10 dias, findo o qual será o pedido de V. Exa. Deliberado em conformidade.”. – Cfr. fls. 45 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. O Autor apresentou na Ré requerimento para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, solicitando, em suma, o deferimento do resgate por não haver nenhum impedimento legal. – Cfr. fls. 47 e ss. do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Em 07.07.2014 a Ré elaborou uma proposta de indeferimento com o seguinte teor: – Cfr. fls. 50/51 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. Pelo ofício n.º 94.263, datado de 10.07.2014 foi o Autor notificado da deliberação referida em 11. – Cfr. fls. 57 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
13. O Autor efetuou o pagamento de todas as contribuições à CPAS. – Facto não controvertido.

III.2. Factos não provados:

Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.

III.3. Motivação:

A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e ao processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório, tendo-se ainda aplicado o princípio cominatório semipleno pelo qual se deram como provados os factos admitidos por acordo pelas partes, assim como as regras gerais de distribuição do ónus da prova.”
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 17 de abril de 2020, pela qual foi a Ré condenada a reconhecer o direito do Autor ao resgate das contribuições que tenha efectuado ao longo da sua carreira contributiva no seio da Ré, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [doravante, também CPAS].

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como deflui das Alegações de recurso motivadas pela Recorrente, e no que releva para efeitos de apreciação do seu mérito, a mesma imputa à Sentença recorrida a ocorrência de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, mormente, do disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 3 do RCPAS, aprovado pela Portaria 487/83, de 27 de abril, com as alterações constantes das Portarias n.ºs 623/88, de 8 de setembro e n.º 884/94, de 1 de outubro, assim como do artigo 63.º da CRP.

No âmbito das conclusões das suas Alegações de recurso, sustenta Recorrente a final, que da conjugação do disposto no n.º 1 e do n.º 3 do artigo 10.º do RCPAS então em vigor [aprovado pela Portaria 487/83, de 27 de Abril], se conclui que o resgate das contribuições pagas pelo beneficiário [exceptuando as destinadas à acção de assistência e da percentagem afeta a despesas de administração, deduzidas dos benefícios recebidos] só será possível caso o beneficiário ordinário da CPAS “passe a exercer actividade legalmente incompatível“ com a advocacia ou solicitadoria.

Mais referiu neste domínio, que a única possibilidade de resgate de contribuições, e que deve ser meticulosamente avaliada, é apenas no caso de o beneficiário cancelar a sua inscrição no seu organismo profissional por ter passado a exercer uma profissão incompatível com a advocacia ou a solicitadoria e faça prova desse facto junto de si [CPAS], e que no presente caso, nada disso se passou, pois que o Recorrido, não alegou e muito menos provou [junto da CPAS] que passou a exercer outra actividade profissional incompatível com a solicitadoria, não se podendo assim admitir que o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, não tenha de ser verificado pela CPAS, concluindo desta forma que a Sentença recorrida violou o disposto no artigo 10.º, n.ºs 1 e 3 do RCPAS [na versão aprovada pela Portaria 487/83, de 27 de Abril], assim como o artigo 63.º da CRP, pelo facto de o beneficiário deixar de poder contar com uma futura pensão de reforma, e assim, de deixar o beneficiário sem qualquer protecção social futura, ficando dessa forma, em risco, o direito à Segurança Social - Cfr. conclusões 3.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª e 11.ª.

Por seu turno, no âmbito das conclusões das suas Contra alegações, o Recorrido contraria em toda a linha a argumentação aduzida pela Recorrente, sustentando a final e em suma, que a Sentença recorrida deve ser mantida na íntegra, porque não se acham violados os preceitos legais invocados pela Recorrente, e que ao julgar como julgou o Tribunal a quo, que o mesmo fez uma correcta interpretação e aplicação do direito aplicável.

Neste patamar.

Em face do que era o pedido formulado a final da Petição inicial, o Tribunal a quo clarificou essa sua pretensão [do Autor], no sentido de que, pese embora o mesmo peticionar a anulação da deliberação da Direcção da CPAS pela qual lhe foi indeferido o seu pedido de restituição das contribuições entregues ao abrigo do artigo 10.º do RCPAS, bem como a condenação da Réu ao seu pagamento, que o que estava em causa era uma acção de condenação à prática do acto administrativo devido.

Ou seja, que a pretensão jurisdicional do Autor se direcciona, não à impugnação contenciosa dessa deliberação, mas antes à condenação da CPAS na prática de um acto que dê satisfação à sua pretensão, e neste conspecto, que lhe cumpria apreciar e decidir sobre se o Autor tinha ou não direito ao resgate das contribuições, como por si lhe havia sido requerido.

A fim de apreciar o invocado erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, e por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, cumpre para aqui extractar parte da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Contudo, é possível obstar a essa inscrição inicial automática, se “os advogados e solicitadores, até ao final do mês seguinte ao da comunicação da sua inscrição inicial na Caixa,” requererem “uma única vez, a suspensão provisória dos efeitos da sua inscrição por início da actividade, até três anos a contar dessa sua inscrição inicial”, conforme previsto no supra transcrito n.º 4 do artigo 5.º do RCPAS, suspensão inicial de inscrição, que não se confunde com a suspensão da inscrição na Câmara dos Solicitadores.
Por sua vez, é o próprio ECS no artigo 114.º que incompatibiliza o exercício da solicitadoria, com o desempenho de determinados cargos, funções e atividades obrigando à suspensão da inscrição, suspensão esta que tem também consequências ao nível da inscrição na CPAS, como de resto se afere, pela alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do RCPAS.
Assim e face a este enquadramento legal, em vigor à data dos factos, verifica-se que a CPAS detém dois universos distintos de beneficiários - os ordinários e os extraordinários - sendo certo que os ordinários são aqueles que estejam inscritos na Câmara dos Solicitadores (cfr. n.º 1 do artigo 5.º do RCPAS) e os extraordinários os que, designadamente tenham a sua inscrição suspensa no respetivo organismo profissional, desde que requeiram a manutenção da sua inscrição na Caixa (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do RCPAS).
Ora, é exatamente desta alteração de status de beneficiário ordinário para extraordinário conjugado com a circunstância da suspensão da inscrição no respetivo organismo profissional, motivada por situação fáctico-jurídica geradora de incompatibilidade com o exercício da solicitadoria, que emerge o âmbito de aplicação objetivo e subjetivo previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, com o consequente direito ao resgate das contribuições que o beneficiário tenha efetuado durante toda a sua carreira contributiva, a que se reporta o n.º 3 do mesmo artigo 10.º.
Não obstante a norma regulamentar prevista no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, invocar o conceito de cancelamento ao referir “será cancelada a inscrição”, tal cancelamento não se confunde com o cancelamento da inscrição no respetivo organismo profissional.
O cancelamento a que se refere o n.º 1 artigo 10.º do RCPAS, é o cancelamento da inscrição do beneficiário, enquanto beneficiário ordinário, conclusão esta que se retira pelo segmento final da norma, ao referir “sem prejuízo dos artigos […] e 7.º” ou seja a possibilidade de continuarem na Caixa, mas como beneficiários extraordinários.
Assim, não prevendo o referido artigo 10.º qualquer espécie de tramitação procedimental para a comprovação do preenchimento do pressuposto do cancelamento da inscrição junto da CPAS, nem mesmo quanto à motivação do respetivo cancelamento, conclui-se que o referido pressuposto é de verificação “automática” por reporte à comunicação que lhe for efetuada pela Câmara dos Solicitadores, conforme se afere pelo dever de estreita colaboração da CPAS com aquela Câmara dos Solicitadores previsto n.º 2 do artigo 2.º do RCPAS, bem como o dever de comunicação de inscrição, previsto no n.º 5 do artigo 5.º do mesmo regulamento.
Ou seja, solicitada a suspensão na respetiva ordem profissional e sendo a mesma motivada por verificação de incompatibilidade ao abrigo do artigo 114.º do ECS, tem-se automaticamente por verificado o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, sem necessidade de qualquer controlo e verificação por parte da CPAS, porquanto o cancelamento na CPAS não tem autonomia nem se verifica de motu próprio, tendo sempre na sua génese um pedido de suspensão de inscrição efetuado junto da Câmara dos Solicitadores.
Para mais, note-se que seria errada a interpretação que o “cancelamento” a que se referia o n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS - com a inerente direito ao resgate a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo - tivesse de equivaler ao efetivo cancelamento da inscrição na Câmara dos Solicitadores, porquanto, para além de serem realidades substancialmente distintas, tal interpretação contrariaria a lógica de “reinscrição” a que se reportava o artigo 11.º do RCPAS que referia que “serão obrigatoriamente reinscritos na Caixa os antigos beneficiários que voltem a encontrar -se na situação prevista no artigo 5.º do presente diploma” mais prevendo que no n.º. 2 que “[n]o caso de reinscrição, o tempo das inscrições anteriores será adicionado ao da reinscrição, desde que não tenha sido exercido o direito de resgate das contribuições”.
De todo o exposto, resulta que o resgate das contribuições a que se reportava o n.º 3 do artigo 10.º, era um direito que assistia a todo aquele que, por motivo de incompatibilidade com exercício da solicitadoria, tenha suspendido ou cancelado, a sua inscrição na respetiva Câmara dos Solicitadores, respetivamente.
Ora, regressando aos autos e considerando a pretensão material, vejamos se estão preenchidos os respetivos pressupostos.
Resulta provado que o Autor, a 03.04.2014, requereu o resgate das contribuições pagas ao longo da sua carreira contributiva, nos termos do artigo 10.º tendo informando a CPAS, aquando do requerimento que efetuou para reiterar o seu pedido, que a suspensão na Câmara dos Solicitadores tinha como fundamento o exercício de atividade legalmente incompatível com os estatutos daquela Câmara, conforme atestou com certidão emitida por esta.
Dessa mesma incompatibilidade, verificam-se preenchidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, em vigor à data dos factos, o que faz surgir na esfera jurídica do Autor, o direito ao resgaste das contribuições que efetuou, conforme lhe proporciona o n.º 3 do mesmo artigo 10.º .
Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa procedente, por provada, condenando-se a CPAS ao reconhecimento do direito do Autor ao resgate das contribuições que tenha efetuado ao longo da sua carreira contributiva.
[…]”
Fim da transcrição

Conforme se extrai da Sentença recorrida, em sede da análise do regime jurídico por si convocado, o Tribunal a quo sustentou que é da alteração da qualificação do beneficiário, de ordinário para extraordinário, conjugado com a circunstância do cancelamento da inscrição no respectivo organismo profissional, motivada por situação fáctico-jurídica geradora de incompatibilidade com o exercício da solicitadoria, que emerge o âmbito de aplicação objetivo e subjetivo previsto no n.º 1 do artigo 10.º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [doravante, também RCPAS], com o consequente direito ao resgate das contribuições que o beneficiário tenha efetuado durante toda a sua carreira contributiva, a que se reporta o n.º 3 do mesmo artigo 10.º, e que não prevendo esse artigo 10.º qualquer espécie de tramitação procedimental para a comprovação do preenchimento do pressuposto do cancelamento da inscrição junto da CPAS, nem mesmo quanto à motivação do respetivo cancelamento, que o referido pressuposto é de verificação “automática” por reporte à comunicação que lhe for efetuada pela Câmara dos Solicitadores.

Conclui o Tribunal a quo que o resgate das contribuições a que se reporta o n.º 3 do artigo 10.º do RCPAS, era um direito que assistia a todo aquele que, por motivo de incompatibilidade com o exercício da solicitadoria, tenha suspendido ou cancelado a sua inscrição na respetiva Câmara dos Solicitadores.

Na base dessa apreciação, veio depois o Tribunal a quo a julgar estarem preenchidos os pressupostos a que se reporta o artigo 10.º, n.º 1 do RCPAS, para que a CPAS confira ao Autor o resgate das suas contribuições, com fundamento em que o mesmo formulou esse pedido e informou a CPAS, de que a suspensão da sua actividade na Câmara dos Solicitadores tinha como fundamento o exercício de actividade legalmente incompatível com os estatutos daquela Câmara [o que esta atestou com certidão emitida], e que é em virtude da verificação dessa incompatibilidade que surge na esfera jurídica do Autor, o direito ao resgaste das contribuições, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 10.º .

Ora, a Recorrente CPAS não concorda com o assim decidido, sustentando sob as conclusões 3.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª e 11.ª das suas Alegações de recurso, em suma, que não tendo o Autor alegado e provado ter passado a exercer actividade incompatível com o exercício da solicitadoria, que não podia o Tribunal a quo dar como verificado o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 10.º do RCPAS, e dessa feita, o direito ao resgate a que se reporta o seu n.º 3.

Para apreciação da pretensão recursiva da Recorrente, atentemos na essencialidade dos factos dados como provados por parte do Tribunal recorrido, e que a Recorrente não questiona no âmbito das suas Alegações de recurso.

E daí extraímos seis momentos fundamentais.

O primeiro, em torno da data em que o Autor, ora Recorrido se inscreveu na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [CPAS], em 01 de maio de 2002 – Cfr. ponto 1 do probatório.

O segundo, em torno da data em que a Câmara dos Solicitadores comunicou à Ré, ora Recorrente, o cancelamento da inscrição do Autor com efeitos a partir de 03 de março de 2014 – Cfr. ponto 3 do probatório.

O terceiro, em torno da data em que a Ré, ora Recorrente, deliberou cancelar a inscrição do Autor ora Recorrido como beneficiário ordinário, desde 03 de março de 2014, tendo o Autor sido notificado em 02 de abril de 2014 de que a sua inscrição como beneficiário tinha sido cancelada desde 31 de março de 2014 – Cfr. pontos 4 e 5 do probatório.

O quarto, em torno da data em que o Autor, ora Recorrente, que já tinha cancelada a sua inscrição, quer na Câmara dos Solicitadores quer na Ré, ora Recorrida CPAS, apresentou [na Ré] requerimento, em 03 de abril de 2014, cujo pedido visava o resgate das contribuições pagas até à data [pedido que veio a reiterar por requerimento de 23 de maio de 2014, por via do qual juntou uma certidão emitida pela Câmara dos Solicitadores na qual constava que o cancelamento da sua inscrição nessa Câmara se deve a incompatibilidade do Autor, com actividade profissional que exercia por conta de outrem] – Cfr. pontos 6, 7 e 8 do probatório.

O quinto, em torno da data [em 04 de junho de 2014] em que a Ré, ora Recorrente, notificou o Autor, de que a certidão que o mesmo lhe enviou não relevava para o pedido de resgate, e para que, no prazo de 10 dias e em suma, lhe enviasse declaração emitida pela Câmara dos Solicitadores atestando em como nos termos do respectivo Estatuto as funções que passou a exercer eram incompatíveis com o exercício da solicitadoria, e mais ainda, que para a prova do exercício dessas funções lhe fosse remetido documento idóneo, ao que o Autor referiu, em suma que inexistia nenhum impedimento legal para o resgate – Cfr. pontos 9 e 10 do probatório.

E finalmente o sexto momento, em torno da deliberação tomada pela Ré, ora Recorrente, datada de 07 de julho de 2014 – do que foi o Autor notificado por oficio datado de 10 de julho de 2014 -, atinente ao indeferimento do pedido do Autor, da qual para aqui se extrai o vertido no seu ponto 6, no sentido de que a inscrição do Autor foi cancelada na CPAS nos termos do artigo 5.º do RCPAS e não do artigo 10.º do mesmo Regulamento, e que por esta razão e por o Autor não ter feito prova do exercício de actividade incompatível, que era indeferido o seu pedido de resgate por não lhe estar conferido esse direito – Cfr. pontos 11 e 12 do probatório.

E a partir desses 6 momentos, sintetizamos o seguinte:
a) que o Autor pediu à Câmara dos Solicitadores e foi-lhe deferido, o cancelamento da sua inscrição, do que esta Câmara notificou a Ré ora Recorrente CPAS.
b) que nessa sequência, a CPAS deliberou cancelar a inscrição do Autor como beneficiário ordinário.
c) que nessa sequência o Autor requereu o resgate das contribuições pagas.
d) que a CPAS indeferiu esse pedido com fundamento numa razão que identificamos como principal - de que o cancelamento da sua inscrição ocorreu nos termos do artigo 5.º do RCPAS e não do artigo 10.º do mesmo Regulamento, o que não concedia ao Autor o direito de resgate -, e noutra que identificamos ser subsidiária – de que o resgate de contribuições está previsto no artigo 10.º, e tem como pressuposto que o resgatante exercesse actividade incompatível com a de Solicitadoria, do que o Autor não logrou fazer prova junto da CPAS.

Aqui chegados, cumprindo apreciar e decidir sobre o mérito do recurso jurisdicional deduzido pela Recorrente, adiantamos desde já que não lhe assiste razão, embora por fundamentos não coincidentes com os vertidos na Sentença recorrida.

Vejamos então por que termos e pressupostos.

A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [CPAS] foi criada pelo Decreto-Lei n.º 36.550, de 22 de outubro de 1947 [e reconhecida pela Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, que promulgou as bases da reforma da previdência social, e pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que veio a aprovar as bases gerais do sistema de segurança social – esta por sua vez alterada pela Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro], tem por fim estatutário, nos termos do seu artigo 3.º, designadamente, conceder pensões de reforma por velhice aos beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, assim como conceder subsídios por invalidez aos beneficiários, subsídios de sobrevivência aos respectivos familiares, subsídios de doença aos beneficiários e antigos advogados e solicitadores, de acordo com as disponibilidades anuais do fundo de assistência, e em complemento desses benefícios, promove ainda com instituições de seguro contratos de grupo, com vista à cobertura de riscos dos seus beneficiários, nomeadamente os de vida e acidentes pessoais, assistência médica e medicamentosa e incapacidade temporária para o trabalho.

Atento o princípio “tempus regit actum”, o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores que regula a situação em apreço nos autos, é o que foi aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril [posteriormente alterada pelas Portarias n.ºs 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22665/2007, de 28 de setembro, dos Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social].

Conforme assim resultava do artigo 4.º do RCPAS [aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril], os beneficiários desta Caixa de Previdência podiam ter a categoria de ordinários ou extraordinários, podendo existir uma outra categoria, de beneficiário honorário, que podia ser atribuído a pessoas que por actos de elevado mérito e natureza exemplar tenham contribuído para o prestígio da Caixa de Previdência na sua existência e na prossecução dos seus fins.

Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do RCPAS, são beneficiários ordinários, os que se encontrem inscritos na Câmara dos Solicitadores.

Por sua vez, nos termos do artigo 7.º, são beneficiários extraordinários [em duas situações tipificadas], (i) aqueles que tenham optado pela inscrição no regime geral de previdência dos trabalhadores independentes, e (ii) aqueles que assim o tenham requerido junto da CPAS, pese embora terem a sua inscrição suspensa na Câmara dos Solicitadores.

E quanto aos beneficiários extraordinários, a quem se encontrar assim inscrito, são assegurados os mesmos direitos [benefícios diferidos] que estão garantidos aos beneficiários ordinários, nos termos do artigo 7.º, n.º 2 do RCPAS.

Ora, tendo a Ré deliberado o cancelamento da inscrição do Autor como beneficiário ordinário com fundamento no artigo 5.º, n.º 1 do RCPAS [por deliberação de 31 de março de 2014] com efeitos a partir da data do cancelamento da sua inscrição na Câmara dos Solicitadores, em 03 de março de 2014, por ter sido cancelado o exercício da actividade profissional que determinou a sua inscrição na CPAS, o Autor só podia manter-se ligado à CPAS, como beneficiário extraordinário, e assim qualificado por ela, em duas concretas situações, (i) se for tomada uma opção nesse sentido pelo interessado [Cfr. artigo 7.º, n.º 1, decorrente da opção pelo regime geral da segurança social], ou (ii) a pedido do interessado, tendo subjacente o pressuposto de facto de que está suspensa a sua inscrição na Câmara dos Solicitadores, mas que de todo o modo requer a manutenção da sua inscrição na CPAS, para poder assim gozar dos mesmos direitos/benefícios que os beneficiários ordinários.

Não se enquadrando o Autor em nenhuma das duas situações elencadas no RCPAS para ser tido e havido como beneficiário extraordinário, e já não sendo o mesmo beneficiário ordinário, por não ter a sua inscrição activa [já que foi cancelada a seu pedido], inexiste qualquer fundamento para se manter relação jurídico-contributiva, assim como para que não possa auto determinar-se pelo pedido de resgate das contribuições.

Atenta a epígrafe do artigo 10.º do RCPAS [“Cancelamento da inscrição”], aí se prevêem as situações/efeitos que daí podem advir. Mas de todo o modo, a situação de base é a de que sempre deve existir o cancelamento da inscrição, sendo certo que ela pode resultar de um acto voluntário/do próprio, a seu pedido, por razões que no seu entender de tanto sejam determinantes, ou então, como resultado da existência de uma incompatibilidade legal com o exercício de uma qualquer das funções a que se reporta o artigo 114.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores.

Ou seja, não sendo beneficiário extraordinário, por vontade do próprio, ou por existência de uma incompatibilidade legalmente prevista, é cancelada a inscrição de um beneficiário ordinário é cancelada, sendo que, depois de efectuado esse cancelamento, o beneficiário pode, a todo o tempo, requerer o resgate das contribuições pagas, salvo as que se identificam sob o 10.º, n.º 3, a final, do RCPAS, e a que se reporta o artigo 92.º do mesmo Regulamento.

Neste conspecto, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do recente Acórdão do STA, datado de 29 de outubro de 2020, proferido no Processo n.º 2184/14.1BELSB, in www.itij.pt [tirado no recurso de revista do Acórdão do TCA Sul proferido nesse mesmo processo em 09 de maio de 2019] que é atinente a julgamento de questão em tudo idêntica à que apreciamos nestes nossos autos, a cujo julgamento aderimos, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], e que aqui reiteramos como segue:

Início da transcrição
“[…]
O advogado inscrito na Ordem que não tenha mais de 60 anos de idade é obrigatoriamente inscrito na CPAS como beneficiário ordinário – art.º 5.º, n.º 1, do RCPAS (Regulamento da CPAS, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27/4, alterado pelas Portarias nºs. 623/88, de 8/9 e 884/94, de 1/10).
No caso de o advogado passar a exercer qualquer actividade incompatível com o exercício da advocacia, terá de suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na Ordem [art.º 86.º, n.º 1, al. d), do E.O.A de 2005, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26/1), a qual implica o cancelamento da inscrição na CPAS como beneficiário ordinário (art.º 10.º, n.º 1, do aludido RCPAS) e o direito de requerer o resgate das contribuições que pagara ao longo de toda a sua carreira contributiva, com dedução de 15% para o fundo de assistência e de 5% para despesas de administração, bem como do valor dos benefícios eventualmente recebidos (artºs. 10.º, n.º 3 e 92.º, ambos do mesmo RCPAS).
Assim, após ter sido deferida a suspensão da inscrição do advogado na Ordem com fundamento em incompatibilidade superveniente, deve a CPAS cancelar a sua inscrição como beneficiário ordinário, ficando aquele com o direito de requerer o resgate das contribuições que pagou.
No caso em apreço, a. requereu a suspensão da sua inscrição na Ordem, “nos termos do art.º 77.º, da Lei n.º 15/2005, de 26/1”, invocando que ia “ocupar cargo incompatível com o exercício da advocacia”.
O deferimento desse pedido por despacho de 30/3/2012, com produção de efeitos desde esta data, significa a aceitação das razões alegadas no requerimento da A. e, em consequência, que a suspensão da sua inscrição na Ordem se deveu ao facto de ela ter passado a exercer actividade incompatível com a advocacia.
E tendo a CPAS tomado conhecimento desta situação por informação da Ordem, incumbia-lhe aplicar o citado art.º 10.º, n.º 1, cancelando a inscrição da A. como beneficiária ordinária.
Assim, a suspensão da inscrição da A. na Ordem ocorreu com fundamento na incompatibilidade superveniente que, independentemente de qualquer requerimento por esta formulado, determinava o cancelamento da sua inscrição na CPAS, nos termos daquele art.º 10.º, n.º 1.
Na ausência de qualquer norma que o exija, não se pode pois afirmar, como pretende a recorrente, que, além do requerimento que apresentara na Ordem, a. ainda tinha de comprovar – sem sequer ter sido notificada para tal – junto da CPAS a situação de incompatibilidade superveniente em que se encontrava.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, em face do que assim foi julgado pelo STA neste Acordão de revista, e tendo subjacente o teor do Acórdão aí recorrido, proferido pelo TCA Sul, para além de ser manifesto o direito do Autor, mais julgamos [o que fazemos ainda, em acréscimo do apreciado e decidido naqueles Acórdãos] que estando em causa o exercício do direito ao resgate, que tal a final se consubstancia num benefício que a CPAS concede, e que para tanto não tinha/não tem necessária e obrigatoriamente subjacente o dever de alegação e prova documental do cancelamento da inscrição na associação pública com fundamento na existência de incompatibilidade legal com o exercício da actividade de solicitadoria.

Vejamos.

Efectivamente, não resulta do espírito da lei que o legislador tenha querido, de forma expressa ou implícita, subtrair situações como a do autor do âmbito de um pedido de resgate das contribuições efectuadas, antes pelo contrário.

É certo que cada vez mais a interpretação da lei passa essencialmente por investigar e extroverter o conteúdo dessa mesma lei, fixando o seu sentido, na medida em que há a necessidade de estabelecer um juízo decisório de um concreto problema normativo-jurídico, ou como melhor diria Castanheira Neves no seu estudo sobre "O Actual Problema Metodológico da Interpretação Jurídica" [RLJ 117/129 e ss.), impõe-se "a realização da intencionalidade prática do direito" - cfr. artigo 8.º [Obrigação de julgar e dever de obediência à lei] e artigo 9.º [Interpretação da lei] do Código Civil.

A letra da lei, embora seja um elemento condicionante da interpretação jurídica, impede a adopção de interpretações que não tenham um mínimo de correspondência no texto legal [cfr. n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil]. E não sendo todavia o elemento mais importante, pois que é imposto pelo n.º 1 do mesmo artigo que o intérprete não se deve cingir à letra da lei, antes reconstituir, se for caso disso, a partir dos textos o pensamento legislativo, sempre deve ter em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

E como resulta da letra da lei [dos artigos 86.º, n.º 1 e 88.º alínea c), ambos do ECS, e do artigo10.º do RCPAS], o legislador dispôs que o cancelamento da inscrição do beneficiário ordinário pode decorrer da ocorrência superveniente do exercício de função incompatível com o exercício da função de Solicitador [a seu pedido, ou por determinação da Câmara], o que tem evidentes reflexos no seio da CPAS, pois que sendo pedido o resgate das contribuições [com base em qualquer um dos dois contextos], o mesmo não pode ser negado, por não ter o legislador estabelecido nenhumas condicionantes ou pressupostos.

E por outro lado, também não previu o legislador que só nas situações em que o cancelamento da inscrição [na Câmara, e depois, enquanto beneficiário da CPAS] é motivado pela existência de uma incompatibilidade legal, é que confere ao interessado o direito a requerer o resgate as contribuições que efectuou.

Ou seja, o requisito único, nestas situações de pedido de resgate das contribuições, é que a inscrição do interessado na associação pública assim esteja declarada, e que tenha sido efectuada a notificação à CPAS, o que assim aconteceu, e que no caso dos autos a mesma [CPAS] deixou de ter e considerar o Autor, ora Recorrido como beneficiário ordinário, sem que o mesmo lhe tenha requerido a manutenção da inscrição enquanto beneficiário extraordinário, pois que só nesta eventualidade, pese embora não estar com a inscrição em vigor [portanto, estando cancelada], é que não lhe era permitido o resgate das contribuições.

Conforme dispõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”. O que é de dizer que o legislador procura sempre as melhores soluções legislativas para efeitos da ordenação da vida em sociedade, e quando seja interpretado o seu pensamento, essa interpretação deve ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que possa estar imperfeitamente expresso [cfr. n.º 2 do artigo 9.º do mesmo Código].

Neste patamar.

O Regulamento da CPAS aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, veio a ser revogado com a entrada em vigor do novo Regulamento, que foi aprovado por anexo ao Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho, para aqui se extraindo, parte do seu artigo 3.º, atinente ao âmbito e produção de efeitos [do novo Regulamento], como segue:

“Artigo 3.º
Âmbito de aplicação e produção de efeitos
1 - Com exceção das situações expressamente reguladas, o direito aos benefícios que se encontravam previstos no Regulamento aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.ºs 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22665/2007, de 28 de setembro, e que deixam de estar previstos no novo Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, aprovado em anexo ao presente decreto-lei, caduca na data da entrada em vigor deste.
[…]”

Como resulta deste normativo, e com referência ao benefício/direito de requerer o resgate das contribuições por quem tenha requerido o cancelamento da inscrição, esse direito/benefício, que estava garantido pelo artigo 10.º, n.º 3 do RCPAS aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, face ao que resulta do clausulado do diploma [do Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho], deixou de estar legalmente previsto porque o legislador assim não o quis , e caducando o direito de poder ser feito a partir do dia 01 de julho de 2015, que é o 1.º dia do mês seguinte ao da publicação do novo Regulamento.

Neste domínio, em torno do cancelamento da inscrição [na associação pública e na CPAS], o novo Regulamento aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 119/2015, de 29 de junho, apenas prevê [Cfr. artigos 29.º 34.º, 35.º e 36.º], a possibilidade de cancelamento da inscrição enquanto beneficiário ordinário, depois de estar cancelada a inscrição na respetiva associação pública profissional, e que o que o cancelamento da inscrição determina nesse domínio é apenas o termo da contagem do tempo de inscrição e da consequente emissão de contribuições, o mesmo acontecendo quanto aos beneficiários extraordinários.

Note-se que, o que o artigo 34.º do novo Regulamento [sob a epígrafe “Cancelamento da inscrição”] prevê é apenas o termo da contagem do tempo da inscrição, a qual [inscrição] se pode reiniciar [cfr. artigos 35.º e 29.º] a partir do primeiro dia do mês seguinte àquele em que se verifique a inscrição na respetiva associação pública profissional, tendo deixado de prever, como assim disposto e salvaguardado pelo artigo 3.º do Decreto Lei n.º 119/2015, de 20 de junho, que aquele que tenha cancelado a sua inscrição possa dispor do benefício [como previsto no artigo 10.º, n.º 3 do anterior RCPAS, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril] de requerer o resgate das contribuições pagas.

No fundo, ao abrigo do anterior Regulamento [aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril], quem tenha cancelado a inscrição e requerido o resgate das contribuições, caso um dia venha a requerer a sua inscrição na associação pública, o seu período contributivo terá início nessa data, em que também vier a ser comunicado à CPAS, sendo que, de acordo com o regime de corrente do novo Regulamento, todo o período contributivo anterior se mantém [cfr. artigo 35.º, n.º 2], reiniciando-se se o interessado vier a requerer a inscrição na associação, para assim poder estar legitimado a continuar a desenvolver a actividade profissional.

Como assim dispõem os artigos 11.º e 5.º do RCPAS aplicável à situação dos autos, são obrigatoriamente reinscritos na Caixa aqueles que no passado já foram beneficiários [mas que deixaram de o ser], desde que se encontrem na situação legalmente definida no artigo 5.º para a sua admissão – no fundo, que sejam Solicitadores inscritos na associação profissional e não tenham mais de 60 anos de idade à data da inscrição -, sendo que nessa concretude, o tempo das inscrições anteriores será adicionado ao da reinscrição, desde que não tenha sido exercido o direito de resgate das contribuições [cfr. artigo 11.º, n.º 2].

Por sua vez, no âmbito do disposto pelo novo Regulamento, tendo subjacente que o cancelamento da inscrição apenas é determinante do termo da contagem do tempo de inscrição e da consequente emissão de contribuições, e que sendo requerida a reinscrição, o tempo que daí for decorrente cumula com o das inscrições anteriores, regime que se aplica quer aos beneficiários ordinários quer aos extraordinários, o que é tanto mais evidenciador que o legislador não quis que a partir da entrada em vigor do novo Regulamento, pudesse ser resgatado o período contributivo [como acontecia no Regulamento anterior e que nos ocupa], e no fundo, que quem se tornasse a reinscrever, que pudesse começar um novo período contributivo.

O Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril [alterado pelas Leis n.ºs 49/2004, de 24 de agosto, e 14/2006, de 26 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro], que aprovou o Estatuto da Câmara dos Solicitadores [e que veio a ser revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro [que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução], dispõe no seu artigo 78.º, n.º 1 , alínea b), em sede de restrições ao direito de inscrição, que a inscrição é recusada a quem esteja enquadrado nas incompatibilidades definidas no seu artigo 114.º.

O artigo 114.º elenca de forma taxativa as funções cujo exercício é incompatível com o exercício da solicitadoria. Assim, quem queira exercer a actividade de solicitadoria e se encontre no âmbito de uma das funções aí elencadas, não o pode fazer, sendo também que, a pessoa que exerça a actividade de solicitadoria e superveniente venha a exercer alguma dessas funções, também não o pode continuar a fazer, por verificação de incompatibilidade legal.

Por sua vez, estabelece o artigo 82.º alínea h) do ECS que é suspensa a inscrição do solicitador quando assim for requerida pelo próprio, mediante pedido fundamentado, nos termos do artigo 84.º do mesmo ECS, pedido esse que está sujeito a um prazo mínimo [do exercício da profissão durante pelo menos um ano, depois de decorrido o período de estágio], salvo quando, nos termos dos n.ºs 3 e 4 desse mesmo normativo, o mesmo prove que depois de inscrito, passou a estar abrangido por algum dos impedimentos legais para o exercício da actividade, ou alegue outros motivos ponderosos. A cessação dessa suspensão ocorre, nos termos do artigo 85.º, a pedido do próprio, com a declaração expressa de que não se encontra em nenhuma situação de incompatibilidade legal, situação que pode ser objecto de averiguação oficiosa por perte da CS, pelos termos e meios que entender por convenientes para esse efeito.

O legislador distingue todavia entre a suspensão da inscrição e o cancelamento da inscrição a pedido do próprio solicitador.

Desde logo, nos termos do artigo 86.º do ECS, vem indexada a duração da suspensão da inscrição a um prazo de 5 anos, prorrogável por mais 5 anos, findo o qual [o prazo máximo de 10 anos de suspensão] a inscrição do Solicitador [com inscrição suspensa] é cancelada, cancelamento esse que também pode ocorrer por via de requerimento formulado nesse sentido pelo próprio, sem dependência da indicação de qualquer fundamento, e sem dependência de qualquer prazo, como assim dispõe o artigo 88.º, alíneas c) e d).

Neste patamar.

Sendo certo que nos termos do artigo 113.º do ECS, a segurança social dos Solicitadores é assegurada pela Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [CPAS], nos termos legais e regulamentares aplicáveis, e que, na situação em apreço nos autos, sendo convocável o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril], que tendo o Autor, ora Recorrido, deixado de estar inscrito como beneficiário ordinário [e não tendo requerido a sua inscrição como beneficiário extraordinário], face ao que dispõe o artigo 10.º do RCPAS [cuja epígrafe se reporta a “Cancelamento da inscrição”], não estando assim em causa nos autos, o exercício por parte do Autor, por ocorrência superveniente, de função incompatível com o exercício da actividade de solicitadoria [a que se reporta o n.º 1], antes porém o cancelamento a pedido do Autor, face ao que dispõe o seu n.º 3, depois de cancelada a inscrição, podia o mesmo, a todo o tempo, enquanto beneficiário da CPAS, requerer o resgate das contribuições pagas [deduzidas dos benefícios que que tenha recebido], o que lhe deve ser deferido, salvo quanto às contribuições destinadas à assistência e da percentagem afecta a despesas de administração.

Portanto, resulta assaz claro e evidente que o legislador quis que o solicitador que tenha requerido o cancelamento da sua inscrição na CS, e tendo-lhe a mesma sido deferida, e feita a comunicação à CPAS, que esta passou a saber e a conhecer que o Autor deixou de estar inscrito na CS.

E como resultou provado [Cfr. ponto 4 do probatório], nessa sequência a CPAS, por sua deliberação datada de 31 de março de 2014, cancelou a inscrição do Autor como beneficiário ordinário [por não reunir o requisito a que se reporta o n.º 1 do artigo 5.º do RCPAS], e que o Autor não requereu a sua inscrição como beneficiário [da CPAS] extraordinário, é com toda a legitimidade que lhe assiste o direito potestativo de, verificado que está o cancelamento das suas inscrições [na CS e consequentemente, na CPAS], de requerer o resgate das contribuições que pagou ao longo de toda a sua carreira contributiva, com dedução de 15% para o fundo de assistência e de 5% para despesas de administração, bem como do valor dos benefícios que tenha recebido [o que, como resulta do ponto 2 do probatório, é o caso do benefício por nascimento, que lhe foi concedido em março de 2009], nos termos e com os fundamentos do disposto nos artigos 10.º, n.º 3 e 92.º, ambos do mesmo RCPAS.

Importa aqui referir que como assim confessadamente sustentou a Ré sob os pontos 23.º a 29.º da Contestação deduzida nos autos, o entendimento que está na base da pretensão deduzida pelo Autor, era o vigente no seu seio [da Ré] até à data de 04 de maio de 2011, isto é, no sentido de que desde que fosse cancelada a inscrição na associação profissional e independentemente do motivo que o tivesse determinado [mormente, se devido ao exercício de actividade incompatível com a solicitadoria], que o interessado podia requerer o resgate das contribuições pagas, mas que a partir dessa data passou a entender de outra forma [nos termos que a Ré aqui defende nos autos], e que este seu entendimento é legítimo e não enferma de qualquer vício.

Mas como vimos assim não é.

A interpretação que a Ré passou a tirar do artigo 10.º quando confrontada com o cancelamento de uma inscrição na associação profissional e na Caixa de Previdência, no sentido de que só era devido o resgate se existir incompatibilidade legal com o exercício da actividade de solicitador, enferma assim de invalidade, e para esse efeito releva desde logo o disposto no artigo 11.º do RCPAS, sendo que de acordo com aquela sua interpretação, inexistiria fundamento para privilegiar quem se encontrasse nessa situação de incompatibilidade legal [e que esses poderiam requerer o resgate], pois que, sempre poderiam, no futuro e finda a subsistência dessa incompatibilidade, voltar a reinscrever-se na associação profissional e na Ré, começando um novo período contributivo, todavia, somente a partir desse reinício, a não ser que não tivessem requerido o resgate, caso em que o seu período contributivo se contaria desde o início da sua inscrição.

Em suma, na vigência do RCPAS aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, o pedido de resgate das contribuições pagas, não está legal ou regularmente indexado à existência de incompatibilidade legal, nem à emissão/prestação de uma declaração de incompatibilidade do exercício da função de solicitador com pelo menos uma das funções a que se reporta o artigo 114.º do ECS, nem à apresentação de qualquer documento que ateste a existência dessa incompatibilidade.

Por conseguinte, padece de violação de lei, a deliberação da CPAS, pela qual, tendo tomado o cancelamento da inscrição do Autor como efectuada ao abrigo do artigo 5.º, n.º 1 do RCPAS [o que se afigura lógico e juridicamente sustentável, por não estar o Autor inscrito na Câmara dos Solicitadores] e entendendo ocorrer a impossibilidade legal de resgate das contribuições pagas, na interpretação por si tirada no sentido de que foi o cancelamento do exercício da actividade profissional que determinou o cancelamento da sua inscrição na CPAS, e não por decorrência da existência da incompabilidade a que se reporta o artigo 114.º do ECS, dada a sua inverificação [por não ter o Autor disso feito prova], pois que, como assim decorre dos normativos convocados pelo Tribunal, aí não se consagra nenhum procedimento específico para a formulação do pedido de resgate, quando esteja cancelada a inscrição.

Para esse efeito, o que apenas releva é que esteja cancelada a inscrição na Câmara dos Solicitadores e consequentemente, na CPAS, e que o beneficiário requeira o resgate.

Nada mais se dispõe, nem pode ser exigido ao requerente.

Deste modo, não existe fundamento legal para se reconhecer assistir razão à Recorrente, falecendo assim a sua pretensão recursiva [a que se reportam as 3.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª e 11.ª das conclusões], por não estar o pedido do Autor dependente de qualquer prova do exercício de função incompatível com a actividade de solicitadoria, e pelo facto de a segurança social dos solicitadores [e dos Advogados] se regular por um regime jurídico autónomo e próprio, a que se reporta o artigo 113.º do ECS, que não bule de forma alguma com o direito à segurança social, a que se reporta o artigo 63.º da CRP, pois que o Autor movimentou-se dentro do quadro legal então vigente e que lhe permitia pedir o resgate das suas contribuições, sendo da sua alçada [do Autor] saber se fica, ou não, sem qualquer protecção social futura, o que, estatutariamente falando, não pode/deve constituir preocupação da Ré, pelo que, por aqui têm de improceder também as conclusões 5.ª, 6.ª e 7.ª.

Forçoso é, pois, concluir que bem andou o Tribunal a quo, ao ter condenado a Ré a reconhecer o direito do Autor ao resgate das contribuições que efectuou, embora com a fundamentação que deixamos expendida supra.
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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores; Regulamento; Solicitador; Incompatibilidade legal; Cancelamento da inscrição; Resgate das contribuições.

1 - A Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores [CPAS] foi criada pelo Decreto-Lei n.º 36.550, de 22 de outubro de 1947 [e reconhecida pela Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, que promulgou as bases da reforma da previdência social, e pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, que veio a aprovar as bases gerais do sistema de segurança social], tendo por fim estatutário, nos termos do seu artigo 3.º, designadamente, conceder pensões de reforma por velhice aos beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, assim como conceder subsídios por invalidez aos beneficiários.

2 – Tendo o Autor apresentado em 03 de abril de 2014, pedido de resgate das contribuições pagas à CPAS, atento o princípio “tempus regit actum”, o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores que regula a situação em apreço nos autos, foi aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril [posteriormente alterada pelas Portarias n.ºs 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.º 22665/2007, de 28 de setembro, dos Ministérios da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social].

3 - Tendo a Ré deliberado o cancelamento da inscrição do Autor como beneficiário ordinário com fundamento no artigo 5.º, n.º 1 do RCPAS [por deliberação de 31 de março de 2014] com efeitos a partir da data do cancelamento da sua inscrição na Câmara dos Solicitadores, em 03 de março de 2014, por ter sido cancelado, a seu pedido, o exercício da actividade profissional que determinou a sua inscrição na CPAS, o Autor só podia manter-se ligado à CPAS, como beneficiário extraordinário, caso assim o tivesse requerido.

4 – Nas situações de pedido de resgate das contribuições, o requisito único é o de que o cancelamento da inscrição do interessado na associação pública profissional assim esteja declarada, e que tenha sido efectuada a notificação à CPAS, e que no caso dos autos a mesma [CPAS] deixou de ter e considerar o Autor, ora Recorrido como beneficiário ordinário, sem que o mesmo lhe tenha requerido a manutenção da inscrição enquanto beneficiário extraordinário, pois que só nesta eventualidade, pese embora não estar com a inscrição em vigor [portanto, estando cancelada], é que não lhe era permitido o resgate das contribuições.

5 - Atenta a epígrafe do artigo 10.º do RCPAS [“Cancelamento da inscrição“], aí se prevêm as situações/efeitos que daí podem advir, sendo certo que o cancelamento pode resultar de um acto voluntário/do próprio, a seu pedido, por razões que no seu entender de tanto sejam determinantes, ou então, como resultado da existência de uma incompatibilidade legal com o exercício de uma qualquer das funções a que se reporta o artigo 114.º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril [alterado pelas Leis n.ºs 49/2004, de 24 de agosto, e 14/2006, de 26 de abril, e pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro], e que veio a ser revogado pelo artigo 4.º da Lei n.º 154/2015, de 14 de setembro [que aprovou o Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução].

6 - Na vigência do RCPAS aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, o pedido de resgate das contribuições pagas, não está legal ou regularmente indexado à existência de incompatibilidade legal, nem à emissão/prestação de uma declaração de incompatibilidade do exercício da função de solicitador com pelo menos uma das funções a que se reporta o artigo 114.º do ECS, nem à apresentação de qualquer documento que ateste a existência dessa incompatibilidade.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, e consequentemente, em manter a Sentença recorrida, embora com fundamentação diversa.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Notifique.
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Porto, 19 de março de 2021.


Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira