Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01661/04.7BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2011
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Fernanda Esteves
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
ARTIGO 26.º, ALÍNEA B) DO ETAF
ARTIGO 38.º, ALÍNEA A) DO ETAF
ARTIGO 280.º, N.º 1 DO CPPT
Sumário:O recurso interposto de decisão do tribunal tributário de 1ª instância com exclusivo fundamento em matéria de direito compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo [artigos 26º, alínea b) e 38º, al. a) do ETAF e artigo 280º, nº 1 do CPPT].*
* Sumário elaborado pelo Relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M...
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. Relatório
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M… e mulher I… contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2000.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A liquidação adicional de IRS em discussão vem tributar a alienação onerosa do imóvel registado na matriz predial urbana da freguesia de V…, sob o artigo …..
2. Apesar dos impugnantes terem demonstrado a intenção de reinvestir o valor de realização na aquisição de um outro imóvel, nas declarações de rendimentos dos dois anos seguintes, nunca foi declarada qualquer aquisição.
3. A liquidação adicional foi emitida com base nos dados declarados pelo impugnante.
4. Quando a liquidação é emitida com base nas declarações dos contribuintes, dispensa-se o exercício do direito de audição, nos termos do nº 2 do artigo 60º da LGT.
5. Para que os impugnantes possam beneficiar da exclusão de tributação prevista no artigo 10º nº 5 do CIRS, não basta a mera declaração de intenção de reinvestir. A posterior omissão nas declarações seguintes tem de funcionar como uma declaração negativa daquele propósito.
6. O reinvestimento só existe quando o contribuinte aplica a totalidade do valor de realização na aquisição de uma nova habitação.
7. A aquisição da nova habitação tem que ser declarada, sob pena do contribuinte não vir a beneficiar da possível exclusão de tributação.
8. A douta sentença não se terá harmonizado com o estatuído no artigo 60º, nº 2 da LGT, bem como desrespeitou o nº 5 do artigo 10º do CIRS.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da declaração de incompetência deste tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, por inexistir controvérsia factual a dirimir e a matéria que se discute no recurso se resolver mediante exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados, devendo declarar-se competente para esse efeito o Supremo Tribunal Administrativo.
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a questão suscitada (cfr. artigo 704º, nº 1 do Código de Processo Civil), veio a Recorrente manifestar-se no sentido de a competência para conhecer o presente recurso caber ao Supremo Tribunal Administrativo (fls.145).
Dispensados os vistos, dada a simplicidade da questão em causa, cumpre decidir.
Objecto do recurso - Questões a apreciar e decidir:
As questões a apreciar, suscitadas pelo Ministério Público e delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões [nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 3 e 4, todos do CPC, ex vi artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT] são as seguintes: (i) da incompetência em razão da hierarquia (ii) do erro de julgamento de direito da sentença recorrida ao considerar violado o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
A sentença recorrida considerou provados, com relevância para a decisão, os seguintes factos:
a) Por escritura pública celebrada em 03/10/94 os Impugnantes adquiriram o imóvel registado na matriz urbana sob o artº. …. - …. e descrito na CRP- Aveiro sob o nº …., pelo preço de 12.700.000$00/63.347,33.
b) Por escritura pública celebrada em 29/11/00 os Impugnantes venderam pelo preço de 18.500.000$00/92.277,61 o imóvel aludido em a).
c) Na declaração de IRS que os Impugnantes apresentaram à Administração Fiscal, relativa ao ano de 2000, declararam a alienação onerosa do dito imóvel, pelo valor de 18.500.000$00, assinalando no quadro 5 daquela declaração a intenção de reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação.
d) Tendo verificado que os ora impugnantes não assinalaram nas declarações de rendimento relativas aos subsequentes anos de 2001 e 2002 a aquisição de imóvel para habitação declarada na aludida declaração de 2000, a AF emitiu, em 07/07/04, a liquidação adicional ora impugnada.
e) Tal liquidação foi oficiosa e automática, e operada informaticamente, no montante de € 2451,35 d imposto a pagar, com 27/09/04 como data limite para pagamento voluntário.
f) A presente impugnação judicial, remetida por via postal, deu entrada no TAF - Viseu em 20 de Dezembro de 2004.
2.2. O direito
A primeira questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se este Tribunal Central Administrativo é competente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, uma vez que a competência é uma questão de ordem pública, cujo conhecimento precede o de qualquer outra matéria [cfr. artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), “ex vi”, artigo 2º, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].
Resulta do disposto no artigo 26º, alínea b) e do artigo 38º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e do artigo 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que ao Tribunal Central Administrativo, Secção de Contencioso Tributário, compete conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância, excepto quando o recurso tiver por exclusivo fundamento matéria de direito, situação em que a competência será da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A propósito desta questão, escreveu-se no recente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (e citado pela Recorrente), de 2 de Novembro de 2011, Processo 0645/11: Como se decidiu no Ac. deste STA de 11/05/2011, tirado no recurso nº 0324/11, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se questionar a questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (v., entre outros, os acórdãos do STA de 16/12/2009 e de 21/04/2010, proferidos nos recursos n.ºs 738/09 e 189/10, respectivamente.”
Da leitura das conclusões de recurso, que acima ficaram transcritas e que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso (cfr. artigo 690.º, n.º 1, do CPC), resulta que a questão que é colocada pela Recorrente consiste em saber se ocorreu erro de julgamento de direito na decisão recorrida ao ter considerado que ocorreu, in casu, a violação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º, nº 1, alínea a) da LGT.
Nas conclusões não é posta em causa a factualidade dada como provada, não se invocam factos que não hajam sido contemplados na sentença recorrida, nem é feito qualquer juízo sobre questões probatórias. Ou seja, no caso concreto, inexiste controvérsia factual a dirimir e, portanto, pode afirmar-se que a matéria controvertida neste recurso se resolve mediante uma exclusiva actividade de aplicação e interpretação dos preceitos jurídicos invocados.
Tendo o presente recurso por fundamento, exclusivamente, matéria de direito, a competência em razão da hierarquia para conhecer do mesmo pertence, não a este Tribunal Central Administrativo, mas antes à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
A incompetência em razão da hierarquia determina a incompetência absoluta do tribunal, a qual é do conhecimento oficioso e pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final (cfr. artigo 16.º do CPPT), sendo que, a declaração de incompetência em razão da hierarquia permite que o interessado requeira a remessa do processo ao tribunal competente, que deve ser indicado na decisão que a declare, para o que dispõe do prazo de 14 dias a contar da notificação daquela decisão (cfr. artigo 18.º, n.º 2, do CPPT).
3. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em julgar este Tribunal incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso e declarar competente, para esse efeito, o Supremo Tribunal Administrativo.
Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC.
Após trânsito em julgado, atento o que já foi requerido pela Recorrente a fls. 145, remeta os presentes autos ao Supremo Tribunal Administrativo.
Porto, 20 de Dezembro de 2011
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Álvaro Dantas
Ass. Anabela Russo