Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01094/15.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/29/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ALTERAÇÃO DO PERÍODO DE ABERTURA E FUNCIONAMENTO DAS SALAS DE JOGOS DE CASINOS; APLICAÇÃO DE MULTA
Sumário:
I-A Autora invocou a invalidade decorrente da violação do artigo 69º/1/d) do CPA e dos princípios da justiça e da imparcialidade;
I.1-argumentou para tanto, que o Coordenador do SIJ interveio no procedimento administrativo que culminou com o acto impugnado, em três fases distintas: como Director do serviço do SIJ, pois propôs a instauração do processo; na mesma qualidade subscreveu a proposta de decisão que recaiu no parecer elaborado pelo instrutor por si nomeado; na qualidade de membro da Comissão de Jogos, subscreveu e assinou a deliberação que a multa; que tal situação tem inerente a possibilidade de influência da decisão final;
I.2-na sentença recorrida esta invalidade foi claramente identificada, analisada e afastada;
I.3-já no que concerne à alegada omissão de pronúncia quanto à violação do princípio da participação, sendo certo que não tendo sido directamente invocada a violação deste princípio, por parte da Recorrente, a factualidade alegada e que poderia consubstanciar a sua violação, foi enfrentada aquando da pronúncia acerca da violação do direito de audiência prévia, razão pela qual é destituída de suporte a aventada nulidade (artº 615º/1/d) do CPC, ex vi artº 1º do CPTA);
I.4-do exposto decorre que não vingando os vícios imputados à sentença sob escrutínio, ela terá de ser mantida na ordem jurídica. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Sv..., SITCV, SA
Recorrido 1:Turismo de Portugal, IP
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
Sv..., SITCV, SA, com sede na Rua …, 4501-858 Espinho, instaurou acção administrativa especial contra o Turismo de Portugal, IP, com sede na Rua Ivone Silva, Lote 6, 1050-124 Lisboa, pedindo a anulação da decisão deste, de 30/09/2015, que lhe aplicou uma multa de €10.000,00, pela alteração do período de abertura e funcionamento das salas de jogos dos casinos de Mg... e da PdR, com efeitos a partir do dia 1 de outubro de 2014, sem observar o prazo de antecedência de 60 dias estabelecido no nº 1 do artigo 50º do DL 422/89, de 2 de dezembro.
Por decisão proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido.
Desta vem interposto recurso.
*
Alegando, a Autora concluiu:
I - Dos factos Provados (Pontos K e L) resulta que o Sr. Director Coordenador do Serviço de Inspecção de Jogos, LFC, foi o autor ou responsável da Proposta que esteve na base da deliberação que corresponde ao ato impugnado, que também foi votada por ele enquanto membro da Comissão de Jogos.
II - Assim, ainda que se admita, por mera hipótese, que a sua actuação não viole o disposto no art. 69° n° 1, al. d) do CPA, é imperioso concluir que viola o princípio da imparcialidade consagrado no art. 9° do CPA e art. 266° n° 2 da CRP, conforme invocado na Petição Inicial. (Cfr. com as devidas adaptações, o Ac. do STA 0410/07 de 10.01.2008, in www.dgsi.pt onde se entendeu que, I- (...) ­II - A intervenção de um vogal do Conselho Jurisdicional, eleito ou por inerência, na votação e decisão de uma sanção punitiva em processo disciplinar de que foi instrutor, e em que apresentou relatório com parecer sobre a aplicação da referida sanção, viola o princípio da imparcialidade consignado no art. 266°, n° 2 da CRP.
III - De igual modo, a questão da violação do princípio da participação, ao não ter sido objecto de pronúncia determina, também, a nulidade da sentença recorrida, atenta a violação do disposto no artigo 95° n° 1 do CPTA e art. 615°, al. d) do CPC.
IV - Por último, entende-se que o direito de audiência prévia previsto no artigo 100° n° 1 do CPA (à data), não pode ser confundido com o direito de defesa oportunamente exercido pela Recorrente, aliás na sequência da notificação da Nota de Responsabilização (NR)
V - Desta forma a ausência de notificação para, finda a instrução, ser exercido o direito de audiência prévia, determina a anulabilidade da deliberação impugnada, atenta a violação do disposto no artigo 121° n° 1 do CPA. (Cfr. Ac. do TCAN de 18.12.2015, in www.dgsi.pt, onde se entendeu que "A falta de audiência dos interessados no âmbito do direito sancionatório implica a nulidade do acto e não a sua anulabilidade, uma vez que está em causa, neste aspecto, não só o direito de participação dos cidadãos na preparação da decisão final mas também o direito constitucional do arguido à sua defesa, nos termos do artigo 32° n° 10 e 269° n° 3 da CRP."
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO SUPRIDOS, REQUER-SE A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA, E, CONSEQUENTEMENTE, SEJA JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO DE ANULAÇÃO DEDUZIDO PELA A., ORA RECORRENTE.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA
*
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
1) Ao contrário do alegado pela Recorrente, e conforme resulta dos factos dados como provados pela sentença recorrida, o Diretor Coordenador do SIJ da Entidade ora Recorrida, que, propôs a instauração do procedimento, subscreveu a proposta de decisão que recaiu sobre o parecer elaborado pelo Inspetor JM e subscreveu a deliberação que aplicou a sanção administrativa, não emitiu parecer sobre a questão, pelo que não se aplica in casu o disposto no artigo 69º/1/d do CPA, o que impõe a conclusão de que não se não se verifica qualquer violação da referida disposição legal nem do princípio da imparcialidade previsto pelo artigo 9.º do CPA.
2) Toda e qualquer intervenção do Diretor do SIJ no procedimento administrativo foi feita ao abrigo do artigo 7º, nº 3, alínea h) do Decreto-Lei nº 129/2012, de 22 de Dezembro, na sua versão original, à data em vigor, a qual previa algumas das competências que cabiam ao Diretor Coordenador do Serviço de Inspeção de Jogos, pelo que a mesma se reporta ao cumprimento de disposições legais que lhe são aplicáveis.
3) A sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento ou na violação do princípio da imparcialidade previsto pelo artigo 9.º do CPA e artigo 266.º, n.º 2, da CRP.
4) Improcede a alegação de omissão de pronúncia quanto à alegada violação do princípio da imparcialidade, sendo evidente a necessária aglutinação da análise da eventual violação dos dois preceitos, na medida em que seria a violação da imparcialidade subjacente à violação do artigo 69º, nº 1, alínea d) do CPA, i.e., porquanto resultam da mesma questão de direito alegada pela Recorrente (ou seja a alegada violação do princípio da imparcialidade por intervenção múltipla de um mesmo sujeito em diversos momentos do mesmo procedimento administrativo), não se consubstanciado tal, numa falta, em absoluto da apreciação e decisão das questões que foram colocadas ao tribunal a quo.
5) Por outro lado, pelos fundamentos supra, não incorreu o tribunal a quo em qualquer erro de julgamento, ao aglutinar a apreciação e decisão sobre a alegada violação do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea d) e do princípio da imparcialidade consagrado no artigo 9.º, ambos os preceitos do CPA.
6) Por fim, cumpre referir que não tinha a Recorrente direito a dois momentos de contraditório no âmbito do mesmo procedimento administrativo, inexistindo qualquer disposição legal que o preveja, respeitando tanto o direito de defesa como o direito à audiência prévia à prerrogativa constante do artigo 121º CPA, tratando-se de meros termos diferentes que correspondem materialmente ao mesmo momento procedimental.
7) A sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de julgamento porquanto não existiu in casu qualquer violação do direito de audiência prévia previsto pelo artigo 121.º do CPA (100.º e 101.º do CPA/91), uma vez que a Recorrente foi notificada da nota de responsabilização e pronunciou-se quanto ao teor da mesma, exercendo o seu direito de audiência prévia, antes de ser proferida a decisão final impugnada, e não se sobrevieram novos factos com relevância para a decisão final, que impusessem nova notificação e novo exercício do direito de audiência prévia.
NESTES TERMOS,
E nos mais de Direito que suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso de Apelação interposto pela Recorrente, e em consequência manter-se em toda a extensão a sentença recorrida.
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O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
*
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) A Autora é concessionária da exploração da zona de jogo do Algarve, onde se insere o Casino da PdR e de Mg...;
B) Em 25.03.2014, a Autora dirigiu uma comunicação ao Director do Departamento de Planeamento e Controlo de Actividade de Jogo, com a referência n.º AD/065/14, com o seguinte teor:
Nos termos do preceituado no n° 1 do artigo 50º do Dec. Lei 422/89 de 02.12. na redação dada pelo Dec. Lei 10/95 de 19 de Janeiro, comunicamos a V. Exias, com efeitos a partir de 01 de junho de 2014, que os horários de funcionamento das salas mistas dos casinos do Algarve serão os seguintes:
- Sextas e Sábados - Abertura às 16h encerramento às 4h;
- 15 de julho a 15 de Setembro - Abertura as 16h e encerramento às 4h;
- Restantes dias abertura às 15h encerramento às 3 h
(cfr. fls. 12, do processo administrativo);
C) Em 05.09.2014 a Autora dirigiu uma comunicação à Vice-Presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal, IP, com a referência n.º AD/0171/14, com o seguinte teor:
Na sequência da nossa comunicação AD/065/14 de 25 de Março e, mantendo-se actuais os motivos que levaram à tomada de medidas excepcionais de gestão dos casinos, comunicamos a V. Exa., nos termos e para os efeitos do estabelecido no artigo 28º, n.º 3 da Lei de Jogo, as seguintes alterações aos horários de abertura e funcionamento dos Casinos de Mg... e PdR:
- De 01 de Outubro de 2014 a 30 de Dezembro de 2014 - segundas a quintas-feiras das 19h00 às 03h00; sextas-feiras e sábados, das 16h00 às 04h00, domingos das 15h às 3h.
Mais informamos que os horários de abertura e funcionamento das salas mistas mantêm-se de acordo com os informados na nossa comunicação acima referida, sendo apenas, obrigatoriamente, compatibilizados com os horários de abertura e funcionamento dos respectivos casinos.
(cfr. fls. 11 e ss, do processo administrativo);
D) Em 19.03.2015 o Director do Planeamento e Controlo da Actividade do Jogo, mandou instaurar o processo administrativo n.º AD-2015-45-PROCHA (cfr. fls. 1 a 10, do processo administrativo);
E) Em 19.03.2015 o Coordenador da Área de Inspecção de Jogos do Sul, designou instrutor daquele processo o Inspector Superior de Jogos, RC (cfr. fls. 1 a 10, do processo administrativo);
F) Em 21.03.2015 o Instrutor do processo remeteu o ofício com a referência TDP/2014/28675, à Autora, a dar conhecimento dos despachos que antecedem (cfr. fls. 10, do processo administrativo);
G) Em 13.05.2015 o Instrutor do processo elaborou a respectiva nota de responsabilização, da qual se extrai o seguinte:
De acordo com a carta AD/0171/14, de 05.09.14, a “Sv..., S.A”, concessionária da zona de jogo do Algarve, comunicou ao Serviço de Inspecção de Jogos os horários de abertura dos Casinos da PdR e de Mg..., entre 1 de Outubro e 30 de Dezembro de 2014, os quais funcionariam de segunda a quinta-feira, das 19h00 às 03h00; sextas-feiras e sábados, das 16h00 às 04h00; e domingos, das 15h00 às 03h00, tendo ainda informado que os horários de abertura e funcionamento das salas mistas mantinham-se de acordo com o comunicado na carta AD/065/14, de 25.03.14, fls.7.
Ora, o horário de abertura e funcionamento das salas mistas comunicado através da carta AD/065/14, de 25.03.14, estabelecia que entre 15 de Julho e 15 de Setembro de 2014, tal como às sextas-feiras e sábados, as salas abriam às 16h00 e encerravam às 04h00, mas que, nos restantes dias, isto e, a partir de 16 de Setembro de 2014, as salas de jogos passariam a abrir, de segunda a quinta-feira, das 15h00 às 03h00, fls. 8.
Tal significa que, na partida de 1 de Outubro de 2014, a “Sv..., S.A” não alterou apenas o horário de funcionamento dos casinos, como pretende na carta AD/0171/14, de 05.09.14, mas também o das salas de jogos, que, de segunda a quinta-feira, passaram a abrir às 19h00 e não às 15h00, conforme comunicara na carta AD/065/14, de 25.03.14.
Com efeito, no dia 1 de Outubro de 2014, uma quarta-feira, encontrando-se em exercício de funções no Casino de Mg..., o Sr. Inspector IFV constatou a abertura da respectiva sala mista, pelas 19h00, sendo Substituto do Director, o Sr. JCC, fls. 21 e 24.
De igual modo, na mesma data, mas no Casino da PdR, o Sr. Inspector CASC, deu conta da abertura da respectiva sala mista, pelas 19h00, encontrando-se presente o Substituto do Director, Sr. RP, fis. 22 e 23.
Ora, tal situação configurou uma alteração do horário de funcionamento das salas de jogos dos Casinos da PdR e de Mg..., porquanto, de acordo com a comunicação vertida na carta AD/065/14, de 25.03.14, da “Sv..., S.A”, a partir de 16 de Setembro de 2014, de segunda a quinta-feira, as referidas salas mistas deveriam abrir às 15h00, e não às 19h00, como efectivamente ocorreu, entre 1 de Outubro e 30 de Dezembro de 2014.
Sendo certo que, entre a data da comunicação dos horários de abertura e encerramento dos casinos e das respectivas salas mistas, mencionados na carta AD/171/14, de 05.09.14, e o dia 1 de Outubro de 2014, data a partir da qual as salas de jogos passaram a abrir a exploração às 19h00, entre segunda e quinta-feira, decorreram somente 26 dias, e não os 60 dias de antecedência previstos no n° 1 do art° 50° do DL. nº 422/89, de 02.12, republicado pelo D.L. 114/11, de 30.11.
Ora, a concessionária já havia sido advertida sobre a necessidade de observar o prazo legal de 60 dias para alteração do horário de funcionamento das salas de jogos, através do ofício TDP/2012/49659, de 28.12.12, fls. 9.
Acresce ainda que, por violação do referido prazo legal, já lhe haviam sido instaurados recentemente processos administrativos, o que, está visto, não logrou alterar a sua conduta, designadamente: Turismo de Portugal, IP Rua Ivone Silva. Lote S 1050-124 Lisboa
Processo administrativo AD-2013-61-Mg..., relativo as cartas 229/AD/12, de 30.10, e 23VDJ/13, de 04.02.13, cuja Deliberação n° 9-23/2013/O, de 26.07.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 507/13, de 21.08.13, fls. 10 e 11;
Processo administrativo AD-2013-71-Mg..., relativo as cartas 229/AD/12, de 30.10, e 27/AD/13, de 20.03.13, cuja Deliberação no 10-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 508/13, de 21.08.13, fls. 12 e 13;
Processo administrativo AD-2013-74-PdR, relativo as cartas 229/AD/12, de 30.10, e 27/AD/13, de 20.03.13, cuja Deliberação n° 11-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 509/13, de 19.08.13, fls. 14 e 15;
Processo administrativo AD-2013-60-PdR, relativo as cartas 229/AD/12, de 30.10, e 23VDJ/13, de 04.02.13, cuja Deliberação n° 12-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 510/13, de 19.08.13, fls. 16 e 17;
Processo administrativo AD-2013-134-PdR, relativo as cartas 229/AD/12, de 30.10, e 77/AD/13, de 15.05, cuja Deliberação n° 4-25/2013/CJ, de 21.08.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 540/13, de 30.08.13, fls. 18 e 19.
10º Em face do que antecede, a concessionária agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que deveria ter observado o prazo de 60 dias para comunicação da alteração do horário de funcionamento das salas de jogos, previsto no n° 1 do art° 50º do D.L. n° 422/89, de 02.12.
MATÉRIA DE DIREITO
Destarte, ao alterar o horário de abertura das salas de jogos dos Casinos da PdR e de Mg..., no período compreendido entre 1 de Outubro e 30 de Dezembro de 2014, de segunda a quinta-feira, mediante comunicação ao Serviço de Inspecção de Jogos com a antecedência de apenas 26 dias, a concessionária “Sv..., S.A” agiu com dolo directo, violando o n° 1 do art° 50º do D.L. n° 422/89, de 02.12, republicado pelo DL. 114/11, de 30.11, cometendo, assim, duas infracções previstas na alínea e) do n° 1 do art° 1300 do mesmo normativo legal, puníveis, cada uma delas, com multa ate C 9.975,96.
Nestes termos, e para os efeitos previstos no n° 1 do art° 122° do Código de Procedimento Administrativo, fixo a arguida “Sv... - SITCV, S. A” o prazo de 10 (DEZ) dias, a contar da data em que receber cópia desta Nota de Responsabilização, para apresentar, querendo, no Serviço de Inspecção de Jogos do Casino de Vilamoura, as alegacões escritas de defesa que tiver por convenientes, podendo, dentro do prazo fixado e no referi do gabinete, durante o horário compreendido entre as 15h00 e as 03h00, consultar o processo, por si ou por advogado legalmente constituído, advertindo-a de que a falta de resposta, dentro do prazo determinado, acarretara a decisão do processo com base nos elementos dele constantes e conforme for de direito.
(cfr. fls. 28 e ss, do processo administrativo);
H) Em 22.05.2015 a Autora pronunciou-se sobre a nota de responsabilização a que se reporta a alínea anterior, invocando o incumprimento do disposto no artigo 122.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo e, alegando, ainda que:
Face ao teor das disposições legais citadas, dúvidas não existem que às concessionárias assiste o direito de estabelecer o período de abertura ao público dos casinos e das actividades neles integradas, bastando para o efeito que comuniquem a alteração ao serviço de inspecção, com 3 dias de antecedência.
10º Do teor do nº 2 do artigo 28º, resulta claramente que a sua previsão abrange quer o período de abertura ao público do casino, quer das actividades neles integradas.
11º Diferentemente, o artigo 50º nº 1, prescreve que, as salas de jogos estão abertas ao público até doze horas por dia, num período compreendido entre as 15 cada dia e as 6 horas do dia seguinte, a definir pela concessionária, a qual, para o efeito, deverá comunicar à Inspecção-Geral de Jogos o horário escolhido com 60 dias de antecedência.
12º Com o devido respeito, importara concluir que o nº 1 do artigo 50º, apenas terá aplicação naqueles casos em que o horário de abertura do casino permaneça inalterado, e a concessionária pretenda restringir o horário das salas de jogo, isto é, de uma das suas actividades.
13º Assinale-se que, constituindo as salas de ogos uma parte do casino, o encerramento deste, ainda que parcial por via da redução do período de abertura, arrasta, necessariamente, o encerramento (compatibilização de horários) das salas de jogos.
14º Por outras palavras, estando o casino encerrado inexiste qualquer interesse público a salvaguardar, designadamente, o alegado exercício da inspecção tutelar do Estado, que por natureza, queda impossibilitado.
15º Dai que, aquando da comunicação da redução do período de abertura dos casinos, a Arguida, na qualidade de concessionária, comunique ainda que os períodos de abertura das salas mistas serão, obrigatoriamente compatibilizados com os novos horários.
16º Compatibilização, que constitui, assim, uma consequência inevitável da comunicação da redução do horário de abertura do casino
17º Por outro lado, da Nota de Responsabilização resulta ou foi considerado que a Arguida incumpriu de forma voluntaria, consciente e deliberada o prazo de antecedência estabelecido no artigo 50º nº 1 da Lei do Jogo e que agiu com dolo directo, não se verificando qualquer circunstância suscetível de excluir a ilicitude circunstância suscetível de excluir a ilicitude ou a culpa.
18º Com o devido respeito, inexistem factos ou a sua indiciação que a actuação da Arguida possa ser qualificada como dolosa, manifestamente infundada, gratuita e ilegal.
19º Conforme supra demonstrado, a Arguida esta convicta da justeza e correcção do seu procedimento, e só por essa razão mantem a sua actuação.
20º Perfilhar entendimento diferente quanto à interpretação/aplicação de uma norma ou disposição legal não pode, sem mais, ser qualificado como conduta dolosa e gratuita, importando esclarecer que até ao momento, inexiste qualquer decisão judicial que tenha (ou não) sancionado, com trânsito em julgado, a posição vertida na Nota de responsabilização.
21º Aliás, em sentido contrário, no âmbito do ofício nº TDP/2012/49659 de 28.12.2012 da Área de Inspecção de Jogos do Sul a A. foi notificada do seguinte; “(...) da necessidade de dar cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 50 do DL 422/89, na redacção dada pelo DL 114/2011, de 30/11, ou de ser apresentada fundamentação que justifique e demonstre a impraticabilidade do prazo”.
22º Portanto, se alguém ou alguma Entidade mudou de opinião e/ou de interpretação dos textos legais foi o Turismo de Portugal IP.
23º Ao invés, a Arguida, conforme demonstra o teor do doc. de fls. 7 e 8, quanto aos horários de abertura das salas mistas, procedeu à comunicação da necessidade da sua compatibilização com os horários de funcionamento dos respectivos casinos, ou seja, demonstra e justifica impraticabilidade do prazo.
24º Por ultimo, do facto da Arguida persistir no seu comportamento, actuação ou procedimento, que reputa como correcto, não pode concluir-se, sem mais e só por isso, que existe dolo, até porque fundamenta, judiciosamente, a sua posição, conforme aliás resulta da sua carta datada de 23.08.2013, Refª 156AD/13. (Doc. 11)
(cfr. fls. 32 e ss, do processo administrativo);
I) Em 01.06.2015 o Instrutor do processo elaborou o relatório final e concluiu nos seguintes termos:
1 - Factos provados
Da prova produzida nos autos, vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
De acordo com a carta AD/01 71/14, de 05.09.14, a “Sv..., S.A”, concessionária da zona de jogo do Algarve, comunicou ao Serviço de Inspecção de Jogos os horários de abertura dos Casinos da PdR e de Mg..., entre 1 de Outubro e 30 de Dezembro de 2014, os quais funcionariam de segunda a quinta-feira, das 19h00 às 03h00; sextas-feiras e sábados, das 16h00 às 04h00; e domingos, das 15h00 às 03h00, tendo ainda informado que os horários de abertura e funcionamento das salas mistas mantinham-se de acordo com o comunicado na carta AD/065/14, de 25.03.14, fls. 7
Ora, o horário de abertura e funcionamento das salas mistas comunicado através da carta AD/065/14, de 25.03.14, estabelecia que entre 15 de Julho e 15 de Setembro de 2014, tal como às sextas-feiras e sábados as salas abriam às 16h00 e encerravam às 04h00, mas que, nos restantes dias, isto é, a partir de 16 de Setembro de 2014, as salas de jogos passariam a abrir, de segunda a quinta-feira, das 15h00 às 03h00, fls. 8.
Tal significa que, na partida de 1 de Outubro de 2014, a “Sv..., S.A.” não alterou apenas o horário de funcionamento dos casinos, como pretende na carta AD/0171/14, de 05.09.14, mas também o das salas de jogos, que, de segunda a quinta-feira, passaram a abrir às 19h00 e não às 15h00, conforme comunicara na carta AD/065/14, de 25.03.14.
Com efeito, no dia 1 de Outubro de 2014, uma quarta-feira, encontrando-se em exercício de funções no Casino de Mg..., o Sr. Inspector IFV constatou a abertura da respectiva sala mista, pelas 19h00, sendo Substituto do Director, o Sr. JCC, fls. 21 e 24.
De igual modo, na mesma data, mas no Casino da PdR, o Sr. Inspector CASC, deu conta da abertura da respectiva sala mista, pelas 19h00, encontrando-se presente o Substituto do Director, Sr. PRP, fls. 22 e 23.
Ora, tal situação configurou uma alteração do horário de funcionamento das salas de jogos dos Casinos da PdR e de Mg..., porquanto, de acordo com a comunicação vertida na carta AD/065/14, de 25.03.14, da “Sv..., S.A.”, a partir de 16 de Setembro de 2014, de segunda a quinta-feira, as referidas salas mistas deveriam abrir às 15h00, e não às 19h00, como efectivamente ocorreu, entre 1 de Outubro e 30 de Dezembro de 2014.
Sendo certo que, entre a data da comunicação dos horários de abertura e encerramento dos casinos e das respectivas salas mistas, mencionados na carta AD/171/14, de 05.09.14, e o dia 1 de Outubro de 2014, data a partir da qual as salas de jogos passaram a abrir à exploração às 19h00, entre segunda e quinta-feira, decorreram somente 26 dias, e não os 60 dias de antecedência previstos no n° 1 do art° 50º do DL. n° 422/89, de 02.12, republicado pelo DL. 114/11, de 30.11.
Ora, a concessionária já havia sido advertida sobre a necessidade de observar o prazo legal de 60 dias para alteração do horário de funcionamento das salas de jogos, através do ofício TDP/2012/49659, de 28.12.12, fls. 9.
Acresce ainda que, por violação do referido prazo legal, já lhe haviam sido instaurados recentemente processos administrativos, o que, está visto, não logrou alterar a sua conduta, designadamente:
Processo administrativo AD-2013-61-Mg..., relativo às cartas 229/AD/12, de 30.10, e 23VDJ/13, de 04.02.13, cuja Deliberação n° 9-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 507/13, de 21.08.13, fls. 10 e 11;
Processo administrativo AD-2013-71-Mg..., relativo às cartas 229/AD/12, de 30.10, e 27/AD/13, de 20.03.13, cuja Deliberação n° 10-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada a concessiona ria através da notificação n°508/13, de 21.08.13, fis. 12 e 13;
Processo administrativo AD-2013-74-PdR, relativo às cartas 229/AD/12, de 30.10, e 27/AD/13, de 20.03.13, cuja Deliberação n° 11-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada a concessionária através da notificação n° 509/13, de 19.08.13, fls. 14 e 15;
Processo administrativo AD-2013-60-PdR, relativo às cartas 229/AD/12, de 30.10, e 23VDJ/13, de 04.02.13, cuja Deliberação n° 12-23/2013/CJ, de 26.07.13, foi comunicada à concessionária através da notificação nº 510/13, de 19.08.13, fls. 16 e 17;
Processo administrativo AD-2013-134-PdR, relativo às cartas 229/AD/12, de 30.10, e 77/AD/13, de 15.05, cuja Deliberação n° 4-25/2013/CJ, de 21.08.13, foi comunicada à concessionária através da notificação n° 540/13, de 30.08.13, fls. 18 e 19.
10º Em face do que antecede, a concessionária agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que deveria ter observado o prazo de 60 dias para comunicação da alteração do horário de funcionamento das salas de jogos, previsto no n°1 do art° 50° do DL. n° 422/89, de 02.12.
(…)
Em síntese, a análise crítica da prova produzida no seu conjunto permite concluir que a arguida “Sv...,S.A” não apenas tinha plena consciência da ilicitude dos actos que praticou, como actuou deliberadamente, com dolo directo de grande intensidade, ao alterar o horário de abertura das salas de jogos dos Casinos da PdR e de Mg..., a partir de 1 de Outubro de 2014, de segunda a quinta-feira, mediante comunicação ao serviço de inspecção de jogos com a antecedência de apenas 26 dias, violando o prazo legal de 60 dias previsto para o efeito pelo n° 1 do art° 50° do D.L. n° 422/89, de 02.12, republicado pelo D.L. 114/11, de 30.11, cometendo, assim, duas infracções previstas na alínea e) do n° 1 do art.º 130° do mesmo normativo legal, puníveis, cada uma delas, com multa até € 9.975,96.
VI - GRADUAÇÃO DA MULTA
Nos termos gerais de direito, a graduação da multa far-se-á em função da gravidade da conduta do agente e das exigências de prevenção de futuras infracções, devendo ater-se aos princípios da proporcionalidade, necessidade e adequação.
No caso subjudice, subsiste como circunstância agravante, o facto de a concessionária persistir na sua conduta, sabendo-a censurável e ilícita, porquanto, não apenas havia sido já advertida pelo serviço de inspecção sobre a necessidade de dar cumprimento ao disposto no n° 1 do art° 50º do DL. n° 422/89, como, ademais, desvalorizou as relevações das faltas concedidas em processos anteriormente instaurados pelos mesmos motivos, persistindo numa interpretação que sabe não ser acolhida pela entidade fiscalizadora, ao invés de proceder a um exame critico sobre a sua conduta, conformando-a com a lei.
Nestes termos, considerando a gravidade das infracções administrativas cometidas, a culpa da arguida, e as circunstâncias agravantes apuradas, proponho, atenta a moldura abstrata da sanção aplicável, a fixação do valor concreto de cada uma das multas em C 2.750,00, perfazendo, em cúmulo jurídico, a multa única de € 5.500,00.
(cfr. fls. 36 e ss, do processo administrativo);
J) Em 17.06.2014, com referência a este processo administrativo, o Inspector JM, do Serviço de Inspecção de Jogos, elaborou um parecer, com o n.º 85/2015, no qual conclui “no sentido de ser aplicada à SV... – SITCV, S.A., concessionária da zona de jogo do Algarve, pela prática sob a forma dolosa de duas infrações administrativas, previstas e punidas pela alínea e) do n.º 1 do artigo 130º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de janeiro, multa única graduada em € 10.000,00 (dez mil euros).” (cfr. fls. 42 e ss, do processo administrativo);
K) Em 25.09.2015, o Director Coordenador do Serviço de Inspecção de Jogos, LFC, apresentou uma proposta, onde conclui que “ao abrigo disposto na alínea f) do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de junho, que seja proferida deliberação de condenação SV... – SITCV, S.A., por ter comunicado pela carta AD/0171/14, de 05 de Setembro de 2014, e alterado o período de abertura e funcionamento das salas de jogos dos casinos de Mg... e PdR, com efeitos a partir do dia 01 de outubro de 2014, de segunda-feira a quinta-feira, sem observar o prazo de antecedência estabelecido no n.º 1 do artigo 50.º, e, consequentemente cometimento, sob a forma dolosa de duas infrações administrativas, previstas e punidas pela alínea e) do n.º 1 do artigo 130 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, alterado e republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, multa única de graduada em € 10.000,00 (dez mil euros).”(cfr. fls. 52, do processo administrativo);
L) Em 30.09.2015, a Comissão de Jogos do Réu, constituída pelo presidente e vice-presidente do conselho directivo do Réu, e pelo Director Coordenador do Serviço de Inspecção de Jogos, remetendo para os fundamentos do parecer e proposta a que se reportam as alíneas anteriores, tomou e subscreveu a seguinte deliberação: “Condenar a SV... – SITCV, S.A., concessionária dos casinos de Mg... e PdR, pela prática dolosa de duas infrações administrativas, previstas e punidas pela alínea e) do n.º 1 do artigo 130 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, alterado e republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 114/2011, de 30 de novembro, multa única de graduada em € 10.000,00 (dez mil euros).” (cfr. fls. 53, do processo administrativo).
*
No que à motivação da factualidade apurada diz respeito o Tribunal esclareceu que formou a sua convicção nos documentos constantes do processo administrativo apenso aos autos e na posição assumida pelas partes nos seus articulados.
X
DE DIREITO
Está posta em crise a decisão que ostenta este discurso fundamentador:
Importa neste momento proferir decisão sobre o mérito da causa, decidindo se o acto impugnado padece das invalidades que lhe vêm assacadas, mais concretamente: 69.º, n.º 1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo e do princípio da justiça e da imparcialidade; do direito de audiência prévia; e de erro nos pressupostos de facto e de direito.
Da violação da violação do artigo 69.º, n.º1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo e do princípio da justiça e da imparcialidade
Alega a Autora que o acto impugnado viola o artigo 69.º, n.º1, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo, bem como o princípio da justiça e imparcialidade, consagrados nos artigos 8.º e 9.º, do mesmo Código, pois o Coordenador do SIJ, interveio no procedimento administrativo que culminou com o acto impugnado, em três fases distintas: como director do serviço do SIJ, pois propôs a instauração do processo; na mesma qualidade subscreveu a proposta de decisão que recaiu no parecer elaborado pelo instrutor por si nomeado; na qualidade de membro da Comissão de Jogos, subscreveu e assinou a deliberação que aplicou a multa; que tal situação tem inerente a possibilidade de influência da decisão final.
O Réu, por sua vez, contrapõe alegando que que no âmbito do procedimento o Réu cumpriu as determinações legais aplicáveis, designadamente as que resultam do Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de Junho, que aprovou a Lei Orgânica do Turismo de Portugal, IP, mais concretamente, do disposto na alínea h), do n.º 3, do artigo 7.º.
Vejamos.
O artigo 69.º, do Código do Procedimento Administrativo, na redacção aplicável, sob a epígrafe “Casos de impedimento”, dispõe no seu n.º 1, alínea d), que nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração “Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver.”
Por outro lado, o artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea h), do Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de Junho, sob a epígrafe “Comissão de Jogos”, dispõe o seguinte:
“1 - A comissão de jogos é o órgão responsável pela orientação, acompanhamento e supervisão da atividade do Serviço de Inspeção de Jogos, assegurando a ligação com o conselho diretivo do Turismo de Portugal, I. P.
2 - A comissão de jogos é composta:
a) Pelo presidente do conselho diretivo, que preside;
b) Pelo vice-presidente;
c) Pelo diretor do Serviço de Inspeção de Jogos.
3 - Sem prejuízo das competências conferidas por lei ou que nela sejam delegadas ou subdelegadas, compete à comissão de jogos: (…)
h) Determinar a instauração de processos e a aplicação de penalidades pela prática de infrações à legislação que disciplina a atividade de jogo, sob proposta do diretor do Serviço de Inspeção de Jogos.
(…)”
Sucede que, como escrevem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, no Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2.ª edição, página 248, “É óbvio que estão abrangidas na previsão legal, a este propósito, aquelas hipóteses em que o impedido – ou aquele de quem ele deriva o seu impedimento – actuou no exercício de uma actividade profissional (ou não), mas extra função. No caso de o juízo de perícia ou o parecer ter sido emitido, pelo impedido, no desempenho de funções oficiais ou procedimentais a resposta será, pelo menos em princípio, negativa.”
Ora, concatenada a matéria assente com disposto naquele artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea h), concluímos que assim sucede no caso em apreço, pois aquele Director Coordenador do Serviço de Inspecção de Jogos actuou no exercício das suas funções e procedimentais, no âmbito da orgânica do Réu.
Pelo exposto, improcede a invalidade assacada ao acto impugnado.
Da falta de audiência prévia
Alega ainda a Autora que foi violado o artigo 121.º e 122.º, do Código do Procedimento Administrativo, pois da mera consulta do processo instrutor decorre que não lhe foi validamente facultado o direito de ser ouvida antes de ser tomada a decisão final.
O Réu alega, por sua vez, que também a notificação para exercício do direito de resposta à nota de responsabilização elaborada no âmbito do procedimento administrativo cumpriu todos os requisitos que os artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo atribuem ao exercício da audiência dos interessados; que, além do mais, após a pronúncia apresentada pela Autora não sobrevieram quaisquer factos que pudessem ter determinado a necessidade de se proceder a uma nova audiência da interessada.
Vejamos.
O princípio da audiência estatuído nos artigos 121.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (na redacção aplicável) assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se refere no artigo 12.º do mesmo Código e surge na sequência e em cumprimento da directriz constitucional inserta nos n.ºs 1 e 5, do artigo 267.º da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, prescreve este artigo 122.º, sob a epígrafe “Direito de audiência prévia”, no seu n.º 1 que concluída “…os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”, sendo que o n.º 2, do artigo 122.º do mesmo Código dispõe que a “… notificação fornece o projecto de decisão e demais elementos necessários para que os interessados possam conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, em matéria de facto e de direito, indicando também as horas e o local onde o processo poderá ser consultado.”
O referido imperativo visa, assim, permitir que os interessados participem e influenciem a formação da vontade da Administração, protegendo-os de decisões que contrariem a lei e ofendam os seus direitos.
Neste sentido, o direito de audiência constitui uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses. A audiência dos interessados constitui ainda uma manifestação do princípio do contraditório entendido pela doutrina e pela jurisprudência como um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, cumprindo tal formalidade a directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”, pois permite o confronto da posição da Administração com a do administrado.
Vejamos, por isso.
Resulta da factualidade assente que o Réu remeteu à Autora uma nota de responsabilização onde se encontra descrita, pormenorizadamente, toda a factualidade que lhe é imputada, bem como a infracção que os Serviços do Réu entendem que a Autora praticou, e o montante da multa que lhe corresponde. Por outro lado, resulta ainda da referida factualidade que a Autora, notificada para se pronunciar, apresentou a sua defesa, rebatendo, além do mais, os argumentos apresentados pelo Réu (factos assentes nas alíneas g) e h)).
Assim, é inequívoco que foi dada à Autora a oportunidade de se pronunciar em obediência ao disposto nos artigos 121.º e 122.º do Código do Procedimento Administrativo, com fornecimento de todos os elementos para o efeito, resultando claramente da nota de responsabilização que lhe foi remetida a intenção de lhe ser aplicada a sanção administrativa em causa, e da resposta que apresentou que percepcionou claramente a intenção do Réu de lhe aplicar a multa, pela infracção que lhe estava a ser imputada, pelo que, ao contrário do alegado pela Autora, conclui-se que não lhe foram coarctados os seus direitos de defesa e contraditório.
Pelo exposto, improcede, também aqui, a invalidade assacada ao acto impugnado.
Do erro nos pressupostos de facto e de direito
Por último, alega a Autora que o acto impugnado padece da invalidade decorrente do erro nos pressupostos de facto e de direito, pois entende que o n.º 1 do artigo 50.º, apenas terá aplicação naqueles casos em que o horário de abertura do casino permaneça inalterado, e a concessionária pretenda restringir o horário das salas de jogo, isto é, das suas actividades; que as razões invocadas pelo Réu são contraditórias pois constituindo as salas de jogos uma parte do casino, o encerramento deste, ainda que parcial por via da redução do período de abertura, arrasta, necessariamente, o encerramento (compatibilização de horários) das salas de jogos; que, por isso, estando o casino encerrado inexiste o interesse público a salvaguardar; que o facto de persistir no seu entendimento e na correcção do seu entendimento, não pode concluir-se, sem mais e só por isso, que existe dolo na sua actuação.
O Réu, por seu lado, alega que dos artigos 28.º e 50.º da Lei do Jogo, resulta, por um lado, uma antecedência mínima de 3 dias para a comunicação, por parte da concessionária, da alteração ao período de abertura do casino e, por outro lado, especificamente, uma antecedência mínima de 60 dias para comunicação ao Réu, da alteração ao período de funcionamento das salas de jogos; que resulta evidente que o legislador foi – e bem – sensível às dificuldades de operacionalização dos recursos humanos envolvidos na inspecção e na fiscalização da actividade do jogo nas salas existentes nos casinos para o efeito, aquando a existência de alterações aos horários usualmente praticados; que se é certo que a alteração ao período de funcionamento do casino não acarretará qualquer consequência maior, tal não acontece com a alteração do período de funcionamento das salas de jogos, quer esta alteração esteja ou não dependente da alteração promovida ao período de funcionamento do próprio casino.
Vejamos, por isso.
Com relevância para a decisão a proferir, veja-se, antes de mais o que dispõe os artigos 28.º e 50.º da Lei do Jogo.
Assim, o artigo 28.º, sob a epígrafe “Períodos de funcionamento e de abertura”, dispõe que:
“1 - Os casinos devem funcionar, normalmente, em todos os dias do ano ou em seis meses consecutivos, consoante se trate de zona de jogo permanente ou temporário, podendo estes períodos ser reduzidos até metade, mediante autorização do Governo.
2 - Sem prejuízo do disposto no presente diploma e demais legislação aplicável, podem as concessionárias estabelecer o período de abertura ao público dos casinos e das actividades neles integradas.
3 - A direcção do casino deverá comunicar ao serviço de inspecção, com três dias de antecedência, qualquer alteração ao período de abertura que esteja a ser praticado.”
E o artigo 50.º, sob a epígrafe, “Período de abertura das salas de jogos”, dispõe que:
“1 - As salas de jogos estão abertas ao público até doze horas por dia, num período compreendido entre as 15 horas de cada dia e as 6 horas do dia seguinte, a definir pela concessionária, a qual, para o efeito, deverá comunicar à Inspecção-Geral de Jogos o horário escolhido com 60 dias de antecedência.
2 - A direcção do casino pode solicitar à Inspecção-Geral de Jogos com antecedência mínima de 15 dias autorização para alargar o período de abertura máximo referido no n.º 1 quando no decurso do período de alargamento se pretendam praticar apenas jogos não bancados.
3 - A Inspecção-Geral de Jogos, quando conceda a autorização prevista no número anterior, determinará os serviços inerentes às salas de jogos que devem permanecer em funcionamento.”
Ora, resulta da factualidade assente que a Autora por ofício datado de 05.09.2014, comunicou à vice-presidente do conselho directivo do Réu que, na sequência da comunicação AD/065/14 de 25 de Março e nos termos estabelecidos no artigo 28.º, n.º 3 da Lei do Jogo, procedia às seguintes alterações aos horários de abertura e funcionamento dos Casinos de Mg... e PdR: de 01 de Outubro de 2014 a 30 de Dezembro de 2014 – segundas a quintas-feiras das 19h00 às 03h00; sextas-feiras e sábados, das 16h00 às 04h00; domingos das 15h às 3h, referindo ainda nesta comunicação que “os horários de abertura e funcionamento das salas mistas mantêm-se de acordo com os informados na nossa comunicação acima referida, sendo apenas, obrigatoriamente, compatibilizados com os horários de abertura e funcionamento dos respectivos casinos”. Resulta ainda desta mesma factualidade que aquela comunicação AD/065/14 de 25 de Março, comunicava os horários das salas mistas dos casinos do Algarve, nos seguintes termos: sextas e sábados – abertura às 16h encerramento às 4h; 15 de Julho a 15 de Setembro – abertura às 16h e encerramento às 4h; restantes dias abertura as 15h encerramento às 3h (factos assentes nas alíneas b) e c)).
Assim, é inequívoco, ao contrário do que defende a Autora, que aquela comunicação não contém apenas a alteração do período de abertura do casino, pois ao referir expressamente que “os horários de abertura e funcionamento das salas mistas mantêm-se de acordo com os informados na nossa comunicação acima referida, sendo apenas, obrigatoriamente, compatibilizados com os horários de abertura e funcionamento dos respectivos casinos”, comunica ainda a consequente alteração do horário das salas de jogos.
Na verdade, esta possibilidade de compatibilização comunicada através daquele ofício, garante à Autora que, a título de exemplo, naquele período de 1 de Outubro de 2014 a 30 de Dezembro de 2014 (no horário das salas mistas que consta da comunicação AD/065/14), nos dias da semana de segundas a quintas-feiras os horários das salas mistas que tinham sido comunicados como sendo das 15h00 às 3h00 passem a coincidir com o horário de abertura e funcionamento dos casinos (agora comunicado) e, assim, das 19h00 às 03h00.
Assim, conclui-se que a Autora não deu cumprimento ao período de antecedência a que estava obrigada, em cumprimento do disposto neste artigo 50.º, n.º 1, da Lei do Jogo, pelo que, não padece o acto impugnado de qualquer erro de facto ou de direito.
Por outro lado, retira-se ainda da factualidade assente que dos factos provados constantes da nota de responsabilização e do relatório final (factos estes que não vêm impugnados pela Autora) resulta que a Autora já havia sido advertida sobre a necessidade de observar o prazo legal de 60 dias para alteração do horário de funcionamento das salas de jogos, e que, por violação deste prazo legal, já lhe tinham sido instaurados vários processos administrativos, mantendo sempre a Autora o seu comportamento (factos assentes nas alíneas g) e i)), pelo que, tem que improceder ainda a alegação de que o entendimento diferente quanto à interpretação/aplicação de uma norma ou disposição legal não pode, sem mais, ser qualificado como conduta dolosa e gratuita da Autora.
Pelo exposto, conclui-se que o acto impugnado não padece das invalidades que lhe vêm imputadas pela Autora.
X
Na óptica da Recorrente esta sentença contém erros de julgamento da matéria de facto e de direito.
Cremos que carece de razão.
Vejamos:
O recurso visa, pois, a decisão proferida em 30 de junho de 2018 que julgou improcedente a acção administrativa especial de impugnação intentada tendo em vista a anulação da Deliberação nº 01-23/2015/CJ, de 30 de setembro de 2015, proferida pela Comissão de Jogos do Recorrido.
A deliberação em causa determinou a aplicação de uma multa à ora Recorrente no montante de € 10.000,00 (dez mil euros) pela alteração do horário de funcionamento das salas de jogos dos casinos de Mg... e da PdR, com efeito a partir de 1 de outubro de 2014, sem observar o prazo de antecedência mínima de 60 dias, estabelecido no artigo 50º/1 do DL 422/89, de 2 de dezembro, alterado e republicado em anexo pelo DL 114/2011, de 30 de novembro (Lei do Jogo).
Concluiu o Tribunal a quo pela não verificação de qualquer violação do artigo 69º/1/d) do Código de Procedimento Administrativo (CPA) nem, consequentemente, do princípio da imparcialidade pelo cumprimento do direito a audiência prévia e pela inexistência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito, face à indubitabilidade da exigência legal de uma antecedência mínima de 60 dias sempre que a comunicação emitida tenha como objecto a alteração do horário de funcionamento de salas de jogo, e não apenas o horário de funcionamento do casino, o que foi o caso.
Nesta sede vem a Apelante reiterar a mesma argumentação.
Ora, como decorre da transcrição da peça processual em crise, a Senhora Juíza escalpelizou, e bem, os vícios assacados ao acto impugnado, afastando-os um a um.
Assim:
Dos Factos:
É univocamente entendido pela doutrina e foi consagrado pela lei adjectiva e pela jurisprudência que o objecto do recurso jurisdicional é definido através das conclusões extraídas da motivação, pelo respectivo recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matéria que nelas não houver sido versada, com óbvia ressalva dos casos em que se imponha o seu conhecimento oficioso.
Lidas as conclusões da Recorrente extrai-se que deixou cair o erro de julgamento de facto invocado no corpo das alegações, razão pela qual, sem necessidade de quaisquer outras considerações, se passará à apreciação do erro de julgamento de direito, mantendo-se incólume o probatório.
Do Direito -
Repete-se que no âmbito da sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu pela improcedência do entendimento propugnado pela então Autora na sua petição inicial, concluindo pela não verificação dos vícios de procedimento assacados ao acto impugnado, bem como pela correcção da sanção administrativa que lhe havia sido aplicada, face ao efectivo incumprimento do prazo mínimo legal previsto para as comunicações relativas às alterações de horário das salas de jogo em que incorreu.
Nas suas alegações de recurso a Recorrente desistiu de persistir no argumento até então utilizado, conformando-se com a verificação de um incumprimento do prazo legal previsto e com o mérito da aplicação da sanção administrativa, cingindo o seu recurso às questões jurídicas que se seguem:
-Da violação do princípio da imparcialidade consagrado nos artºs 9º do CPA e 266º/2 da CRP -
Ressalta dos autos que a ora Recorrente na sua petição inicial colocou em causa a intervenção do Director Coordenador do Serviço de Inspecção de Jogos no procedimento que deu lugar à aplicação de uma sanção administrativa, a qual se traduziu na aplicação de uma multa no montante de €10.000,00, em três momentos distintos: propôs a instauração do processo; subscreveu a proposta de decisão que recaiu sobre o parecer elaborado pelo instrutor Inspector JM e subscreveu a deliberação que determinou a aplicação da sanção administrativa.
Ora, conforme resulta da sentença recorrida, a intervenção do Director Coordenador do Serviço de Inspeção de Jogos em qualquer um dos momentos referidos traduziu, não mais do que, o cumprimento das determinações legais aplicáveis, designadamente o disposto no artigo 7º/3/h) do DL 129/2012, de 22 de junho, (Lei Orgânica do Instituto do Turismo de Portugal, I.P.) na sua versão originária e em vigor aquando da verificação dos factos, sendo que todas as intervenções daquele encontram suporte na lei, o que equivale a dizer que não implicaram (obviamente) qualquer violação do disposto no artigo 69º/1/d) do CPA, na medida em que o impedimento constante daquele preceito e que determina a ilegalidade da participação de determinados sujeitos em procedimentos administrativos cinge-se aos titulares de órgãos ou agentes da Administração que tenham intervindo no procedimento na qualidade de mandatários, peritos ou quando tenham dado parecer sobre a questão a resolver, o que aqui não sucedeu.
Como resulta dos factos provados, o Director Coordenador do Serviço de Inspeção de Jogos da Entidade Recorrida não interveio no procedimento que culminou com a prática do acto impugnado em nenhuma das qualidades acima mencionadas, limitando-se a propor a instauração do processo e a submeter a proposta de decisão que recaiu sobre o mesmo, nos termos do disposto no artigo 7º/3/h) do DL 129/2012, de 22/6, na sua versão originária. Com efeito, conforme fixado na alínea J) do probatório, o parecer foi elaborado pelo Inspector JM, e não pelo Director Coordenador do Serviço de Inspeção de Jogos. Este não elaborou qualquer Relatório ou Parecer, antes se limitou à subscrição da proposta de decisão que recaiu sobre um parecer que não foi por si elaborado, a qual corresponde, aliás, a uma das competências daquele, nos termos da lei aplicável.
Assim sendo, bem se sentenciou, afastando-se a falada existência de uma violação do disposto no artigo 69º/1/d) do CPA, face ao não preenchimento dos pressupostos respectivos.
Como bem se observa nas contra-alegações, tendo o Director Coordenador do Serviço de Inspeção de Jogos atuado, ao abrigo das competências que lhe são atribuídas por lei, jamais lhe poderia ser oposta qualquer ilegalidade de intervenção (o que se verificaria, isso sim, caso recusasse o cumprimento das funções que lhe são inerentes).
Por outro lado, no que respeita à alegada violação do disposto nos artigos 266º/2 da CRP e 9º do CPA, que consagram o princípio da imparcialidade, que a Recorrente vem agora invocar (não obstante não ter assacado a violação de tal princípio ao acto na sua petição inicial - e daí o Tribunal a quo não se ter pronunciado quanto ao mesmo na sentença recorrida -), dir-se-á que não se detecta qualquer afronta ao dito comando constitucional.
(Como ensina o Prof. Freitas do Amaral, a noção de imparcialidade é ainda reconduzível à justiça, não sendo, todavia, uma mera aplicação da ideia de justiça. Um órgão da Administração pode violar as regras da imparcialidade e, mesmo assim, tomar uma decisão justa e imparcial. O contrário também pode acontecer. Desta forma, o princípio da imparcialidade não pode ser tido como corolário do princípio da justiça, mas antes como aplicação da protecção da confiança dos cidadãos na seriedade e honestidade da Administração Pública. O que se pretende com o princípio da imparcialidade não é, portanto, em primeira linha, a obtenção de decisões administrativas justas, para isso há o princípio da justiça, mas sim que não haja razões para que os cidadãos duvidem ou suspeitem da Administração - in Curso de Direito Administrativo, VOL.II, 3ª ed., Almedina 2016).
-Da omissão de pronúncia da sentença quanto à violação do princípio da participação (artigos 95º/1 do CPTA e 615º/d) do CPC) -
Prossegue a Recorrente nas suas alegações, mas sem fundamentar, e sem concretizar autonomamente tal vício que imputa à sentença recorrida, que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia quanto à violação do princípio da participação.
Para tanto, invoca Atento o supra exposto, é notório o erro de julgamento cometido na sentença, que aglutina, indevidamente, na questão da violação do disposto no art. 69.º n.º 1, al. d) do CPA, a questão atinente à violação do princípio da participação, como se de uma única questão de direito se tratasse.
De igual modo, a questão da violação do princípio da participação, ao não ter sido objecto de pronúncia determina, também, a nulidade da sentença recorrida, atenta a violação do disposto no artigo 95° n° 1 do CPTA e art. 615°, al. d) do CPC.
Vejamos:
De acordo com o artº 608º/2 do CPC “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”
A inobservância de tal comando é fulminada com a nulidade da sentença - artº 615º/1/d) do CPC.
O exacto conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos tem sido objecto de abundante tratamento jurisprudencial.
No Acórdão deste TCAN de 07/01/2016, Proc. 02279/11.5BEPRT referiu-se: “(…)As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, Proc. 043/07, de 11/9/2007, Proc. 059/07, de 10/09/2008, Proc. 0812/07, de 28/01/2009, Proc. 0667/08, de 28/10/2009, Proc. 098/09 e de 17/03/2010, Proc. 0964/09, entre outros.
Do mesmo modo estipula o artigo 95º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto (processual), quando realmente debatidos entre as partes - cfr. Antunes Varela em RLJ, Ano 122.º, pág. 112 - a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa - Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex 1997, págs. 220/221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e análise todos pedidos formulados por elas, com excepção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões - vide Teixeira de Sousa, ob. e págs. citadas.
Referiu a este propósito o STJ, no seu Acórdão de 21/12/2005, Proc. 05B2287: A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções (exceptuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.
Já o Acórdão do STA nº 01035/12, de 11/03/2015 esclarece: “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º/1 do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como o STA vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento - Acórdãos de 09/04/2008, Proc. 756/07 e de 23/04/2008, Proc. 964/06.
Como também vem sendo sublinhado, de forma unânime, esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista, sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes. Caracterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infracção ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras - artº 608º/2 do CPC.
Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos (pretensões) formulados, ressalvados apenas os que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
Como ensina o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012 no âmbito do Proc. 0450/09: “(…) II-A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº1 do CPC).
III-Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.
IV-A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.
Temos, assim, que a nulidade da decisão por “omissão de pronúncia” verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras. A “omissão de pronúncia” existe (apenas) quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas, e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
Voltando ao caso concreto, sendo a única questão atinente ao direito de participação discutida no presente litígio a relativa a uma alegada violação do direito de audiência prévia, depreende-se constituir a menção do princípio a um mero lapso, visto admitir a Recorrente a pronúncia do Tribunal quanto à matéria, na medida em que discute o desfecho vertido na sentença quanto ao exposto.
Afigura-se-nos, assim, evidente que o princípio a que se referia a Recorrente a propósito da alegada omissão de pronúncia seria o princípio da imparcialidade.
Na verdade, o Tribunal a quo, na sentença proferida, procedeu à análise da violação do artigo 69º/1/d) do CPA e do princípio da justiça e da imparcialidade, como facilmente se constata pela leitura do título atribuído ao segmento que versa sobre a questão, tendo a análise sobre as violações alegadas, sido logicamente tratada em conjunto, na medida em que resultam do mesmo vício arguido, sendo aliás o princípio da imparcialidade, o princípio subjacente à norma constante do artigo 69º do CPA.
Assim, tendo o Tribunal decidido pela não verificação de qualquer violação da norma do artigo 69º/1/d) do CPA, evidentemente, decidiu pela não verificação de qualquer violação do princípio da imparcialidade no que respeita aos factos alegados na petição inicial, e à atuação do Director Coordenador do SIJ, sendo certo que o fundamento que serve de base à discordância como propugnado pela então Autora quanto à questão, isto é, a conformidade das intervenções do Director do SIJ com o disposto na Lei Orgânica do Turismo de Portugal, I.P., na versão então em vigor, determina a não verificação da violação de qualquer um dos preceitos aludidos, sendo a análise dos mesmos obviamente conexa.
Acresce que não tendo a Recorrente invocado qualquer inconstitucionalidade da norma mas sim a violação de um princípio, que se encontra plasmado no CPA e na Constituição da República Portuguesa resultante da conduta da Entidade ora Recorrida, era precisamente a legalidade da referida conduta que competia ao Tribunal a quo enfrentar, o que fez, concluindo pela conformidade da mesma com as disposições legais então em vigor, o que determinou a não verificação de uma violação, tanto do citado artigo 69º/1/d), como do princípio da imparcialidade.
Como se disse, o disposto no artigo 615º/1/d), determina a nulidade de sentença quando se demonstrar a omissão de pronúncia do Tribunal, ou seja, quando o Tribunal deixe, em absoluto, de apreciar e decidir, quanto a uma questão que devesse ser apreciada (e que não tenha ficado em absoluto prejudicada pelo conhecimento quanto a outras questões).
Ora, sendo a alegada violação do princípio da imparcialidade subjacente à alegada violação do artigo 69º/1/d) do CPA e resultando cada uma daquelas de uma suposta proibição de intervenção múltipla em diferentes fases do procedimento administrativo, por implicar uma tendenciosidade na decisão, a pronúncia quanto a cada uma delas seria, necessariamente, feita em conjunto, após a análise dessa eventual proibição de intervenção múltipla, a qual se traduz na questão a apreciar.
Mais importa salientar que a violação da imparcialidade invocada não foi, nem esquecida nem ignorada, atenta a já referida menção constante do título correspondente ao segmento da sentença em que foi tratada a temática.
Desatende-se, por isso, este segmento do recurso.
É que a discordância da Recorrente quanto ao sentido da sentença recorrida, por não corresponder àquele que é o entendimento por si propugnado, não é reconduzível nem se confunde com qualquer omissão de pronúncia, desde que seja a questão de fundo tratada, a qual, como se disse, o foi.
-Da alegada violação do direito de audiência prévia -
A este título, alega a Recorrente ter o ora Recorrido incorrido numa violação do seu direito de audiência prévia, previsto no artigo 121º do CPA, entendendo ter a pronúncia por si exercida após a notificação da nota de responsabilização consubstanciado um direito de defesa, o qual, no seu entender, não se confundira com o direito previsto no artigo 121º do CPA.
Não vemos que assim seja.
Como decidiu a sentença, não assiste razão à Autora, porquanto, como resulta dos factos provados e como a própria admitiu na sua petição inicial, resulta, manifesto, que foi ouvida pela Entidade ora Recorrida antes da prolação da decisão final impugnada.
Com efeito, resulta provado que a notificação para o exercício do direito de resposta à nota de responsabilização elaborada no âmbito do procedimento administrativo que culminou com a decisão de aplicação de sanção administrativa, consubstanciada em multa, cumpriu todos os requisitos que os artigos 100º e 101º do CPA/91 (actualmente artigos 121º e 122º do CPA) atribuem ao direito de audiência prévia dos interessados.
Em concreto, por via da referida nota de responsabilização, a Autora, ora Apelante, foi notificada de todos os elementos necessários para que tomasse conhecimento de todos os aspectos relevantes para a decisão, quer no que respeita à matéria de facto quer no que tange à matéria de direito; foi informada do local e das horas em que o processo poderia ser consultado; foi informada de que poderia requerer diligências complementares e juntar documentos; e, bem como, do sentido provável da decisão, tendo-lhe sido concedido, para efeitos de pronúncia, o prazo legalmente previsto, sendo que, o relatório elaborado pelo instrutor, bem como o parecer elaborado, após a conclusão do procedimento administrativo, que sustentou a decisão impugnada, ponderaram todos os elementos reunidos no âmbito da instrução, bem como a argumentação expendida pela Autora em sede de pronúncia em exercício do direito de audiência prévia.
Ademais, após a pronúncia apresentada pela Autora, não sobrevieram quaisquer factos que pudessem ter determinado a necessidade de se proceder a uma nova audiência da interessada, aqui Recorrente.
Esta insiste no seu entendimento de que para além de um alegado “direito de defesa” consubstanciado na possibilidade de resposta à nota de responsabilização existe o direito de audiência prévia previsto pelo artigo 121º/1 do CPA (artigo 101º do CPA/91), e que esse não foi cumprido.
Importa referir quanto à diferença (ou antes, ausência de diferença) entre o direito de audiência prévia previsto no artigo 121º do CPA e o direito de defesa pela mesma invocado que tanto o “direito de defesa” como o “direito de audiência prévia” respeitam a um momento procedimental obrigatório, em qualquer procedimento administrativo ou sancionatório, nos termos do qual o visado é informado dos factos que lhe são imputados e do sentido provável da decisão, sendo-lhe assim concedida a oportunidade para exercer o contraditório, oferecendo elementos relevantes e que possam eventualmente importar uma decisão diversa daquela que se afigura naquele momento como a mais plausível.
De facto, respeitando a sanção aplicada à Recorrente a uma sanção administrativa, nos termos do artigo 118º/1 da Lei do Jogo, o direito ao contraditório que à mesma cabia encontrava fundamento no artigo 100º/1 do CPA/91, actual artigo 121º do CPA, tendo sido o mesmo exercido após a notificação da nota de responsabilização com a respectiva pronúncia quanto aos factos e direito constantes da referida nota de responsabilização.
Aliás, no caso em apreço estamos perante matéria de direito administrativo, uma sanção administrativa, e não matéria de direito contraordenacional, pelo que não tem aplicação o Acórdão a que a Recorrente alude para fundamentar o entendimento propugnado.
O que verdadeiramente importa deixar claro é que o direito de defesa, contraditório, audiência prévia, ou como se prefira designar, a referida fase procedimental, é exercida pelos interessados apenas uma vez, sendo essa a imposição resultante da lei.
Logo, não tem cabimento a conclusão da Recorrente de que tinha o direito a pronunciar-se duas vezes ao longo do procedimento, uma através de um direito de defesa, e outra através do direito de audiência prévia contido no artigo 121º do CPA.
Considera ainda a Recorrente que apenas se poderia ter como exercido o direito previsto no artigo 121º do CPA caso a pronúncia tivesse lugar após o fim da instrução, alegando retirar esta conclusão da letra do artigo.
Ora, do referido preceito legal, apenas se infere que os interessados têm direito a ser ouvidos antes da tomada de decisão final, nomeadamente, sobre o sentido provável daquela, o que efectivamente sucedeu no caso posto, tendo sido dada oportunidade à ora Recorrente para exercício do seu direito ao contraditório/direito de audiência prévia.
Sublinhe-se ainda que o exercício do direito à audiência prévia não é legalmente colocado entre a fase da conclusão da instrução e a tomada de decisão final, mas sim antes desta última, independentemente de estar ou não concluída a instrução, desde que esteja a entidade administrativa em condições de informar os interessados sobre o sentido provável da decisão, o que ora aconteceu.
De realçar também que não estamos, in casu, perante uma situação em que os elementos constantes da decisão final se traduzem numa alteração daqueles que foram considerados pela nota de responsabilização elaborada e notificada à Recorrente, e sobre a qual se pronunciou, porquanto, como se referiu, não resultaram quaisquer dados novos das diligências instrutórias posteriores, pelo que se desconhece o que teria a Recorrente a acrescentar àquilo que teve a oportunidade de alegar em sede do exercício do direito de pronúncia.
Mas, mesmo que da instrução tivessem resultado elementos relevantes e que importassem decisão diversa da comunicada à Recorrente no âmbito da audiência prévia, não teria a mesma direito a um segundo momento de contraditório, nos termos alegados, na medida em que o único objectivo da notificação que lhe foi dirigida para o efeito é o de dar a conhecer os factos que estão em causa, permitindo a apresentação de argumentos em seu favor, sem que estivesse o Recorrido obrigado a apresentar os fundamentos de facto e de direito que determinaram o sentido provável de decisão, nem sequer ficando vinculado ao teor da notificação remetida, sendo-lhe sempre assim admitido alterar a sua posição. Neste sentido, atente-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 27 de setembro de 2011, Proc. 61/11.7YFLSB1), donde se extrai:
Para poder exercer o seu direito, o interessado deverá ser notificado dos “elementos de facto e de direito relevantes para a decisão”, pois sem esses elementos seria impossível ao interessado apresentar os seus argumentos. Tal não significa, porém, que a administração tenha de comunicar ao interessado a fundamentação de facto e de direito do sentido provável da decisão, como a recorrente pretende. No fundo, a sua pretensão é a de ter acesso ao projecto de decisão, para lhe opor as suas razões. Mas tal pretensão excede manifestamente o sentido e o teor da lei, que somente quis evitar a prolação de “decisões-surpresa” para o interessado, atribuindo-lhe o direito de se pronunciar, previamente à decisão, sobre o sentido que a Administração considera provável.
Improcede, pois, a alegação de violação do direito de audiência prévia; aliás, ela faz basear toda a argumentação utilizada numa simples confusão entre direito de defesa e direito de audiência prévia, quando não são estes mais que dois termos diferentes e que significam, materialmente, o mesmo, tendo sido evidentemente concedido, e exercido, o momento correspondente ao direito à audiência prévia previsto no artigo 121º do CPA - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Em suma:
-a Autora, aqui Recorrente, na petição inicial, invocou a invalidade decorrente da violação do artigo 69º/1/d) do CPA e do princípio da justiça e da imparcialidade;
-argumentou para tanto, que o Coordenador do SIJ interveio no procedimento administrativo que culminou com o acto impugnado, em três fases distintas: como Director do serviço do SIJ, pois propôs a instauração do processo; na mesma qualidade subscreveu a proposta de decisão que recaiu no parecer elaborado pelo instrutor por si nomeado; na qualidade de membro da Comissão de Jogos, subscreveu e assinou a deliberação que a multa; que tal situação tem inerente a possibilidade de influência da decisão final;
-na sentença recorrida esta invalidade foi claramente identificada, analisada e afastada;
-debruçando-se o Tribunal sobre esta invalidade, concluiu: O artigo 69.º, do Código do Procedimento Administrativo, na redacção aplicável, sob a epígrafe “Casos de impedimento”, dispõe no seu n.º 1, alínea d), que nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento administrativo ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração “Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver.”
Por outro lado, o artigo 7.º, n.ºs 1, 2 e 3, alínea h), do Decreto-Lei n.º 129/2012, de 22 de Junho, sob a epígrafe “Comissão de Jogos”, dispõe o seguinte:
“1-A comissão de jogos é o órgão responsável pela orientação, acompanhamento e supervisão da atividade do Serviço de Inspeção de Jogos, assegurando a ligação com o conselho diretivo do Turismo de Portugal, I. P.
2-A comissão de jogos é composta:
a)Pelo presidente do conselho diretivo, que preside;
b)Pelo vice-presidente;
c)Pelo diretor do Serviço de Inspeção de Jogos.
3-Sem prejuízo das competências conferidas por lei ou que nela sejam delegadas ou subdelegadas, compete à comissão de jogos: (…)
h)Determinar a instauração de processos e a aplicação de penalidades pela prática de infrações à legislação que disciplina a atividade de jogo, sob proposta do diretor do Serviço de Inspeção de Jogos. (…);
-como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, no Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2ª ed., página 248, “É óbvio que estão abrangidas na previsão legal, a este propósito, aquelas hipóteses em que o impedido - ou aquele de quem ele deriva o seu impedimento - actuou no exercício de uma actividade profissional (ou não), mas extra função. No caso de o juízo de perícia ou o parecer ter sido emitido, pelo impedido, no desempenho de funções oficiais ou procedimentais a resposta será, pelo menos em princípio, negativa.”;
-concatenada a matéria assente com disposto naquele artigo 7º/1, 2 e 3/h), concluiu a Senhora Juíza que no caso dos autos, aquele Director Coordenador do Serviço de Inspecção de Jogos actuou no exercício das suas funções e procedimentais, no âmbito da orgânica do Réu;
-assim atento o enquadramento factual com que a Recorrente fundamentou esta invalidade, o Tribunal a quo pronunciou-se, e bem, sobre a questão de direito suscitada;
-já no que concerne à alegada omissão de pronúncia quanto à violação do princípio da participação, sendo certo que não tendo sido directamente invocada a violação deste princípio, por parte da Recorrente, a factualidade alegada e que poderia consubstanciar a sua violação, foi enfrentada aquando da pronúncia acerca da violação do direito de audiência prévia, razão pela qual é destituída de suporte a aventada nulidade (artº 615º/1/d) do CPC, ex vi artº 1º do CPTA).
Do exposto decorre que não vingando os vícios imputados à sentença sob escrutínio, ela terá de ser mantida na ordem jurídica.
Tal implica a improcedência das conclusões da Apelante.
***
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 29/03/2019
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Nuno Coutinho
-*-
1) Sumário
I-O direito de audiência consubstancia-se no direito do interessado a conhecer, previamente à decisão, o sentido provável desta, e a poder expor sobre ele o seu ponto de vista, direito que tem apoio no art. 267.º, n.º 5, da CRP.
II-Para poder exercer o seu direito, o interessado deverá ser notificado dos “elementos de facto e de direito relevantes para a decisão”, pois sem esses elementos seria impossível ao interessado apresentar os seus argumentos.
III-Tal não significa, porém, que a administração tenha de comunicar ao interessado a fundamentação de facto e de direito do sentido provável da decisão, como pretendido pela recorrente. No fundo, a recorrente pretende é ter acesso ao projecto de decisão, para lhe opor as suas razões.
IV-Esta sua pretensão excede manifestamente o teor e o sentido da lei, que somente quis evitar a prolação de decisões surpresa para o interessado, atribuindo-lhe o direito de se pronunciar, previamente à decisão, sobre o sentido que a Administração considera provável (e que, aliás, não vincula a própria Administração).
V-O conhecimento do sentido provável da decisão constitui já um notável reforço das garantias dos administrados, permitindo-lhes intervir antes da decisão, de forma a poder influenciá-la. Porém, o conhecimento (e o direito de impugnação) da fundamentação da decisão a proferir envolveria uma verdadeira intromissão do interessado no próprio processo de decisão, o que descaracterizaria o poder decisório da Administração e excederia as garantias constitucionais (citado art. 267.º, n.º 5).
VI-O direito de audiência, no entendimento da recorrente, constituiria uma impugnação antecipada de uma decisão ainda não proferida, o que seria insólito e ultrapassa manifestamente o sentido da lei.
VII-O direito de impugnação da fundamentação da decisão só tem sentido depois de proferida, em sede de recurso contencioso. Aliás, o recurso contencioso (a possibilidade de impugnar o acto administrativo junto de uma entidade independente, os tribunais) é a garantia central e suprema dos administrados.

(...)