Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00453/13.7BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/02/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:LEGITIMIDADE- LICENÇA DE UTILIZAÇÃO- FRAÇÃO AUTÓNOMA- PROPRIEDADE HORIZONTAL:
- TÍTULO CONSTITUTIVO-COMÉRCIO.
Sumário:I - A circunstância dos atos de gestão urbanística se encontrarem exclusivamente subordinados a normas de direito do urbanismo (público) e de as licenças de construção e de utilização serem emitidas sob reserva dos direitos de terceiro (não lhes concedendo, sequer retirando direitos), não significa que a administração possa ignorar as regras de direito privado que tutelam os direitos e os interesses de terceiros privados, competindo àquela, na fase preliminar do procedimento de licenciamento, verificar se o requerente do licenciamento dispõe ou não de legitimidade à luz do ordenamento jurídico que a define – o civil – para requerer e realizar a operação urbanística que pretende que a administração lhe licencie.

II- Trata-se de uma apreciação meramente formal, em que a administração se limita a verificar se o requerente do licenciamento apresentou o documento comprovativo que lhe confere legitimidade para realizar a operação urbanística que pretende lhe seja licenciada, sem que a administração possa efetuar quaisquer diligências no sentido de verificar se, de facto, o requerente do licenciamento em causa é ou não titular da qualidade que invoca, e sem que possa dirimir quaisquer conflitos existentes entre esse requerente e terceiros particulares a propósito dessa legitimidade.

III- Nessa operação não se pode confundir licença de utilização e título constitutivo da propriedade horizontal. A licença de utilização é o título em que a administração competente para emitir essa licença certifica que o prédio cumpre com as normas administrativas necessárias para que lhe seja dada determinada utilização e, por via disso, autoriza essa utilização. O título constitutivo da propriedade horizontal é o título que constitui este específico e autónomo direito real e pode regular, com maior ou menor amplitude, o estatuto do prédio.

IV - O uso das frações e das partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal não são de menção obrigatória no título constitutivo da propriedade horizontal. Para que a menção da utilização a dar a determinada fração ou às partes comuns adquira eficácia ergo omnes e, assim, se imponha a todos os condóminos, a terceiros e à administração pública competente pela emissão da licença de construção e/ou utilização, é necessário que: a) a menção quanto ao uso da fração conste do título constitutivo da propriedade horizontal; e que b) esse título constitutivo da propriedade horizontal onde conste a menção da fração para determinado uso tenha sido objeto de registo.

V- Beneficiando uma fração de licença de utilização para o exercício naquela do “comércio”, é ilegal e, portanto, ilícita, a exigência feita pelos Serviços da Câmara Municipal à arrendatária dessa fração, requerente de pedido de licenciamento de obras para adaptação dessa fração à instalação nela de clínica médica de TAC/RX, de que lhe apresente deliberação da assembleia de condóminos ou declaração individual de todos os condóminos em que estes declarem autorizarem a alteração do uso da fração em causa de “comércio” para “clínica médica de RX/TAC”, sob pena de indeferir liminarmente esse pedido de licenciamento, sem que previamente esses serviços se tenham certificado se esse uso – “comércio” – constava ou não do título constitutivo da propriedade horizontal do edifício e, no caso positivo, se esse título constitutivo tinha sido objeto de registo, por forma a que o uso da fração nele consignado adquirisse eficácia ergo omnes.

VI- A cláusula constante do título constitutivo da propriedade horizontal quanto ao uso das frações ou das partes comuns do edifício, quando conste do título constitutivo da propriedade horizontal, tem de ser interpretada de acordo com os critérios interpretativos fixados nos arts. 236º a 238º do CC para os negócios jurídicos e essa utilização constante do título constitutivo da propriedade horizontal, devidamente registado, tem de ser interpretada segundo um critério económico (não técnico-jurídico).

VII- À data em que foi constituída a propriedade horizontal do edifício e foi emitida a licença da utilização para a fração em causa, licenciando-a para o “comércio”, segundo o critério económico, integravam-se na atividade de “comércio” todas as atividades económicas que não se inserissem no setor primário (agricultura) ou secundário (indústria), pelo que, na atividade de “comércio”, estava englobada a atividade de prestação de serviços traduzida na exploração de uma clínica médica de RX/TAC, e daí que ainda que do título constitutivo da propriedade horizontal do edifício em causa constasse que aquela concreta fração se destinava ao exercício do “comércio”, e esse titulo tivesse sido objeto de registo, a instalação nessa fração de clínica médica de RX/TAC não implicava qualquer alteração do respetivo uso contante do título constitutivo da propriedade horizontal e daquele para o qual a mesma já beneficiava de licença de utilização, pelo que a exigência referida em 5) seria sempre ilegal e, portanto, ilícita, além de presuntivamente culposa.

VIII- Tendo por via da exigência referida em 5) e da recusa dos condóminos em concederem aquela autorização exigida pelos serviços da Câmara Municipal, a arrendatária da fração em causa resolvido o contrato de arrendamento da fração e demandado judicialmente o senhorio (aqui Autores), em que estes, por decisão judicial, transitada em julgado, viram esse contrato de arredamento a ser declarado nulo e foram condenados a restituírem à arrendatária da fração todas as rendas que dela receberam, bem como a pagar-lhe o valor que essa arrendatária já tinha despendido na adaptação da fração em causa a clínica médica de RX/TAC, tendo os aqui Autores instaurado ação pretendendo ser indemnizados pelos danos emergentes e lucros cessantes que sofreram em consequência da exigência ilícita e culposa referida em 5), não se verifica o nexo da causalidade adequada entre essa exigência (facto ilícito e culposo) dos serviços do Município Réu e o valor das obras que os senhorios (Autores) foram condenados a pagar à arrendatária com vista à adaptação da fração a clínica médica, uma vez que não era previsível para esses serviços, quando fizeram a dita exigência referida em 5), como condição para apreciar o pedido de licenciamento dessas obras, que estas últimas já estavam a ser executadas.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:MUNICÍPIO (...)
Recorrido 1:A.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

1.1.A. e mulher, M., instauraram a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO (...), pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 242.156,87, sendo € 154.343,51 relativa à condenação dos Autores no âmbito do processo nº 2960/09.7TBVIS, acrescida de juros de mora vencidos até à data de instauração da presente ação, no montante de € 24.813,36, e a quantia de € 63.000,00, a título de lucros cessantes.
Para tanto alegam, em síntese, serem proprietários da fração “A”, sita no prédio constituído em regime de propriedade horizontal, à Tapada ou Quinta do (...), na Rua (...), com a licença de utilização aprovada para comércio, emitida em 27/10/98 pelo Réu;
Em 01 de junho de 2008, os Autores deram essa fração de arrendamento à I., Lda., a fim de nela ser instalada uma clínica médica, estando então, Autores e arrendatária, convictos de que o alvará de utilização para comércio era apto à instalação da referida clínica médica naquele;
Acontece que alguns dos condóminos começaram a opor-se à instalação dessa clínica, o que levou os Autores e a arrendatária a indagarem junto do Réu se a instalação da clínica médica estava ou não compreendido na licença de utilização por esta emitida para a dita fração;
Nessa sequência, os serviços do Réu informaram que para a instalação na referida fração da clínica era necessário obter autorização dos condóminos, com vista à alteração do fim da fração em causa, que se cingia ao “comércio”, enquanto que a atividade que nela se pretendia exercer era a “prestação de serviços”;
Perante essa informação, os Autores tentaram obter o consentimento dos restantes condóminos para a instalação da clínica médica na fração, mas não o conseguiram, facto que comunicaram à arrendatária em setembro de 2008, a qual, por sua vez, resolveu o contrato de arrendamento celebrado com fundamento em não poder dar ao locado o destino previsto no contrato de arrendamento, e acionou judicialmente os mesmos, os quais, por decisão judicial, transitada em julgado, foram condenados a pagar-lhe a quantia de 154.343,51 euros, acrescida de juros de mora desde 02/10/2009;
Acontece que no âmbito dessa ação, instaurada pela arrendatária contra os aqui Autores, foi o próprio Réu que informou o tribunal dessa ação que para a instalação da clínica médica na dita fração não era necessário alterar a finalidade desta, em virtude do alvará de que a mesma era beneficiária para o comércio permitir o exercício de exploração de clínica médica TAC/RX;
Os Autores confiaram na informação dada pelo Réu, que sempre lhes comunicou a necessidade da alteração do fim da fração e a necessidade de obterem o acordo dos condóminos como facto indiscutível, derivado de uma imposição legal, a fim de ser viável a instalação naquela da referida clínica médica, e agiram sempre em conformidade com essa informação;
Acontece que essa imposição legal não existe e estavam reunidas ab initio todas as condições legais para funcionamento na clínica médica na dita fração, mesmo com a valência de imagiologia;
Por via das referidas exigências ilegais do Réu, este tornou-se responsável pelos prejuízos sofridos pelos Autores, seja os decorrentes do contrato de arrendamento celebrado entre estes e a I. ter sido declarado nulo e de, por via disso, terem sido condenados a pagar a essa sociedade a quantia de 154.343,51 euros, acrescida de juros de mora desde 02/10/2009, por decisão transitada em julgado, como pelos danos emergentes que sofreram ao verem-se privados da renda que a fração lhes proporcionaria caso o contrato de arrendamento celebrado com a I. se mantivesse em vigor.
1.2. Citado, o Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção da ineptidão da petição inicial, por falta de alegação de causa de pedir em que alicerçam o respetivo pedido, sustentando que os Autores não invocam factos suficientes para integrar os pressupostos da ilicitude e da culpa integrativos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos que pretendem exercer contra aquele.
Impugnou parte da facticidade alegada pelos Autores, alegando não estarem preenchidos os pressupostos legais da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade entre a suposta errónea informação camarária e o facto do contrato de arrendamento celebrado pelos Autores com a I., Lda. não ter sido cumprido, de que depende o direito indemnizatório a que os Autores se arrogam titulares.
Conclui pedindo que por via das pretensas exceções que deduz seja absolvida da instância e que, em todo o caso, se absolva o mesmo do pedido.
Juntou o processo administrativo, que se encontra apenso a fls. 161/162.
1.3. Por despacho de fls. 167, solicitou-se ao Tribunal Judicial de Viseu o envio, a título devolutivo, do processo 2960/09.7TBVIS, o que foi satisfeito, encontrando-se esse processo apenso aos presentes autos a fls. 172/173.
1.4. Realizou-se audiência prévia em que se proferiu despacho saneador no qual se julgou improcedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial invocada pelo Réu, fixou-se o valor da presente causa em 242.156,87 €, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes.
1.5. Realizada, a audiência final, proferiu-se sentença julgando a presente ação procedente e condenando o Réu a pagar aos Autores o crédito indemnizatório que deduzem, a liquidar em incidente de liquidação, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos e de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, julgo a presente ação procedente e, em consequência, condeno o Demandado a pagar aos Autores os danos sofridos em montante cujo apuramento se relega para incidente de liquidação de sentença.
Condeno em custas o Demandado (cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2 do CPC)”.
1.6. Inconformado, com o assim decidido, o Réu interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:
I- Entende o Recorrente que a decisão prolatada pela Digníssimo Tribunal a quo não teve em consideração a prova produzida em audiência de julgamento, pois que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis nos autos e a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, daí que esta seja merecedora de um juízo de censura no que respeita aos pontos M), Q), W) e Y), do nosso ponto de vista, e com todo o respeito por opinião contrária, incorretamente julgados.
II- Na alínea M) deve ser acrescentado o segmento “em datas não apuradas”, de molde a que esta alínea passe a conhecer a seguinte redação: “Os Autores, em datas não apuradas, apesar de várias tentativas junto de alguns condóminos, não conseguiram obter o consentimento destes, pelo que comunicaram tal facto à arrendatária em setembro de 2008”.
III- A relevância daquele segmento resulta de não ter sido provada qualquer diligência seja dos Autores/recorridos, seja da própria arrendatária, posterior à notificação que lhes é feita pelo ora Recorrente em 2 de setembro de 2008, limitando-se os Autores/recorridos a, concomitantemente, ainda nesse mês, comunicar à arrendatária tal facto.
IV- Dos autos resulta provada uma única tentativa de obter dos condóminos autorização para a instalação da clínica no arrendado, ocorrida na reunião de condomínio de 13 de julho de 2018 – logo, em data anterior àquela notificação do recorrente -, onde os condóminos manifestaram a sua repulsa pelo facto de estarem a ser executadas obras que causaram danos no prédio e nas próprias frações;
V- Aquela alteração ao teor da alínea M) impõe-se face ao teor da ata da Assembleia de Condóminos dada como provada em G) dos factos provados, cuja reunião é anterior à do próprio pedido de licenciamento das obras, conjugadamente com o facto provado K) e com o depoimento das testemunhas P. e A. reproduzido no corpo destas alegações.
VI- Não ficou provado que, depois desta data, 31 de julho de 2008, e muito menos depois de 2 de setembro de 2008, data em que a informação n.º 342/2008 foi notificada à arrendatária, tenha sido realizada outra reunião de condóminos ou com condóminos, onde essa questão tenha sido suscitada;
VII- A razão de discordância da Recorrente relativamente ao facto provado Q) radica na conclusão de que a arrendatária decidiu resolver o contrato de arrendamento por não poder dar à fração o destino estabelecido no mesmo, o que não encontra arrimo na prova produzida.
VIII- Jamais a recorrente comunicou que não autorizava o exercício daquela atividade, nem existe prova de qualquer impossibilidade de a arrendatária dar à fração o destino previsto no contrato de arrendamento.
IX- Resulta sim dos autos que o arrendatário, no seguimento de notificação que lhe é feita pelo Recorrente no sentido de apresentar vários elementos, entre as quais a autorização dos condóminos, optou por não dar sequência ao pedido, não dizendo mais fosse o que fosse, nem apresentando sequer parte dos elementos solicitados, assim desistindo, tacitamente, do pedido de licenciamento.
X- Nesta conformidade, entendemos que, face à prova produzida e à ausência dela no que toca à motivação subjacente à resolução, esta deve ser expurgada do acervo de factos provados, passando a alínea Q) a conhecer a seguinte redação: “Q) A arrendatária decidiu resolver o contrato de arrendamento em data posterior à receção da comunicação referida em M), tendo acionado judicialmente os Autores, mediante a instauração do processo que foi distribuído ao 4º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, sob o nº 2960/09.7TBVIS, no qual era Autora a empresa I. e Réus os Autores na presente ação”.
XI- Pela mesma ordem de razões, deve a conclusão referida em Y) conhecer diferente redação, pois a não entrega dos elementos solicitados pelo Recorrente à arrendatária decorre da desistência da arrendatária na manutenção do contrato de arrendamento, em face da oposição dos condóminos à instalação da clinica.
XII- O facto Y) deve passar a mencionar – “A I. não apresentou ao Demandado quaisquer dos elementos solicitados no ofício referido em K)”.
XIII- Por que inexiste prova que permite conexionar os danos dos Autores com a conduta da Recorrente, decorrendo antes aqueles de obras ilegais promovidas por aqueles e pelo seu arrendatário, a alínea W) dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: “Os Autores sofreram danos patrimoniais com a resolução do contrato de arrendamento pela I. e com a sua condenação no processo identificado na alínea Q) supra”.
XIV- Os danos patrimoniais respeitam a obras ilegais, por que efetuadas antes ainda de ser pedida autorização para serem levadas a cabo, pelo que jamais podem merecer a tutela do direito.
XV- Em face dos depoimentos prestados em Tribunal pelas testemunhas A., A. e J., deveria o Digníssimo Tribunal aditar ao elenco factual dado como provado “Z) Todos os pedidos entrados nos serviços da Recorrente antes de 27 de novembro de 2008 conexionados com esta matéria - possibilidade de exercício da atividade de serviços numa fração cujo alvará de utilização mencione apenas a finalidade de “comércio” – tiveram o mesmo tratamento, não só o pedido dos Recorridos, como todos os outros que entraram e que foram muitos”.
XVI- A pertinência de se aditar este facto ao acervo da fundamentação de facto prende-se com a necessidade de demonstrar que a informação n.º 342/2008 não é ilícita, mas é sim consentânea com o entendimento que vigorava nos serviços do Recorrente à data em que a mesma foi exarada, que só foi alterado em 27 de novembro desse ano, no seguimento de deliberação camarária dessa data.
XVII- A atuação do Recorrente é irrepreensível, isenta de criticas, tendo-se pautado pelo mais estrito cumprimento dos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos e interesses do cidadão, da boa administração, da igualdade, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa-fé, plasmados nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º e 10.º do Código do Procedimento Administrativo.
XVIII- Nem na produção da informação n.º 342/2008 - que solicita a autorização de todos os condóminos na alteração do uso da fração -, nem na informação n.º 301/2010, existe ilicitude, pressuposto elementar da obrigação de indemnizar – artigo 7.º e 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
XIX- Do mesmo passo, também não poderá ser assacada qualquer culpa ao Recorrente na medida que este atuou com a diligência e prontidão que naquele caso se exigia, tendo adotado posição idêntica à dos outros casos similares, pelo que, inexistindo culpa na atuação do Recorrente, fica prejudicada a possibilidade de esta ser condenada nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
XX- Ora, sendo os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas – facto; ilicitude; culpa; dano e nexo de causalidade – de verificação cumulativa, basta a ausência de um deles para que não possa haver lugar a responsabilidade e consequentemente a obrigação de indemnizar, como no caso aqui do Recorrente.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por acórdão que julgue procedente todos os pedidos peticionados pelo Recorrente.

1.7. Os apelados contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:
1- A douta sentença proferida não viola qualquer norma ou principio jurídico, fazendo um correto julgamento na decisão da matéria de facto e na aplicação do direito, devendo manter-se na ordem jurídica.
2- Caso se perfilhe o entendimento vertido nas conclusões XV a XIX do recurso da recorrente, deve ser ampliada a matéria objeto de recurso, e dar-se como provado que:
Z- Todos os pedidos entrados nos serviços do Réu depois da entrada em vigor do RJUE e antes de 27 de novembro de 2008 conexionados com esta matéria – possibilidade de exercício da atividade de serviços numa fração cujo alvará de utilização mencione apenas a atividade comércio emitidos ao abrigo da legislação anterior àquele RJUE - tiveram o mesmo tratamento,
Z1 - Interpretando o Réu aqueles Alvarás de forma restrita como se fossem apenas para comércio
Z2 - Obrigando os requerentes a juntarem deliberações das Assembleias de Condóminos sempre que se pretendia instalar naquelas frações atividades de serviços.
Z3 - Essa obrigatoriedade era divulgada aos Munícipes pelos serviços da Câmara Municipal (...).
[considerando as Declarações prestadas pelas testemunhas A. – gravado em 02:36:57 a 03:22:00 e J. gravado entre 03:22:01 e 03:52:31 conforme Ata de Audiência de Julgamento]
3 - Tal factualidade, conjugada com a restante matéria de facto julgada provada,
4 - Sempre ditará que se configure nessa exigência – ilegal - da Declaração da Assembleia de Condóminos a ilicitude da atuação do recorrente.
5 - Estando assim sempre preenchidos os pressupostos geradores da obrigação de indemnizar do recorrente.
Assim se fazendo Justiça.
NESTES TERMOS deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a douta sentença proferida, ou prevenindo a procedência do recurso quanto à concretização do facto ilícito, e julgando provada a matéria constantes das conclusões destas contra alegações, deve proferir-se, em conformidade, decisão que condene a recorrente no pedido.
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1.8. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.

1.9.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.1.Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se ao seguinte:
- Recurso do apelante:
1- se ao julgar provada a facticidade das alíneas M, Q, W e Y dos factos provados na sentença recorrida, o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, e se uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe alterar a materialidade fáctica assim julgada provada nos seguintes termos:
M – Os Autores, em datas não concretamente apuradas, apesar de várias tentativas junto de condóminos, não conseguiram obter o consentimento destes, pelo que comunicaram tal facto à arrendatária em setembro de 2008.
Q- A arrendatária decidiu resolver o contrato de arrendamento em data posterior à receção da comunicação referida em M, tendo acionado judicialmente os Autores mediante a instauração do processo que foi distribuído sob o n.º 2960/09.7TBVIS, no qual era Autora a empresa I. e Réus os Autores na presente ação.
Y- A I. não apresentou ao demandado quaisquer dos elementos solicitados no ofício referido em K.
W- Os Autores sofreram danos patrimoniais com a resolução do contrato de arrendamento pela I. e com a sua condenação no processo identificado na alínea Q”.
E se se impõe aditar ao elenco dos factos julgados provados na sentença a seguinte facticidade:
“Z- Todos os pedidos entrados nos serviços do Réu antes de 27 de novembro de 2008 conexionados com esta matéria – possibilidade de exercício da atividade de serviços numa fração cujo alvará de utilização menciona apenas a finalidade de “comércio” – tiveram o mesmo tratamento, não só o pedido dos recorridos, como todos os outros que entraram e que foram muitos”.
2- se na sentença recorrida, ao julgar procedente a ação, condenando o apelante a pagar aos Autores (apelados) pelos danos sofridos em montante cujo apuramento relegou para incidente de liquidação, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, porquanto o apelante não teve qualquer comportamento ilícito ou culposo, claudicando, por isso, os pressupostos constitutivos da obrigação de indemnizar com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e porque, independentemente disso, os danos patrimoniais sofridos pelos apelados e cujo valor este foi condenado a pagar aos apelados, respeitam a obras ilegais, efetuadas pela arrendatária antes de obter o licenciamento dessas obras junto do Réu (apelante), pelo que jamais esses prejuízos podem merecer a tutela do direito.
- Ampliação do objeto do recurso operada pelos apelados para o caso da apelação interposta pelo apelante vir a proceder:
3- se perante a prova produzida se impõe aditar à facticidade julgada provada a seguinte materialidade fáctica:
“Z1- O Réu interpreta os alvarás identificados em Z de forma restrita, como se fossem apenas para o comércio.
Z2- Obrigando os requerentes a juntarem deliberações das assembleias de condóminos sempre que se pretendia instalar naquelas frações atividade de serviços.
Z3- Essa obrigatoriedade era divulgada aos munícipes pelos serviços da Câmara Municipal (...)”.
4- E se por via do aditamento dessa facticidade ao elenco dos factos provados na sentença recorrida, se impõe manter a condenação do apelante nos termos da parte dispositiva dessa sentença.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO.
3.1. A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
A- Os Autores são donos e legítimos possuidores de uma fração autónoma identificada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito à Tapada ou Quinta do (...), Rua (…), inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de (…), sob o artigo 1618, com a licença de utilização emitida pela Câmara Municipal (...), Alvará 564/98 (cfr. documento junto pelos Autores).
B- Em inícios de março de 2008, os Autores foram contactados pela empresa I., LDA, que pretendia arrendar a fração identificada na alínea anterior para instalação de uma clínica médica (confissão dos Autores).
C- Em 01/06/2008, os Autores celebraram com a empresa I., LDA, um contrato de arrendamento comercial, do seguinte teor:

(Documento na sentença original)

...» (cfr. documento junto pelos Autores e constante do processo administrativo).
D- Quando celebraram o contrato referido na alínea anterior os Autores estavam convictos de que o alvará de utilização para comércio da fração era apto à instalação de uma clínica médica, convicção que transmitiram à arrendatária (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A. e P.).
E- Em 03/06/2008, a empresa I., LDA, e a empresa A. II, LDA, celebraram um contrato de empreitada, que dou aqui por reproduzido (cfr. documento junto pelos Autores).
F- Alguns condóminos do prédio identificado em A) começaram a manifestar a sua oposição à instalação da arrendatária, porque a mesma tinha uma valência de Imagiologia, com TAC e RX (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A., P. e M.).
G- Os Autores tentaram obter o consentimento dos condóminos, tendo mesmo convocado uma reunião extraordinária do condomínio, que se realizou em 13/07/2008, mas não o conseguiram obter, conforme ata do seguinte teor:

(Documento no original da sentença)

» (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A., P. e M. e documento junto pelos Autores).
H- Em 31/07/2008, a empresa I., LDA, deu entrada no Demandado de um requerimento, sob o “Assunto: Pedido de Licenciamento – Obras Particulares”, na qualidade de arrendatário e com o seguinte objeto do pedido:
«Vem requerer a V. Exa., ao abrigo do nº 2 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 04 de junho, e Lei nº 60/2007, de 04 de setembro, licenciamento da seguinte Operação Urbanística: Construção e Alteração», com o qual juntou os seguintes documentos:
- Planta de localização
- Projeto de Arquitetura
- Ficha com os elementos estatísticos
- Termos de responsabilidade subscritos pelos autores dos projetos e coordenador de projeto quanto ao cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis.
- Memória Descritiva e Justificativa
- Estimativa do custo total da obra
- Calendarização da execução da obra
- Projetos de especialidades: projeto acústico, projeto de segurança contra incêndios, projeto das redes prediais de água e esgotos, processo a que foi atribuído o nº 308/2008 (cfr. consta do processo administrativo).
I- Em 12/08/2008, por iniciativa do Requerente I., LDA, no âmbito do processo nº 308/2008, foram ainda apresentados os seguintes projetos de especialidades:
- Projeto de alimentação e distribuição de energia elétrica
- Projeto das redes prediais de água e esgotos aprovado
- Projeto de segurança contra incêndios aprovado
- Projeto acústico
- Delegação de saúde aprovado (cfr. consta do processo administrativo).
J- Em 22/08/2008, por iniciativa do Requerente I., LDA, no âmbito do processo nº 308/2008, foi ainda apresentado o projeto de especialidade: - Projeto de instalações telefónicas e de telecomunicações (cfr. consta do processo administrativo).
K- Por carta registada do Demandado, remetida pelo correio em 02/09/2008, dirigida ao gerente da empresa I., LDA, com menção em epígrafe REGISTADO, PROCESSO: 09-308/2008, REQUERENTE: I., LDA, LOCAL: Rua (…), ASSUNTO: Adaptação a clínica de TAC/RX, foi notificado o seguinte:
«Relativamente ao assunto em epígrafe, notifico V. Exª para, no prazo máximo de 10 dias, dar total cumprimento ao teor da informação nº 342/2008 de 21/08/2008, prestada pelo Chefe da Secção de Obras Particulares, do qual se concorda e se anexa fotocópia.
Mais se informa que o incumprimento produzirá à rejeição liminar da pretensão, informação que é do seguinte teor:

(Documento no original da sentença)

...» (cfr. documento junto pelos Autores e consta do processo administrativo).
L- A arrendatária, após ter tomado conhecimento da informação referida na alínea anterior, solicitou aos Autores a obtenção da autorização da Assembleia de Condóminos ou a Declaração Individual de cada Condómino para dar cumprimento ao solicitado no ofício referido na alínea anterior (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A. e P.).
M- Os Autores, apesar de várias tentativas junto de alguns condóminos, não conseguiram obter o consentimento destes, pelo que comunicaram tal facto à arrendatária em setembro de 2008 (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A., P. e M.).
N- Por carta registada do Demandado, remetida pelo correio em 29/09/2008, dirigida ao gerente da empresa I., LDA, com menção em epígrafe REGISTADO, ASSUNTO: entrega adicional de elementos, PROCESSO: 09-308/2008, REQUERENTE: I., LDA, LOCAL: Rua (…), foi notificado o seguinte:
«Relativamente ao assunto em epígrafe, notifico V. Exª para, no prazo de 10 dias, dar total cumprimento ao conteúdo da informação nº 372 datada de 23 de setembro de 2008, prestada pela Secção de Obras Particulares, com a qual se concorda e de que se remete fotocópia, sob pena do não prosseguimento da pretensão.», informação que é do seguinte teor:
Informação Nº 372/2008
Processo: 09 – 308/2008
Requerente: I. – LDA
Assunto: Entrega adicional de elementos – Projeto infraestruturas de telecomunicações ITED (1 original e 1 duplicado)
...
Referente ao processo identificado em título, e constatando-se o incumprimento ao teor da notificação efetuada pelo n/ ofício S.25429/2008, de 2 de setembro de 2008, propõe-se que seja exarado despacho de rejeição liminar da pretensão, com base no nº 4 do artº 11º do Decreto-Lei nº 555/99, na sua atual redação, por falta de documento instrutório exigível e indispensável ao conhecimento da pretensão, designadamente os elencados na citada notificação.
Mais se propõe, que se informe o requerente, que, nos termos do nº 9 do artº 11º do Decreto-Lei nº 555/99, na sua atual redação, em nova comunicação para o mesmo fim está dispensado de juntar os documentos utilizados que se mantenham válidos e adequados. Viseu, 23 de setembro de 2008...», carta que veio devolvida e foi remetida nova carta registada para outra morada em 05/11/2008 (cfr. consta do processo administrativo).
O- Por carta registada do Demandado, remetida pelo correio em 09/12/2008, dirigida ao gerente da empresa I., LDA, com menção em epígrafe REGISTADO, ASSUNTO: Adaptação a clínica de TAC/RX, PROCESSO: 09-308/2008, REQUERENTE: I., LDA, LOCAL: Rua (…), foi notificado o seguinte:
«Relativamente ao assunto referenciado em epígrafe, notifico V Exa. que por decisão de 02/12/2008 foi REJEITADA LIMINARMENTE A PRETENSÃO com base na informação nº 1058 de 27/11/2008, prestada pela Secção de Obras Particulares, com a qual se concorda e de que se remete fotocópia.», informação que é do seguinte teor:
Informação Nº 1058/2008
Processo: 09 – 308/2008
Requerente: I. – LDA
Assunto: Adaptação a clínica de TAC/RX
...
Relativamente ao processo acima identificado, e de acordo com o nº 4 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 555/99, na sua atual redação, propõe-se a rejeição liminar da pretensão, tendo em consideração que o pedido não foi corrigido/completado, conforme solicitado através da notificação S.32655/2008....» (cfr. consta do processo administrativo).
P- Por carta registada do Demandado, remetida pelo correio em 04/02/2009, dirigida ao gerente da empresa I., LDA, com menção em epígrafe REGISTADO, ASSUNTO: Adaptação a clínica, PROCESSO: 09-308/2008, REQUERENTE: I., LDA, LOCAL: (…), foi notificado o seguinte:
«Relativamente ao assunto em epígrafe, informo Vª Exª, que o presente processo vai ser arquivado, com base na informação nº 12/2009, do Departamento de Habitação e Urbanismo, cuja fotocópia se anexa...», informação que é do seguinte teor:
Informação Nº 12/2009
Processo: 09 – 308/200
Requerente: I. 8 – LDA
Assunto: Adaptação a clínica
...
Face ao despacho superior de 02/12/2008, comunicado à requerente através do ofício nº s. 3686/2008, e ao facto de as obras referidas no presente processo serem interiores, propõe-se que se arquive o processo.», carta que veio devolvida e foi remetida nova carta registada em 10/02/2009 (cfr. consta do processo administrativo).
Q- Na sequência da comunicação referida em M), a arrendatária decidiu resolver o contrato de arrendamento, por não poder dar à fração o destino estabelecido no mesmo, tendo acionado judicialmente os Autores, mediante a instauração do processo que foi distribuído ao 4º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, sob o nº 2960/09.7TBVIS, no qual era Autora a empresa I. e Réus os Autores na presente ação (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A. e P. e documentos juntos pelos Autores).
R- Por ofício datado de 25/05/2010, com a referência 5184046, do Tribunal Judicial de Viseu, 4º Juízo Cível, no Processo 2960/09.7TBVIS, e dirigido ao MUNICÍPIO (...), sob o “Assunto: Pedido de Informação/Esclarecimento, foi solicitado o seguinte «Pelo presente, solicita-se a V. Exas se dignem esclarecer nestes autos, em 10 dias, se a licença de utilização para comércio titulada pelo Alvará nº 564/98, emitido por esse organismo em 27-10-1999, respeitante ao rés-do-chão do prédio sito na rua (…), permite o exercício da atividade de exploração de clínica médica TAC/RX, ou se é necessário alterar a finalidade da fração para o exposto.» (cfr. documento junto pela ED.).
S- Em resposta ao ofício referido na alínea anterior, o MUNICÍPIO (...) esclareceu o seguinte, através de ofício com o registo S.20881/2010, que verteu o despacho exarado na Informação nº 301/2010, de 04/06/2010, que dou aqui por reproduzida

(Documento no original da sentença)

» (cfr. documentos juntos pela ED.).
T- Por ofício datado de 30/09/2010, com a referência 5433255, do Tribunal Judicial de Viseu, 4º Juízo Cível, no Processo 2960/09.7TBVIS, e dirigido ao MUNICÍPIO (...), sob o Assunto: Pedido de Informação/Concretização da resposta, foi solicitado o seguinte «Relativamente ao informado no vosso ofício Nº S.20881/2010 de 16-07-2010, solicita-se que no prazo de 10 dias (julgamento marcado para 21-10-2010) concretizem a vossa resposta, no sentido de ser respondido ao que lhe foi solicitado no nosso ofício nº 5184046 de 25-05-2010, cuja cópia se anexa.» (cfr. documento junto pela ED.).
U- O MUNICÍPIO (...) respondeu ao pedido referido na alínea anterior, do seguinte modo:

(Documento no original da sentença)

» (cfr. documentos juntos pela ED.).
V- No âmbito do processo identificado na alínea anterior, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/07/2013, já transitado em julgado, foi decidido julgar a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, nos moldes decididos pelo tribunal de 1ª instância, cuja decisão foi a seguinte:
«A. Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
1. Declaro nulo o contrato de arrendamento comercial celebrado entre as partes no dia 1 de junho de 2008.
2. Condeno os réus a pagarem à autora as seguintes quantias:
- € 146.343,51, relativa às obras realizadas no locado; e
- € 8.000,00, relativas às rendas pagas;
- a estas quantias, acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
3. Absolvo os réus do remanescente peticionado.
B. Julgo a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência:
I. Condeno a autora/reconvinda a pagar aos réus/reconvintes as seguintes quantias:
- € 60.000,00, relativa às obras necessárias realizar;
- € 3.850,00, relativa aos materiais inutilizados; e
- € 2.000,00, relativa à privação do locado;
- a estas quantias, acrescem juros de mora à taxa legal, contados desde a data da notificação do pedido reconvencional até integral pagamento.
2. Absolvo a autora/reconvinda do remanescente peticionado.» (cfr. documentos juntos pelos Autores).
W- Os Autores sofreram danos patrimoniais, na sequência do referido em K), L), M) e Q) supra, com a resolução do contrato de arrendamento pela I. e com a sua condenação no processo identificado na alínea Q) supra (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores R. e A.e documentos juntos pelos Autores).
X- Em 15/02/2010, os Autores celebraram um contrato promessa de arrendamento comercial, relativamente à fração autónoma identificada em A) supra, com a empresa V., Lda., tendo estabelecido que o arrendamento teria o seu início em 1/04/2020, com uma renda mensal de € 1.500,00 (cfr. documento junto pelos Autores).
Y- A I. não apresentou ao Demandado quaisquer dos elementos solicitados no ofício referido em K), por os Autores não terem conseguido obter o elemento relativo à “Autorização da Assembleia de Condóminos ou Declaração Individual de cada Condómino para alteração à finalidade da fração – de comércio para clínica TAC/RX, dando cumprimento ao nº 2 do artº 1419º ou nº 5 do artº 1432º e 1422º do Código Civil.” (cfr. depoimento das testemunhas dos Autores A. e P.).
*
III.B. DE DIREITO
b.1. da impugnação do julgamento da matéria de facto.
3.2.O apelante impugna o julgamento da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância nas alíneas M, Q, W e Y da sentença sob sindicância, pretendendo que a prova produzida não consente que se julgue provada essa concreta facticidade, mas apenas a seguinte materialidade fáctica:
M – Os Autores, em datas não concretamente apuradas, apesar de várias tentativas junto de condóminos, não conseguiram obter o consentimento destes, pelo que comunicaram tal facto à arrendatária em setembro de 2008.
Q- A arrendatária decidiu resolver o contrato de arrendamento em data posterior à receção da comunicação referida em M, tendo acionado judicialmente os Autores mediante a instauração do processo que foi distribuído sob o n.º 2960/09.7TBVIS, no qual era Autora a empresa I. e Réus os Autores na presente ação.
Y- A I. não apresentou ao demandado quaisquer dos elementos solicitados no ofício referido em K.
W- Os Autores sofreram danos patrimoniais com a resolução do contrato de arrendamento pela I. e com a sua condenação no processo identificado na alínea Q”.
3.2.1.Adicionalmente pretende que perante a prova produzida, o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância padece do vício da insuficiência, ao não julgar como provada, sequer como não provada, a seguinte materialidade fáctica, isto apesar de perante a prova produzida, se impor, na sua perspetiva, concluir pela respetiva prova:
“Z- Todos os pedidos entrados nos serviços do Réu antes de 27 de novembro de 2008 conexionados com esta matéria – possibilidade de exercício da atividade de serviços numa fração cujo alvará de utilização menciona apenas a finalidade de “comércio” – tiveram o mesmo tratamento, não só o pedido dos recorridos, como todos os outros que entraram e que foram muitos”.
3.2.2. Antes de mais, impõe-se referir que o apelante, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, cumpriu com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que lhe são impostos pelo art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, ex vi, art. 1º do CPTA, na medida em que indica, nas conclusões de recurso, os concretos pontos da matéria de facto que impugna (as alíneas M, Q, W e Y dos factos julgados provados na sentença, e a matéria de facto em relação à qual imputa o vício da deficiência ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância) e, bem assim, enuncia, na motivação de recurso e, inclusivamente, indevidamente, nas conclusões (sem que daqui decorra qualquer repercussão jurídica para a admissibilidade legal do tribunal ad quem poder entrar na apreciação dessa impugnação), a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria de facto que impugna, assim como indica quais os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impõem esse julgamento da matéria de facto diverso que propugna, fazendo uma análise minimamente crítica desses meios de prova, por forma a demonstrar o porquê de os mesmos não consentirem o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, mas antes imporem o por si propugnado, e quanto aos meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas que foram objeto de gravação, indica o início e o termo dos excertos da prova pessoal em que funda o seu recurso e, inclusivamente, procede à transcrição destes.
Deste modo, é apodítico que o apelante cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto a que se encontra legalmente adstrito, o que nem sequer vem colocado em crise pelos apelados, pelo que nos abstemos de tecer maiores, por desnecessárias, delongas e considerações a propósito dos mencionados ónus impugnatórios e respetivo cumprimento pelo apelante, pelo que, do ponto de vista estritamente processual, nenhum óbice legal se suscita quanto à possibilidade deste tribunal entrar na apreciação dessa impugnação.
3.2.3.Posto isto, incumbe precisar que em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e submetida ao princípio da livre apreciação da prova, do regime jurídico que se encontra explanado no art. 662º do CPC, decorre ser propósito do legislador que o tribunal de 2ª Instância realize um novo julgamento em relação à matéria de facto impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI..
Deste modo, perante as regras positivas vigentes na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, o tribunal ad quem deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada pelo recorrente, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade.
Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, o tribunal ad quem tem autonomia decisória, devendo apreciar livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão e que, portanto, se encontrem subtraídos ao princípio da livre convicção do julgador (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).
Nessa sua livre apreciação, o tribunal de recurso não se encontra condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma este TCAN recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI..
No entanto, uma vez realizado esse novo julgamento, para que seja possível ao tribunal ad quem alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, não basta que a prova indicada pelo recorrente, conectada com a restante prova constante dos autos, a que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta esse julgamento diverso que vem propugnado pelo mesmo, mas antes que o imponha.
Com efeito, o n.º 1 do art. 662º, n.º 1 do CPC é expresso ao estatuir que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, não bastando, por isso, que a prova produzida consinta ou admita o julgamento de facto diverso que vem propugnado pelo recorrente, mas antes que o imponha.
Essa exigência legal decorre da circunstância de se manterem em vigor no atual CPC os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que sempre que a impugnação do julgamento da matéria de facto verse sobre matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova, o tribunal de recurso nunca poderá deixar de ter presente os enunciados princípios e, bem assim a consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não podendo, por isso, aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, sequer desconsiderar, em absoluto, os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou na produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da sua convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação áudio dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Daí que o uso pelo tribunal de recurso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto só deva ser usado quando seja possível concluir, face à prova produzida, com a necessária segurança, pela existência de um efetivo erro na apreciação da prova relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados pelo recorrente, isto é, quando após proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova produzida que entenda pertinente, se conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Daqui deriva que “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela 1ª Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609..
3.2.4.Posto isto, entrando na concreta apreciação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, iniciar-se-á essa apreciação pelo vício da deficiência que este imputa ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, tendo presente que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, essa matéria jamais poderá ser aditada ao elenco dos factos provados na sentença, pela simples e singela circunstância de que esses factos ou não configuram factos essenciais integrativos da causa de pedir invocada pelos apelados, na petição inicial, para suportar o pedido que deduzem (conforme efetivamente não configuram) e, como tal, se mostram totalmente irrelevantes para a resolução do objeto do presente litigio, ou caso o apelante pretenda vê-los aditados à matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, a título de matéria de exceção, esses factos jamais poderão aí ser aditados porque não foram alegados pelo apelante na contestação, sob pena deste tribunal incorrer em violação do disposto nos arts. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC, e com isso, dos princípios do dispositivo e do contraditório.
Vejamos.
b.1.1- Do vício da deficiência da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância.
3.2.5.Imputa o apelante ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância o vício da deficiência, advogando que “em face dos depoimentos prestados em tribunal pelas testemunhas A., A. e J.”, impunha-se que o tribunal a quo tivesse julgado como provada a seguinte materialidade fáctica:
Todos os pedidos entrados nos serviços da Recorrentes antes de 27 de novembro de 2008, conexionados com esta matéria – possibilidade de exercício da atividade de serviços numa fração cujo alvará de utilização mencione apenas a finalidade de comércio – tiveram o mesmo tratamento, não só o pedido dos Recorridos, como todos os outros que entraram e que foram muitos”.
Para fundamentar o enunciado vício da deficiência que imputa a esse julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância advoga o apelante que “a pertinência de se aditar este facto ao acervo da fundamentação de facto prende-se com a necessidade de demonstrar que a informação n.º 342/2008 não é lícita, mas é sim consentânea com o entendimento que vigorava nos serviços do recorrente à data em que a mesma foi exarada, que só foi alterado em 27 de novembro desse ano, no seguimento de deliberação camarária dessa data”.
Mediante o enunciado aditamento da mencionada facticidade ao elenco dos factos provados na sentença, pretende, pois, o apelante, de acordo com a sua própria alegação, justificar a alteração da posição que se encontra explanada na informação n.º 342/2008, em que tendo a arrendatária (I., Lda.) do prédio, propriedade dos apelados (Autores) e objeto dos autos, requerido ao apelante um pedido de licenciamento de obras de construção e alteração daquele prédio (fração) a fim de nele instalar uma clínica médica de TAC/RX, os serviços do apelante notificaram-na de que esse “seu pedido foi convertido oficiosamente para o procedimento de comunicação prévia” e determinaram-lhe que, no prazo de dez dias, aperfeiçoasse o seu pedido, “com a apresentação dos seguintes elementos: - autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condomínio para alteração à finalidade da fração de comércio para clínica TAC/RX, dando cumprimento ao n.º 2 do art. 1419º ou n.º 5 do arts. 1432º e 1422º do CC, e os elementos previstos no art. 12º da Portaria n.º 232/2008, designadamente (…)”, com a advertência de que “o incumprimento” do determinado “produzirá a rejeição liminar da pretensão”, impondo, portanto, como requisito necessário ao deferimento do pedido deduzido pela I., convertido oficiosamente para procedimento de comunicação prévia, a apresentação pela mesma, além de outros, de documento em que os condóminos do edifício constituído em propriedade horizontal, onde se situa aquele prédio (fração), autorizavam a alteração do uso desta de “comércio” para “serviços”, e a informação que o mesmo apelante veio, posteriormente, em 21/10/2010, a prestar no âmbito da ação declarativa n.º 2690/09.7TBVIS, do 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, em que perante a pretensão desse tribunal para que esclarecesse se a licença de utilização para comércio de que a fração era beneficiária – “comércio” -, permitia ou não o exercício nesta da atividade de exploração clínica médica TAC/RX, o apelante informou que “(…) a fração de rés-do-chão … a comércio, conforme o alvará n.º …, permite o exercício da atividade de exploração de clínicas médicas TAC/RX, não sendo necessário alterar a finalidade da fração” e em que, consequentemente, aparentemente revê aquela que tinha sido a sua anterior posição, manifestada no âmbito da informação n.º 342/2008.
Assim, mediante a facticidade que pretende ver aditada ao elenco dos factos provados pretende o apelante, tal como expressamente refere na conclusão XVI das suas alegações de recurso, demonstrar que entre a informação n.º 342/2008 e a que prestou ao Tribunal Judicial de Viseu em 21/10/2010, não intercede qualquer contradição ou incongruência, mas antes que essa diferença de posições resulta de entre o momento em que foi prestada a informação n.º 342/2008 e a que foi prestada ao Tribunal Judicial de Viseu, a Câmara Municipal (...) aprovou uma deliberação no sentido de que as frações anteriormente licenciadas para “comércio”, devessem ser entendidas como estando licenciadas para “comércio e serviço”, e que a posição que adotou em relação à arrendatária I., Lda., no âmbito da informação n.º 342/2008 era aquela que, à data desse informação, tomava perante pedidos de terceiros idênticos ao apresentado pela I., Lda..
3.2.6.Acontece que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a causa de pedir que os apelados elegeram, em sede de petição inicial e em que fazem alicerçar a sua pretensão indemnizatória de tutela judiciária (pedido) contra o apelante, não assenta na aparente incongruência de posições assumidas pelo último na informação n.º 342/2008 e na que prestou ao Tribunal Judicial de Viseu no âmbito da identificada ação declarativa n.º 2690/09.7TBVIS, mas antes na própria ilicitude da exigência que o apelante fez à arrendatária da fração em causa (a I., Lda.) na informação n.º 342/2008, em que após converter oficiosamente o pedido de licenciamento de obras de construção e alteração a serem realizadas nessa fração em procedimento de comunicação prévia, impôs que esta lhe apresentasse, entre outros, documento comprovativo da autorização da assembleia de condóminos do prédio onde se situa essa fração ou declaração individual de cada condómino para alteração à finalidade da fração de comércio para clínica TAC/RX, sob pena de não o fazendo, o procedimento ser liminarmente indeferido, sustentando os apelados que estando a fração em causa licenciada para “comércio”, aqui se compreendendo “comércio” e “serviços”, não havia, por isso, qualquer alteração do uso da fração e sendo, por conseguinte, ilegal e, portanto, ilícita e culposa, essa exigência do apelante.
3.2.7.No entanto, a ser assim, como é, não ocorre qualquer deficiência da matéria de facto julgada provada na sentença recorrida.
Na verdade, pretendendo os Autores (apelados), mediante a presente ação exercer o seu pretenso direito indemnizatório contra o apelante, alegando como causa de pedir, o instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, é sobre os próprios que, salvo o casos de presunção de culpa, impende o ónus da alegação e da prova da materialidade fáctica essencial integrativa dos pressupostos legais de que depende o nascimento dessa sua pretensão indemnizatória, isto é, do ónus da alegação (e da prova) dos factos essenciais concretos integrativos dos pressupostos dessa responsabilidade: do facto, da ilicitude, da culpa, do dano e do nexo causal entre o facto e o dano em que alicerçam o seu pedido indemnizatório.
Esses factos essenciais integrativos dos enunciados requisitos cumulativos constitutivos da responsabilidade civil do apelante que os apelados pretendem exercer nos autos, nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d) do CPC, têm de ser por eles alegados na petição.
Deste modo, é sobre os apelados (Autores) que impende o ónus da alegação (e da prova – art. 342º, n.º 1 do CC) dos factos essenciais da verificação do pressuposto da ilicitude e da culpa, designadamente em como a exigência que a apelante fez à I., Lda., na informação n.º 342/2008, no sentido de apresentar, no prazo de dez dias, a autorização da assembleia de condóminos ou a declaração individual de cada condomínio para a alteração à finalidade da fração”, licenciada para comércio para clínica TAC/RX, em face do quadro jurídico vigente, à data dessa informação, era ilegal e, por isso ilícita (e não é sobre a apelante (Ré) que impende o ónus da alegação e da prova de que essa exigência que fez nessa informação, era legal, face ao quadro legal que então vigorava e, bem assim que a aparente alteração dessa posição, face à informação prestada em 21/10/2010, não se deve efetivamente a qualquer modificação da sua posição, mas antes a uma modificação do quadro jurídico pretensamente ocorrido entre o momento em que emanou a informação n.º 342/2008 e aquele em que prestou, em 21/10/2010, a sobredita informação ao Tribunal Judicial de Viseu no âmbito da ação declarativa n.º 2690/09.7TBVIS.
3.2.8.Precise-se, aliás, que as eventuais alterações legislativas pretensamente ocorridas posteriormente à informação n.º 342/2008, reafirmada por informação expedida em 02/09/2008, caso tenham efetivamente acontecido e justifiquem, conforme pretende o apelante acontecer, a posição que assumiu em 21/10/2010, perante o Tribunal Judicial de Viseu, são totalmente irrelevantes para efeitos da decisão a proferir quanto ao objeto da presente ação, onde apenas se impõe apurar se perante os factos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pelos apelados, em sede de petição inicial, e que os mesmos vierem a provar, se verificam ou não os enunciados pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos em que os mesmos fazem ancorar a sua pretensão indemnizatória contra o apelante, à luz do regime jurídico que vigorava quando a I. apresentou o pedido de licenciamento de obras, à data em que o apelante proferiu a informação n.º 342/2008, a reafirmou através da informação n.º 372/2008, e à data em que, finalmente, indeferiu liminarmente o procedimento, independentemente das alterações legislativas verificadas após esse indeferimento.
Deste modo é que, na nossa perspetiva, a facticidade que o apelante pretende ver aditada ao elenco dos factos provados na sentença recorrida, é de todo irrelevante para o objeto dos presentes autos e, portanto, não pode ser aditada à facticidade julgada provada e não provada.
No entanto, caso o apelante pretenda que assim não é, porquanto pretenda extrair dessa facticidade qualquer consequência jurídica em termos de facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito indemnizatório que os apelados pretendem ser titulares para com aquele e que exercem nos presentes autos, isto é, pretenda que essa facticidade integra matéria de exceção ao referido direito indemnizatório que os apelados se arrogam titulares perante o apelante, então dir-se-á que essa concreta facticidade, pretensamente provada na sequência da prova testemunhal produzida em audiência final, independentemente dessa prova feita em audiência final, nunca poderá ser aditada aos factos provados na sentença recorrida, dado que não foi alegada, na contestação, pelo apelante.
3.2.9.Na verdade, nos termos do disposto nos arts. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC, os factos essenciais integrativos das exceções deduzidos pelo Réu (apelante) carecem de ser por ele alegados na contestação, sob pena de independentemente da prova que sobre os mesmos venha a recair em audiência final, o tribunal não os poder julgar provados na sentença, por a isso se oporem os princípios do dispositivo e do contraditório.
Ora, conforme resulta da leitura da contestação apresentada pelo apelante, este nela jamais alega que “todos os pedidos que entraram nos seus serviços antes de 27 de novembro, conexionados com a possibilidade de exercício de serviços numa fração cujo alvará de utilização mencione apenas a finalidade de “comércio”, tiveram o mesmo tratamento que mereceu o pedido que nela foi apresentado pela I., Lda., e sobre o qual recaiu a informação n.º 342/2008”.
Logo, essa facticidade, a entender-se que a mesma consubstanciará matéria de exceção (o que não logramos descortinar que assim seja), jamais poderá ser levada ao elenco dos factos julgados provados (ou não provados) na sentença recorrida.
3.2.10.Destarte, porque em fase da concreta relação jurídica material controvertida que se encontra subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) delineada pelos apelados na petição inicial, a matéria que o apelante pretende ver aditada ao elenco dos factos julgados provados na sentença, se mostra, de todo irrelevante, para a decisão a proferir quanto a essa relação jurídica material controvertida nos autos, quer porque, a entender-se (o que, reafirma-se, não se descortina que assim seja) que essa concreta facticidade consubstancia matéria de exceção, porque a mesma não foi objeto de oportuna alegação pelo apelante em sede de contestação, não podendo, por isso, ser julgada provada, sequer não provada na sentença recorrida, sob pena de violação dos princípios do dispositivo e do contraditório (arts. 5º, n.º 1 e 572º, al. c) do CPC), improcede este fundamento de recurso.
Termos em que na improcedência do enunciado fundamento de recurso, julga-se improcedente o vício da deficiência que o apelante imputa ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância na sentença recorrida e, em consequência, não se adita a materialidade fáctica que este pretende a ela ver aditada ao elenco dos factos provados.

b.1.2- Da impugnação da alínea M) dos factos provados.
3.4. Na alínea M dos factos provados, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
M- Os Autores, apesar de várias tentativas junto de alguns condóminos, não conseguiram obter o consentimento destes, pelo que comunicaram tal facto à arrendatária em setembro de 2008.
O apelante imputa erro de julgamento à matéria assim julgada provada pelo tribunal a quo, advogando que dos autos resulta provada uma única tentativa de obter dos condóminos autorização para a instalação da clínica no arrendado, ocorrida na reunião de 13 de julho de 2008 e, consequentemente, anterior à notificação que aquele fez à arrendatária em 02/09/2008, onde os condóminos manifestaram a sua repulsa pelo facto de estarem a ser executadas obras que causaram danos no próprio prédio e nas próprias frações.
Assim, conclui o apelante que face ao teor da ata da assembleia de condóminos dada como provada em G) dos factos provados, cuja reunião é anterior à do próprio pedido de licenciamento das obras, conjugadamente com os factos provados na alínea K) e, bem assim com os depoimentos das testemunhas P. e A., não ficou provado que depois de 31 de julho de 2008 e, muito menos, depois de 2 de setembro de 2008, data em que a informação n.º 342/2008 foi notificada à arrendatária, tenha sido realizada outra reunião de condóminos ou com condóminos, onde essa questão tenha sido suscitada, impondo-se, por conseguinte, a alteração da facticidade julgada provada na identificada alínea M) no sentido de se julgar como provada apenas a seguinte facticidade:
M- Os Autores, em datas não concretamente apuradas, apesar de várias tentativas junto de alguns condóminos, não conseguiram obter o consentimento destes, pelo que comunicaram tal facto à arrendatária em setembro de 2008”.
3.4.1.Precise-se que na sequência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante tivemos o cuidado de proceder à audição integral de todos os depoimentos prestados em audiência final e de proceder à análise de toda a prova documental que se encontra junta aos autos, e mal descortinamos fundamento fáctico para a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo apelante, a qual passa pela desconsideração ou desvalorização, quiçá, uma deficiente interpretação ou leitura pelo mesmo daquela que foi a versão dos factos apresentadas pelas testemunhas A. e C., P. (estes dois, sócios da sociedade arrendatária da fração aos apelados – a I., Lda.), A., este, engenheiro civil, que, na sequência da resolução do contrato de arrendamento da fração pela I., Lda., junto dos apelados, por não ser possível obter o consentimento de todos os condóminos do prédio onde se situa essa fração, no sentido de autorizarem a instalação, nessa fração, da clínica de radiologia e da exigência do apelante para que lhe fosse presente essa autorização dos condóminos, sob pena de não licenciar a instalação, nessa fração, da referida clínica e a execução das obras necessária à instalação desta, foi contratado pelo apelado-marido para elaborar um relatório técnico sobre o estado em que essa arrendatária (I., Lda.) entregou a fração em causa aos apelados, na sequência da resolução do contrato de arrendamento; por R., que nos finais de 2009, a pedido do apelado-marido elaborou um orçamento sobre os estragos causados pela I. nessa fração; e por M., condómina que, à data dos factos, exercia as funções de administradora de condomínio do prédio onde se localiza essa fração.
Acresce que o apelante, sem dúvida alguma, que desvaloriza o teor da informação n.º 342/2008, nomeadamente, que nesta os seus serviços técnicos converteram oficiosamente o pedido de licenciamento de obras de construção e alteração daquela fração apresentado pela arrendatária (I., Lda.), a fim de nela instalar a clínica médica de RX/TAC, em procedimento de comunicação prévia e, bem assim impuseram à última que lhe apresentasse, sob pena de indeferimento liminar do procedimento, de documento comprovativo em como os condóminos do prédio autorizavam essa instalação.
E desvaloriza a informação n.º 372/2008, em que reafirma essa exigência junto da identificada arrendatária da fração em causa.
Na verdade, a testemunha J. e C., sócio da sociedade I., Lda., arrendatária do fração, foi perentório em afirmar que tendo aquele e mais os outros dois sócios constituído a sociedade I., Lda., a qual se dedicava à realização de exames radiológicos, pretendendo esta arrendar um espaço para a instalação de uma clínica médica radiológica, perante a informação que lhes foi dada pelo apelante-marido de que na fração objeto dos autos era possível instalar a referida clínica médica radiológica, convencidos que estavam dessa possibilidade conferida pela licença de utilização de que a fração era já beneficiária, em que esta se encontrava licenciada para “comércio”, celebraram o contrato de arrendamento com os apelantes em 01 de junho de 2008, por um prazo de 5 anos, a fim de nela instalar a dita clínica e iniciaram as obras necessárias à instalação dessa clínica.
Acontece que, na sequência de um dos condóminos, ter levantado problemas por causa das radiações, o Autor-marido acabou por informar a I. que tinha ido à Câmara e que esta dizia que “era necessária a assinatura de 100% dos condóminos” para instalar na fração a clínica; a própria I. deu entrada de um requerimento na Câmara “para saber se era ou não necessária” a assinatura de 100% dos condóminos (referindo-se o depoente ao requerimento em que a I. requereu ao apelante licença de obras de construção e alteração da fração, requerimento esse que culminou com a informação n.º 342/2008) e que a resposta foi a mesma, “era necessária a assinatura de 100% dos condóminos” (o que diga-se, corresponde à verdade, dado que nessa informação, o apelante notifica a I. para, além do mais, apresentar-lhe autorização dos condóminos, sob pena de indeferimento liminar do procedimento).
Na sequência dessa posição do apelante, A. foi perentório em relatar terem ocorrido várias reuniões entre aquele, os restantes sócios da I., o apelado marido, com os diversos condóminos do prédio, no sentido de os convencer a concederem essa autorização, relatando, inclusivamente, que em diversos sábados, o próprio depoente “foi bater à porta de cada condómino para explicar que não havia problema nenhum” (isto é, que os condóminos não se precisavam de se preocupar com as eventuais radiações que pudessem provir da clínica, porque não existiriam radiações projetadas para o prédio algumas); reafirmando que “ele e o Senhor P. (apelado-marido) foram várias vezes falar com os condóminos, mas o problema nunca foi ultrapassado”, isto é, os condóminos não autorizaram a instalação da clínica médica na fração; o apelado marido tentou, inclusivamente, arranjar-lhes (à I.) uma outra loja, o que não foi por esta aceite porque essa loja não ficava em local conveniente para a instalação da referida clínica e daí que a I. tivesse acabado por instaurar a ação contra os aqui apelados (referindo-se à ação declarativa que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu sob o n.º 2690/09.7TBVIS).
Por sua vez, o depoimento prestado pela testemunha P., um dos outros sócios da arrendatária da fração, a I., foi no mesmo sentido da testemunha anterior, referindo, também ele, que, na altura, porque o apelado-marido lhes tinha garantido (aos sócios da I.) que era possível instalar a clínica na fração, em virtude desta se encontrar licenciada para comércio, nem sequer questionaram esse facto, até porque, o outro sócio da I., de nome Z., que tinha experiência nesta área, sendo já dono de várias clínicas, não questionou essa posição assumida pelo apelado-marido, acabando, assim, a I. por celebrar o contrato de arrendamento com os apelados e por dar início às obras para instalação da dita clínica; confrontado com a ata da assembleia de condóminos que teve lugar em 13/07/2018, a testemunha confirmou ter estado presente nessa assembleia e que esta foi realizada em virtude de vários dos condóminos, quando souberam que era um clínica de radiologia que ía ser instalada na fração em causa, “ficaram assustados por causa dos raios” e eles (o depoente e os restantes sócios da I., Lda. e, bem assim o apelado-marido) foram a essa assembleia de condóminos para tentarem “acalmar as pessoas” (os condóminos), relatando, contudo, que essa reunião “não foi cordial”.
Confrontado com o requerimento de fls. 38 do PA (requerimento apresentado pela I. solicitando o licenciamento de obras de construção e alteração, que culminou com a informação 342/2008), P. confirmou que esse requerimento se encontra assinado por um dos sócios da I. e, bem assim que este e os restantes sócios e o apelado marido nunca chegaram a obter a autorização dos condóminos para a instalação da clínica na fração; que já depois da assembleia de condóminos de 13 de julho de 2008, ele e os restantes sócios da I. e o apelado marido “tentaram, por todos os meios, contactar as pessoas (condóminos) para resolverem o problema (isto é, para obterem destes a autorização para instalarem, na fração, a clínica), mas sem sucesso, explicando que estando as obras já em curso e adiantadas, tendo eles (sócios da I.) já “muito dinheiro empatado” na fração, os condóminos entravam pela loja dentro a gritarem, dizendo para “pararem as obras”, pelo que tudo fizeram, mais o apelado-marido, para resolverem o problema, mas sem sucesso.
Mais esclareceu que o próprio depoente e o apelado-marido teve vários “encontros com os condóminos” para que autorizassem a instalar a clínica; outras vezes era o outro sócio, a testemunha A., que ia ao encontro dos condóminos, mas tudo sem sucesso; “o Senhor P. (apelado-marido) até lhes arranjou outro sítio para manterem a clínica”, o que não aceitaram, e que chegada “uma altura em que não viam luz ao fundo do túnel”, apesar dos esforços do apelado marido no sentido de solucionar o problema, “tiveram de resolver o problema por outro lado”, instaurando-lhe uma ação e indo para outra loja.
Concluiu que a I. “acabou por sair da loja porque lhes foi dito que não era possível alterar o uso da utilização da fração para clínica médica, por falta de autorização dos condóminos”.
Já a testemunha M., referiu ser condómina e que, na altura dos factos, exercia as funções de administradora de condomínio.
Relatou que, a dado momento, iniciaram-se as obras na fração, a qual se situa imediatamente no piso inferior à fração de que a própria depoente é proprietária e que, na altura, foi-lhe pedida autorização para instalar, nessa fração, uma clínica, ao que a mesma deu o seu consentimento, dizendo que ia falar com os restantes condóminos; os problemas surgiram quando, no decurso das obras, os condóminos se aperceberam que era para instalar naquela fração uma clínica de RX.
Confrontada com a ata da assembleia de condóminos de 13/07/2018, a testemunha M. confirmou que, nessa assembleia, estiveram presentes os sócios da I., que, na altura, disseram aos condóminos que “aquilo (a clínica radiológica) era seguro, mas eles condóminos, não estavam de acordo”, concretizando que o primeiro condómino em não estar de acordo com a instalação da clínica médica de RX na fração em causa, foi a própria depoente que, na altura, “acompanhada pelo marido e por outra senhora (outra condómina) se deslocaram inclusivamente à Câmara para saber se era possível instalar na loja (fração) a tal clínica de RX”, obtendo da Câmara a informação que essa instalação não era possível, porque “aquilo estava licenciado para comércio”; mais referiu que já após a dita assembleia de condóminos ocorreram vários contactos do apelado-marido e dos sócios da I. com os condóminos, para os tentar convencer a autorizarem a instalação da clínica; que inclusivamente, prometeram à depoente que lhe empregariam a filha, mas sem sucesso, porque todos os condóminos não autorizavam.
Dir-se-á, assim, que se é certo que tal como acusa o apelante acontecer, da prova produzida resulta que apenas ocorreu uma única assembleia geral de condóminos, ocorrida em 13/07/2008, cuja ata se encontra junta aos autos, em que o apelante-marido e os sócios da arrendatária da fração, a I., Lda., tentaram acalmar os receios dos condóminos sobre as eventuais consequências nefastas que poderiam decorrer da instalação na fração de uma clinica radiológica, sem que obtivessem sucesso nessa tentativa, mas antes pelo contrário, levando a que a testemunha M., o marido desta e uma outra condómina se deslocassem à Câmara, onde obtiveram a informação de que não era possível a instalação dessa clínica na fração em causa, sem a prévia autorização dos condóminos, em virtude dessa fração estar licenciada para comércio, informação essa que os serviços do apelante reafirmaram por escrito, junto da arrendatária da fração, a I., Lda., na informação 342/2008, em que os serviços técnicos converteram oficiosamente o pedido de licenciamento de obras de construção e alteração daquela fração apresentado por essa arrendatária, a fim de nela instalar a dita clínica médica de RX/TAC, em procedimento de comunicação prévia, e em que impuseram à última que lhe apresentasse, sob pena de indeferimento liminar desse procedimento, entre outros documentos, autorização dos condóminos consentindo nessa instalação (exigência essa que reafirmaram na informação n.º 372/2008), já depois dessa assembleia de condóminos foram múltiplos os contactos desenvolvidos ora pelo apelado-marido, ora pelos sócios da arrendatária I., ora por ambos, junto dos condóminos no sentido de os convencer a concederem essa autorização, ao ponto de ter sido prometido à testemunha M., a primeira opoente a essa instalação da clínica na fração e administradora do condomínio, que lhe empregariam a filha, caso os condóminos concedessem essa autorização, mas todos esses contactos e esforços foram infrutíferos, uma vez que todos os condóminos recusavam-se, persistente e reiteradamente, a conceder essa autorização.
Mais resulta que na sequência do insucesso desses contactos, o apelado marido tentou, inclusivamente, convencer a arrendatária I., a mudar a clínica para uma outra fração que se dispunha a adquirir num outro prédio, que se dispôs a comprar, mas igualmente sem sucesso, culminando tudo na resolução do contrato de arrendamento pela I. e pela instauração da ação que esta moveu contra os aqui apelados e que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu sob o n.º 2690/09.7TBVIS, em que esse contrato de arrendamento acabou por ser declarado nulo pelo STJ e os aqui apelados condenados a restituir à I. o valor das rendas que dela tinham recebido e, bem assim o valor das obras que esta tinha efetuado na fração em causa.
Na verdade, a realidade fáctica que se acaba de enunciar é corroborada pelas testemunhas A., P. e M., mas também pela testemunha R., que confirmou que o apelado-marido tentou, inclusivamente, comprar uma fração num prédio que estava a ser construído pela empresa F., para quem o depoente trabalhara, a fim de nela ser instalada a dita clínica, face à impossibilidade de obter o consentimento dos condóminos para ser instalada a clínica na fração, que já tinha arrendado à I., e cujas obras de adaptação a clínica já se encontravam em curso e em estado avançado.
Essa realidade fáctica é igualmente corroborada pelos factos que foram alegados pela I., Lda. na ação que instaurou contra os aqui apelados, que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu sob o n.º 2690/09.7TBVIS, pedindo, a título principal, que se considerasse validamente resolvido o contrato de arrendamento da fração em causa e, subsidiariamente, que se declarasse a nulidade desse contrato de arrendamento, por via de na fração objeto desse contrato de arrendamento, não ser possível instalar a clínica médica, fito esse para a qual a tomaram de arrendamento e que lhes fora garantido pelos senhorios (os aí Réus, e aqui apelados) e os factos que nessa ação acabaram por ser julgados como provados.
Essa realidade fáctica é igualmente corroborada pelo teor da informação de serviço n.º 342/2008, onde os serviços do apelante, para além de terem convertido oficiosamente o pedido de licenciamento de obras de construção e alteração daquela fração que tinha sido apresentado pela arrendatária (I., Lda.) da fração, a fim de nela instalar a referida clínica médica de RX/TAC, em procedimento de comunicação prévia, impuseram à última, a obrigação de, entre outros documentos, lhe apresentarem a autorização dos condóminos consentindo a instalação, nessa fração, da referida clínica médica de RX e TAC, exigência essa que os serviços do apelante reafirmaram na informação n.º 372/2008.
Dir-se-á que neste contexto, em que o apelado marido tinha garantido aos sócios da I. que era possível instalar na dita fração, face ao licenciamento de que esta era já beneficiária - “comercio” - a mencionada clínica médica radiológica, convencendo-os e garantindo-lhes da viabilidade dessa finalidade ser executada sem alteração do licenciamento de que aquela fração era já beneficiária, em que essa finalidade consta, inclusivamente, do contrato de arrendamento que veio a ser celebrado entre os aqui apelados (senhorios) e a I. (arrendatária), em que esta última deu imediato início às obras de conversão da fração em causa em clínica médica, investindo nela mais de cem mil euros; em que os apelantes e os sócios da I. viram frustrados esse fito perante a oposição dos condóminos, corroborada pelos serviços do apelante, que não só prestaram informação verbal aos condóminos, como ao próprio apelado-marido e aos sócios da arrendatária I. (a quem a prestaram também por escrito, através da informação n.º 342/2008, reafirmada na informação n.º 372/2008) da inviabilidade legal dessa instalação, sem obtenção de autorização prévia dos condóminos, não se antolha como razoável aceitar-se à luz das regras da experiência comum que, na sequência da notificação da dita informação n.º 342/2008 à I., e da subsequente notificação n.º 372/2008, os sócios desta sociedade, mas também o apelante-marido não tivessem contactado, por variadas vezes, os condóminos no sentido de os convencer a concederem essa autorização – afinal estava em causa a perda de um elevado investimento já realizado pela I. na fração em causa e a frustração de um projeto de negócio que esta pretendia implementar na fração em causa, com graves consequências nefastas, designadamente, a nível indemnizatório, para os aqui apelados, caso esse intuito de instalar a dita clínica na fração em causa não viesse a ser concretizado.
Diremos que à luz dessas regras da experiência comum compreende-se perfeitamente que, na sequência do insucesso desses contactos com os condóminos, não tivesse chegado a ser convocada uma assembleia de condóminos, que todos de antemão (aqui apelados, sócios da I. e condóminos) sabiam não ter qualquer hipótese de sucesso para os fins prosseguidos pelos sócios da arrendatária e do apelante-marido, uma vez que todos os condóminos já lhes tinham manifestado o seu propósito de não concederem a autorização pretendida e em que, consequentemente, a convocação dessa ulterior assembleia de condóminos apenas poderia provocar maiores irritações e conflitos entre, por um lado, os condóminos e, por outro, os sócios da arrendatária (I.) e os aqui apelados.
Aliás, as testemunhas A., P. e M. foram perentórios em relatar que esses contactos ocorreram e pese embora não pudessem naturalmente concretizar a data concreta em que esses contactos realizados ora pelos sócios da arrendatária I., ora pelo apelado-marido, ora por ambos com os condóminos, tiveram lugar, as testemunhas P. e M. foram perentórios em referir que já depois da assembleia de condóminos de 13/07/2008, foram múltiplos os contactos daqueles sócios da arrendatária I. e do apelado marido com os restantes condóminos, mas que todos os condóminos se mantinham irredutíveis em não conceder a mencionada autorização para a instalação da clínica na fração em causa, ao ponto de ter sido prometido à administradora do condomínio e condómina M. que lhe empregariam a filha desta, caso aqueles condóminos concedessem a mencionada autorização, mas sem sucesso.
Aliás, essas duas testemunhas foram perentórias em afirmar que da parte do apelado-marido, após tudo ter feito no sentido de convencer os condóminos no sentido de concederem aquela autorização, houve inclusivamente o cuidado de se dispor a comprar uma fração num outro prédio, a fim de para ela ser transferida a clínica médica de RX/TAC, o que é bem demonstrativo de que os aqui apelados estavam bem cientes das suas responsabilidades e que estavam motivados e tudo efetivamente fizeram para resolverem a situação, tudo fazendo, pois, para convencer os condóminos no sentido de concederem a autorização para a instalação na fração em causa da dita clínica médica, contactando para o efeito os condóminos e, uma vez frustrado derradeiramente esse seu intento, tentaram arranjar uma solução alternativa, propondo à I. (arrendatária) a instalação da clínica numa outra fração, situada num prédio distinto, que se propunham adquirir com vista a resolver a situação em que se encontravam.
Neste contexto, longe da prova produzida não permitir que se conclua pela prova da concreta facticidade julgada provada pela 1ª Instância, na perspetiva deste TCAN, essa prova impõe que se conclua nesse sentido, pelo que improcede este fundamento de recurso e, em consequência mantém-se inalterada a facticidade julgada provada na alínea W dos factos provados na sentença.

b.1.3- Da impugnação da alínea Q) dos factos provados.
3.5.O apelante impugna o julgamento da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância na alínea Q, pretendo que essa facticidade não encontra arrimo na prova produzida, dado que jamais aquele comunicou à arrendatária da fração e/ou aos apelados que não autorizava o exercício naquela fração da atividade de clínica médica de RX/TAC, sequer existe prova de qualquer impossibilidade de a arrendatária da dita fração lhe dar o destino previsto no contrato de arrendamento celebrado com os apelados.
Mais pretende que, da prova produzida, o que resulta é que a arrendatária, no seguimento da notificação que lhe foi feita pelo apelante no sentido de apresentar vários elementos, entre as quais a autorização dos condóminos, optou por não dar sequência ao pedido, não dizendo mais fosse o que fosse, sequer apresentando parte dos elementos solicitados, assim desistindo, tacitamente, do pedido de licenciamento que apresentara.
Conclui, que perante a prova produzida e à ausência dela, no que toca à motivação subjacente à resolução do contrato de arrendamento pela I., se impõe expurgar do acervo dos factos provados, passando a alínea Q) a passar apenas a ser constituída pela seguinte facticidade:
“Q) A arrendatária decidiu resolver o contrato de arrendamento em data posterior à receção da comunicação referida em M), tendo acionado judicialmente os Autores, mediante a instauração do processo que foi distribuído ao 4º Juízo do Tribunal Judicial de Viseu, sob o nº 2960/09.7TBVIS, no qual era Autora a empresa I. e Réus os Autores na presente ação”.
Analisada esta alegação, é indiscutível que o apelante olvida ou desvaloriza, mais uma vez, os depoimentos prestados pelas testemunhas A. e C., P. e M., que acima já transcrevemos e analisamos, as quais foram perentórias em afirmar que foi a exigência dos serviços do apelante em que a arrendatária I., Lda. lhe apresentasse autorização dos condóminos no sentido de autorizarem a instalação da clínica médica na fração em causa, face ao licenciamento desta para a atividade de “comércio” para autorizarem essa instalação e a realização das obras necessárias para o efeito, e a recusa desses condóminos em concederem essa autorização, apesar das múltiplas diligências que os sócios gerentes e o próprio apelado marido fez no sentido de os convencer a concederem-na, que levou a I. a resolver o contrato de arrendamento.
A essa prova acresce os depoimentos das testemunhas A. e R..
Na verdade, corroborando os depoimentos das anteriores testemunhas, A. referiu ter sido contratado pelo apelado-marido para elaborar um relatório técnico sobre os trabalhos que tinham sido executados na I. na fração em causa, na sequência da resolução do contrato de arrendamento, relatando que, na altura em que o contactou, o apelado marido lhe disse que a anterior arrendatária da fração teve “de sair da loja por causa de um problema de licenciamento - se era comércio, se serviços -, e da necessidade dos condóminos autorizarem”.
Por sua vez, R., afirmou ter sido contratado pelo apelado-marido para elaborar um orçamento sobre as obras que eram necessárias serem executadas na fração em causa em virtude dos estragos nela causados pela I., na sequência da resolução do contrato de arrendamento, relatando que, na altura em que o contratou, o apelado-marido lhe referiu que estava “com problemas devido aos condóminos”, que “tinha arrendado a fração a uns senhores para instalarem uma clínica, mas que esses senhores saíram porque diziam que não dava para instalar a clínica e retiraram o que lá fizeram e causaram estragos na loja”.
Logo, toda a prova pessoal supra identificada é no sentido que tendo os apelados dado de arrendamento a fração em causa à I., a qual se encontrava licenciada para “comércio”, convencidos que estavam que nela era possível instalar a referida clínica médica de RX/TAC face ao licenciamento de que a mesma já dispunha, convencimento esse que transmitiram à I., que imbuída desse mesmo convencimento, aceitou celebrar com os apelados (senhorios) o contrato de arrendamento, com aquele fito de nela instalaram a mencionada clínica médica de RX/TAC, por um prazo inicial de cinco anos, logo iniciou as obras de adaptação da fração em causa a fim de nela instalar a dita clínica, vendo-se, no entanto, todos confrontados com a posterior oposição dos condóminos, parte dos quais se deslocaram, inclusivamente, aos serviços do apelante, onde foram informados que para que essa instalação da clínica na dita fração fosse possível, era necessário que os condóminos o consentissem.
Essa posição do apelante assumida perante os condóminos, M., marido e uma outra condómina, foi reafirmada pelos serviços do apelante na informação n.º 342/2008, dirigida à arrendatária I., impondo-lhe como condição a apresentação dessa autorização dos condóminos, sob pena de indeferir liminarmente o procedimento e, posteriormente, na informação n.º 372/2008, o que veio a acontecer.
Foi pois, a impossibilidade dos apelantes e dos sócios da I. em obterem essa autorização dos condóminos, autorizando a instalação da clínica médica de RX/TAC na dita fração, exigência essa que foi imposta pelo apelante na mencionada informação n.º 342/2008, e reafirmada na informação n.º 372/2008, mas que a I. e os aqui apelados (senhorios) não lograram obter, apesar de todos os esforços que desenvolveram junto dos condóminos para que estes a concedessem, que levou à resolução do contrato de arrendamento pela I., Lda. e, bem assim que levou a última a instaurar contra os aqui apelados a ação declarativa n.º 2690/09.7TBVIS, que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu, onde, por acórdão transitado em julgado, os aqui apelados (aí Réus) acabaram por ver declarado nulo o contrato de arrendamento e serem condenados a restituírem à I. as rendas que dela receberam e o valor das obras que a última executou no arrendado, que não puderam ser levantadas da fração em causa.
De resto, o que se acaba de dizer é igualmente corroborado pela alegação da I. feita no âmbito da identificada ação declarativa n.º 2690/09.7TBVIS, que moveu contra os aqui apelados, que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu, e a facticidade julgada provada no âmbito dessa ação.
É certo que na sequência da notificação à I. da informação n.º 342/2008, esta, sequer os aqui apelados, apresentaram nos serviços do apelante os restantes documentos mencionados nessa informação, mas tal como foi dito pela testemunha A., a I. dispunha desses documentos e apenas não os apresentou nos serviços técnicos do apelante em virtude de não dispor da autorização dos condóminos.
Aliás, conforme depoimentos das testemunhas A. e R., e resulta das regras da experiência comum, com exceção da mencionada autorização dos condóminos, todos os restantes documentos exigidos à I. pelos serviços técnicos do apelante e que se encontram identificados na informação n.º 342/2008, eram de fácil obtenção para uma empresa que se dedicasse à atividade da construção civil de forma legal, como foi o caso, da empresa empreiteira a que se socorreu a I. para levar a cabo as obras de adaptação da fração a clínica médica, a qual, inclusivamente, emitiu faturas em relação aos trabalhos que executou nessa fração – o que significa que essa empresa tem necessariamente de se dedicar à atividade da construção civil de forma legal e, portanto, tem de dispor de alvará de construção civil, seguro de trabalho para os seus trabalhadores, etc., ou seja, em síntese, de todos os documentos exigidos à I. pelo apelante na informação n.º 342/2008.
Destarte, apenas por mera desconsideração ou desatenção em relação à prova pessoal produzida em audiência final e à prova documental que se encontra junta aos autos e, desde logo, na desconsideração do teor da informação n.º 342/2008, reafirmada na informação n.º 372/2008, em que os próprios serviços técnicos do apelante impuseram à I. que esta apresentasse a autorização dos condóminos no sentido de ser construída, na fração em causa, licenciada para comércio, a mencionada clínica médica, sob pena de indeferimento liminar do procedimento (autorização dos condóminos essa que a arrendatária da fração, sequer os apelados, proprietários e senhorios, jamais lograram obter, apesar de todos os esforços que desenvolveram junto dos condóminos para que estes a concedessem), e dos próprios factos que foram alegados pela I. e que nela foram julgados provados, na ação que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal de Viseu, se compreende a crítica que o apelante faz em relação à facticidade julgada provada pela 1ª Instância, critica essa que, contudo, conforme resulta do que se vem dizendo, não tem qualquer arrimo possível perante a prova produzida.
Aliás, perante a circunstância da I. e dos aqui apelados não terem logrado obter a autorização dos condóminos do prédio que lhe foi exigida pelo apelante, para que, na fração em causa fosse instalada a referida clínica médica de RX/TAC, torna-se perfeitamente compreensível a atitude da I. de apesar de ter os restantes documentos exigidos disponíveis, não os ter apresentado nos serviços do apelante, sabendo de antemão que a apresentação destes de nada lhe valeria, posto que o procedimento iria ser liminarmente indeferido, conforme lhe foi notificado, uma vez que não dispunha da mencionada autorização dos condóminos.
Deste modo, a tese do apelante de que a I. e/ou os apelados desistiram tacitamente do pedido de licenciamento, não tem qualquer arrimo fáctico possível, mas antes a prova produzida impõe que se conclua no sentido da facticidade julgada provada pela 1ª Instância.
Termos em que na improcedência do mencionado fundamento de recurso, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada na alínea Q dos factos provados na sentença.

b.1.4- Da impugnação da alínea Y) dos factos provados.
3.6.Na alínea Y, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
Y- A I. não apresentou ao Demandado quaisquer dos elementos solicitados no ofício referido em K), por os Autores não terem conseguido obter o elemento relativo à “Autorização da Assembleia de Condóminos ou Declaração Individual de cada Condómino para alteração à finalidade da fração – de comércio para clínica TAC/RX, dando cumprimento ao nº 2 do artº 1419º ou nº 5 do artº 1432º e 1422º do Código Civil.”
Pretende o apelante que perante as razões que anteriormente já explanara e que supra se transcreveram, se impõe alterar a redação da facticidade julgada provada sob a mencionada alínea Y, “pois a não entrega dos elementos solicitados pelo Recorrente à arrendatária decorre da desistência da arrendatária na manutenção do contrato de arrendamento, em face da oposição dos condóminos à instalação da clinica”.
E conclui que o facto Y) deve passar a mencionar:
“A I. não apresentou ao Demandado quaisquer dos elementos solicitados no ofício referido em K)”.
Acontece que face à prova produzida, isto é, aos depoimentos prestados pelas testemunhas A., P., A., R. e M. (que em nada foi contraditada pelas testemunhas arroladas pelo próprio apelante, a saber: A., A. e J., funcionários do apelante, que ao longo dos respetivos depoimentos se limitaram, em audiência final, a descrever as razões que presidiram à emanação da informação n.º 342/2008 e da posterior informação prestada pelo apelante ao Tribunal Judicial de Viseu, no âmbito da ação declarativa instaurada pela I. contra os aqui apelados, na sequência da resolução do contrato de arrendamento, concluindo que entre essas duas informações não existe contradição alguma, mas o que sucedeu é que a Câmara Municipal (...), já após a informação n.º 342/2008, tomou uma deliberação no sentido de que os prédios licenciados para “comércio” antes da revisão operada pelo DL n.º 380/99, deviam considerar-se licenciados para “comércio e serviços”, e daí que tivessem informado o Tribunal de Viseu, que face ao licenciamento da fração em causa para “comércio”, era possível instalar na mesma a mencionada clínica médica, sem que tal implicasse qualquer alteração da utilização do uso dessa fração), mas também ao teor da informação n.º 342/2008 e dos factos que foram alegados pela I. na ação que instaurou contra os aqui apelados, que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu, e que nela foram julgados provados, que supra já se enunciaram e analisaram, a convicção deste TCAN coincide integralmente com aquela que foi a convicção da 1ª Instância.
Deste modo, reafirma-se, as razões de discordância do apelante para impugnar o mencionado julgamento de facto, não têm qualquer arrimo possível perante a prova produzida, conforme já demonstrado.
Destarte, improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada na alínea Y da sentença sob sindicância.

b.1.5- Da impugnação da alínea W) dos factos provados.
3.7.Finalmente, o apelante impugna o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quando conclui pela prova da seguinte facticidade: “W- Os Autores sofreram danos patrimoniais, na sequência do referido em K), L), M) e Q) supra, com a resolução do contrato de arrendamento pela I. e com a sua condenação no processo identificado na alínea Q) supra”, alegando que inexiste prova que permite conexionar os danos dos Autores com a conduta da Recorrente, decorrendo antes aqueles de obras ilegais promovidas por aqueles e pelo seu arrendatário”.
Conclui que a alínea W) dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação: “Os Autores sofreram danos patrimoniais com a resolução do contrato de arrendamento pela I. e com a sua condenação no processo identificado na alínea Q) supra”, mas sem qualquer fundamento fáctico possível.
Na verdade, perante a prova que acima identificamos e analisamos, a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a I. e os aqui apelados, em que a primeira resolveu esse contrato, teve como fundamento a circunstância de o apelante ter exigido que a identificada arrendatária apresentasse autorização dos condóminos consentindo a instalação, na fração em causa, da clínica médica de RX/TAC, e desta e do apelante marido, apesar de terem desenvolvido todas as diligências possíveis junto dos condóminos no sentido de que estes concedessem essa autorização, todas essas diligências se frustraram em face da persistente recusa dos condóminos em a conceder, ficando, assim, inviabilizada a instalação da referida clínica no arrendado e, por conseguinte, o objeto do contrato de arrendamento, uma vez que (legal ou ilegalmente) o apelante recusava-se a conceder o licenciamento para o funcionamento, nessa fração, da mencionada clínica e para nela serem realizadas as obras necessárias à instalação dessa clínica, sem a apresentação da autorização dos condóminos autorizando a instalação na fração da dita clínica médica de RX/TAC.
É isto que resulta linearmente provado dos depoimentos prestados pelas testemunhas A., P., A., R. e M., do teor das informações do apelante n.ºs 342/2008 e 372/2008, e bem assim do teor do acórdão proferido pelo STJ, no âmbito da ação que correu termos no 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, intentando pela I., Lda., contra os aqui apelados.
Destarte, os danos patrimoniais que os apelados sofreram em consequência dessa resolução do contrato de arrendamento e em que foram condenados, por decisão definitiva, proferida no âmbito da ação declarativa que a I. intentou contra aqueles e que correu termos no Tribunal Judicial de Viseu, em verem declarada a nulidade desse contrato de arrendamento, com a consequente condenação dos aqui apelados a devolver à arrendatária I., Lda., as rendas que dela receberam e o valor das obras que que esta executou no arrendado, a fim de o adaptar à instalação, na fração, da mencionada clínica médica e que não puderam ser levantadas, consistiram no valor dessas rendas que os apelante tiveram de devolver à I. e, bem assim o valor das obras que executaram no arrendado, além dos lucros cessantes decorrentes dos apelados, por via dessa nulidade do contrato de arrendamento, terem deixado de receber da I. as rendas que teriam dela recebido durante os cinco anos contratados para a vigência desse contrato de arrendamento.
Se essas obras eram ilegais, por a I. ter iniciado a respetiva construção, sem estas se encontrarem licenciadas pelo apelante, trata-se de questão a apreciar em sede de subsunção jurídica da facticidade que se quedar provada e não provada, mais precisamente em sede de nexo causal entre aquele comportamento do apelante e esse dano patrimonial sofrido pelos apelantes, nada contendendo, por isso, salvo o devido respeito por opinião contrária, com o julgamento da matéria de facto.
Destarte, improcede o mencionado fundamento de recurso aduzido pelo apelante, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada na alínea W da sentença recorrida.
Mantendo-se inalterado o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, resta verificar se a sentença sob sindicância padece dos erros de direito que o apelante lhe imputa, em sede de decisão de mérito nela proferida.
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b.2- Mérito.
b.2-1. Pressupostos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos do apelante – pressupostos da ilicitude e da culpa.
4.O apelante imputa erro de direito à sentença recorrida, que o condenou, a título de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, a pagar aos apelados a quantia a liquidar em execução de sentença, a título de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes que sofreram, em consequência do comportamento ilícito, culposo e danoso que imputam aos serviços daquele, sustentando que, diversamente do decidido pela 1ª Instância, perante a prova produzida, claudicam os pressupostos da ilicitude e da culpa.
4.1. É absolutamente pacífico entre as partes que o direito indemnizatório que os apelados exercem nos autos se funda no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do Estado e demais entidades públicas.
Acresce que analisada a petição inicial, verifica-se que os apelados fundam o pretenso comportamento ilícito e culposo dos serviços do apelante na circunstância de tendo dado de arrendamento a fração de que são proprietários, então licenciada para comércio, à sociedade I., Lda., a fim de nela ser instalada uma clínica médica de RX/TAC, esses serviços não apreciaram o pedido de licenciamento de obras apresentado pela arrendatária a fim de ser instalada na fração em causa a referida clínica, sem que esta previamente apresentasse autorização da assembleia de condóminos ou de declaração individual de cada condómino, autorizando a instalação da referida clínica médica na fração, o que essa arrendatária e os apelados não lograram obter, apesar das diligências encetadas juntos dos condóminos, face à recusa persistente destes em concederem a mencionada autorização, acabando a arrendatária por resolver o contrato de arrendamento celebrado, por impossibilidade de realização na fração do fim para que fora celebrado esse contrato, e por demandar judicialmente os apelados, que por decisão, transitada em julgado, viram declarada a nulidade desse contrato e foram condenados a restituir à arrendatária as rendas recebidas e, bem assim a pagar-lhe o custo das obras já executadas na fração, com vista à instalação da dita clínica médica e que dela não puderam ser levantadas, sofrendo por isso, danos emergentes daquela conduta dos serviços técnicos do apelante e ficando privados de receber da arrendatária as rendas que dela teriam recebido caso o contrato de arrendamento tivesse subsistido pelo período de tempo para tanto acordado.
4.2.Sustentam os apelados que essa exigência da parte dos serviços do apelante é ilícita e culposa, uma vez que estando a fração licenciada para o comércio, a instalação nela da identificada clínica médica radiológica não envolvia qualquer alteração do uso para o qual esta já se encontrava licenciada – o comércio -, pelo que não tendo aqueles, sequer a arrendatária da fração, logrado obter essa autorização junto dos condóminos, tal exigência dos serviços técnicos do apelante impediu a instalação na fração da referida clínica, causando-lhes os mencionados prejuízos, cuja indemnização reclamam.
4.3.Cotejada a facticidade apurada sob as alíneas A a E, apurou-se que os apelados são proprietários da fração autónoma identificada pela letra “A”, do prédio constituído em propriedade horizontal, dito à Tapada ou Quinta do (...), Rua (…), licenciada para comércio, que deram de arrendamento em 01/06/2008, à sociedade I., Lda., pelo prazo de cinco anos, renováveis, a fim de que esta nela instalasse uma clínica médica de RX e TAC.
4.3.1.Mais se apurou que, na sequência de alguns dos condóminos do prédio terem manifestado oposição à instalação na fração arrendada da referida clinica, não tendo os apelados logrado obter autorização da assembleia de condóminos no sentido de que esta autorizasse a instalação daquela na fração em causa, em 31/07/2008, a arrendatária I., Lda., na qualidade de arrendatária, apresentou nos serviços do apelante um pedido de construção e de alterações de obras na fração, a fim de nela instalar aquela clínica, na sequência do que, esses serviços do apelante, por carta de 02/09/2008, notificaram-na que tinham convertido oficiosamente o mencionado pedido de licenciamento de obras para procedimento de comunicação prévia e exigindo-lhe que, entre outros documentos, lhe apresentasse, no prazo máximo do dez dias, sob pena de rejeição liminar da pretensão, “autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino para alteração à finalidade da fração de comércio para clínica TAC/RX, dando cumprimento ao n.º 2 do art. 1419º ou n.º 5 do art. 1432º e 1422º do CC”, exigência essa que esses serviços do apelante reafirmaram junto da arrendatária, por cartas de 29/09/2008, esta devolvida, e de 05/11/2008 (cfr. alíneas F a K e N a dos factos apurados).
4.3.2.Finalmente, apurou-se que apesar das diligências levadas a cabo, quer pela arrendatária, quer pelos próprios apelantes juntos dos condóminos, no sentido de obterem a dita autorização, os condóminos não concederam a mesma, acabando os serviços do apelante por rejeitar liminarmente a pretensão apresentada pela arrendatária, do que a notificaram por carta de 04/02/2009, a qual, por sua vez, resolveu o contrato de arrendamento que tinha celebrado com os apelantes, com fundamento de não poder dar à fração o destinado estabelecido no contrato de arrendamento, e acionou-os judicialmente, que por decisão transitada em julgado, viram declarada a nulidade desse contrato de arrendamento e foram condenados a restituírem à arrendatária I., Lda. as rendas que dela tinham recebido e, bem assim o valor das obras que esta última tinha, entretanto executado na fração, a fim de nela instalar a dita clínica médica (cfr. alíneas M, O a W da facticidade apurada).
4.4.Resulta do exposto que está em causa nos autos saber se a exigência feita pelos serviços do apelante no sentido de que lhe fosse apresentada a autorização da assembleia de condóminos ou a declaração individual de cada condómino, autorizando a instalação na fração da clinica médica radiológica, quando esta se encontrava licenciada para o comércio, com vista a autorizar essa instalação e das obras necessárias para o efeito, padece de qualquer ilegalidade e se, por conseguinte, ao fazer essa exigência, que sem dúvida alguma foi causal da declaração da nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre a I., Lda. e os apelados, os mencionados serviços atuaram ilícita e culposamente.
4.4.1.A mencionada exigência foi feita pelos serviços do apelante à arrendatária da fração, por carta expedida em 02/09/2008, e foi por eles reafirmada por carta expedida em 10/02/2009 e, portanto, no âmbito da vigência da Lei n.º 67/2007, de 31/12, que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.
É entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência administrativa, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas corresponde, no essencial, ao conceito civilístico de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, com consagração legal no art.º 483º, n.º 1 do CC, pelo que são pressupostos daquela, tal como nesta, que se verifiquem os seguintes requisitos legais cumulativos:
a) a verificação do “facto”, enquanto comportamento ativo ou omissivo voluntário do agente, no sentido de ser controlado ou suscetível de ser controlável pela vontade deste;
b) a “ilicitude” desse comportamento ativo ou omissivo do agente, traduzida na circunstância deste violar direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger interesses alheios;
c) “culposo”, por se afirmar um nexo de imputação entre esse comportamento ilícito, ativo ou omissivo, e a vontade do agente, que o torna merecedor de um juízo de censura ético-jurídica, por essa sua conduta se mostrar desconforme com a diligência que teria tido um homem médio ou um funcionário ou agente típico que se encontrasse nas concretas circunstâncias em que o concreto agente se encontrava quando agiu ou quando omitiu a sua obrigação de agir, não obstante esse dever de ação lhe fosse legalmente imposto;
d) a existência de “dano”, isto é a lesão de ordem patrimonial ou moral na esfera jurídica do demandante; e
e) a afirmação de um nexo de causalidade adequado entre a conduta ativa ou omissiva do agente e o dano verificado Acs. STA de 10/10/2000, Proc. 40576 e de 12/12/2000, Proc. 1226/02, in base de dados da DGSI..
Na responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas entidades públicas apenas existem particularidades ao nível dos pressupostos da ilicitude e da culpa.
Com efeito, em sede de ilicitude, o art.º 9º da citada Lei n.º 67/2007, estabelece considerarem-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (n.º 1), bem como quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do art. 7º (n.º 2).
Na verdade, do mencionado dispositivo legal resulta que em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, consagra-se um conceito amplo de ilicitude (bem mais amplo do que resulta do n.º 1 do art.º 483º do CC), na medida que para efeitos desta específica responsabilidade é ilícito todo o ato que viole normas legais, sejam constitucionais ou infraconstitucionais, incluindo, atos regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como aquele que viole as regras de ordem técnica e de previdência comum.
Neste sentido já se pronunciava Marcelo Caetano no âmbito da vigência do anterior DL n.º 48.051, ao ponderar que “É necessário, em primeiro lugar, que tenha sido praticado um ato jurídico, nomeadamente um ato administrativo, como um facto material, simples conduta despida do caráter de ato jurídico. O ato jurídico provem por via de regra de um órgão que exprime a vontade imputável à pessoa coletiva de que é elemento essencial. O facto material é normalmente obra dos agentes que executam ordens ou fazem trabalhos ao serviço da Administração. O art. 6º do DL 48054 contém, para os efeitos de que trata o diploma, uma noção de ilicitude. Quanto aos atos jurídicos, incluindo, portanto, os atos administrativos, consideram-se ilícitos os que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis: quer dizer, a ilicitude coincide com a ilegalidade do ato e apura-se nos termos gerais em que se analisam os respetivos vícios. Quanto aos factos materiais, por isso mesmo que correspondem tantas vezes ao desempenho de funções técnicas, que escapam às malhas da ilegalidade estrita e se exercem de acordo com as regras de certa ciência ou arte, dispõe a lei que serão ilícitos, não apenas quando infrinjam as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis, mas ainda quando violem as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração” Marcelo Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, 10ª ed., volo. II, pág. 1125..
No mesmo sentido pronuncia-se Carlos Cadilha, ao ponderar que ao contrário do que acontece em matéria de responsabilidade por atos ilícitos, em que o art. 483º do CC não descreve o que se entender por violação ilícita, o art. 9º da Lei n.º 67/2007, “pretende definir o que se entende por atos (positivos ou omissivos) ilícitos e, nesses termos, faz unicamente apelo às duas componentes da ilicitude: (a) a violação objetiva de normas, princípios jurídicos ou regras; (b) a violação de direitos ou interesses legalmente protegidos. Ou seja, o artigo 9º não se limita a reportar, como pressupostos da responsabilidade civil, a violação ilícita de um direito ou interesse legítimo, mas explicita em que se traduz a ilicitude, ao enunciar que ela representa uma forma de antijuridicidade traduzível na violação de «disposições ou princípio constitucionais, legais ou regulamentares» ou na infração de «regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado). Deste modo, esclarece-se que a ilicitude pode derivar da ilegalidade administrativa – que poderá consistir na violação de normas procedimentais ou substantivas – ou da atuação material desconforme ao direito – em que se inclui a inobservância de normas técnicas ou de um dever geral de cuidado” Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”, Anotado, Coimbra Editora, 2008, pág. 149..
No que respeita ao requisito da culpa, é entendimento pacífico que “agir com culpa significa atuar em termos da conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª ed., Almedina, pág. 531..
Na senda deste conceito de culpa e concretizando-o para efeitos de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, estabelece o artº. 10º da Lei n.º 67/2007, que a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir em função das circunstâncias ou agente zeloso e cumpridor (n.º 1) e que sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de atos ilícitos (n.º 2) e que para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento dos deveres de vigilância (n.º 3).
Decorre desse preceito que, em sede de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, a culpa afere-se, tal como na responsabilidade civil extracontratual em geral, de acordo com as concretas circunstâncias especificas do caso concreto em que o agente atuou ou deixou de atuar, apesar de sobre si impender um dever legal de agir, mas que o padrão da diligência a considerar já não é o de um homem médio, mas antes por referência à diligência e aptidão que seja razoavelmente exigir, em face das circunstâncias de cada caso, a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.
Ou seja, estando em causa uma responsabilidade funcional de titular de órgão, funcionário ou agente e não uma responsabilidade pessoal destes, a avaliação da culpa para efeitos de se verificar se a sua conduta merce ou não a censura ou a reprovação do direito, terá de ser feita por referência às circunstâncias particulares do caso concreta, mas não por apelo ao grau de diligência do homem médio comum, mas atendendo à diligência de um titular de órgão ou funcionário medianamente diligente. Logo, a “culpa não tem de ser avaliada segundo elevados padrões de competência técnica, de profissionalismo ou de eficiência (que deveriam ser idealmente os critérios de exigência de qualquer atuação administrativa), mas segundo o que seria normalmente exigível, nas circunstâncias do caso, para quem detém a qualidade de titular de órgão administrativo ou de funcionário” Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., pág. 163.
Acresce que na sequência da jurisprudência que já entendia que relativamente aos atos administrativos, a violação neles de normas legais ou regulamentares arrasta uma presunção judicial de negligência, o n.º 2 do art. 10º da Lei n.º 67/2007, veio estabelecer uma presunção de culpa leve que recai sobre o titular de órgão, funcionário e agente que incorra na prática de atos jurídicos ilícitos.
Dito por outras palavras, sempre que por ação ou omissão os titulares de órgãos, funcionários e agentes violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e com isso lesem direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos de terceiros, além de ilícita, essa sua conduta presume-se culposa, na vertente de culpa leve.
Essa presunção de culpa não obsta a que o lesado alegue e prove que essa conduta lesiva dos seus direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos foram cometidos pelo titular do órgão, funcionário ou agente que incorreu no ilícito, a título de dolo ou de culpa grave.
Acresce que se está na presença de uma presunção legal de culpa iuris tantum e, por conseguinte, ilidível.
Essa presunção da culpa parte da ideia de que a ilegalidade de um ato administrativo representa, em si, um índice de anormalidade no funcionamento do serviço, mas não obsta a que a Administração ilida essa presunção, alegando e demonstrando factos dos quais decorram que o autor do ato ilícito agiu sem qualquer culpa.
A presunção de culpa na prática de atos jurídicos ilícitos prevista nessa n.º 2 significa apenas que há, nesse caso, a inversão do ónus da prova, não funcionando a regra que decorre do princípio geral, segundo o qual é ao lesado que incumbe o ónus da prova da culpa do autor da lesão, mas antes a regra oposta, pela qual é ao lesante que incumbe provar que agiu sem culpa, isto é, que o facto presumido não corresponde à verdade.
Ou seja, sempre que seja intentada ação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos contra o Estado ou demais entidades públicas, em que o demandante pretenda ser ressarcido por danos patrimoniais e/ou morais provocados por ato ou omissão de titular de órgãos, funcionário e agente que tenham lesado os seus direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos, provado que seja pelo demandante que essa conduta ativa ou omissiva é violadora de disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou que infringem regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado, não só essa conduta é ilícita, como se presume que é culposa, a título de culpa leve, cumprindo ao demandado (a Administração) o ónus de alegar e provar facticidade demonstrativa em como o autor do ato agiu sem culpa Carlos Alberto Fernandes Cadilha, ob. cit., pág. 168..
4.4.No caso dos autos, está em causa saber se encontrando-se a fração propriedade dos apelados licenciada para o “comércio” e tendo-a estes arrendado a fim de nela ser instalada uma clínica médica radiológica, o apelante podia condicionar a instalação dessa clínica e a realização das obras necessárias à instalação dessa clínica à prévia autorização do condomínio para que se procedesse à alteração do uso dessa fração.
4.4.1.A esse propósito, cumpre referir ser pacífico na doutrina e na jurisprudência administrativa o entendimento de que a administração municipal, competente pela apreciação dos projetos e pela concessão das licenças e autorizações urbanísticas ou pela admissão de comunicações prévias, deve apreciar os referidos projetos exclusivamente à luz das normas de direito público e não à luz das normas de direito privado relativas à realização destas operações, designadamente, as normas do Código Civil aplicáveis à construção, cuja aplicação não lhe incumbe assegurar, tanto mais que a violação destas não pode constituir fundamento válido de indeferimento de pedidos de licenciamento.
4.4.2.Com efeito, visando a licença ou autorização de construção o cumprimento das normas urbanísticas, enquanto as normas de direito privado relativas à construção regulam as relações entre privados, designadamente, as relações de vizinhança, é manifesto que a concessão ou não da licença ou autorização de construção deve ser apreciada exclusivamente à luz das normas urbanísticas, sendo a licença ou autorização de construção concedida sob reserva de direitos de terceiros, e isto porque os atos de gestão urbanística apenas regulam as relações entre a Administração e o seu titular e, por isso, não constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas privadas Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, “Regime Jurídico da Urbanização e Edificação”, Comentado, 2ª ed., págs. 142 e 143..
4.4.3.No entanto, a circunstância dos atos de gestão urbanística se encontrarem subordinados exclusivamente a normas de direito do urbanismo e da sua emissão ocorrer sob reserva dos direitos de terceiros, tal não significa que a administração possa ignorar as regras de direito privado, como efetivamente não pode, sob pena de violar o princípio da unidade do sistema jurídico.
4.4.4.Acresce que o art. 9º, n.º 1 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, e a Portaria n.º 232/2008, de 11/03, exigem não só que o requerente ou comunicante invoque, mas também faça prova, aquando da apresentação do pedido, da titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a sua pretensão, de onde decorre recair sobre a Administração o ónus de, na fase de apreciação liminar do processo e antes de apreciar o pedido que lhe é apresentado, verificar da existência efetiva do pressuposto da legitimidade do requerente para requerer e realizar a operação urbanística que pretende lhe seja deferida pela Administração.
4.4.5. Logo, é dever dos órgãos municipais competentes averiguar se o particular tem, à luz do ordenamento jurídico que o define – o civil – legitimidade para iniciar o procedimento que intenta.
Trata-se de uma mera apreciação formal, que se limita a verificar se o requerente apresentou o documento comprovativo que lhe confere legitimidade para realizar a operação urbanística que pretende lhe seja deferida, sem que a Administração possa ou tenha de efetuar quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca.
“Isto é assim porque, para além da submissão exclusiva dos atos administrativos de gestão urbanística a regras de direito do urbanismo, elas caracterizam-se também por serem emitidas tendo em consideração, não o requerente, mas a conformidade do projeto com as regras urbanísticas aplicáveis ao terreno em causa. Trata-se do caráter real destes atos, segundo o qual os mesmos são emanados em função das características objetivas do terreno, tendo em conta a regulamentação de urbanismo, e não em função da qualidade do requerente. A consequência imediata que resulta do controlo meramente formal da legitimidade do requerente ou comunicante é a de que a licença deve ser emanada, mesmo que o seu direito seja contestado por terceiros. Com efeito, existindo um diferendo entre o requerente ou comunicante e terceiros no que concerne à titularidade do direito de propriedade, não deve a Administração resolvê-lo, sob pena de usurpação de poderes, já que a resolução de litígios jurídico-privados cabe aos tribunais judiciais e não à Administração” Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, ob. cit., pág. 149..
4.5.Assente nas enunciadas premissas, revertendo ao caso dos autos, verifica-se que tendo os apelados dado de arrendamento a fração de que são proprietários à sociedade I., Lda., que se encontrava então licenciada para o comércio, a fim desta nela instalar uma clínica médica de radiologia, na sequência da oposição de alguns dos condóminos do prédio à instalação da mencionada clínica na fração, a arrendatária, I., deu entrada em 31/07/2008, de um pedido de licenciamento e obras de construção e alteração dessa fração, a fim de nela instalar a dita clínica radiológica, na sequência do que, os serviços do apelante, notificaram-na de que tinham convertido oficiosamente esse pedido de licenciamento de obras em procedimento de comunicação prévia e para, no prazo de dez dias, apresentar, entre outros, autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino em que declarassem em como autorizavam a alteração da finalidade da fração de comércio para clínica TAC/RX, dando assim cumprimento ao disposto nos arts. 1419º, n.º 2, 1432º, n.º 5 e 1422º do CC, sob pena de não o fazendo, ser liminarmente indeferido o procedimento.
4.5.1.Entenderam, assim, os serviços do apelante que estando a fração em causa licenciada para o “comércio” era necessário, à luz do regime jurídico previsto no Lei Civil, que a arrendatária da fração, requerente desse licenciamento, fizesse prova da sua legitimidade para instalar na dita fração a referida clínica médica, o que, na perspetiva daqueles, passava pela apresentação pela requerente do licenciamento de autorização da assembleia de condóminos ou por cada um dos condóminos concedendo autorização para a mudança da utilização da fração de comércio para serviços.
4.5.2.Deste modo, urge verificar se assim é, efetivamente, à luz do ordenamento civilístico nacional, isto é, se essa autorização da assembleia de condóminos ou a autorização individual de todos os condóminos, consentindo a instalação na fração da clínica era efetivamente imposta por lei.
4.5.3. Como é sabido, a propriedade horizontal apresenta-se como um direito real autónomo, que é integrado por um misto incindível de propriedade singular sobre uma parte determinada do edifício e de compropriedade sobre outras partes destes, funcionalmente ligadas àquele.
Trata-se de um direito real complexo que combina no âmbito dos direitos reais a propriedade singular, sobre a fração autónoma, e a compropriedade, sob as partes comuns do edifício (art. 1420º do CC).
O que caracteriza verdadeiramente a propriedade horizontal e confere ao respetivo instituto verdadeira autonomia e exige a sua submissão a um estatuto real ou regime jurídico próprio e específico, reside precisamente no facto de, na propriedade horizontal, se estar perante um único edifício, dotado de uma estrutura unitária, decomposto em diversas frações autónomas, podendo cada uma delas pertencerem a proprietários distintos, mas em que essas frações autónomas apenas gozam da sua autonomia funcional através da utilização de partes comuns do edifício, as quais estão necessariamente afetas ao serviço de todas as frações, em relação às quais os proprietários das diversas frações autónomas assumem a posição de comproprietários.
A propriedade horizontal é, portanto, a propriedade exclusiva de uma habitação integrada num edifício comum, em que o direito de cada condómino em conjunto é o direito sobre um edifício e, como tal, é tratado unitariamente pela lei; mas em que o objeto sobre o qual esse direito incide é misto, uma vez que é constituído por uma habitação exclusiva, e por coisas comuns, que são acessórias e que estão necessariamente afetas a todas as habitações autónomas em que se subdivide o edifício, em relação à qual os condóminos assumem a posição de comproprietários Abílio Neto, “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., 1992, Ediforum, pág. 10..
4.5.4.Esse todo incindível entre frações autónomas e partes comuns gera naturalmente fortes laços de interdependência entre os diversos condóminos, que cerceiam e condicionam os direitos de propriedade singular daqueles sobre as frações de que são proprietários, ao gerarem relações de especial e acentuada proximidade e de vizinhança, em que o comportamento de uns se reflete necessariamente no direito dos restantes, que importa regular, a que acresce a necessidade de regulamentação do direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do edifício.
Logo, dir-se-á que é esta interdependência e incindibilidade entre frações autónomas e partes comuns do edifício e, bem assim a especial proximidade de relações de vizinhança que intercede entre os diversos condóminos, que justifica a autonomização da propriedade horizontal como direito real.
4.5.5.O regime jurídico de edifício constituído em propriedade horizontal é regulado, em primeiro lugar pelo conjunto de normas fixadas legalmente, depois pelo título constitutivo da propriedade horizontal, a seguir pelo regulamento do condomínio e, finalmente, pelas deliberações de condóminos.
4.5.6.O título constitutivo da propriedade horizontal é o instrumento notarial que corporiza a declaração unilateral ou coletiva da constituição da propriedade horizontal, tratando-se, portanto, do elemento constitutivo ou fundamentador desta.
Esse elemento constitutivo tem de conter, por imperativo legal, as menções enunciadas no n.º 1 do art. 1418º, podendo conter, a título facultativo, os elementos identificados no n.º 2, cuja enumeração é meramente exemplificativa, conforme decorre do vocábulo “designadamente”, o que significa que para além dos elementos previstos nesse n.º 2, em que se conta a menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum (al. a), o titulo constitutivo poderá conter outros elementos de não menção obrigatória.
O título constitutivo da propriedade horizontal, a par da sua eficácia enquanto ato gerador da autonomização jurídica das frações do edifício pode, assim, desempenhar uma função modeladora dos poderes e dos deveres dos condóminos sobre as frações autónomas e sobre as partes comuns do edifício, ampliando ou restringindo o regime legal não imperativo.
4.5.7.Quando tal suceda, o título constitutivo da propriedade horizontal, quando registado, “assume uma função modeladora do estatuto da propriedade horizontal e as regras que nele se estabeleçam, quer completem o regime legal, quer dele se afastem na medida em que a lei o permita, adquirem força normativa, impondo-se ao futuros adquirentes das frações, independentemente do seu assentimento” Abílio Neto, ob. cit., pág. 56..
Essas regras, constantes do título constitutivo, embora resultem de uma declaração negocial, quando registadas, adquirem força normativa ou reguladora, tendo eficácia ergo omnes e, como tal, impõem-se aos condóminos presentes e futuros e a todos os terceiros e, inclusivamente, às entidades públicas, como sejam as responsáveis pelo licenciamento da utilização que se pretenda dar às diversas frações autónomas Acs. STJ. de 17/11/2019, Proc. 25592/16.3T8PRT.S1; de 15/05/2013, Proc. 3424/07.9TBPVNG.P1.S1, in base de dados..
Note-se que o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser elaborado em qualquer momento, mesmo que o edifício se encontre ainda em construção, e conforme realçam Pires de Lima e Antunes Varela, “há toda a vantagem em admitir que a constituição da propriedade horizontal possa ter por objeto prédios em construção ou a construir. A delimitação prévia das frações autónomas e a definição de pontos essenciais do regime do futuro condomínio possibilitam que todo o candidato à aquisição de unidades independentes do imóvel conheçam antecipadamente (isto é, antes da celebração do contrato promessa, que constitui normalmente o termo da primeira fase das frações autónomas), os seus direitos e obrigações, bem como as limitações a que, como condómino, ficará sujeito” Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 408..
4.5.8.Cingindo-nos agora ao uso das frações autónomas, o uso destas é um elemento de menção facultativa no título constitutivo da propriedade horizontal (al. a), do n.º 2 do art. 1418º do CC), o que significa que esse uso poderá constar ou não do título constitutivo da propriedade horizontal.
4.5.9.No entanto, caso conste, e caso esse título constitutivo da propriedade horizontal tenha sido registado, e assim adquira a publicidade imposta por lei, esse uso adquire eficácia ergo omnes, o que significa que o condómino, presente ou futuro, não poderá dar destino distinto à fração daquele que consta do título de propriedade horizontal, salvo se obtiver autorização de todos os condóminos para proceder à alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, com vista a permitir-lhe o uso que o mesmo pretende dar à fração (art. 1419º do CC).
Essa alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, nos termos do art. 1419º, tem de ser imperativamente realizada através de escritura pública, mediante acordo de todos os condóminos e contanto que o edifício continue a obedecer às condições fixadas no art. 1415º (art. 1419º) e, na senda do que se vem dizendo, para que essa alteração adquira força vinculativa ergo omnes, tem de ser registada.
4.6.Acresce precisar que apesar da constituição da propriedade horizontal e as suas posteriores alterações, estarem dependentes da emissão de certificação pela Câmara Municipal, que é a entidade competente para verificar e certificar se a construção do edifício, respetiva composição e destino de cada fração ou parte comum está de acordo com o projeto de construção aprovado, não pode confundir-se o objeto e o objetivo do título constitutivo da propriedade horizontal com a licença de utilização para o edificado.
Na verdade, o título constitutivo da propriedade horizontal é o elemento fundamentador desta, gerando o nascimento desse específico e autónomo direito real, que é a propriedade horizontal, e pode definir, com maior ou menor amplitude o estatuto jurídico do prédio.
Quando para além das menções obrigatórias constantes do n.º 1 do art. 1418º do CC, o título constitutivo contemple menções não obrigatórias, como é o caso, reafirma-se, da menção do fim a que se destina cada fração ou parte comum do prédio, essas menções não obrigatórias apenas comungam da natureza real, impondo-se ergo omnes, quando o título constitutivo da propriedade horizontal seja objeto de competente registo.
4.6.1.Logo, no título constitutivo da propriedade horizontal regula-se a situação dos prédios, isto é, a relação dos diversos condóminos em relação à fração de que cada um é proprietário e o direito de todos sobre as partes comuns, pelo que nele estão em causa a regulação de relações de natureza privada e que se destina a salvaguardar direitos e interesses essencialmente privados.
4.6.2.Ao invés, na licença de utilização, a entidade pública administrativa competente para a concessão dessa licença, após verificação, certifica em como a fração cumpre com as normas administrativas necessárias para que seja dado a esta determinado uso, pelo que nela estão em causa preponderantemente interesses de ordem pública.
4.6.3.A licença de utilização, conforme já enunciado, é concedida sob reserva dos direitos de terceiros, não constituindo, modificando, sequer extinguindo os direitos de terceiros, pelo que a circunstância de uma fração estar licenciada pela entidade administrativa competente para o comércio, não significa que à luz do ordenamento jurídico civil, apenas o comércio (e não outras atividades económicas), nela possa ser exercida, sequer que nela possa ser exercido o comércio, uma vez que essa limitação do uso da fração em causa, em termos civilísticos, apenas pode ser aferida pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pela verificação se este foi ou não objeto de competente registo, por forma a adquirir força vinculativa ergo omnes.
Neste sentido, pondera-se em aresto deste TCAN que “o título constitutivo da propriedade horizontal é um documento particular de natureza privada, regulado nos termos previstos no Código Civil – arts. 1417º e 1418º do CC -, a respeito do qual o Município cingirá a sua intervenção à certificação, de que o edifício satisfaz os requisitos legais para a sua constituição como tal. Depois de constituída a propriedade horizontal, a sua eventual alteração pressupõe a intervenção de todos os condóminos, nos termos do art. 1419º do CC. Já a licença de utilização, da responsabilidade do Município, visa aferir da possibilidade de uma determinada ocupação ser efetivada em espaço concreto, previamente licenciada, seja habitacional, comercial ou industrial” Ac. TCAN. De 30/11/2017, Proc. 02151/14.4BEPRT, in base de dados da DGSI. .
4..6.4.Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, foi essa confusão entre título constitutivo da propriedade horizontal e licença de construção em que incorreram os serviços do apelante, quando estando a fração objeto dos autos licenciada para o comércio, impuseram à arrendatária daquela, como condição para licenciar a instalação nela da clínica médica e para nela serem executadas as obras necessárias a essa instalação, que a mesma lhe apresentasse autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino para a alteração da fração de comércio para clínica TAC/RX.
4.6.5.Na verdade, embora sobre a apelante impenda o ónus de verificar se a requerente desse pedido de licenciamento de obras dispõe ou não de legitimidade para instalar a referida clínica médica naquela concreta fração – o que aqui não se discute –, e embora a Câmara Municipal apenas possa ter emitido a licença de utilização para comércio para a dita fração, com base no qual foi celebrado o instrumento de constituição da propriedade horizontal, após verificar se a fração em causa preenche os requisitos legais indispensáveis ao fim a que a mesma se destina e para a qual a licenciou, conforme é bom de ver, daqui não deriva que no título constitutivo da propriedade horizontal tenha necessariamente ficado contemplado que o uso dessa concreta fração era o comércio, posto que a fração em causa poderá muito bem ter sido licenciada para o comércio e do título constitutivo da propriedade horizontal nenhuma menção ter ficado consignada quanto ao fim dessa fração, tanto mais que essa menção não é obrigatória.
4.6.6.Acresce que mesmo que a finalidade para o comércio da mencionada fração tivesse sido efetivamente consignada no título constitutivo da propriedade horizontal, essa menção apenas beneficiava de natureza real e, portanto, de eficácia ergo omnes, impondo-se a todos os condóminos, a terceiros, incluindo ao apelante, caso tivesse sido objeto de competente registo.
Deste modo é que, salvo melhor opinião, não podia o apelante, a partir da licença de utilização que atribuíra à fração em causa, em que a licenciara para o comércio, confundindo essa realidade jurídica com o titulo constitutivo da propriedade horizontal, impor como condição para a apreciação do pedido de licenciamento das obras necessárias à instalação naquela fração da referida clínica médica de radiologia, que a requerente lhe apresentasse autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino consentindo a alteração da finalidade do uso dessa fração de comércio para clínica medida TAC/RX, sem previamente se certificar se no título constitutivo da propriedade horizontal constava (ou não) que a utilização dessa fração estava adstrita ao exercício do comércio e que esse fim constava inscrito no respetivo registo, posto que só assim, é que esse finalidade se impunha à requente, a todos os condóminos e a todos os terceiros, incluindo ao apelante e era legitima essa exigência.
4.6.7. Assim, forçoso é concluir que a dita exigência feita pelos mesmos, como condição para apreciar o pedido de licenciamento de obras que a arrendatária lhe apresentou, sob pena de indeferimento liminar essa pretensão, afirma-se ilegal.
4.6.8.Acresce dizer que, ainda que os serviços do apelante se tivessem certificado que no título constitutivo da propriedade horizontal do edifício, constava que a fração em causa se destinava ao comércio e que essa finalidade constava do registo, ainda, assim, a conclusão a extrair seria a mesma, uma vez que a instalação de uma clínica médica na fração em referência não consubstancia qualquer alteração do uso desta – o comércio.
Vejamos.
4.7.É pacificamente aceite na doutrina e na jurisprudência que sendo o título constitutivo uma declaração negocial, este encontra-se sujeito às regras interpretativas do negócio jurídicos, nos termos do art. 236º do CC.
Assim, o título valerá com o sentido que dele possa retirar um declaratário normal e sendo o título um negócio formal, não pode valer um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no seu texto, ainda que esse sentido seja imperfeitamente expresso (art. 238º, n.º 1).
Acresce que se tem considerado que as utilizações permitidas pelo título não podem ser atendidas em sentido técnico dogmático, mas antes têm de ser consideradas segundo um critério económico Acs. STJ de 22/11/2019, CJ, t. 3º, págs. 123 e ss; de 15/05/2008, Proc. 08B779, in base de dados da DGSI..
4.7.1.Neste sentido já se pronunciava Aragão Seia, no âmbito do arrendamento, onde ponderava que “a atividade comercial pode ser entendida num duplo sentido: jurídico e económico. No primeiro, conceito meramente normativo e amplo, englobar-se-ão todos os atos ou atividades objetivamente comerciais, ou seja, considerados como tal pela lei comercial – art. 230º do C. Comercial (intermediação nas trocas, revendas, prestações de serviços, atividades industrial-transformadoras, operações de bancos, seguros, etc.). Semelhante atividade não se ajusta evidentemente à noção económica e vulgar de comércio em sentido restrito, baseada na permuta, embora indireta e restrita à aquisição de mercadorias e à sua revenda com intuito especulativo, ou seja, em última análise, à função de intermediário entre a produção e o consumo; nem à de atividade criadora, de produção extrativa ou de transformação, destinada à produção de riqueza. (…). Hoje, ensina o Prof. Coutinho de Abreu, é vulgar falar-se em três setores da atividade económica: o primário (compreende a agricultura – que, num sentido amplo, abrange também a pecuária e a silvicultura –, a pesca e a caça), o secundário (indústria) e o terciário (serviços – compreende estes, residualmente, tudo quanto não cabe nos dois primeiros setores: comércio, transportes, fornecimentos de água, gás, eletricidade, atividade seguradora, bancária, liberais, etc.). Numa noutra perspetiva, diz-se que a produção económica se processa através da indústria (definível como criação de utilidades que ficam incorporadas nos objetos produzidos) – extrativa, agrícola, transformadora, transportadora e comercial – e dos serviços (ações humanas que satisfazem imediatamente, de modo direto ou com recurso a bens materiais, necessidades de outros homens). Também o RAU foi adotado o critério económico, caso contrário o legislador não teria feito a distinção entre atividade comercial e a industrial, na medida em que ambas estão englobadas na atividade comercial em sentido jurídico, ou seja, a que é adotada pela lei comercial; no art. 75º faz-se, até, expressamente referência a indústrias domésticas, não sendo aplicável por analogia ao comércio doméstico, com tem sido entendido pelos tribunais” Aragão Seia, “Arrendamento Urbano”, 6ª ed., Almedina, págs.149 e 150..
4.7.2.Logo, em função do que se vem dizendo, de acordo com o critério económico de atividade comercial, esta assume natureza residual, estando nela contempladas todas as atividades que não sejam atividades agrícolas ou industriais, compreendendo-se, por isso, que a jurisprudência seja uniforme no sentido de que o uso para comércio não permite o uso para a instalação de um restaurante ou de uma pastelaria, uma vez que estas coenvolvem a prática de uma atividade comercial (a troca dos bens produzidos, com intuito lucrativo) e uma atividade industrial (a produção do pão e dos bolos, que passa pela transformação das suas variadas partes componentes – farinha, açúcar, ovos, etc.), o que não é o caso de uma clínica médica de RX/TAC, que é indiscutivelmente uma atividade de prestação de serviços e, como tal, insere-se na atividade comercial.
4.7.3.Deste modo, ainda que no título constitutivo da propriedade do edifício em causa estivesse contemplado que a fração apenas podia ter por objeto a sua utilização para o “comércio” e este titulo constitutivo tivesse sido objeto de competente registo, impondo-se ergo omnes, a instalação na fração de uma clinica médica de TAC/RX não implica uma alteração desse uso.
4.7.4.Destarte, ao impor como condição de legitimidade à arrendatária da fração em causa que esta apresentasse autorização da assembleia de condóminos ou declaração individual de cada condómino para alteração à finalidade da fração de comércio para clínica TAC/RX, dando cumprimento ao art. 1419º, n.º 2 ou art. 1432º, n.º 5 e 1422º do CC, sob pena de rejeitar liminarmente o procedimento, é inegável que os serviços do apelante impuseram uma condição que não era imposta por lei, infringindo normas legais e deveres objetivos de cuidado de que resultou ofensa do direito subjetivo da requerente a ver apreciado e deferido o seu pedido de licenciamento e de instalar na fração em causa a clínica, agindo, assim, ilicitamente (art. 9º, n.º 1 da Lei n.º 67/2007, de 31/12).
4.7.5.Além de ilícita, essa conduta dos serviços apelante, nos termos do n.º 2 do art. 10º da mesma Lei, presume-se culposa, sendo que o apelante não logrou ilidir a culpa leve que incide sobre o referido ato ilícito em que incorreram os seus serviços.
Deste modo, ao concluir estarem preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do apelante perante os apelados, contrariamente ao pretendido pelo apelante, a 1ª Instância não incorreu em qualquer erro de direito, improcedendo o mencionado fundamento de recurso.

b.2.2- Quantum indemnizatório – nexo causal.
5.Na sentença recorrida o apelante foi condenado a pagar aos apelados, “o montante dos danos sofridos em montante cujo apuramento se relega para incidente de liquidação”, estando compreendido nesta indemnização, do lado ativo (a favor dos apelados), o valor das rendas que os mesmos deixaram de receber da arrendatária, durante o período de cinco anos convencionado para a vigência deste, as quantias que os mesmos foram condenados a pagar à arrendatária, por decisão transitada em julgado, de 146.342,51 €, relativas a obras realizadas no locado, e 8.000,00 €, relativas às rendas pagas, acrescida de juros de mora, e do lado passivo e, portanto, a deduzir daquele ativo, as quantias que, nessa decisão transitada em julgado, a arrendatária foi condenada a pagar aos apelados (60.000,00 €, relativa às obras necessárias realizar; 3.850,00 € relativa aos materiais inutilizadas e 2.000,00 €s relativa à privação do locado) e o valor das rendas que os apelados receberam e recebem em consequência do novo arrendamento da fração em causa a terceiro.
5.1.Expendeu a 1ª Instância os seguintes argumentos: “ Os Autores não conseguiram obter a autorização dos condóminos exigida pelo demandado, pelo que a arrendatária não respondeu ao ofício deste e resolveu o contrato de arrendamento com os Autores e acionou-os judicialmente.
Na ação judicial intentada pela arrendatária, não só foi declarado nulo o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, como os Autores foram condenados a pagar à arrendatária determinadas quantias, acrescidas de juros (…).
No caso dos autos, se o Demandado não tivesse convertido oficiosamente o procedimento de licenciamento de obras particulares em procedimento de consulta prévia, não teria exigido à arrendatária o documento relativo à autorização dos condóminos e, nessa medida, não teria conduzido à resolução do contrato de arrendamento pela arrendatária, nem à subsequente instauração de ação judicial contra os Autores, com a sua condenação ao pagamento de determinadas quantias.
Foi a atuação do Demandado que deu causa a outros comportamentos que conduziram aos danos patrimoniais sofridos pelos Autores, verificando-se, desse modo, a existência de nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelos Autores.
Face ao exposto, verificam-se todos os pressupostos que constituem o Demandado na obrigação de indemnizar os Autores por facto ilícito.
Quanto ao quantum dos danos, importa liquidar o valor das rendas que os Autores deixaram de auferir, durante o período de vigência contratual, com impacto nas sucessivas declarações de IRS, bem como a quantia concretamente paga à I. em consequência da condenação dos Autores no processo nº 2960/09.7TBVIS, tendo em consideração que a I. também foi condenada a pagar determinadas importâncias aos Autores.
Como não se deu como provado o quantum dos danos, relega-se o seu apuramento para incidente de liquidação de sentença, nos termos do artigo 358º, nº 2 do Código de Processo Civil”.
5.2. Insurge-se o apelante quanto aos mencionados argumentos e condenação, mas apenas com parcial razão.
Na verdade, nos termos do disposto no art. 562º do CC, o apelante encontra-se obrigado a reconstituir a situação que existira, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, ou seja, essa indemnização corresponderá à diferença em que se encontrariam os apelados (situação hipotética) caso não fosse aquele evento e a situação em que se encontram (situação real) por via desse evento, visando a lei reconstituir a situação destes na situação anterior ao evento ilícito e culposo.
5.3. Essa indemnização compreende os danos emergentes, isto é, os prejuízos sofridos, ou seja, o património já existente na esfera jurídico-patrimonial do lesado aquando do evento, assim como os lucros cessantes, ou seja, os ganhos que se frustraram, os prejuízos que lhe advieram por em consequência da lesão, não ter visto aumentado o seu património (art. 564º, n.º 1 do CC).
Na fixação da indemnização deverá entender-se aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não o forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (n.º 2 do art. 564º).
5.4. Finalmente, nos termos do disposto no art. 564º, em que se consagra a denominada doutrina da causalidade adequada, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, o que significa que o facto deve ser a causa real do dano, isto é, não basta que aquele tenha produzido o dano em termos naturalísticos ou mecanicamente, mas exige-se que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado pelo facto, sendo para tanto necessário que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz adequada desse efeito Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 579..
5.5.Revertendo ao caso dos autos, resulta da facticidade apurada que por via da exigência ilícita e culposa dos serviços do apelante, feita à arrendatária da fração para que lhe apresentasse a autorização da assembleia de condóminos ou a declaração individual de cada condómino, consentindo na pretensa alteração da utilização da fração de comércio para instalação de clínica TAC/RX, sob pena de indeferimento liminar do pedido de licenciamento que esta lhe apresentara, quer a arrendatária, quer o apelados (senhorios), apesar das diligências que encetaram junto dos condóminos, no sentido de obterem essa autorização, não o conseguiram, em virtude da persistente recusa destes em lhes concederem essa autorização, vindo a arrendatária, perante essa circunstância, a resolver o contrato de arrendamento, com fundamento em de não poder dar à fração o destino para o que tinha celebrado – a instalação da clínica médica de radiologia -, e a demandar judicialmente os apelados, que por decisão transitada em julgado, viram o contrato de arrendamento a ser declarado nulo e foram condenados a restituir à arrendatária as rendas que dela tinham recebido e o valor das obras que a mesma tinha executado no arrendado, a fim de nele instalar a dita clínica e que não puderam ser levantadas – cfr. alíneas C, Q, V e W da facticidade apurada.
5.6.Em face deste quadro fáctico, dir-se-á que a conduta ilícita e culposa dos serviços do apelante, foi não só em geral, isto é, do ponto de vista naturalístico, mas também do ponto de vista jurídico, causal da resolução do contrato de arrendamento e da ação que contra os apelados foi instaurada pela apelada, uma vez que quem exige, ilícita e culposamente, uma autorização como a que foi exigida pelos serviços do apelante, como condição de legitimidade para apreciar o pedido de licenciamento que a arrendatária da fração lhe apresentou, a fim de instalar uma clínica médica no arrendado, fim esse para que tomou de arrendamento a fração, não pode desconhecer, que além dessa exigência não ter cabimento legal, à luz das regras da normalidade das coisas e da experiência da vida seria esperável que a arrendatária e o senhorio não lograriam obter essa declaração da parte da assembleia de condóminos ou dos condóminos, o que inviabilizaria a instalação no arrendado da clínica médica, o que levaria a arrendatária a resolver o contrato e a demandar judicialmente o senhorio com vista a pedir as responsabilidades destes, como veio a acontecer, e privando o senhorio das rendas que recebia da arrendatária.
5.7.Logo, quando às rendas, o nexo causal entre o facto e as rendas que os apelados deixaram de receber em consequência da resolução do contrato de arrendamento é indiscutível.
O contrato de arrendamento celebrado entre os apelados e a I. foi outorgado por um período inicial de cinco anos, renováveis, pelo que era fortemente previsível para os serviços do apelante, no momento que antecedeu o cometimento do facto ilícito e culposo, que esse contrato de arrendamento, não fora a previsível resolução deste pela arrendatária, por motivos que lhes são exclusivamente imputáveis, se teria mantido durante o período de cinco anos contratados e que os apelados iriam receber a renda acordada durante esse período temporal.
5.8.Destarte, por via do comportamento ilícito e culposo dos serviços do apelante, os apelados foram impedidos de continuar a receber as rendas (lucros cessantes) da arrendatária, I., Lda., facto esse que se revela perfeitamente previsível para os serviços da apelante no momento ex ante ao momento em que fizeram aquela exigência ilícita e culposa, com que levaram à resolução desse contrato de arrendamento.
5.9.Ao valor dessas rendas impõe-se descontar o valor das rendas que os apelados tenham já recebido e/ou venham a receber pelo arrendamento da fração em causa a terceiros, durante o referido período de tempo de cinco anos acordado com a I., Lda. para a vigência do contrato de arrendamento resolvido.
Deste modo, contrariamente ao pretendido pelo apelante, quando assim decidiu, a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de direito.
6.Passando ao valor das obras realizadas pela arrendatária na fração a fim de nela instalar a clínica médica, resulta da facticidade apurada, que os apelados foram condenados, por decisão judicial, transitada em julgado, a pagar o valor dessas obras à arrendatária.
A 1ª Instância condenou o apelante a restituir o valor dessas obras uma vez deduzidos os valores que a arrendatária foi condenada a pagar aos últimos.
Com este entendimento não se conforma o apelante, sustentando que se está perante obras ilegais e, a nosso ver, com inteira razão.
6.1.Com efeito, independentemente dessas obras serem ou não ilegais, por não serem executadas após o seu licenciamento, diremos que quem solicita à apelante um pedido de licenciamento para executar, na fração, obras, com vista a instalar na fração uma clínica médica, como foi o caso da I., Lda., é porque entende que essas obras estão sujeitas a licenciamento, sendo ilegal a execução das mesmas sem o seu prévio licenciamento pela entidade administrativa competente.
6.2 Destarte, prefigura-se-nos ser indiscutível que os serviços do apelante, no momento da prática do ato ilícito e culposo não podiam prever que as obras de adaptação da fração a clínica médica já se encontravam iniciadas e em curso e/ou que iriam continuar a ser executadas, apesar da exigência ilícita e culposa que fizeram à arrendatária, até porque tudo isso era contrariado pelo pedido de licenciamento que esta lhes apresentou.
6.3 Logo, entre o facto ilícito e culposo perpetrado pelos serviços do apelante e o valor das obras executadas pela arrendatária I., Lda. na fração em causa e que os apelados foram condenados a pagar àquela, por decisão judicial transitada em julgado, não existe nexo de causalidade adequada, impondo-se julgar, nesta parte, a apelação procedente e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando-se apenas o apelante a pagar aos apelados, a título de indemnização, o valor das rendas mensais contratadas entre a I., Lda. e os apelados, no contrato de arrendamento celebrado, durante o período de 5 anos acordado para a vigência desse contrato, deduzido do valor das rendas que os apelados receberam ou venham a receber de terceiros, na sequência do arrendamento daquela fração, durante o referido período de cinco anos, relegando-se a determinação do quantum dessa indemnização para incidente de liquidação.
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IV- DECISÃO
Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores do Tribunal Administrativo do Norte acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:
(I) revogam a parte dispositiva da sentença recorrida e condenam o apelante, MUNICÍPIO (...), a pagar aos apelados, A. e M., a título de indemnização, o valor das rendas mensais contratadas entre a I., Lda. e os apelados no contrato de arrendamento celebrado entre eles e identificado na alínea C) dos factos apurados, durante o período de 5 (cinco) anos acordados para a vigência desse contrato, deduzido do valor das rendas que os apelados receberam ou venham a receber de terceiros na sequência do arrendamento da fração, durante esse período de cinco anos, indemnização essa a apurar em incidente de liquidação;
(II) no mais, absolvem o apelante MUNICÍPIO (...) do restante pedido.
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Custas em ambas as instâncias por apelante e apelados, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa provisoriamente em 50% para cada uma das partes, fazendo-se o rateio afinal, no incidente de liquidação, de acordo com o efetivo decaimento de cada uma das partes que aí venha a ser apurado (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 02 de julho de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita