Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00040/17.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/12/2019
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL; CRÉDITOS SALARIAIS; CESSAÇÃO DO CONTATO DE TRABALHO; SENTENÇA; INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO CRÉDITOS SALARIAIS;
ARTIGO 309º DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04); INCONSTITUCIONALIDADE.
Sumário:
1. No caso de créditos salariais - embora emergentes da cessação de contrato de trabalho - que foram reconhecidos por sentença, aplica-se o prazo geral de prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.
2. É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018). *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:PACG
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

PACG veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal, de 19.06.2017 que julgou totalmente improcedente a acção movida contra o Fundo de Garantia Salarial para declaração de nulidade ou anulação do acto de 04.08.2016, de indeferimento do pagamento de créditos laborais sobre sua ex-entidade patronal, a sociedade VDA L.da, vencidos e reconhecidos por sentença proferida no Tribunal de Trabalho.
Invocou para tanto e em síntese que o acto impugnado padece do vício de violação de lei, por ofensa do disposto no nº 8 do artigo 2º do Decreto-Lei 59/2015, de 21.04, e, em todo o caso, este preceito na interpretação colhida no acto impugnado viola o direito económico à retribuição do trabalho, consagrado na alínea a), do nº 1 do artigo 59º, o princípio da Igualdade, previsto no artigo 13º daquele diploma constitucional, bem como o disposto no n.º 2 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, designadamente no respeitante ao direito de acesso ao Direito e à Justiça, de forma equitativa e em condições de igualdade, assim como constitui uma violação do princípio da segurança jurídica, na vertente da protecção da confiança dos administrados, uma vez que obsta de forma desigual e arbitrária aos mínimos de certeza e segurança que à comunidade o Direito tem de garantir e fazer respeitar, como dimensões estruturais do Estado de Direito Democrático.
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O Recorrido não contra-alegou.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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O Recorrente veio responder a este parecer mantendo no essencial a sua posição inicial.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
A. Em 17.02.2014, cessou por caducidade o contrato de trabalho celebrado entre o Recorrente e a sociedade VDA & Associados.
B. Não tendo a entidade empregadora procedido ao pagamento dos respectivos créditos salariais e compensação, ou sequer reconhecido como devidos, recorreu aquele aos meios legais à sua disposição para o efeito, designadamente propondo acção emergente de contrato de trabalho, cujos termos correram no Tribunal do Trabalho de Coimbra, com o nº 6775/14.2TBCBR.
C. Fê-lo na convicção de que a instauração daquela acção configuraria o passo necessário para, em tempo útil, ver reconhecidos e satisfeitos os seus direitos de crédito.
D. Ignorava, em toda a sua extensão, a real situação financeira da sua entidade empregadora, não tendo conhecimento de qualquer intenção por parte daquela em se apresentar à insolvência.
E. Por sentença do Tribunal do Trabalho de Coimbra, proferida em 09.03.2015 e transitada em julgado em 09 de Abril seguinte, foi a entidade empregadora condenada no pagamento dos créditos laborais devidos ao Recorrente, os quais determinados em 11.602,81€ (onze mil seiscentos e dois euros e oitenta e um cêntimo), acrescidos de juros de mora à taxa legal.
F. Na data de 12.05.2015, a sociedade VDA & Associados foi declarada insolvente, por sentença proferida pelo 3º Juízo da Secção de Comércio da Instância Central de Coimbra.
G. Uma vez inteirado de que aquela sociedade se encontrava insolvente, o Recorrente avançou com a reclamação dos seus créditos laborais junto dos respectivos autos, de tal facto tendo sido emitida declaração comprovativa.
H. Na posse desta, requereu a intervenção do Recorrido, a fim de ver garantido o pagamento dos referidos créditos salariais.
I. Contudo, viria a ser notificado de decisão de indeferimento, com fundamento no facto de, alegadamente,
«não ter apresentado o seu requerimento no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 59 /2015, de 21.04»,
e o mencionando tratar-se
“de um prazo de caducidade pelo que, findo o mesmo, o exercício do direito a requerer créditos ao Fundo caduca. Ademais, de acordo com o disposto no artigo 328º do Código Civil, o prazo de caducidade não admite suspensões ou interrupções, salvo situações em que a lei o determine, não sendo esse o caso em apreço”.
J. Por discordar desta decisão, veio o Recorrido a instaurar no Tribunal a quo acção administrativa especial, peticionando que aquele acto administrativo de indeferimento fosse anulado, por violação do dever de fundamentação, nos termos da alínea a) do artigo 152º e nº 2 do artigo 153º do Código de Procedimento Administrativo, bem como por vício de forma por preterição de formalidades essenciais; ou, em alternativa declarado nulo, nos termos da alínea d), do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo, por ofender o conteúdo essencial de princípios e direitos fundamentais, acolhidos constitucionalmente e na lei administrativa, designadamente o princípio da decisão, previsto no artigo 13º do Código de Procedimento Administrativo, e o modelo de administração participada, expresso nos artigos 12º do Código de Procedimento Administrativo e nº 1 e 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa, bem como o princípio da confiança, ínsito ao nº 2 do artigo 10º do Código de Procedimento Administrativo, in fine , decorrente do principio de Segurança Jurídica e da Protecção da Confiança dos Cidadãos, previsto igualmente no nº 2 daquele diploma constitucional.
K. Proferida a sentença a quo, concluiu o Tribunal a quo que o vencimento dos créditos laborais veio a verificar-se em momento prévio ao período de 6 (seis) meses que antecedeu a data de proposição da acção de insolvência, pelo que se encontram aqueles créditos laborais «fora do período assegurado pelo Réu, conforme dispõe o artigo 2º, nº 4, do DL nº 59/2015, de 21 de Abril».
L. Acrescenta o MMº. Juiz que «melhor andaria o Autor [Recorrente] se tivesse ele mesmo pedido a insolvência da entidade patronal antes de passarem os fatais seis meses sobre a cessação da relação laboral, par a o que tinha motivos bastantes e legitimidade, atentos os salários e outros créditos laborais já em tanto atraso».
M. Discorda o Recorrente da posição ali assumida pelo Tribunal a quo, desde logo considerando que este não valorou a recusa, por parte da entidade empregadora, em reconhecer e liquidar os valores reclamados pelo Recorrente a título de créditos laborais.
N. Ao não integrar na sentença qualquer referência à natureza não consolidada daqueles créditos, o Tribunal a quo assume como irrelevante o facto de o Recorrente, até à obtenção de sentença condenatória da sua entidade empregadora em sede do Tribunal do Trabalho, não ser o titular de quaisquer créditos, porquanto até aí não consolidados.
O. Mais, à altura, o Recorrente não possuía informações ou indícios, relativos à situação financeira da sua entidade empregadora, que lhe permitissem perspectivar o estado de insolvência desta e, consequentemente, avançar com a proposição de uma acção de insolvência. P. Ao assinalar a indispensabilidade da instauração de acção de insolvência imediatamente após a cessação do contrato de trabalho, o Tribunal a quo, ainda que involuntariamente, reconduz este tipo de acção a um mero mecanismo judicial de cobrança, de natureza executiva.
Q. Fá-lo sem elucubrar de um modo suficientemente fundamentado as reais possibilidades de tal opção, escusando-se a apresentar sustento doutrinal ou jurisprudencial, e tão só referenciando a existência de «motivos bastantes e legitimidade, atentos os salários e outros créditos laborais já em tanto atraso».
R. Salvo melhor entendimento, não se deverá exigir a um trabalhador, colocado perante a falta de pagamento dos créditos laborais, que de imediato venha requerer a insolvência da sua entidade empregadora, sob pena de não poder recorrer posteriormente ao Recorrido.
S. Ademais, admitindo que os créditos se venceram até à data da cessação do contrato de trabalho, correndo então contra o Recorrente o prazo de instauração de acção de insolvência contra a respectiva entidade empregadora, salvo melhor opinião, o momento de referência para a cobertura pelo Recorrido dos créditos salariais sempre se prenderia com a data em que vem a ser proferida a decisão de declaração de insolvência da entidade empregadora, ao invés da data de propositura daquela acção, porquanto tal como se vê interrompido o prazo de prescrição de créditos, em similitude se deverá ver interrompido o prazo no que contende com o prazo de garantia do Fundo de Garantia Salarial.
T. Neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16.02.2012, relativo a processo nº 08482112, consultável em www.dgsi.pt, quando ali é feito notar que «(...) a finalidade para que foi criado o FGS de, em caso de falência ou insolvência do empregador, assegurar ao trabalhador uma indemnização pelo Estado, ficaria na maioria dos casos sem qualquer efeito prático. E isto porque, quando a insolvência fosse decretada e os créditos vencidos e reconhecidos, já o trabalhador não teria direito ao respectivo pagamento, nem pela empregadora, nem pelo FGS, o que nos parece um contrassenso, dada a manifesta in utilidade que teriam esse vencimento [cfr. Art. 91º/1 CIRE] e reconhecimento [cfr. Art. 128º/1 CIRE]».
U. Preconizando-se a interpretação vertida na sentença, relativa à indispensabilidade de proposição de acção de insolvência, poderá a mesma conduzir ao recurso generalizado daquela por todo e qualquer trabalhador cujo salário ou demais prestações se encontrem em falta, quando as condições que devem justificar a proposição de uma tal acção não se reduzem a tal.
V. Razão pela qual, in casu, na sequência da cessação do respectivo contrato de trabalho, em face do não reconhecimento dos seus créditos laborais por parte da entidade empregadora, o Recorrente percorreu o itinerário julgado próprio e adequado naqueles casos, designadamente procurando obter uma decisão judicial que viesse declarar a existência daqueles créditos e condenasse a entidade empregadora no seu pagamento.
W. Fê-lo, na convicção de que, não sendo titular de qualquer crédito ou título executivo sobre a entidade empregadora antes da prolação da sentença condenatória no Tribunal do Trabalho, não poderia requerer a sua insolvência, pelo que, de tal modo, o período de seis meses supra referido teria de ser reportado à acção intentada naquele Tribunal e não à acção de insolvência.
X. Propôs, igualmente, a referida acção comum, pressupondo que teria por efeito a interrupção de quaisquer prazos que pudessem contender com a efectiva satisfação dos seus créditos, aí se incluindo a possibilidade de, no caso do não pagamento daqueles pela entidade empregadora, poder requerer a intervenção do Recorrido.
Y. Neste sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.03.2004, relativo ao processo nº 04B1056, consultável em www.dgsi.com, quando ali é referido que «A prescrição interrompe-se pela citação do Réu em acção a exigir o cumprimento da obrigação, seja qual for a acção em que ocorreu».
Z. Caso assim não se verificasse, gerar-se-ia uma situação de desigualdade de tratamento, uma vez que, encontrando-se os créditos laborais reconhecidos ab initio a um dado trabalhador, ser-lhe-ia permitido um recurso tempestivo e imediato ao Recorrido, ao passo que qualquer outro, como se verifica in casu, correria o risco de o prazo para o efeito se esgotar, enquanto procurava que os respectivos créditos fossem judicialmente reconhecidos.
AA. Dado o exposto, um entendimento que não atenda ao efeito interruptivo da instauração de uma acção laboral, nos termos supra descritos, comporta uma violação do princípio da segurança jurídica, na vertente da protecção da confiança dos administrados, uma vez que, salvo melhor opinião, obvia de forma desigual e arbitrária os mínimos de certeza e segurança que à comunidade o Direito tem de garantir e fazer respeitar, como dimensões estruturais do Estado de Direito Democrático.
BB. Qualquer outra interpretação, deverá considerar-se, com o devido respeito, inconstitucional, na medida em que se afigura contrária e violadora dos imperativos plasmados no nº 1 e 2 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, designadamente no respeitante ao direito de acesso ao Direito e à Justiça, de forma equitativa e em condições de igualdade.
CC. Mais, o Recorrido foi criado pelo legislador, visando garantir o pagamento aos trabalhadores das prestações consignadas no quadro legal aplicável, de modo que, uma interpretação do nº 8 do artigo 2º do Decreto-Lei 59/2015, de 21.04, como aquela que fundamenta a decisão de indeferimento tomada pelo Recorrido, impedindo o Recorrente de reclamar o seu crédito junto do Fundo de Garantia Salarial, salvo melhor opinião, mostrar-se-ia igualmente contrária à Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, comprometendo o direito económico à retribuição do trabalho, consagrado na alínea a) do nº 1 do artigo 59º, e o Princípio da Igualdade, previsto no artigo 13º daquele diploma constitucional.
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II –Matéria de facto.
A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
1. O contrato de trabalho do Autor com a “VDA Lda” cessou por caducidade de contrato a termo em 17.02.2014 – acordo das partes e folhas 4 e seguintes do processo administrativo.
2. Em data ignota anterior a 09.03.2015 o Autor instaurou no Tribunal do Trabalho de Coimbra a acção nº 6775/14.2TBCBR pedindo a condenação a ex-entidade patronal a pagar-lhe a quantia de 11.602,81, acrescida de juros de mora legais, respeitante a retribuições em atraso de Janeiro e Fevereiro de 2017, a subsídio de Natal de 2013, trabalho suplementar, subsídios de férias de 2012 e de 2013 e ainda o vencido em 1 de Janeiro de 2014, férias não gozadas, formação profissional e a compensação pela caducidade do contrato - cf. folhas 4 e seguintes do processo administrativo.
3. Por carta de 10.03.2015 o Autor foi notificado da sentença que julgou essa acção inteiramente procedente - cf. folhas 3 e seguintes do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4. Em 27.01.2015 deu entrada a petição inicial e em 12.05.2015 foi proferida a sentença de declaração de insolvência daquela sociedade comercial - cf. folhas 11 do processo administrativo.
5. Em 13.05.2015 o Autores apresentou no balcão do Instituto da Segurança Social na Loja do Cidadão em Coimbra o requerimento modelar para o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, reconhecidos pelo Administrador de Insolvência no mapa elaborado ao abrigo do artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - cf. folhas 11 do processo administrativo.
6. Sobre o requerimento incidiu o seguinte parecer prévio da técnica Guida Paiva da unidade de apoio jurídico ao Fundo, do Centro distrital de Coimbra do Instituto de Segurança Social:
“Esta proposta foi analisada à luz dos requisitos legais definidos no novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto de Lei nº 59/2015, de 21 de Abril, tais como: Verifica-se cumprido o requisito definido no nº 1º do novo regime do Fundo de Garantia Salarial - Correm termos no Tribunal Judicial de Coimbra, os autos de processo de Insolvência sob o nº 840/15.6TBCBR. A petição inicial deu entrada no dia 2015/1/27 tendo a sentença que declarou a insolvência sido proferida em 2015/05/12. Os créditos requeridos não s encontram abrangidos pelo período de referência, ou seja, nos seis meses que antecedem a propositura da acção (insolvência, falência, revitalização ou procedimento extrajudicial de recuperação de empresas) nos termos do nº 4 do artigo 2º do Dec. Lei 59/2015 de 21 de Abril, ou após a data da propositura da mesma acção, nos termos do nº 5 do mesmo artigo. Por tudo o que vem anteriormente referido propõe-se o seguinte: ~Indeferimento com base no nº 4 do artigo 2º do novo regime do FCG, ao requerido pelos trabalhadores identificados neste grupo.”
- Cf. folhas 11 do processo administrativo.
7. Sobre este parecer foi proferido pela Directora do Núcleo de Apoio Jurídico do Instituto de Segurança Social em Coimbra o seguinte parecer, datado de 10.11.2015: “com os fundamentos do parecer que antecede, proponho o indeferimento do pedido.”
- Cf. folhas 20 de cada processo administrativo.
8. Sobre o mesmo requerimento do Autor versou ainda mais um parecer, desta feita da técnica superiora Sandra Silva, datado de 1211.2015, cujo teor a folhas 13 do processo administrativo aqui se dá como reproduzido, transcrevendo o excerto que segue:
“Quanto aos requerimentos: Dispõe o nº 8, do art. 2.° do Anexo, que "O Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.". Atentas as datas de cessação da qualificação e de apresentação dos requerimentos registadas em SISS/FGS, conclui-se q 1 os requerimentos são extemporâneos, porquanto foram apresentados mais de um ano e um dia após a cessação dos contratos de trabalho dos requerentes. Uma vez que se trata de um prazo de caducidade (e não de prescrição, como no regime anterior), findo o mesmo, cessou o direi to de os ex-trabalhadores da insolvente ora em causa, requererem a garantia dos seus créditos pelo FGS”.
9. Sobre este parecer foi proferido pelo Presidente do Fundo Réu o seguinte despacho: “concordo”, datado de 13.05.2015 - cf. folhas 14 do processo administrativo.
10. Pela carta de folhas 15 do processo administrativo, do Director de Segurança Social de Coimbra, foi a Autora notificada nos seguintes termos:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 213 de Novembro de 201, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento apresentado por Vª Ex.a será indeferido. Nos termos do art.º 122° do Código do Procedimento Administrativo, V.a Ex." tem direito a pronunciar-se, antes de ser tomada a decisão final, dispondo de 10 dias úteis, a partir da presente notificação, para apresentar resposta por escrito, da qual constem os elementos que possam obstar ao indeferimento, juntando os meios de prova adequados. Poderá igualmente, contactar os serviços, na morada indicada e pelos contactos mencionados em rodapé. O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s): O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do nº 8 do artº 2.° do DL nº 59/2015, de 21 de Abril. Mais se informa, que, na falta de resposta, o indeferimento ocorre no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de: - 15 dias úteis, para reclamar; - 3 meses, para impugnar judicialmente”.
11. Por carta do Director de Segurança Social em Coimbra, expedida em 09.12.2015, o Autor foi notificado nos seguintes termos:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 13 de Novembro de 2015, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V.a Ex.a foi indeferido. O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s): O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.° do Dec - Lei n.? 59/2015, de 21 de abril. Mais se informa, que a partir da presente notificação tem V. Exs os prazos de: - 15 dias úteis, para reclamar 3 meses para impugnada judicialmente”.
12. Em 21.01.2016 o Advogado Hugo Cardoso dos Santos, enviou por email para o Réu a exposição designada “Audiência Prévia”, cujo teor de folhas 20 a 24 do processo administrativo aqui se dá como por reproduzido.
13. Sobre esta exposição versaram os pareceres do núcleo de apoio jurídico do Réu, cujo teor de folhas 25 a 29 do processo administrativo aqui se dá como reproduzido.
14. Em 14.07.2016 seguinte o Presidente do conselho directivo do Fundo de Garantia Salarial proferiu, sobre esta sucessão de pareceres, o seguinte despacho: “Concordo”.
15. Por carta do Director de Segurança Social em Coimbra, expedida em 10.08.2016, o Autor foi notificado nos seguintes termos:
“Pelo presente ofício e nos termos do despacho de 14 de Julho de 2015, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho apresentado por V. Ex.a foi indeferido. O(s) fundamento(s) para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s): O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.° do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril. Mais se informa, que a partir da presente notificação tem V. Exs os prazos de: - -15 dias úteis, para reclamar; -3 meses para impugnar judicialmente”:
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III - Enquadramento jurídico.
1. A inconstitucionalidade da norma constante do no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, tendo em atenção as referidas directivas.
Sobre este tema pronunciou-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018 (retificado pelo acórdão nº 447/2018), no processo 555/2017:
“3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:
A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão;
(…)”
Discorrendo, para chegar a esta decisão, o seguinte:
“2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).
Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.
De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,] aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto de estes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um EstadoMembro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.
2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Directivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“[a] directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).
Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).
Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.
Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretada a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).
2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).
Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.
2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.
(…)”
Decisão com a qual se concorda, tendo em conta os seus fundamentos.
A solução desta decisão que o Tribunal Constitucional também confirmou no recente acórdão nº 583/2018, no processo 188/2018, de 08/11/2018 também se adoptou nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 07.12.2018, processo 2492/16.7 PRT, de 21.12.2018, processo 232/17.2 CBR, de 21.12.2018, processo 1777/17.0 PRT, de 11.01.2019, processo 61/17.3 BRG e de 25.01.2019, processo 295/17.0PNF.
A configuração do prazo para reclamar créditos ao Fundo de Garantia Salarial constante da norma em apreço, como prazo de caducidade insusceptível, como tal, de suspensão ou interrupção, pode tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito dos trabalhadores credores, além de que, face à divergência de interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, conduz a uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica o que pode constituir uma violação do princípio da efetividade.
Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”
“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.
Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida à hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.
Na verdade, é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.
E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.
Dispunha o artigo 319º, nº 3, da Lei nº 35/2004, de 29.07, norma anteriormente em vigor, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respectiva prescrição.
No caso concreto, os créditos peticionados foram reconhecidos por sentença do Tribunal de Trabalho de Coimbra que foi notificada ao Autor, ora Recorrente em 10.03.2015.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil, que o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Nos termos do artigo 309º do Código Civil o prazo ordinário de prescrição tem a duração de vinte anos, sendo este prazo o aplicável neste caso.
Assim, é notório que quando os créditos foram pedidos ao Recorrido, em13.05.2015, faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido pelo Recorrente e, portanto, também para ocorrer a caducidade do direito a reclamar tais importâncias ao Fundo de Garantia Salarial.
Não se verificou, pois, a caducidade invocada pelo Réu no acto impugnado e fundamento da improcedência da acção decidida pela sentença recorrida.
Merece, pois, provimento o presente recurso jurisdicional.
2. Demais questões suscitadas.
Procedendo a acção e o recurso pelos fundamentos acabados de analisar, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
***
IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Julgam a acção totalmente procedente e condenam o Réu nos termos peticionados.
Custas pelo Réu, ora Recorrido, na Primeira Instância, sendo certo que não contra-alegou no recurso.
Porto, 12.04.2019
Ass. Rogério Martins
Ass. Conceição Silvestre
Ass. Luís Garcia, com a declaração de voto que se segue (“Sendo a inconstitucionalidade por via da fiscalização concreta, ficaria pela desaplicação da norma julgada inconstitucional, não convocando o que é de declaração com força obrigatória geral”)