Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01135/21.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/23/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; JUÍZO PERFUNCTÓRIO; TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA; REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS;
NULIDADE DA SENTENÇA; ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO PELA 2.ª INSTÂNCIA; ANULAÇÃO DA SENTENÇA; AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:1 - Dispõe o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos Tribunais administrativos, e que o princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende entre o mais o direito de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.

2 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

4 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver suspensa a eficácia de um acto administrativo que autoriza e licencia uma edificação, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

5 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

6 - Sendo a Sentença recorrida omissa no julgamento de factos alegados no Requerimento inicial, que se configuram como factos essenciais, na medida em que constituem a causa de pedir em que assentam pedidos formulados pelos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, deve ser anulada a Sentença e determinada a ampliação da decisão de facto, por forma a que da mesma passe a constar a apreciação e decisão do Tribunal a quo quanto a essa factualidade.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - RELATÓRIO

AA..., BB..., e CC... [devidamente identificados nos autos], Requerentes nos autos de Processo cautelar que intentaram contra o Município de (...) e onde identificaram como Contra interessada a sociedade comercial RR---, Ld.ª [ambos devidamente identificados nos autos], vieram apresentar recurso de apelação (i) do despacho pelo qual foi decidido existir coligação activa e de que cada um devia proceder ao pagamento da respectiva taxa de justiça e dessa parte na Sentença recorrida, (ii) dos despachos proferidos a 13 de dezembro de 2021, pelos quais, admitiu todos os documentos e todos os requerimentos por terem sido apresentados ao abrigo do princípio do contraditório; indeferiu o requerimento dos Recorrentes quanto ao Processo Administrativo, decidiu pelo indeferimento do “incidente” por considerar que não tem aplicação ao caso o consignado no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA; indeferiu a produção de prova testemunhal, as declarações de parte e a inspecção judicial, assim como (iii) da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 13 de dezembro de 2021, por não se conformarem com essas decisões, sendo que pela Sentença recorrida foi julgado improcedente o pedido de adopção de providências cautelares que haviam formulado a final do Requerimento inicial.
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No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES

1. O presente recurso vem interposto:

III - do despacho de fls. que entendeu que há coligação pelo que cada um deverá proceder ao pagamento da respectiva taxa de justiça e dessa parte na sentença recorrida
IV - dos despachos proferidos a 14.12.2021 pela Mmª Juiz “a quo”, em que:
a) admitiu todos os documentos e todos os requerimentos por terem sido apresentados ao abrigo do princípio do contraditório
b) Indeferiu o requerimento dos Recorrentes quanto ao p.a.
c)Decidiu pelo indeferimento do “incidente” por considerar que não tem aplicação ao caso o consignado no artigo 128º, nº 1 do CPTA
e)Indeferiu a produção de prova testemunhal, as declarações de parte e a inspeção judicial

III - Da sentença que julgou improcedente a providência cautelar com custas a cargos dos “Requerentes coligados”

2. As decisões recorridas padecem de nulidades, ilegalidade, erro de julgamento (quer quanto aos factos quer quanto ao direito) e inconstitucionalidade.

3. o Tribunal “a quo” violou o artigo 119º, nº 1 do CPTA, proferindo sentença mais de 120 dias após a resposta à excepções e 164 dias após a entrada da p.i. como, também demorou mais de 150 dias a decidir o que quer que seja quanto à matéria do prosseguimento das obras e a propósito do artigo 128º do CPTA.

4.A passividade e permissividade patentes no comportamento omissivo do Tribunal “a quo”, durante meses a fio, criou, o caldo e contexto favoráveis aos Recorridos e com prejuízo para os Recorrentes que ficaram “bloqueados”, sem lançarem mão de outros eventuais meios, na esperança e expectativa que o Tribunal “a quo” finalmente iria decidir e sempre num curto espaço de tempo, não obstante os constantes relatos sobre o prosseguimento da obra

5.Independentemente da bondade ou erro das decisões proferidas pelo Tribunal “a quo”, o certo é que o tempo que o Tribunal a quo” demorou e empatou o processo, num contexto de providência cautelar, fez perigar a utilidade e eficácia da mesma, e violou o direito constitucional dos Recorrentes a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo justo e equitativo, em violação do artigo 20º, nºs 3 e 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP)

6.A Mmª Juiz “a quo”, no despacho recorrido de fls. entendeu que há coligação dos Recorrentes e na sentença recorrida, viria a decidir “Custas do processo a cargo dos Requerentes coligados….fixando-se, para cada um, a taxa de justiça em 3 UC’s”

7.O referido despacho (e a sentença nesse segmento) foi tomado sem especificar qualquer fundamentação de facto ou de direito que justificam tal decisão e essa falta de fundamentação consubstancia nulidade por força do disposto no artigo 615º, nº 1 b) do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.

8.No caso, há uma única causa de pedir, os pedidos são os mesmos e visa-se obter o mesmo efeito jurídico, daí que estamos perante um litisconsórcio (e não perante uma coligação) o que, por força do disposto no artigo 530º, nº 4 do CPC, determina apenas o pagamento de uma taxa de justiça (e não como a Mmª Juiz “a quo” decidiu)

9.O Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento e fez uma errada interpretação e aplicação da lei ao entender, como entendeu (no despacho recorrido e depois na sentença), que estamos perante uma coligação e ao determinar que cada um dos Recorrentes paga uma taxa de justiça em 3 UC’s, tudo em violação dos artigos 529º, nºs 1 e 2, 530º, nºs 1 e 4 e 13º, nº 1 do RCP e 31º do CPTA.

10. Diz a Mmª Juiz “a quo” “Admito a junção ao processo de todos os requerimentos bem como dos documentos carreados para o mesmo por ser revelarem pertinentes para a boa decisão da causa e terem sido proferidos ao abrigo do princípio do contraditório” o que se traduz numa decisão vaga, genérica e desprovida de qualquer fundamentação de facto ou de direito, e nula ao abrigo do artigo 615º, nº1, b) do CPC

11. A Recorrida contra-interessada juntou a fls, um relatório pericial e os Recorrentes suscitaram a inadmissibilidade do relatório pericial junto pela contra-interessada e impugnaram o mesmo e requereram o seu desentranhamento com os fundamentos que dele constam e que por maior facilidade de exposição se dão por integralmente reproduzidos.

12. A Mma Juiz “quo”, então, nada decidiu, omitindo pronúncia e viria só a 14.12.2021 de forma, vaga, genérica, sem qualquer fundamentação a admitir todos os requerimentos e todos os documentos.

13.Em sede de providência cautelar, não é admitida qualquer perícia (artigo 118º, nº 3 do CPTA), pelo que, o relatório pericial junto pela Recorrida Contra-Interessada não podia ter sido admitido e, muito menos, sem antes haver o deferimento da perícia e de os Recorrentes poderem manifestar-se quanto à admissão da perícia, objecto da mesma e quanto aos peritos.

14. O Tribunal “a quo” tinha que ter sido ordenado o seu desentranhamento, como, aliás, os Recorrentes assim requereram, e jamais podia ter sido levado aos factos provados, pelo que, das duas uma, no caso, ou há nulidade e há omissão de pronúncia, caso se considere que a Mmª Juiz “a quo” nada decidiu quanto ao desentranhamento e admissão do relatório pericial ou se se considera que o despacho recorrido consubstancia essa decisão, então, a mesma é ilegal (atento o artigo 118º, nº 3 do CPTA) além de padecer de nulidade e falta de fundamentação de facto e de direito (artigos 195º e segs e 615º, nº 1, b) do CPC)

15.Estava a Mmª Juiz “a quo” obrigada a ordenar o desentranhamento requerido, ou, pelo menos, a dar por não escrito o teor dos requerimentos de 18.08.2021 (refª 451410) e de 23.08.2021 (refª 451516), o que não fez, cometendo, dessa feita, o despacho recorrido ilegalidade e padecendo o mesmo de nulidade (cfr. artigos 195º e segs. do CPC), pois que tais requerimentos (de 18.08.2021 (refª 451410) e de 23.08.2021 (refª 451516)), são novas peças processuais que não são processualmente admissíveis, até porque a providência cautelar tem tramitação especial (artigo 36º, nº 4 e 120º e segs do CPTA), na qual não está prevista, nem se admite, a possibilidade das peças processuais como as que os Recorridos atravessaram nos autos e acima identificadas

16. Os Recorrentes requereram a fls. que o Recorrido Município procedesse à junção dos p.a. completos e “todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo”, devidamente ordenado, numerado e rubricado e por transmissão electrónica de dados na plataforma SITAF e, mais requereram que lhes fosse dada a possibilidade de exercerem pronúncia quanto ao teor do p.a. e documento conexos após o Município dar cumprimento à junção do processo administrativo completo e “todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo”, devidamente ordenado, numerado e rubricado, por transmissão electrónica de dados na plataforma SITAF.

17. Meses após, e, apenas a 14.12.2021, aquando da prolação da sentença é que a Mmª Juiz “a quo” proferiu despacho, onde indeferiu o requerido pelos Recorrentes e fê-lo sem fundamentar de facto e de direito (o que consubstancia nulidade à luz do artigo 615º, nº1 b) e d) do CPC)

18. Essa prática de durante meses praticamente nada ser decidido, e no mesmo dia em que é proferida a sentença, serem proferidas os despachos que durante meses ficaram na gaveta, é desleal e contrário ao processo justo e equitativo e em certa medida, até prejudica as partes nas suas garantias processuais e na estratégia de defesa.

19.O despacho recorrido, não podia ter indeferido o requerido e violou o disposto nos artigos 24º, nº 5, 84º, nºs 2 e 4 do CPTA e 3º da Portaria nº 380/2017, de 19 de Dezembro, com as legais consequências.

20. O Tribunal “a quo” entendeu (erradamente) que já se encontrava com os elementos necessários para decidir e assim indeferiu toda a produção de prova requerida, ora, o despacho recorrido traduz uma decisão de rejeição de meio de prova, e, também por isso, o mesmo é susceptível de recurso (artigo 644.º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC).

21.O Tribunal “a quo” proferiu o despacho recorrido, sem antes assegurar e dar cumprimento à exigência e obrigação legal de junção por parte das entidades administrativas de junção dos p.a. completos, ordenados, cronologicamente, numerados e rubricados no SITAF, o que consubstancia violação do disposto no artigo 84º do CPTA e nulidade nos termos do disposto no artigo 195º do CPC, que desde já se expressamente se invoca.

22.Os Recorrentes impugnaram os documentos juntos pelos Recorridos e também o fizeram em relação aos documentos do p.a., sendo que, esses documentos são meros documentos particulares.

23. A prova documental é insuficiente para provar os factos controvertidos e há questões controvertidas cuja prova implica, além dos documentos, outros meios de prova – é o caso por exemplo da discussão sobre a existência ou inexistência da linha de água, a questão dos afastamentos, da área do terreno, dos limites do terreno e dos afastamentos, do cumprimento das normas do PUAVB, do índice de construção, da área de implantação, da não afixação na obra do edital do alvará, das características do que está a ser realmente edificado e onde, da notificação das alterações ao loteamento e do licenciamento, do periculum in mora (facto consumado e prejuízos).


24.E o juiz só pode indeferir, mediante “despacho fundamentado”, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova quando considere que são factos assentes ou irrelevantes ou que a prova é meramente dilatória. (artigo 118º do CPTA), o que não é seguramente o caso e, o despacho objecto do presente recurso não cumpriu essas exigências legais,

25.Os factos nem estavam assentes, nem são irrelevantes nem a prova é meramente dilatória, além de que, esse despacho não se mostra devidamente fundamentado pois não permite perceber as razões pelas quais a prova requerida se mostra claramente dilatória, desnecessária, assente ou irrelevante, nem incide sobre realidade onde seja evidente a desnecessidade de produção de prova testemunhal, o que tornava imprescindível essa fundamentação.

26.A Mmª Juiz “a quo” também não notificou os Recorrentes para indicarem quais os factos que pretendiam provar com a prova requerida, para depois poder apreciar e decidir se esses factos careciam ou não dessa produção de prova.

27.A prova testemunhal e de inspecção judicial requeridas pelos Recorrentes visava a prova dos factos controvertidos constantes, nomeadamente, dos artigos 5º a 7º, 23º, 24º, 29º, 31º a 34º, 36º a 59º, 61º, 63º a 66º, 68º, 70º , 71º, 73º, 76º, 78º, 80º a 88º, 90º a 99º, 102º a 121º, 124º a 131º do requerimento inicial; 30º a 41º, 44º a 53º, 55º, 57º a 111º do requerimento refª 450450; 21º, 24º, 25º, 30º a 33º, 40º, 41º, 44º, 47º a 50º, 60º a 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 74º do requerimento refª 451154, os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nem provada nos documentos juntos aos autos.

28.Os documentos particulares não têm força probatória plena e a prova testemunhal e por inspecção ao local podem dar uma percepção diferente do teor de um determinado documento ou, essa prova até pode provar o contrário do que consta nesse documento.
29.O tribunal a quo não fez correcta aplicação da lei porquanto atendendo às questões em causa e aos factos invocados pelos Recorrentes na p.i., a inquirição das testemunhas arroladas pelos ora Recorrentes e a inspecção judicial revelam-se indispensáveis para a correcta decisão do pleito e para a garantia constitucional de um processo justo e equitativo e a garantia do princípio da tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legítimos.

30.O indeferimento dos meios de prova requeridos pelas partes apenas pode ocorrer quando, fundamentadamente (o que não foi o caso) ou quando os fundamentos para tal não estejam errados.

31.O artigo 90º, nº 1 e 3 do CPTA não diverge, na essência, da norma contida nos artigos 410º e 411º do Código de Processo Civil (CPC), ou seja, a recusa da produção de prova pelo juiz só pode ocorrer quando seja manifestamente impertinente ou dilatória, o que não é o caso, nem foi fundamentado e muito menos demonstrado.

32.O despacho recorrido não fundamenta minimamente o seu juízo sobre a desnecessidade de prova, sendo certo que não concretiza em que medida é que a prova é manifestamente desnecessária, impertinente ou dilatória, o que, em qualquer caso, não se verifica no caso dos autos,

33.O entendimento subjacente ao despacho recorrido, ou seja, de que a interpretação e aplicação do artigo 90º, nºs 1 e 3 do CPTA permite a dispensa de prova requerida pelos ora Recorrentes (e de forma discricionária), constitui uma violação profunda do direito à tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente consagrados nos artigos 20°, n.ºs 1 e 4 e 268°, nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

34.Deve aquela decisão da Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” ser revogada e substituída por outra que ordene a produção de prova, procedendo-se à selecção da matéria de facto, temas da prova e se dê lugar à apreciação e admissão dos respectivos requerimentos probatórios, sob pena de violação dos artigos 2º, 7º, 7º-A, 8º, 87º, nº 1, 90º, nºs 1 e 3 do CPTA e 410º, 411º, 412º, 413º, 414º, 445º, 607º do CPC, sendo que, o referido despacho é ainda nulo atento o artigo 615º, nº 1 alínea b) e d) do CPC, com as legais consequências.

35.A Mmº Juiz “a quo” errou pois deveria ter sido aberto período de produção de prova quanto à matéria de facto vertida nos artigos 5º a 7º, 23º, 24º, 29º, 31º a 34º, 36º a 59º, 61º, 63º a 66º, 68º, 70º , 71º, 73º, 76º, 78º, 80º a 88º, 90º a 99º, 102º a 121º, 124º a 131º do requerimento inicial; 30º a 41º, 44º a 53º, 55º, 57º a 111º do requerimento refª 450450; 21º, 24º, 25º, 30º a 33º, 40º, 41º, 44º, 47º a 50º, 60º a 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 74º do requerimento refª 451154, os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nem provada nos documentos juntos aos autos.

36.No caso vertente, terá ainda ocorrido um vício formal sancionado com nulidade, nos termos do artigo 195º do CPC, o qual se aplica subsidiariamente, com efeito, a falta ou insuficiente e deficitária junção do p.a. ou na fundamentação de um despacho que indefira ou que se pronuncie pela inadmissibilidade da prova testemunhal, pericial requerida, é sancionada com nulidade e, incorreu em omissão de pronúncia o que gera a nulidade do despacho e da sentença recorridos. (artigo 615º n.º1, alínea d) do CPC).

37.Do despacho recorrido faltam em absoluto os fundamentos de direito e de facto o que, segundo Alberto dos Reis, prefigura e implica a omissão de pronúncia, além de que a fls., houve omissão de um acto e formalidade e omissão de pronúncia.

38.E esta nulidade está directamente relacionada com o dever que incumbe ao juiz, imposto pelo artigo 608º do CPC, de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sendo que a violação dessa obrigação, como se terá constatado no presente caso, acarreta a nulidade do despacho/sentença por omissão de pronúncia (vide, entre outros, o Acórdão do TCA Sul de 16-10-2014; processo n.º 07807/14).

39.Houve, por conseguinte, a omissão de um acto e formalidade que a lei prescreve, com influência no exame e decisão da causa, o que, gera nulidade, que expressamente se invoca nos termos do artigo 195º do CPC e incorreu ainda em omissão de pronúncia, o que gera a nulidade da decisão recorrida. (artigo 615º nº d) do CPC).

40.O Tribunal “a quo” sob a epigrafe decisão de incidente indeferiu “a notificação do Requerido Município e do respectivo Presidente da Câmara para junto com os serviços competentes de imediato impedirem a continuação das obras; b) dos demais Requeridos para de imediato pararem as obras sob cominação…” e para tanto, deu como provados os factos vertidos sob as alíneas i), ii), iii), iv), v) e vi).

41.Acontece que, deu erradamente como provados os pontos i) e vi), pelos motivos infra alegados (na parte do recurso que versa sobre a matéria de facto provada), e, que se dão aqui por reproduzidos para evitarmos repetições fastidiosas e incorreu também em erro de julgamento porque não entrou em linha de conta nem deu como provado que a 17.08.2021 (refª 006416583) a Mmª Juiz “a quo” já havia decidido e ordenado a notificação, na sequência do requerimento datado de 06.08.2021.

42.E, dessa decisão os Recorridos não reclamaram nem recorreram, tendo a mesma transitado em julgado.

43.O mesmo se passa relativamente ao despacha da Mmª Juiz de 09.07 onde, foi ordenada a citação com expressa menção dos efeitos da citação previstos no artigo 128º do mesmo Código, ou seja, de que recebido o duplicado do requerimento de instauração da mesma, não pode prosseguir a execução dos actos suspendendo….” e, desse despacho os Recorridos não reclamaram, nem recorreram.

44. O que acontece é que contrariamente ao ordenado nesse despacho, o Tribunal não fez a citação com as menções expressas que dela tinham de constar, e, por isso os Recorrentes suscitaram essa questão, por forma a que fosse feita citação cumprindo o referido despacho e, a esse propósito também deram nota que, os Recorridos não estavam a cumprir.

45. Assim, o que Tribunal “a quo” viria a decidir inusitadamente sob a epigrafe de incidente, é um manifesto erro de julgamento, padece de nulidade por contradição e violação do caso julgado (artigo 615º, nº 1 d) do CPC), pois que não só os Recorrentes não tinham suscitado qualquer incidente, como a decisão de indeferimento de que se recorre, é contraditória e viola a decisão anterior.

46. Os Recorrentes não haviam apresentado o incidente de inexecução pelo que, também por aqui se vê o impropriedade e erro do despacho recorrido.

47. É falso e errado que os Recorrentes tenham requerido a notificação do Município para o mesmo avançar com um embargo da obra e daí em diante toda a decisão recorrida do inusitado incidente está errada porque anda à volta desse erro de princípio.

48. Os Requerentes vieram a fls. informar o Tribunal, por mais do que uma vez, que tanto o Município como a contra-interessado, não cumpriram com o teor da citação/notificação de fls. e em violação da mesma e do disposto no artigo 128º, nºs 1 e 2 do CPTA.

49. O Município (por requerimento refª 451410) na verdade, não respondeu ao perguntado, nem deu cumprimento ao douto despacho de fls. e atravessou nos autos uma alegação (processualmente não prevista, nem permitida) sobre a interpretação que faz do regime do artigo 128º do CPTA, não sendo o mesmo processualmente admissível, tinha de ser desentranhado, como se requereu

50. O Tribunal “a quo” ainda discorreu (erradamente a nosso ver e com a devida vénia) sobre o regime de execução do artigo 128º, do CPTA, pois que, por um lado, já tinha proferido despacho em resposta ao requerido em 06.08, e, por outro lado, porque não havia sido movido incidente de inexecução, mas, também, erradamente, na interpretação e aplicação do regime do artigo 128º nºs 1 e 2 do CPTA.

51.Sendo que, qualquer interpretação que se pretenda fazer da norma, tem de respeitar e não se afastar pelo menos do elemento literal (artigo 9º do Código Civil), o que não aconteceu no despacho recorrido.

52.Por força da actual redacção do nº 1 do artigo 128º, do CPTA, tanto o Município como o contra-interessado não podem prosseguir a execução, é, pois, hoje, claro e inequívoco, que o particular está abrangido pela obrigação decorrente da suspensão de eficácia ope legis, e, que está, portanto impedido de “prosseguir a execução”.

53.A norma, ao estabelecer a obrigação de paragem de execução tanto para a entidade pública como para o particular, obviamente que, o que pretende também dizer é que o Município tem que suspender o procedimento e a prática de actos de execução e o particular tem que parar a actividade de construção cuja execução decorre de um acto administrativo (agora suspenso).

54.E, se o acto ao abrigo do qual o proprietário se arroga ter direito a edificar está provisoriamente suspenso (mesmo que ope legis) isso significa que o particular não tem uma licença / autorização eficaz para poder prosseguir a edificação.

55.O nº 2 do artigo 128º do CPTA, estabelece, em correlação com o disposto no número 1, que o Município assim que citado, tem com urgência que impedir, tanto os seus serviços como o contra-interessado, de prosseguirem a execução.

56.A única interpretação (a qual tem que respeitar o elemento literal, teleológico e sistemático) é a de que o Município mal foi citado, tinha que fazer o que a norma manda mas, no caso não fez nada.

57.O que a norma manda é impedir, com urgência, que os seus serviços prosseguissem no âmbito do procedimento mas também que o particular aqui contra-interessado também prosseguisse, e, se a norma manda o Município impedir com urgência que o particular prossiga a execução, obviamente, que outra coisa não se pode retirar da mesma que não seja o que ela diz,

58.O legislador, na versão actual do 128º do CPTA, estende o regime aos particulares e também manda o contra-interessado parar, o qual, como consta dos autos, desrespeitou e desrespeita em violação do nº 1 do artigo 128º do CPTA.

59.A razão de ser desta suspensão automática do artigo 128º do CPTA, é a demora da própria providência acautelar, e visa assegurar a utilidade da sentença a ser proferida no processo cautelar, pois, caso contrário, ou seja, a ser possível que o Município nada faça em relação ao particular e o particular continue como se nada fosse, equivale na prática, a esvaziar por completo a utilidade e finalidade deste instituto da suspensão de eficácia ope legis.

60.Além de que, tal entendimento (preconizado no despacho recorrido) não tem qualquer correspondência com o elemento literal da norma e desrespeita o seu elemento histórico, teleológico e sistemático

61.A alteração legislativa de 2015 efectuada ao artigo 128º, nº 1 do CPTA, veio reforçar e pacificar ainda mais o entendimento de que se aplica ao particular o regime do artigo 128º, introduzindo a expressão “a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem….”

62.A interpretação da lei e o uso que se faz da mesma não pode ser para fins ilícitos, e é isso que se passa no caso, ou seja, os Recorridos querem manobrar o quadro normativo e fazer uma interpretação da lei para fins ilícitos, o que o direito não permite, no caso, prosseguir com obra para gerar uma situação de facto consumado.

63.O Tribunal “a quo” também errou no entendimento vertido no despacho recorrido, pois que, à luz do artigo 128º, nºs 1 e 2 do CPTA, a Recorrida contra-interessada uma vez citada estava obrigada a não prosseguir e o Recorrido Município também

64.E, também, por força do artigo 128º, nºs 1 e 2 do CPTA, e, uma vez que, não há resolução fundamentada, o Recorrido tem com urgência e de imediato impedir o prosseguimento da execução pelos serviços e pelo contra-interessado.

65.De onde se conclui que o despacho recorrido incorreu ainda em erro de julgamento e fez uma interpretação errada do artigo 128º, nºs 1 e 2 do CPTA, violando-o mesmo.

66.A Mmª Juiz “a quo” proferiu a Sentença recorrido, sem se pronunciar quanto à matéria de excepção e incorreu em erro de julgamento porquanto no ponto II.II da sentença recorrida se diz que não existem excepções, quando na verdade foram suscitadas nas Oposições de fls. e foram objecto de “réplica” (cfr. fls.)

67.Por não ter apreciado a matéria de excepção, a sentença recorrida também padece de nulidade por omissão de pronúncia por força do disposto no artigo 615º, nº 1, d) do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 1º do CPTA.

68. A 02.07.2021, a Mmª Juiz “a quo” proferiu o despacho a fls “…os Requerentes encontram-se coligados pelo que cada um deverá proceder ao pagamento da respectiva taxa de justiça…” , a 09.07.2021, os aqui Recorrentes, por requerimento refª 449539, manifestaram a discordância quanto ao referido despacho, por não se tratar de uma coligação e consequentemente peticionaram a devolução do montante em excesso.

69.A Mmª Juiz “a quo” nada viria a decidir e nada apreciou quanto ao ali requerido pelos Recorrentes, omitindo pronúncia sobre essa questão, o que é gerador de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, d) do CPC.

70.A 09.07.2021 a Mmª Juiz “a quo” proferiu despacho (refª 006405607) “admito liminarmente a presente providência cautelar de suspensão de eficácia de actos administrativos….
Proceda à citação do Requerido e da Contra-interessada, nos termos legais… com expressa menção dos efeitos da citação previstos no artigo 128º do mesmo Código, ou seja, de que recebido o duplicado do requerimento de instauração da mesma, não pode prosseguir a execução dos actos suspendendo….”, porém, a citação a fls. não deu cumprimento ao referido despacho não constando da mesma as ordenadas menções expressas.

71. A 22.07.2021 os aqui Recorrentes apresentaram o requerimento ref 450502, por via do qual, suscitaram a questão de que as citações efetuadas não cumpriram com o despacho de fls., não constando das mesmas as ordenadas menções expressas, no entanto, a Mmª Juiz “a quo” também aqui viria a omitir pronúncia e nada decidiu quanto aquele requerimento refª 450502

72. E, a citação continuou sem ser cumprida nos termos em que havia sido ordenada, ou seja, sem da mesma constarem as ordenadas menções expressas, omitindo a Mmª Juiz “a quo” pronúncia sobre essa questão, o que é gerador de nulidade nos termos do disposto nos artigos 196º e segs e 615º, nº 1, d) do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.

73.A 25.10.2021 (refª 457338) os Recorrentes apresentam requerimento em cumprimento do despacho (refª 006452839) onde culminam com o reiterar a suspensão por via do regime do artigo 128º do CPTA, e, mais requereram, que fosse proferido o decretamento provisório, acontece que, a Mmª Juiz “a quo” também não apreciou, nem decidiu quanto ao pedido de decretamento provisório.

74.Incorrendo, a decisão recorrida, uma vez mais e também por esta via, em nulidade por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1 d) do CPC)

75. Resulta do ponto 7 da sentença recorrida que foi dado como provada com base no Edital nº 1244/2008 e com base no documento 1 junto com a Oposição do Recorrido Município que:
“Do Plano Director Municipal (PDM) do Município de (...) – aprovado em 2008 e actualmente em vigor – não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio identificado em 5) e em 6) propriedade da contra-interessada”

76. Acontece que, esse documento nº 1 foi expressamente impugnado e não se aceitou o mesmo como verdadeiro (cfr. artigos 118º a 123º do requerimento refª 451154) tendo, os Recorrentes solicitado ao Tribunal que ordenasse ao Recorrido Município a junção aos autos do PDM completo (cfr. artigo 123º, do requerimento refª 451154), no entanto, mais uma vez o Tribunal “a quo” omitiu pronúncia e nada decidiu.

77. Desses documentos impugnados não resulta, nem pode resultar provado que não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio identificado em 5) e em 6) propriedade da contra-interessada

78. Com base apenas naqueles documentos impugnados, o Tribunal “a quo” não podia ter dado como provado o seguinte segmento do ponto 7 dos factos provados – “…não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio identificado em 5) e em 6) propriedade da contra-interessada”.

79.Pelo que, deve ser alterada a sentença recorrida, removendo-se do ponto 7 dos factos provados a parte “…não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio identificado em 5) e em 6) propriedade da contra-interessada”

80.No ponto 8 dos factos provados, o Tribunal “a quo” grafou da seguinte forma o facto provado “A manutenção da representação de uma “conduta de águas pluviais” na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de (...) (PUVAB) assenta em erro material e lapso de escrita, atento o prédio identificado em 5) e em 6) não constituir uma parcela privada de leito nem margem de águas públicas”

81.O teor desse ponto 8 está longe de cumprir o rigor daquilo que são factos, pois mistura, factos, conclusões e alegações .

82. A diferença de redacção entre o ponto 7 e o ponto 8, faz transparecer, a posição tendenciosa, reveladora que o Tribunal “a quo”, neste ponto 8 não deu como provado aquilo que resulta da prova, mas, aquilo que quereria que a prova dissesse.

83.E, também errou o Tribunal “a quo” ao dar como provado e dessa forma o ponto 8, com base nos documentos que aí alude – Edital nº 1244/2008, documento nº 1 da Oposição do Município, relatório de peritagem técnica junto pela contra-interessada, desde logo, porque, o Edital nº 1244 e o referido documento nº1 junto na Oposição do Municipio não versam sequer sobre essa matéria do PUAVB, além de que, o documento 1 foi impugnado e não se aceitou o mesmo como verdadeiro (cfr. artigos 118º a 123º do requerimento refª 451154) e também do relatório de peritagem técnica não pode resultar provada qualquer matéria, muito menos a vertida no ponto 8, até porque, o mesmo foi impugnado e o artigo 118º, nº 3 do CPTA não admite a produção de prova pericial, e, como tal aquele documento não podia ser admitido, nem foi deferida, nem aceite qualquer perícia.

84. Da prova documental junta aos autos e até das posições das partes, não resulta provada a matéria do ponto 8, conforme o Tribunal “a quo” a deu como provada.

85. Antes pelo contrário, os documentos juntos sob os nºs 1 e 2 (requerimento refª 451154) que são emitidos por entidades publicas atestam e corroboram a existência da mesma linha de água que aparece na planta de condicionantes do PUAVB e essa mesma linha de água também assim assinalada no PUAVB como resulta dos documentos 3 a 6 juntos com o requerimento refª 449539 e do documento 3 junto com a oposição do Município e, nos artigos 19º, 20º, 21º, 31º do requerimento refª 451154, os Recorrentes aceitaram a confissão por parte do Município que no PUAVB, planta de condicionantes está representada uma linha de água a atravessar o terreno da contra-interessada..

86.Não é uma conduta de águas pluviais, aliás, nem se percebe com base em que documentos é que o Tribunal “a quo” resolveu falar apenas numa conduta de águas pluviais (omitindo convenientemente a linha de água, que curiosamente já não omitiu no ponto 7) sendo controvertida e não foi nunca aceite pelos Recorrentes a estória da conduta de água, nem a estória do erro, lapso.

87. O Tribunal “a quo” errou ao dar como provada a matéria do ponto ponto 8 dos factos provados, devendo o ponto 8 dos factos provados ser alterado e passar a constar da seguinte forma:
8. “O plano de urbanização de (...), tem, na planta de condicionantes, representada uma linha de água a tracejado, a qual atravessa o terreno da contra-interessada referido em 5) e 6)” – facto provado com base na confissão por parte do Município e com base no documento 3 junto com a Oposição do Recorrido Município e documentos 1 e 2 juntos com o requerimento refª 451154 e documentos 3 a 6 juntos com o requerimento refª 449539.”

88. O Tribunal “a quo” também errou ao dar como provado o ponto 13 dos factos provados, pois que, o artigo 118º, nº 3 do CPTA não admite a produção de prova pericial, e, como tal aquele documento não podia ser admitido, por outro lado, não foi deferida, nem aceite qualquer perícia, além de que, os Recorrentes também impugnaram esse documento, não o aceitaram e solicitaram o seu desentranhamento por ser processualmente inadmissível e é um documento, feito à medida pela Contra-interessada e que não tem credibilidade, nem isenção, para fazer prova do que quer que seja.

89. Pelo que, deve dar-se por não escrito o ponto 13 dos factos provados.

90.Por outro lado, importa acrescentar aos factos provados o seguinte:
“16. O teor do documento 1 e do documento 2 juntos com o requerimento refª 451154.”

91.Pois que é matéria de facto, relevante para a boa decisão da causa e que, o Tribunal “a quo” tinha que ter dado como provada, atendendo aos documentos 1 e 2, juntos com o requerimento refª 451154, cuja fonte é o Geoportal e o Instituto Geográfico do Exécito assinalam a existência da linha de água em 1992 e em 2012.

92. Também deve ser aditado aos factos provados, o seguinte facto provado (com base no p.a. e na posição das partes)
“17. No procedimento do processo alteração ao loteamento 1/80 e no procedimento de licenciamento referido em 6), 9) e 10) não foi consultado nem solicitado parecer Agência Portuguesa do Ambiente, da CCDRN ou de outra entidade com responsabilidade no domínio hídrico”

93. Pois que, decorre do p.a. que o Recorrido Município em sede de procedimento de licenciamento e de alteração ao loteamento, não promoveu a consulta prévia da Agência Portuguesa do Ambiente, da CCDRN ou de outra entidade com responsabilidade no domínio hídrico e essa facto é também reconhecido pelo Recorrido Municipio.

94. Deve ainda ser aditado aos factos provados, que, o procedimento de alteração ao loteamento 1/80, não foi notificado a todos os proprietários de imóveis do loteamento incluindo os aqui Recorrentes, o que decorre provado também do p.a. e da confissão por parte do Município (cfr. artigo 63º do requerimento refª 451154).

95. Em face do que, deve ser aditado aos factos provados, o ponto 18, com a seguinte redacção:
18. O procedimento de alteração ao loteamento 1/80, não foi notificado a todos os proprietários de imóveis do loteamento incluindo os aqui Recorrentes

96.O Tribunal “a quo” errou na apreciação da prova e dos factos provados e não provados, além de que, violou os artigos 342º, nºs 1 e 2 e 343º, nº 1 do Código Civil, e, atento o supra exposto, devem ser alterados os factos provado conforma supra exposto.

97.O Tribunal “a quo”, na Sentença recorrida, não procedeu ao seu decretamento por dar por não verificado o requisito do fumus boni iuris, quando, na verdade deveria ter decidido em sentido inverso, atento o disposto no artigo 120º, nº 1 do CPTA, a prova documental, a matéria dos autos e o critério da repartição do ónus da prova.

98.Na verdade, não estamos perante um caso de inexistência de fumus boni iuris, mas sim de erro na apreciação, de não apreciação, de não julgamento ou insuficiente julgamento, na apreciação dos fundamentos alegados para preenchimento daquele pressuposto e, consequentemente, de não apreciação, de não julgamento ou erro de julgamento do fumus boni iuris, com as legais consequências.

99. Depurando a sentença das considerações de direito, dos copy paste, num total de 38 páginas, o Tribunal “a quo”, na realidade, só se debruça em 3 páginas (parte da página 34, 35, 36 e parte da página 37) sobre as situações de ilicitude suscitadas pelos Recorrentes, onde diz:
· O prédio onde a Recorrida contra-interessada realiza a obra licenciada, não constitui nenhuma parcela privada de leito nem margem de águas públicas, porque, segundo a sentença recorrida o PDM aprovado em 2008 e em vigor não refere a existência de conduta de águas pluviais nem linhas de água.
E mais diz que existe representado na planta de condicionantes do Plano de Urbanização de (...) uma conduta de águas pluviais
E, confirma, que no processo de licenciamento em causa não foi solicitado parecer externo nem autorização à Agência Portuguesa do Ambiente nem a qualquer entidade com jurisdição sobre o domínio hídrico.

100. Pelo que, logo por aqui, há nulidade do acto suspendendo (por força do artigo 68º, alínea a) e c) do RJUE) e por violação do Plano de Urbanização do (...), consequentemente, tinha o Tribunal “a quo” que ter decidido pela verificação do fumus boni iuris e erradamente não o fez.

101. Na sentença recorrida diz-se que, a convicção do Tribunal decorreu dos documentos que constam dos autos e dos documentos do p.a., mas dos documentos juntos aos autos, consta o Plano de Urbanização onde tem assinalada a linha de água a atravessar o terreno em causa e a corroborar essa realidade, estão juntas plantas com levantamentos do exército que comprovam a existência da mesmíssima linha de água.

102.Não foi feita qualquer prova testemunhal nem de outra natureza pois que, a Mmª Juiz “a quo” prescindiu da realização desses actos.

103. Portanto, a Mmª Juiz “a quo” resolveu por autorrecriação (sem qualquer prova que lho permita) inventar que a linha de água constante da planta de condicionantes do Plano de Urbanização é um lapso de escrita um erro.

104. Nunca o Recorrido Município deu inicio a um procedimento de alteração do Plano de Urbanização com o fundamento num qualquer erro ou lapso, antes pelo contrário, o Plano de Urbanização de (...) foi sujeito a alterações, e, nunca em nenhuma dessas alterações, o Município retirou a linha de água do Plano ou mencionou a existência de um erro.

105. Reitere-se que a dita linha de água, também aparece igualmente representada noutros documentos oficiais e de entidades públicas e que foram juntos aos autos sob os nºs 1 e 2.

106. Não há duvidas que a planta de condicionantes do Plano de Urbanização tem assinalada a referida linha de água a atravessar o terreno da Recorrida Contra-interessada, logo, independentemente de se defender que é erro ou lapso, enquanto a planta estiver assim, o Recorrido Município está sempre obrigado, em sede de processo de licenciamento e/ou de alteração ao loteamento, a consultar e obter parecer prévio favorável. Mas, não o fez!!!

108. O Tribunal “a quo” errou, pois que, a falta dessa consulta e do parecer externo (que o Tribunal “a quo” reconhece que não existiram) sempre tinham que se entender como geradoras da invocada nulidade por força do artigo 68º, alínea a) e c) do RJUE e por violação do Plano de Urbanização do (...).

109. À luz do regime probatório cautelar, o facto de existir um instrumento de gestão territorial – PUAVB – que tem representada a linha de água, plantas de outras entidades oficias com a mesma linha de água e um licenciamento sobre uma parcela sita na área de incidência do referido Plano (PUAVB) onde figura uma linha de água nesse mesmo terreno, sem ter havido consulta, nem parecer prévio favorável da APA, CCDRN e de outras entidades, é o suficiente para, nesta sede, o Tribunal “a quo” dar por indiciariamente verificada a probabilidade de sucesso da acção principal e, consequentemente, verificado o fumus boni iuris, à luz do artigo 120º, nº 1 do CPTA.

110. O Recorrido Município confirma que no Plano de Urbanização de (...), está e consta da planta de condicionantes uma linha de água, a qual atravessa o terreno da contra-interessada, e mais confirmou que procedeu à alteração ao loteamento e à licença de edificação mas não procedeu a qualquer consulta prévia, nem obteve autorização da APA (confissões que os Recorrentes na “réplica” aceitaram expressamente e para não mais serem retiradas), não há pois quaisquer dúvidas (e o Município assim o reconhece) que o Plano de Urbanização de (...) tem representada a linha de água e que a mesma atravessa o terreno do contra-interessado. (e não é uma conduta de águas pluviais como erradamente é dito na sentença recorrida)

111. Por força do artigo 5º, nºs 1 e 2 do RJIGT, os programas territoriais vinculam as entidades públicas e os planos territoriais vinculam as entidades públicas e, direta e imediatamente, os particulares, logo, como a linha de água consta do Plano, o Recorrido Município estava e está obrigado a respeitar o que consta do plano, consequentemente, não podia emitir os actos de alteração ao loteamento nem a licença de edificação, num terreno que tem aí uma linha de água devidamente identificada na planta de condicionantes do Plano de Urbanização de (...) e, tinha que ter, em sede procedimento (de alteração ao loteamento e ao licenciamento) procedido à consulta prévia à APA, CCDRN e outras e tinha que obter autorização da APA, CCDRN e outras, mas não o fez.

112. O Tribunal “a quo”, errou pois que é evidente e manifesto que tanto o acto de licenciamento como o de alteração ao loteamento, violam a lei, o PU de (...) e estão feridos de nulidade à luz do disposto no artigo 68º e 69º do RJUE e 130º do RJIGT.

113. Não se compreende nem se pode aceitar o entendimento seguido pelo Tribunal “a quo”, até porque, a planta de condicionantes do PU de (...) prevê para aquele local a existência de uma linha de água e é quanto basta para à luz da lei, o Recorrido Município estar obrigado a respeitar o que consta do Plano e a fazer consulta prévia à APA/CCDRN e outras e a obter autorizações das mesmas (e, não há dúvida que não o fez).

114.O Plano de urbanização de (...) é da responsabilidade e autoria do Município, publicado em DR nº.227, de 26 de Novembro, II Serie, Deliberação nº.2332 -A/2007 e, foi alterado no Aviso nº.2927/2012, DR nº.39, II Serie, de 23 de fevereiro (e para tanto, intervém, entre outras entidades, a Administração dos Recursos Hídricos (agora denominada de APA)) e do mesmo consta e continua a constar a linha de água na planta de condicionantes do PU de (...).

115. A linha de água a atravessar o terreno também consta do:
*Extrato da carta militar de Portugal à escala 1/25000
*Extrato da carta geológica de Portugal à escala 1/50000,
constituindo, por isso, parte do domínio hídrico nacional, documentos que foram juntos aos autos (aquando da “réplica” como docs. 1 e 2) e que o Tribunal “a quo”, apesar de os ter admitidos, “convenientemente”, omite, em toda a sua apreciação e decisão.

116. Os Recorrentes nunca aceitaram que a linha de água não existe no PDM (ao invés, o Recorrido Município reconheceu a existência da mesma na planta de condicionantes do PUAVB), ainda assim o Tribunal “a quo” arranjou uma forma de poder decidir como pretendia, em vez de decidir, como devia.

117. Está provado que a Recorrida contra-interessada é proprietária de um terreno, mas não está provada a área do terreno, nem os limites e respectivas confrontações, pois que as áreas assumidas pelo Recorrido Município foram sempre impugnadas pelos Recorrentes (mesmo em fase de procedimento de licenciamento)

118.E os Recorrentes demonstraram quer no procedimento (p.a.) quer nos autos (documentalmente) que, o Município usou como pressuposto no processo de licenciamento uma determinada áreas superior, e que, o próprio, na sequência da intervenção dos Recorrentes viria a reconhecer que essa área estava errada, logo, por aqui, tinha o Tribunal “ a quo” que dar como provado o erro nos pressupostos de facto e consequentemente o fumus boni iuris, mas, errada a sentença recorrida assim não entendeu.

119.O terreno da Recorrida contra-interessada na realidade significativamente mais pequeno, o Recorrido Município alterou o loteamento e licenciou aplicando os parâmetros considerando uma área superior à real e com os seus limites e confrontações errados, incluindo uma área de terreno que não é propriedade da Recorrida contra-interessada e outra área que é domínio público, o que fere de nulidade tais actos.

120.Como já foi entendimento vertido no Acórdão do TCA Norte, processo nº 00078/10.9BECBR, de 10 de março de 2017, Relator Frederico Macedo Branco, in https://www.direitoemdia.pt/document/s/850860
“Dispõe ao art° 68° do RJUE que são nulas as licenças que:
“a) Violem o disposto em plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território, plano especial de ordenamento do território, medidas preventivas ou licença ou comunicação prévia de loteamento em vigor;
c) Não tenham sido precedidos de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações, autorizações ou aprovações.” (…)
O órgão administrativo, logo que estejam apurados os elementos necessários, deve conhecer de qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o seu objeto e, nomeadamente, das seguintes questões:
(…)
c) A ilegitimidade dos requerentes”
A ausência de legitimidade dos Requerentes determinará ainda a nulidade do procedimento, em função do facto daqueles não serem titulares exclusivos do prédio onde foi licenciada a controvertida edificação, pelo que está em causa a edificação em terreno parcialmente alheio.

121.E como resulta desde logo do Acórdão do STA de 11 de março de 2003, no âmbito do Procº nº 047750, o licenciamento … na parte que se reporta a terreno alheio, é inexistente ou ineficaz em relação aos proprietários daquele terreno (tudo se passa, mutatis mutandis, como no caso de venda de coisa alheia).” (…)
“Assim tendo o controvertido licenciamento incidido em terreno face ao qual os aqui Recorrentes eram coproprietários, sem que tivessem dada qualquer autorização, antes se tendo oposto ativamente ao mesmo, é patente que o mesmo se mostrará nulo.” (negrito nosso)

122.Pelo que também por aqui se percebe que o Tribunal “a quo” não percebeu esta questão (ou não quis perceber), pois que, o Tribunal “a quo” sobre isto não apreciou nem ponderou sobre esta possibilidade de nulidade do loteamento e do licenciamento e de uma forma simplista e errada, reconduziu apenas a questão para uma óptica jus civilística, quando, em boa verdade, toda essa matéria e a documentação junta, permitiam ao Tribunal “a quo” dar por possível, também por aqui, o sucesso da acção principal e consequentemente, o fumus boni iuris.

123.A Recorrida contra-interessada (e o Recorrido Município) partiram do pressuposto errado de uma área de terreno superior, e, por isso, na prática está a ser usado (ilegalmente) parte de terreno dos Recorrentes e parte de terreno público, ora, ao contrário do que o Tribunal “a quo” erradamente refere, não é matéria de somenos relevância para o caso dos autos e gera a nulidade da alteração ao loteamento, e, por outro lado, tem implicações e consequências em matéria de implantação do edificado, desrespeito pelos afastamentos legais, indíces de construção, áreas de construção etc etc.

124.O Tribunal “a quo” também considerou que não há violação do Plano de Urbanização de Arco de Baulhe, do PDM nem do RGEU (embora sem explicar, nem fundamentar e apenas com afirmações genéricas e conclusivas, o que fere a decisão de nulidade por força do artigo 615º, nº 1 b) do CPC).

125.O Tribunal “a quo” refere que segundo o PUAVB, naquele local, é solo de urbanização programada de alta densidade de tipo II, mas erra clamorosamente na apreciação que faz decorrente da aplicação desse normativo ao caso, pois que, aplicando ao caso os parâmetros acima referidos e que constam do regulamento do PUAVB, resultam os indicadores abaixo apresentados:
1) Índice de Implantação = 550m2(área de implantação da cave)/630m2 (área do lote)= 0,87
2) Área de Construção = 371,5m2 * 4 (n.º de pisos)= 1486,00m2
3) Índice de Construção = 1486,00m2/630m2 = 2,35

126.O Recorrido Município (cfr. a informação municipal 114/2009 junta a fls. do pa.) no acto que aprovou a alteração ao loteamento (e posteriormente no acto de licenciamento) considerou (como se pode ver na informação municipal 114/2009 junta a fls. do pa), para efeitos de cálculo do índice de implantação, o quociente (errado) entre a área do rés-do-chão e a área do lote, e, é errado, como decorre da definição de área de implantação e da definição de índice de implantação, no regulamento do PUVAB (artigo 7º, e), r))

127.Da interpretação conjugada dos supra referidos conceitos do PUVAB e do Decreto-Regulamentar 5/2009, resulta que a implantação da edificação tem que ser considerada como a totalidade da “projeção no plano horizontal”, sendo esta projeção relativa “à área do solo contido no interior de um polígono fechado”, tanto do que está acima do solo como do que está abaixo do solo, desta forma, a área de implantação da edificação é de 550m2, pelo que o índice de implantação é, conforme acima se demonstrou, de 0,87, logo muito superior ao índice de 0,4 previsto na alínea e) do Art. 31.º do regulamento do PUAVB,

128.Com efeito, na aprovação de ambos os processos (alteração ao loteamento e licenciamento), o que o Recorrente Município entendeu (erradamente) foi que a área de implantação e os respetivo índices são calculados considerando, apenas, a área acima do solo, e por isso resulta o índice errado de 0,59 e por isso aparentemente inferior ao índice previsto na alínea e) do Art. 31.º, que é de 0,60, quando na realidade é muito superior.

128.O mesmo se passa quanto à capacidade construtiva aprovada

129.O “somatório das áreas de construção” não pode senão ser interpretado como o somatório da áreas de construção acima e abaixo da cota da soleira, resultando que o índice no caso afinal é de 3.23, e, significativamente superior ao 1.2 permitido constante da alínea f) do art. 31.º do PUAVB, o que é não só demonstrativo da violação do PUAVB, e, por conseguinte, gerador da nulidade da alteração ao loteamento e do licenciamento, como é demonstrativo que o Tribunal “a quo” errou ao considerar, como considerou que não foi violado o PUAVB.

130.A verdade, é que, tanto a alteração ao loteamento como o licenciamento, violam o PUAVB, estão esses actos feridos de nulidade e o Tribunal “a quo” errou ao assim não considerar e também ao não dar por verificado o fumus boni iuris, em violação do artigo 120º, nº 1 do CPTA.

131.Relativamento ao loteamento 1/80 os Recorrentes também alegaram que o mesmo padece de outras ilegalidades, e que a unificação de lotes e definição dos respetivos parâmetros, exigia, para o efeito, um procedimento de alteração ao loteamento e não por via de um mero aditamento.

132.E, nessa data, para a alteração ao loteamento, era necessário e imprescindivel a notificação a todos os proprietários do loteamento, por forma, a poder obter-se a concordância/discordância dos mesmos.

133.Porém, nenhum dos Recorrentes e nenhum dos proprietários no loteamento foi alguma vez notificado dessa proposta de alteração ao loteamento (cfr. fls. do p.a), o que foi reconhecido e confessado pelo Recorrido Município e resulta do p.a., ferindo, desde logo, por aqui, o procedimento e a alteração ao loteamento de nulidade

134.Nem, as entidades externas (incluindo a APA) foram objecto de consulta/pedido de parecer obrigatório (e tinham de o ser porquanto nesses terrenos, à data, já estava assinalada a existência de uma linha de água).

135.A alteração ao loteamento, violou o artigo 27º, nº 3 in fine do RJUE (na versão à data em vigor) e sem ser precedida das necessárias consultas externas, ferindo, dessa forma de ilegalidade e de nulidade/anulabilidade o acto de deferimento a referida alteração do loteamento (artigo 68º c) do RJUE).

136.O Tribunal “a quo” passou por estas questões, referentes ao loteamento e suscitadas no requerimento inicial, como “cão que passa por vinha vindimada”, nada disse, omitindo claramente pronúncia sobre as mesmas, ferindo, assim de nulidade a sentença (artigo 615º, nº 1 d) do CPC), além de ter incorrido em erro de julgamento pois deu por não verificado o fumus boni iuris sem cuidar de apreciar estas ilegalidades, vícios suscitados pelos Recorrentes.

137.Os Recorrentes, são, interessados à luz do disposto nos artigos 67º e 68º do CPA – são eleitores naquele município, proprietários dos imoveis identificados nos autos, os quais, se integram no loteamento 1/80 e confinam com o imóvel da Recorrida contra-interessada, além de que, apresentaram requerimentos (docs. 15 e 16 juntos com o requerimento inicial) junto do Recorrido Município que admitiu a intervenção dos mesmos no procedimento de licenciamento.

138.E, nessa intervenção no procedimento de licenciamento, os Recorrentes suscitaram a questão dos limites do terreno e da propriedade do mesmo, porém, o Recorrido decidiu essa questão da área do terreno, em violação do artigo 115º, nº 1 do CPA, sem suspender o procedimento e sem dar cumprimento à obrigação de audiência prévia e em violação do artigo 121º do CPA e em violação do artigo 38º do CPA

139.O Recorrido Município proferiu o acto de licenciamento, sem notificar os aqui Recorrentes de tal decisão e sem notificar os mesmos de qualquer decisão desse procedimento, em violação dos artigos 12º, 38º 67º, 68º, 110º, 111º e 114º do CPA.

140.Pelo que, ao contrário do entendimento seguido pelo Tribunal “a quo” também por aqui padecem os actos em causa de nulidade/anulabilidade (artigos 161º, nº1, nº 2, d), g) e l), 162º e 163º do CPA) e verifica-se o fumus boni iuris.

141.É ao Recorrido Município que incumbe o ónus da prova dos pressupostos (jurídicos e factuais) do acto à autoridade administrativa e é sobre ele que recai o risco da falta de prova da verificação dos pressupostos da sua actuação,.

142.Este critério legal de repatição do ónus da prova tem aplicação nos aspectos vinculado do acto administrativo, como sejam a competência, forma, procedimento, pressupostos de facto e de direito Neste sentido, vide, Mario Aroso de Almeida; Carlos Alberto Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos” Ed. Almedina, 4ª ed., p. 726, 727., ora, no caso, a Juiz “a quo” não deu como provado o cumprimento desses aspectos vinculados do acto.

143.Pelo que, perante o non liquet probatório e atento o critério da repartição do ónus da prova, a Juiz “a quo”, tinha que ter decidido, em sentido inverso, ou seja , pela verificação do fumus boni iuris

144.Até porque, ao Recorrido o ónus da prova dos pressupostos (jurídicos e factuais) do acto à autoridade administrativa e é sobre o Recorrido que recai o risco da falta de prova da verificação dos pressupostos da sua actuação, pelo que, e em face do Recorrido não ter logrado cumprir esse ónus probatório, não podia a Mmª Juiz “a quo” daí retirar, como concluiu na sentença recorrida, pelo não preenchimento do fumus boni iuris.

145.O facto do Recorrido não ter logrado fazer prova dos pressupostos (jurídicos e factuais) do acto, implicava para o Tribunal “a quo” que na douta sentença recorrida tivesse concluido pela probabilidade de sucesso da acção principal e portanto pela verificação do fumus boni iuris.

146.Decorre do disposto no n.° 1 - parte final - do artigo 120.° do CPTA, o fumus boni iuris, na base do qual se impõe a verificação da existência da probabilidade que a pretensão a formular na ação principal (que pode vir a ser total ou parcialmente procedente), consiste na formulação de um juízo que visa apreciar a probabilidade do êxito da pretensão, mas, essa verificação basta-se com uma mera probabilidade, ou seja, não exige nem uma probabilidade qualificada, nem exige uma certeza.

147.O entendimento seguido pelo Tribunal “a quo” na Sentença recorrida, não respeita a ratio da norma, viola o artigo 120º, nº 1 do CPTA, o artigo 9º do Código Civil e o direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20º e 268º, nº 4 da CRP).

148.O que o legislador pretendeu, em nome da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20º da CRP), foi assegurar essa mesma tutela jurisdicional efectiva, criando um instituto jurídico urgente que visa acautelar o periculum in mora, os direitos e interesses que de outra forma podem ser irremediavelmente afectados, destruídos.

149.Ao não valorizar devidamente estes aspectos centrais incluindo na dita ponderação a Mmª Juiz “a quo” na Sentença recorrida, não só violou o artigo 120º, nº 1 do CPTA, como não “…empregou todo o seu bom senso e sentido de equilíbrio…” (na expressão do Prof. Doutor Miguel Prata Roque) o que, não só é ignorar o fim central que justifica a existência da providência requerida, como é abrir caminho a um resultado contrário ao fim a que mesma se destina e contrário à lei e à tutela jurisdicional efectiva.

150.A não revogação da Sentença recorrida gerará uma situação de facto consumado colocando em causa a utilidade de uma decisão favorável aos aqui Recorrentes na acção principal, quando o legislador o que pretendeu, no respeito pelo direito constitucional à tutela jurisdicional efectiva, foi criar um meio processual urgente e de tutela em caso de periculum in mora.

151.Para se dar por existente esse bom direito, basta um fumus, ainda que leve (e no caso, até nos parece que o fumus é bem evidente), ora, na douta Sentença recorrida a Mmª Juiz “a quo” foi além do exigido pelo artigo 120º, nº1 in fine do CPTA, porquanto não se bastou com um mero fumus ainda que leve.

152.Não faltam, no caso, evidências de que a douta sentença recorrida não apreciou nem julgou corretamente, o fumus boni iuris, o qual, se tem que dar por verificado no caso em apreço, sob pena de violação do artigo 120º, nº 1 do CPTA

153.Na parte final da sentença recorrida, a Mmª Juiz “a quo” decidiu que os Recorrentes são responsáveis pelas custas, fixando para cada um, a taxa de justiça de 3 UC’s pelo facto de os considerar coligados, como acima já demonstramos – e que por maior facilidade de exposição damos por reproduzido - no caso, não há coligação, mas sim litisconsórcio voluntário, e, por isso, errou o Tribunal “a quo”, a considerar que há coligação e que os Recorrentes têm de pagar, cada um, a taxa de justiça de 3 UC’s.

Termos em que deve ser admitido o presente recurso, conhecidas e declaradas as nulidades suscitadas e deve o mesmo ser provido e julgado procedente, com as legais consequências, como é de inteira JUSTIÇA!!!
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O Recorrido Município de (...) apresentou Contra alegações, mas sem conclusões, tendo a final e em suma requerido que deve ser julgado improcedente o recurso apresentado e confirmada a Sentença recorrida.
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A Contra interessada, ora Recorrida RR---, Ld.ª, apresentou Contra alegações, mas sem conclusões, tendo a final e em suma requerido que deve ser julgado improcedente o recurso apresentado e mantida a Sentença recorrida.
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O Tribunal a quo proferiu despacho visando a não ocorrência das nulidades invocadas pelos Recorrentes, assim como a admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA], reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Os Recorrentes interpõem recurso:
A) do despacho pelo qual foi decidido que há coligação, e no sentido de que cada um deverá proceder ao pagamento da respectiva taxa de justiça, assim como dessa parte na Sentença recorrida;
B) dos despachos proferidos a 14.12.2021 pela Mmª Juiz “a quo”, pelos quais:
Ba) não foram admitidos todos os documentos e todos os requerimentos por terem sido apresentados ao abrigo do princípio do contraditório;
Bb) foi indeferido o requerimento dos Recorrentes quanto ao Processo Administrativo;
Bc) foi decidido pelo indeferimento do “incidente” por considerar que não tem aplicação ao caso o consignado no artigo 128º, nº 1 do CPTA;
Bd) Indeferiu a produção de prova testemunhal, as declarações de parte e a inspeção judicial;
C) da sentença que julgou improcedente a providência cautelar com custas a cargos dos “Requerentes coligados”.

Imputam às decisões recorridas a ocorrência de nulidades, ilegalidade, erro de julgamento [quer quanto aos factos quer quanto ao direito] e inconstitucionalidade.

Assim, as questões que vêm suscitadas pelos Recorrentes e patenteadas nas conclusões das suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se os despachos e a Sentença recorrida:
(i) padecem das nulidades que lhe são apontadas, tendo subjacente o disposto no artigo 615.º do CPC;
(ii) padecem das nulidades que lhe são apontadas, tendo subjacente o disposto no artigo 195.º do CPC;
(iii) padecem de erro de julgamento em matéria de facto;
(iv) padecem de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, foram fixados dois blocos de factos provados, sendo um atinente à Decisão do Incidente, e outro atinente à Sentença recorrida.

Para aqui se extraem esses dois blocos [que passamos a identificar de A e B] como segue:

A – em sede da apreciação e Decisão do Incidente:

“[…] § Para tanto, cumpre a este Tribunal fixar, indiciariamente, a factualidade com relevância para o incidente em questão, a saber:
(i) Do Plano Director Municipal (PDM) do Município de (...) – aprovado em 2008 e actualmente em vigor –, não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no terreno propriedade da empresa “RR---, LDA.” onde se encontra a realizar a obra licenciada no âmbito do processo de licenciamento n.º LE_EDI_30/2020 [cf. Edital n.º 1244/2008, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 241, de 15 de Dezembro de 2008, alterado pelo Aviso n.º 6639/2013, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 97, de 21 de Maio de 2013; cf. certidão junta pelo Requerido com a sua oposição sob o n.º 1 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
(ii) A obra que a empresa “RR---, LDA.” se encontra a realizar, no seu terreno, foi licenciada no âmbito do processo de licenciamento n.º LE_EDI_30/2020 – cf. despacho do Vereador do Município de (...), Eng.º PJ..., datado de 15 de Fevereiro de 2021 que licenciou a edificação destinada a habitação multifamiliar, comércio e serviços constante do projecto apresentado por tal empresa e que foi objecto do Alvará de Licenciamento de obras de construção n.º 45/2021 de 23 de Abril de 2021 [cf. processo de licenciamento n.º LE_EDI_30/2020 constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos (docs.) n.º 2 e n.º 3 juntos com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
(iii) Em 30 de Junho de 2021, os Requerentes deram entrada, neste Tribunal, do presente processo cautelar [cf. pág. 1 do SITAF].
(iv) A Autoridade Requerida não juntou aos presentes autos a resolução fundamentada a que se refere o n.º 3, do art. 128.º do CPTA [cf. factualidade não controvertida].
(v) Tem-se, aqui, presente o teor dos requerimentos e Documentos apresentados pelas partes nos presentes autos cautelares [cf. requerimentos e Documentos constantes dos autos cautelares].
(vi) Tem-se, aqui, presente o teor do Relatório de Peritagem Técnica constante dos autos [cf. Relatório de Peritagem Técnica junto ao processo, em 17-11-2021, pela Contra-Interessada, e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
***
Inexistem outros factos provados ou não provados indiciariamente com relevância para a decisão a proferir quanto ao incidente, sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos.
***
Motivação. A factualidade indiciariamente julgada provada nos presentes autos cautelares foi considerada relevante para a decisão da questão que supra se elegeu, fundando-se a convicção deste Tribunal na análise crítica do teor dos documentos que constam dos autos, em articulação com a informação extraída do SITAF. “

B – Em sede da apreciação da Sentença recorrida:

III. Fundamentação de Facto.
Com relevância para a apreciação e decisão da causa cautelar (mormente, da questão que supra se elegeu), o Tribunal julga indiciariamente provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
1. AA... e BB..., ora 1º e 2ª Requerentes, são casados e residem na Avenida (...) [cf. factualidade não controvertida; cf. documento (doc.) n.º 18 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
2. CC..., ora 3ª Requerente, é reformada e reside na Rua (...) [cf. factualidade não controvertida; cf. documento (doc.) n.º 17 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
3. Desde 11 de Fevereiro de 2003, que os 1º e 2ª Requerentes são donos e legítimos proprietários e possuidores da fracção autónoma “L”, sita no segundo andar direito, de tipologia T3, destinada a habitação, com 162,52m2, do prédio urbano sito na Avenida (...), descrita na Conservatória de Registo Predial de (...), sob o n.º 187 (cfr. certidão permanente PP-2206-87757-030403-000187) e inscrita na respectiva matriz predial urbana com o artigo 990º [cf. documento (doc.) n.º 1 junto com o requerimento inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
4. A 3ª Requerente é dona e legítima proprietária e residente na casa de habitação unifamiliar, sita na Rua (...) [cf. factualidade não controvertida].
5. A empresa “RR---, LDA.”, ora Contra-Interessada, é proprietária do prédio urbano constituído pelos Lotes n.º 1 e n.º 2, constantes do Alvará de Loteamento n.º 1/80, sito na Av.ª (...), concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 533/19990511 e inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 757 [cf. documento (doc.) n.º 3 junto com o requerimento inicial aperfeiçoado e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. fotografias juntas aos autos pela Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
6. A Contra-Interessada deu entrada, nos serviços camarários do Município de (...), ora Requerido, de um pedido de licenciamento para construção, no prédio identificado em 5), de uma edificação destinada a habitação multifamiliar, comércio e/ou serviços, devidamente instruído – o qual deu origem ao processo de obras n.º LE-EDI-30/2020 [cf. documentos (docs.) constantes de fls. 1 e seguintes do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
7. Do Plano Director Municipal (PDM) do Município de (...) – aprovado em 2008 e actualmente em vigor –, não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio identificado em 5) e em 6) propriedade da Contra-Interessada [cf. Edital n.º 1244/2008, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 241, de 15 de Dezembro de 2008, alterado pelo Aviso n.º 6639/2013, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 97, de 21 de Maio de 2013; cf. certidão junta pelo Requerido com a sua oposição sob o n.º 1 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
8. A manutenção da representação de uma “conduta de águas pluviais”, na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de (...) (PUVAB) assenta em erro material e lapso de escrita, atento o prédio identificado em 5) e em 6) não constituir uma parcela privada de leito nem margem de águas públicas [cf. Edital n.º 1244/2008, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 241, de 15 de Dezembro de 2008, alterado pelo Aviso n.º 6639/2013, publicado no D.R. 2.ª Série, N.º 97, de 21 de Maio de 2013; cf. certidão junta pelo Requerido com a sua oposição sob o n.º 1 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. Relatório de Peritagem Técnica junto ao processo pela Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
9. Em 15 de Fevereiro de 2021, o Vereador do Requerido, Eng.º PJ..., no âmbito de “funções delegadas ao abrigo do despacho n.º 21/2020 de 30 de Abril”, proferiu Despacho de aprovação do pedido de licenciamento apresentado pela Contra-Interessada e referido em 6) [cf. Despacho de 15-02-2021 constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido] – acto suspendendo.
10. Em 23 de Abril de 2021 – na sequência do Despacho de aprovação referido em 9) –, foi emitido o respectivo Álvara de Licenciamento de Obras de Construção n.º 45/2021 cujo teor se reproduz, a saber: “…
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

…” [cf. Alvará de Licenciamento de Obras de Construção n.º 45/2021 junto sob o documento (doc.) n.º 3 com o requerimento inicial aperfeiçoado e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
11. Tem-se, aqui, presente o teor de todo o processo de obras n.º LE-EDI-30/2020 (incluindo a sua tramitação) [cf. processo de obras n.º LE-EDI-30/2020 constante do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
12. A Contra-Interessada iniciou a construção da edificação licenciada – a qual se traduz num investimento de mais de um milhão de euros (quantia, esta, parcialmente financiada com recurso a um crédito de investimento contraído junto da Caixa de Crédito Agrícola no montante de € 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros) [cf. documentos (docs.) n.º 1 e n.º 2 juntos com a oposição da Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
13. Tem-se, aqui, presente o Relatório de Peritagem Técnica respeitante à obra licenciada referida em 6) e em 9) a 12) cujo teor se reproduz, na parte que importa:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

…” [cf. Relatório de Peritagem Técnica junto ao processo pela Contra-Interessada e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
14. Em 30 de Junho de 2021, os Requerentes deram entrada, neste Tribunal, do presente processo cautelar; tendo o mesmo sido admitido liminarmente, em 09 de Julho de 2021, na sequência do aperfeiçoamento do respectivo requerimento inicial [cf. requerimento inicial e requerimento inicial aperfeiçoado contante de págs. 7-147 e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
15. Tem-se aqui presente o teor de todos os documentos constantes dos autos cautelares e do respectivo Processo Administrativo-Instrutor (PA) [cf. documentos (docs.) constantes dos autos cautelares e do Processo Administrativo-Instrutor (PA) e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido].
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***
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Inexiste outra factualidade sumariamente provada ou não provada, para além da supra elencada com relevo para a apreciação da causa cautelar (e, bem assim, da questão que se elegeu). Sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos.
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Motivação. A convicção do Tribunal quanto à factualidade indiciariamente julgada provada assentou na análise crítica (i) dos documentos que constam dos autos cautelares e do Processo Administrativo-Instrutor (PA), (ii) das posições assumidas pelas partes nos seus articulados [tendo-se aplicado o princípio cominatório semi-pleno pelo qual se deram como provados os factos que resultaram da admissão por acordo, compatibilizando-se toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras de experiência, tendo o Tribunal tido em atenção os factos para cuja prova era exigível documento; e, ainda, tendo sido tomada em consideração por este Tribunal a factualidade notória – cf. art. 412.º do CPC], e (iii) da aplicação das regras de distribuição do ónus probandi – tudo conforme referido a propósito de cada um dos pontos da factualidade indiciariamente julgada provada.“
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Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório, seguindo a temporalidade nele fixada, os factos que seguem:

14A – O Requerido foi citado para os termos dos autos, com entrega do Requerimento inicial em 19 de julho de 2021 - Cfr. fls. 438 dos autos;

14B – A Contra interessada foi citada para os termos dos autos, com entrega do Requerimento inicial em 16 de julho de 2021 - Cfr. fls. 439 dos autos;

14C – Após essas citações, a obra licenciada e titulada pelo Alvará n.º 45/2021 continuou a ser executada – Facto admitido por acordo.
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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 14 de dezembro de 2021, pela qual, com referência ao pedido formulado a final do Requerimento inicial pelos Requerentes [atinente a (i) ser decretada a suspensão de eficácia dos já referidos actos ilícitos proferidos por R1 e que padecem de nulidade/anulabilidade, os quais licenciaram a edificação do projecto apresentado por R2, consubstanciados no despacho do Vereador do demandado Município, Engº PJ..., datado de 15.02.2021 e que foi objecto do alvará de licenciamento de obras de construção nº 45/2021, datado de 23.04.2021 (docs. 2 e 3), com as legais consequências; (ii) ser decretado o embargo de toda a obra a decorrer no imóvel de R2 acima identificado, com as legais consequências.], veio a julgar pela sua improcedência.

Em simultâneo com a Sentença recorrida, e antecedendo-a, o Tribunal a quo proferiu despacho por via do qual (a) admitiu nos autos todos os requerimentos e documentos a eles juntos pelas partes, assim como deferiu a alteração do rol de testemunhas apresentado pelos Requerentes e indeferiu o pedido dos Requerentes, de junção do PA em suporte digital, (b) indeferiu o que qualificou ser o incidente suscitado pelos Requerentes face ao disposto no artigo 128.º do CPTA, e (c) indeferiu a produção de prova requerida nos autos, que também constituem o objecto do recurso.

Conforme patenteado nos autos, os Requerentes interpuseram o processo cautelar como incidente da acção principal que iam intentar, tendo peticionado a adopção de duas providências conservatórias, e que no fundo e a final, visavam a sustação da continuidade da edificação licenciada pelo Município de (...) em 15 de fevereiro de 2021 e a que se reporta o alvará de licenciamento de obras de construção n.º 45/2021, de 23 de abril de 2021.

No que é atinente às providências peticionadas, as mesmas têm subjacente, em suma, a invocação por parte dos Requerentes de que o procedimento licenciatório da edificação, incluindo a alteração do loteamento para que foi emitido o Alvará n.º 1/80, enferma de várias invalidades, algumas determinantes da nulidade dos actos de licenciamento, por erros nos pressupostos de facto e de direito que determinaram o licenciamento, designadamente de violação de lei e de regulamento, tendo para tanto alegado estarem preenchidos os requisitos determinantes do decretamento das providências cautelares a que se reporta o artigo 120.º, n.º 1 do CPTA [periculum in mora e fumus iuris] e n.º 2 [sobreposição dos interesses que defendem face aos contrapostos interesses - do Município e da Contra interessada], até que venha a ser proferida Sentença com trânsito em julgado na acção principal já intentada.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Daí que, quanto à invocada violação do prazo a que se reporta o artigo 119.º, n.º 1 do CPTA, e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e de que o Tribunal a quo empatou o processo [Cfr. conclusões 3 a 5 e 18], julgamos que estando em causa o recurso dos despachos e da Sentença proferida, e porque esse conhecimento por este Tribunal de recurso e nestes autos nunca importará na anulação ou revogação dessas decisões, julgamos que nada importa assim apreciar e decidir.

Prosseguindo.

São vastas as Alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes, assim como as respectivas conclusões, que por vezes se alastram a considerações que não preenchem o sentido jurídico e processual a que se referem as “conclusões das Alegações” a que se reporta o artigo 637.º, n.º 2 do CPC, assacando por vezes os Recorrentes à decisão do Tribunal, e ao mesmo segmento, quer a ocorrência de nulidade [seja a relativa ao artigo 615.º do CPC, seja ao artigo 195.º, do CPC] quer de erro de julgamento, o que são realidades completamente diferentes.

De todo o modo, tanto quanto conseguimos apreender, os Requerentes sustentam nas conclusões das suas Alegações de recurso, a ocorrência:

(i1) de várias nulidades atinentes a despachos proferidos pelo Tribunal a quo em momento antecedente à prolação da Sentença recorrida;
(i2) de várias nulidades atinentes à Sentença recorrida;
(i3) de várias nulidades processuais a que se reporta o artigo 195.º do CPC;
(i4) de vários erros de julgamento em matéria de direito;
(i5) de vários erros de julgamento em matéria de facto.

Liminarmente, julgamos que não ocorrem as nulidades assacadas aos despachos e à Sentença recorrida, assim como as nulidades secundárias, e que ao invés, estamos é perante eventuais erros de julgamento, como apreciaremos a diante.

E por reporte às nulidades imputadas à Sentença recorrida [Cfr. artigo 615.º do CPC], cumpre para aqui extrair este normativo, como segue:

Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Vejamos então.

As causas de nulidade das sentenças a que se reporta o artigo 615.º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, distinguindo-se dos erros de julgamento (error in judicando) de facto e/ou de direito imputadas às sentenças recorridas, resultantes de desacerto quanto à realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enumeradas naquele artigo 615.º do CPC, figurando entre as mesmas a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e a omissão de pronúncia [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC].

A exigência de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional, mostrando-se expressamente prevista no artigo 205.º, n.º 1 da CRP, nos termos do qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.”, sendo que é pela fundamentação da decisão aportada pelo Tribunal recorrido que é possível prosseguir pelo controlo da sua legalidade por parte dos destinatários e a sua sindicância pelos tribunais superiores, evitando-se desse modo qualquer livre arbítrio do julgador.

Em obediência a esta exigência constitucional, o legislador ordinário consagrou no artigo 154.º do CPC o “Dever de fundamentar a decisão”, estipulando no seu n.º 1 que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”. E, por outro lado, cominou com a nulidade a sentença quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” [cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC].

Esta nulidade está relacionada com o comando do artigo 607.º, n.º 3 do CPC, que impõe ao juiz o dever de “… discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.

De todo o modo, não pode confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ou seja, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, é que é geradora dessa nulidade.

Referem a este propósito A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, páginas 670/672, que “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”

Por sua vez, no que concerne à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, importa ter presente que a mesma [a Sentença] se deve mostrar em consonância com o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Impõe-se assim ao tribunal conhecer e decidir todas as questões que lhe sejam submetidas pelas partes, concretamente todos os pedidos, todas as causas de pedir e todas as excepções, e ainda aquelas que sejam de conhecimento oficioso, sendo que, quando assim não o faça, a decisão proferida é nula por omissão de pronúncia.

Assim não sucede, porém, relativamente àquelas questões que o tribunal deixa de conhecer por a sua apreciação resultar prejudicada em face da solução dada a outras, porquanto a nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando haja uma omissão de pronúncia absoluta, isto é, quando o juiz não conheceu determinada questão suscitada pelas partes, silenciando totalmente a razão pelo qual não o fazia.

Isto posto, regressemos ao caso dos autos.

O que está em causa no âmbito da apreciação da tutela cautelar requerida [e como assim alinhavou o Tribunal a quo], é saber se estão ou não verificados todos os requisitos, que são de verificação cumulativa, tendentes à adopção das providências cautelares por parte do Tribunal, como assim previsto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA.

E tal foi efectuado no âmbito do julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, nos estritos termos em que o mesmo veio a fundamentar a sua decisão.

Lida a Sentença recorrida dela se extrai que a Mm.ª Juíza, depois de fixar a factualidade que entendeu por relevante, e com referência aos elementos de prova que a suportam, enunciou as razões que conduziram à improcedência do pedido formulado, tendo estribando juridicamente a sua posição, especificando os fundamentos de facto e de direito que de acordo com a sua convicção justificam a decisão, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 607.º, n.º 3 do CPC.

Tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido sobre os termos e pressupostos pelos quais julgou não verificado o fumus iuris, e assim tendo vindo a negar provimento à pretensão deduzida pelos Requerentes, e se o suscitado em sede das invocadas nulidades estivessem certo, isto é, se fosse merecedor de este Tribunal de recurso lhe dar acolhimento, então o que aconteceria, é que a Sentença recorrida não padeceria de nulidade por a Mm.ª Juíza não ter apreciado questões que devia ter apreciado, ou não ter identificado outros factos provados e não provados, nem das invocadas nulidades processuais, mas antes de erro de julgamento, sancionável com a revogação da Sentença.

Efectivamente, realidade diversa é a do eventual erro de julgamento, por discordância com a posição jurídica assumida pelo Tribunal a quo, que em face das questões a apreciar por si fixadas, e também em face das invalidades invocadas ocorrer pelos Requerentes, veio a julgar, em sumaria cognitio e segundo um juízo perfunctório, que não se encontrava verificado o requisito do fumus, e que devia assim improceder o pedido formulado.

E outro tanto assim julgamos quanto às invocadas nulidades processuais, já que o Tribunal a quo não praticou ou omitiu acto que possa influir no exame ou decisão da causa, pois que com o que se depara este Tribunal de recurso é com a ocorrência de eventual erro de julgamento, seja de facto e/ou de direito.

Com efeito, em face dos plurimos fundamentos de facto e de direito que foram invocados pelos Requerentes, e apresentada e requerida que foi a produção de prova, e em várias vertentes, a dilucidação em torno do bem fundado dessa sustentação, o que importa apreciar é por que termos prosseguiu o Tribunal a quo para não ter aberto período de produção de prova em face da prova testemunhal, declarações de parte, prova documental e inspecção judicial requeridas, no cumprimento do ónus de prova que impendia sobre os Requerentes.

Ou seja, importa apreciar sobre se o Tribunal a quo prosseguiu na realização do julgamento da matéria de facto em termos tais que o habilitasse, aquando da fixação do probatório na Sentença a proferir, a conhecer sem lacunas, sobre os termos e os pressupostos das alegações e fundamentos das várias causas de pedir justapostas aos pedidos de adopção da tutela cautelar.

É certo, não o ignoramos, que em face do disposto no artigo 118.º do CPTA, a produção de prova pode ser realizada se o julgador a tiver como necessária, e que nesse âmbito, se assim o julgar, que pode ordenar as diligências de prova que considere devidas.

E para efeitos de ser alcançado esse desiderato, compete ao julgador examinar, em cada processo judicial, se é legal e processualmente devida a produção dos meios de prova indicados pelas partes, e no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que a instrução tem por objeto os factos controvertidos e relevantes para o exame e decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito, e que a avaliação do juiz que suporta a sua decisão de não considerar quaisquer diligências de prova pode estar inquinada de erro, isto é, pode ter considerado, à luz das soluções jurídicas que postule como possíveis ao caso em apreciação, que os elementos que tem como provados e já disponíveis eram bastantes e suficientes, sem que tal tenha qualquer correspondência com a realidade.

Como assim decorre do processado nos autos, em face do que constituía a causa de pedir e o pedido imanente à Petição inicial, e bem assim, no quanto se constituiu o thema decidendum em face do que deduziu o Requerido ora Recorrido, assim como a Contra interessada no âmbito das respectivas Oposições, o Tribunal a quo veio a fixar a questão a decidir em sede do mérito do pedido cautelar como sendo “… saber se, no caso em apreço, os requisitos consignados no art. 120.º, n.ºs 1 e 2, se encontram (ou não) preenchidos, com vista ao decretamento da providência cautelar requerida.

Ora, depois de enunciar o regime jurídico que julgou ser convocável para efeitos da decisão a proferir, a saber, a apreciação e decisão da requerida tutela cautelar tendo por base a verificação dos requisitos a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, o Tribunal a quo veio a julgar pela não verificação do fumus iuris, e nesse patamar, dada a necessidade de verificação cumulativa, a indeferir o pedido de decretamento das providências cautelares requeridas.

Mas antes de assim ter decidido, com o que não concordam os Recorrentes, previamente apreciou e deferiu ainda o Tribunal a quo a admissão nos autos de todos os requerimentos e documentos a eles juntos pelas partes, assim como indeferiu o pedido de junção do PA em suporte digital; apreciou e decidiu ainda o Incidente ao abrigo do artigo 128.º do CPTA; e indeferiu ainda toda a prova requerida pelas partes, com fundamento na sua desnecessidade. E colocam ainda em crise neste recurso jurisdicional, a decisão do Tribunal a quo em torno da sua qualificação a título de coligação e não em regime de litisconsórcio, seja pelo despacho datado de 02 de julho de 2021, seja como decidido a final da Sentença recorrida em sede da condenação em custas.

Vamos então por partes.

E neste conspecto, cumpre então conhecer desde já da questão atinente ao regime jurídico da qualificação da intervenção dos Requerentes, ora Recorrentes, se no regime da coligação, se no regime do litisconsórcio.

Neste domínio, decidiu o Tribunal a quo, como por facilidade para aqui se extrai como segue:

Início da transcrição
“[…]
Ademais, os Requerentes encontram-se coligados pelo que cada um deverá proceder ao pagamento da respectiva taxa de justiça nos termos do art. 530.º, n.º 5, do Código do Processo Civil (CPC) [aplicável ex vi do art. 1.º, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], sob pena de rejeição do requerimento inicial, nos termos das normas processuais.
Assim, e sob pena de rejeição liminar do requerimento inicial, ficam notificados os Requerentes para, no prazo de 05 (cinco) dias, suprirem as faltas supra elencadas, nos termos e para os efeitos do preceituado no art. 114.º, n.º 3, alínea g), e n.º 5, do CPTA e dos normativos respeitantes ao pagamento da taxa de justiça inicial constantes do CPC.
[…]”
Fim da transcrição

Por seu turno, ainda a respeito desta questão da natureza da sua intervenção e do respectivo regime de pagamento das custas, a final da Sentença recorrida decidiu o Tribunal a quo como segue:

Início da transcrição
“[…]
Custas do processo a cargo dos Requerentes coligados [cf. arts. 527.º, n.º 1, primeira parte, 529.º, n.os 1 e 2, 530.º, n.º 1, 539.º, n.os 1 e 2, todos do CPC ex vi do art. 13.º, n.º 1 do RCP e do n.º 3, do art. 31.º do CPTA]; fixando-se, para cada um, a taxa de justiça em 3 UC’s (ou seja, o equivalente a € 306,00) [cf. arts. 1.º, 2.º e 7.º, n.º 4, e, ainda, Tabela II-A, todos do RCP – aprovado pela Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março –, aplicável, mutatis mutandis, ex vi do art. 189.º do CPTA –, aplicáveis ex vi dos arts. 1.º, in fine e 189.º, ambos do CPTA].
[…]”
Fim da transcrição

Sob as conclusões 6 a 9 e 153 das suas Alegações, sustentam os Recorrentes que quanto à decisão em torno da coligação e não em litisconsórcio, que ocorre a nulidade a que se reporta o artigo 615,º, n.º 1, alínea b) do CPC, por falta de fundamentação, e que há erro de julgamento em matéria de direito.

Ora, os Recorrentes podem não concordar com a decisão tomada pelo Tribunal a quo, e assim acontecendo, dela interpondo recurso, como assim fizeram. A arguição de que há nulidade por falta de fundamentação não pode merecer o nosso acolhimento, porque o Tribunal apreciou e decidiu a questão, em termos que permite aos Recorrentes dar ou não a sua concordância. Aliás, tanto assim foi compreendido pelos Requerentes ora Recorrente, que vieram a juntar aos autos DUCS em conformidade com o decidido e bem assim, também a requerer a devolução da taxa de justiça com fundamento em que não estão em situação de coligação, antes de litisconsórcio voluntário. Não concordando com essa decisão, como é manifesto que assim acontece, tal contende é com erro de julgamento.

E neste conspecto, assiste-lhes razão, pois que intervêm nos autos em regime de litisconsórcio activo e não em coligação.

Vejamos.

Quer na coligação quer no litisconsórcio há mais do que uma parte a litigar, que o pode ser no lado activo ou passivo, sendo que, de todo o modo, na coligação temos de ter tantas relações jurídicas quantas as pessoas que intervêm em cada um dos lados.

Havendo coligação, e no plano activo, cada um dos demandantes deve pagar a respectiva taxa de justiça [Cfr. artigo 530.º, n.º 5 do CPC e artigos 13.º, n.ºs 1, 2 e 7, alínea a) e 14.º, n.ºs 1 e 2, ambos do RCP], tendo sido este o julgamento de base do Tribunal a quo, e nesse sentido, que enquanto coligados, os Requerentes ora Recorrentes eram responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça [e das custas do processo], cada um por si, o que já assim não sucederia se litigassem em regime de litisconsórcio, onde caberia sob este regime ao 1.º demandante o dever de proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, com direito de regresso sobre os demais [Cfr. artigos 530.º, n.ºs 1 a 4 do CPC e artigos 13.º, n.ºs 1 e 2 e 14.º, n.ºs 1 e 2, ambos do RCP].

Na situação dos autos, temos uma legitimidade plural do lado activo reportada a 3 Requerentes, e no lado passivo, uma legitimidade singular passiva, tendo enquanto Requerido o Município de (...) e enquanto Contra interessada uma sociedade comercial.

Ora, para efeitos do pagamento da taxa de justiça ou da condenação em custas, o que releva é saber qual o âmbito da relação jurídica controvertida, mormente, se se reporta apenas a uma ou a várias.

Face ao que está em causa nos autos, assume relevo para o efeito o alegado pelos Requerentes sob os pontos 1.º a 6.º e 8.º do Requerimento inicial. E desde logo, ressalta que os 1.º e o 2.º são casados e proprietários de uma fracção situada num prédio que confronta e confina com o prédio da Contra interessada, pelo que quanto a eles, e entre si, estamos de forma manifesta perante litisconsórcio necessário activo.

Sob aqueles pontos do Requerimento inicial também se refere, quanto à 3.ª Requerente, que é proprietária de uma casa de habitação unifamiliar, que também confronta com o prédio da Contra interessada.

Quanto à Contra interessada, o que sustentaram os três Requerentes ora Recorrentes, é que a mesma está a edificar no seu terreno um prédio cujo licenciamento padece de diversos vícios geradores da sua nulidade e anulabilidade, o que procuraram demonstrar.

E como resulta do pedido deduzido a final do Requerimento inicial, pretendem os Requerentes que o Tribunal a quo adopte duas providências cautelares de natureza conservatória, sendo uma atinente à suspensão da eficácia do acto de licenciamento e do alvará de licenciamento, e outra ao embargo de toda a obra em curso.

Portanto, reporta-se o mesmo pedido a todos os Requerentes, sendo que atentas as várias causas de pedir, é quando os mesmos densificam os termos dessa relação controvertida, que daí se retira, designadamente, que o licenciamento da construção a levar a cabo pela Contra interessada não cumpre e viola o PUVAB [Cfr. designadamente o ponto 73.º do Requerimento inicial], alegando para tanto, ainda, que são eleitores no Município e que os prédios a que se reportam as suas habitações se integram no loteamento titulado pelo Alvará de loteamento n.º 1/80, e que confina com o imóvel da Contra interessada, referente aos lotes 1 e 2 desse mesmo loteamento, onde a mesma está a construir.

Julgamos assim que assiste razão aos Recorrentes, pois que estamos apenas em presença de apenas uma relação jurídica controvertida, que opõe os Requerentes ao Requerido, enquanto residentes e eleitores no Município de (...), a qual [relação], tem a sociedade Ramos Antunes, Ld.ª como Contra interessada, já que a mesma tem legítimo interesse na manutenção dos actos suspendendo, para além de que do provimento do processo impugnatório lhe pode advir prejuízo para si.

Assim, estando em causa a mesma relação material controvertida [Cfr. artigo 32.º do CPC], e o mesmo pedido, e desta feita intervindo em regime de litisconsórcio voluntário activo, a taxa de justiça é devida apenas pelo 1.º dos Requerentes [que por ser casado com o 2.º, só por isso eram intervenientes em regime de litisconsórcio necessário], sobre o qual impendia o dever de pagar a totalidade da taxa de justiça [Cfr. artigo 530.º, n.º 4 do CPC e 13.º, n.ºs 2 e 14.º, n.º 2, ambos do RCP].

Há assim erro de julgamento [e não nulidade], quando o Tribunal decide pela sua condenação no pagamento de taxa de justiça sob o regime da coligação e não de litisconsórcio [Cfr. conclusões 68 e 69].

E este julgamento é aplicável em sede do regime de condenação de custas, sendo subjacente o disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, como apreciaremos a final.

Neste patamar.

Cumpre agora apreciar o 1.º dos despachos da Mm.ª Juíza proferidos em momento antecedente à prolação da Sentença recorrida, e que no fundo admitiu a junção aos autos de todos os requerimentos e documentos, assim como a alteração do rol de testemunhas, e que quanto ao Processo Administrativo, que o mesmo foi junto em suporte físico dado a sua dimensão [composto por 3 pastas].

Para aqui extraímos esse despacho como segue:
[…]”
Início da transcrição
A fim de regularizar a presente instância e tendo presente o teor dos requerimentos apresentados por todas as partes nos presentes autos cautelares, Admito a junção ao processo de todos os requerimentos bem como dos Documentos carreados para o mesmo por se revelarem pertinentes para a boa decisão da causa e terem sido proferidos ao abrigo do princípio do contraditório [cf. arts. 3.º, n.º 3, e 411.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 1.º, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA); cf. art. 7.º-A do CPTA]. Mais, Admite-se a alteração do rol de testemunha apresentada pelos Requerentes em 09-08-2021. E, encontrando-se apenso aos autos, o respectivo Processo Administrativo-Instrutor (PA) (composto por três pastas devidamente organizadas), em articulação com os documentos juntos ao processo pelo Requerido, nada mais há a ordenar a este respeito, indeferindo-se o requerido pelos Requerentes [cf. arts. 7.º-A e 84.º do CPTA].
Notifique.
[…]”
Fim da transcrição

Quanto ao facto de este despacho traduzir uma decisão vaga, genérica e desprovida de qualquer fundamentação de facto e de direito, ao qual imputam os Recorrentes a ocorrência de nulidade por falta de fundamentação que se reporta ao artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPTA, e em nulidade processual atinente ao disposto no artigo 195.º e seguintes do CPC [Cfr. conclusões 10 a 15], julgamos que não lhes assiste razão.

O cerne desta pretensão recursiva assenta em que a Contra interessada juntou aos autos um relatório pericial, que foi impugnado pelos Requerentes que inclusivamente requereram o seu desentranhamento, com fundamento na inadmissibilidade de prova pericial.

Laboram os Recorrentes num erro de princípio, pois que pese embora a denominação que a Contra interessada deu ao documento em causa, de “Relatório pericial”, como podia dar-lhe um outro pois que provem do seu circulo de actuação, trata-se a final de um mero documento.

Não tendo sido elaborado por peritos nomeados pelo Tribunal, não pode ser tido como o resultado de prova pericial que tenha sido por si ordenada.

Assim, e quanto ao invocado pelos Recorrentes sob as conclusões 88 e 89, referentes ao ponto 13 do probatório, julgamos que não assiste razão aos Recorrentes, pois que se trata de um mero documento apresentado pela Contra interessada, que assim o denominou, mas que não tem qualquer valor probatório enquanto relatório pericial, por não ter sido emitido por peritos no âmbito de perícia determinada pelo Tribunal.

Enquanto mero documento e tendo presente a livre apreciação da prova por parte do julgador tendente à formação da sua convicção, pode o Tribunal, respeitadas que sejam as regras da audiência contraditória, vir a tomar posição valorativa sobre o seu teor, mas não o pode fazer apenas com a mera alegação nesse sentido por uma das partes, quando tal até foi expressamente impugnado.

Por outro lado, reportando-se o ponto 13 do probatório à mera enunciação do teor do denominado relatório de peritagem, julgamos que não padece a fixação desse facto de qualquer erro de julgamento.

Portanto, não assiste razão aos Recorrentes na crítica que apontam a esta decisão, nem quanto ao facto de não ter sido determinado o seu desentranhamento ou como não escrito, pois que a sua apresentação nos autos por parte da Contra interessada se insere, de facto, no âmbito do ónus e impulso probatório que lhe cumpre prosseguir.

Por seu turno, quanto à não junção do PA em suporte digital [Cfr. conclusões 16, 17, 19, 20 e 21], também não assiste razão aos Recorrentes.

Com efeito, foi junto o PA pelo Requerido, atinente ao Processo de licenciamento da construção nos lotes 1 e 2, composto por 3 pastas, e dessa junção foram notificados os Requerentes ora Recorrentes, que como assim resulta da conclusão 22 impugnaram o seu teor.

Foi invocado pelo Requerido que a junção era efectuada em suporte físico, por a sua dimensão ultrapassar os 10MB, o que está em consonância com o disposto no artigo 24.º, n.º alínea a) do CPTA, ex vi artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 da Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro, sendo que, por banda dos Requerentes não foi suscitado o contrário, isto é, de que a sua dimensão física era cabível em suporte digital que não ultrapassaria os 10MB.

De todo o modo, estamos em presença de um despacho interlocutório tendente à instrução do mérito dos autos, e que em face do julgamento tirado pelo Tribunal a quo, sem reparo, foi tomado com observância de audiência contraditória.

Sempre julgamos ainda que enquanto acto interlocutório, o mesmo não tem o pendor de contribuir, por si, para o julgamento da improcedência da sua pretensão cautelar, nem se trata de irregularidade processual, antes ficando os autos dotados dos elementos de prova que as partes a eles quiseram juntar, ou a que estavam legalmente obrigados [o que é o caso do Procedimento Administrativo], e sobre esse contributo por eles aportado para a formação da convicção por parte do Tribunal a quo é que pode a final ser imputada a ocorrência de erro de julgamento.

Ou seja, ponto é saber se da junção desses documentos, ou da admissão da prova, ou do PA em suporte físico [e já não em suporte digital], se se verifica uma actuação do Tribunal a quo fundada em erro, e que a não ter acontecido seria determinante de decisão contrária.

Apreciando agora o quanto vem sustentado pelos Recorrentes em torno da “Decisão do incidente [Cfr. conclusões 40, 41, 43, 44, 46 a 50, 52 a 59, 63 a 65, 70 e 71 a 74, julgamos que assiste total razão aos Recorrentes, ainda que em sede de erro de julgamento e já não quanto à invocada nulidade [Cfr. conclusões 41, 42 e 43] pois que o Tribunal a quo tinha decretado o cumprimento do disposto no artigo 128.º do CPTA, sendo que o que o Requerido veio a trazer aos autos [Cfr. conclusões 49 e 51] foi a sua interpretação acerca do que prevê o disposto no referido artigo 128.º, a qual não tem a mínima correspondência na letra da lei.

Com efeito, como assim decorre do processado nos autos, os Requerentes ora Recorrentes não requereram a abertura de qualquer incidente ao abrigo do disposto no artigo 128.º do CPTA.

Pelo que pugnaram os Requerentes ora Recorrentes foi por que o Tribunal a quo determinasse o cumprimento pelo Requerido e pela Contra interessada da previsão legal que prescreve a suspensão da execução da obra após a sua citação.

Vejamos.

Por despacho da Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, datado de 09 de julho de 2021, sob o seu ponto II, foi determinado conforme por facilidade para aqui se extrai como segue:

[…]”
Início da transcrição
II. Por conseguinte, Proceda à citação do Requerido e da Contra-Interessada, nos termos legais, para, querendo, deduzir oposição no prazo de 10 (dez) dias [cf. art. 117.º, n.º 1, do CPTA], com as advertências constantes dos arts. 118.º, n.º 2, e 120.º, n.º 5, ambos do CPTA, bem como com expressa menção dos efeitos da citação previstos no art.128.º do mesmo Código, ou seja, de que recebido o duplicado do requerimento de instauração da mesma, não pode prosseguir a execução dos actos suspendendos, excepto se o Requerido proferir resolução fundamentada. [sublinhado da autoria deste Tribunal de recurso – TCAN]
***
Notifique.”
Fim da transcrição

Como assim resulta do processado nos autos, da citação efectuada nas pessoas do Requerido e da Contra interessada não consta a advertência para o disposto no artigo 128.º do CPTA, cujo teor para aqui se extrai como segue:

“Artigo 128.º
Proibição de executar o acto administrativo
1 - Quando seja requerida a suspensão da eficácia de um ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
2 - Sem prejuízo do previsto na parte final do número anterior, deve a entidade citada impedir, com urgência, que os serviços competentes ou os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do ato.
3 - Considera-se indevida a execução quando falte a resolução prevista no n.º 1 ou o tribunal julgue improcedentes as razões em que aquela se fundamenta.
4 - O interessado pode requerer ao tribunal onde penda o processo de suspensão da eficácia, até ao trânsito em julgado da sua decisão, a declaração de ineficácia dos actos de execução indevida.
5 - O incidente é processado nos autos do processo de suspensão da eficácia.
6 - Requerida a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, o juiz ou relator ouve a entidade administrativa e os contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão.

Os Requerentes peticionaram a final do Requerimento inicial, entre o mais, que fosse decretada a suspensão da eficácia do despacho da autoria do Vereador da Câmara Municipal de (...), PJ..., datado de 15 de fevereiro de 2021 e que foi objecto do alvará de licenciamento de obras de construção n.º 45/2021, datado de 23 de abril de 2021

Operada a citação, estava o Requerido vinculado a fazer com que o acto de licenciamento corporizado no alvará de licença, fosse suspenso na sua eficácia, o que é dizer, que devia o Requerido ter prosseguido junto da Contra interessada no sentido de fazer suster qualquer efeito que fosse decorrente do acto administrativo que por si foi emitido. E pela parte da Contra interessada, devia também a mesma, logo que foi citada, abster-se de continuar a execução da obra, que tem na sua base o acto administrativo licenciatório datado de 15 de fevereiro de 2021.

Tudo podia ser momentaneamente obstado - ou seja, no sentido de o Município tomar diligências por forma a que os efeitos do seu acto licenciador não continuassem a ser prosseguidos, e que para esse efeito, deveria o Requerido ter notificado a Contra interessada, ou mesmo, prosseguir no embargo provisório da obra, e por seu lado, de a própria Contra interessada, ela própria se vincular na não continuação da execução da obra -, se o Requerido Município tivesse emitido Resolução Fundamentada.

Inexistindo essa Resolução Fundamentada, julgamos indevida a execução da obra que veio a ser realizada ao abrigo do acto administrativo datado de 15 de fevereiro de 2021, pelo que mal andou o Tribunal a quo quando pelo 2.º despacho por si proferido que antecedeu a prolação da Sentença recorrida, veio a indeferir o incidente suscitado pelos Requerentes com fundamento em não ter aplicação ao caso em apreço o disposto no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA.

Este julgamento do Tribunal a quo enferma assim de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, e em duas vertentes: seja por ter julgado que com os seus requerimentos a fls. 587 e seguintes e 674 e seguintes dos autos. os Requerentes abriram um qualquer incidente processual, seja por ter julgado pela inaplicabilidade do disposto no artigo 128.º do CPTA, isto é, que não estavam o Requerido e a Contra interessada, logo após a sua citação, legalmente vinculados a prosseguir fazendo com que fosse sustida a continuação da obra licenciada por despacho do Vereador da Câmara Municipal de (...), datado de 15 de fevereiro de 2021.

E por assim ter sido julgado, a identificada “Decisão do incidente”, tem de se rer revogada, e substituída por outra que seja determinante de que o Requerido e a Contra interessada, cada um em face do lado procedimental que ocupam no âmbito do procedimento de licenciamento da construção, prossigam de forma efectiva na sustação da execução da obra licenciada porque está pendente determinação legal que impõe a abstenção da continuação da sua execução, em conformidade com o disposto no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA.

Efectivamente, tendo o Vereador da Câmara Municipal proferido em 15 de março de 2021, o acto que está na base do licenciamento da construção a cujo procedimento os Autores apontam várias invalidades, umas passíveis de nulidade e outras de mera anulabilidade, e que derivou na emissão do Alvará de licença n.º 45/2021, e tendo-os o Requerido Município como válidos e eficazes na ordem jurídica administrativa, atenta a interposição da providência cautelar em que é requerida a suspensão da sua eficácia, impunha-se que o Município prosseguisse nessa suspensão cautelar, assim como a Contra interessada, sendo que o Município tem aqui uma significativa posição de garante já que está vinculado à estrita observância do princípio da legalidade, o que atento o disposto no artigo 128.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, logo que foi operada a sua citação para os termos dos autos, devia ter prosseguido pelos termos e condições que reputasse de mais adequadas e tempestivas, por forma a que a Contra interessada parasse a continuação da construção da edificação.

É certo que a Secretaria do Tribunal não procedeu à citação do Requerido e da Contra interessada com a menção ao dever de observância do disposto no artigo 128.º do CPTA, pese embora tal assim ter sido decidido pelo Mm.ª Juíza.

Mas em face da citação para os termos dos autos, e não tendo sustada a continuidade da construção, o que os Requerentes ora Recorrentes fizeram foi suscitar junto do Tribunal a quo sobre esse cumprimento, explicitando que a obra se encontrava em execução.

Pese embora o Tribunal não tenha feito constar da citação a menção ao disposto noa artigo 128.º do CPTA, sempre as partes tinham de lhe dar cumprimento, por ser o que assim decorre da lei, e que a final iremos decidir.

Efectivamente, depois de determinada pelo Tribunal a quo a citação do Requerido e da Contra interessada para os termos dos autos, onde vinha requerida a suspensão da eficácia de um acto que licenciava uma construção, assim como o embargo da obra para a qual tinha sido emitido Alvará de construção - o que em termos práticos vem a derivar no mesmo efeito, que é a impossibilidade de continuar a execução da obra -, porque o Requerido não emitiu Resolução Fundamentada [cujos termos/fundamentos não existem por isso], tinha o Requerido, e a Contra interessada, que parar imediatamente a construção, aquele actuando por via de uma decisão administrativa, e esta, por via da completa paragem dos trabalhos em execução.

Cumpre agora apreciar o 3.º dos despachos recorridos antecedentes da prolatada Sentença recorrida, pelo qual foi indeferida a produção de prova, tendo subjacente que os autos já dispunham dos elementos necessários.

O Tribunal a quo decidiu nesse domínio conforme para aqui se extrai o que segue:

Início da transcrição
“[…]
Considerando, por um lado, que uma parte substancial da matéria alegada pelas partes apenas é susceptível de comprovação mediante prova documental – sendo este o único meio probatório idóneo para sustentar o alegado em pontos essenciais dos seus articulados –, e que as mesmas juntaram documentos aos presentes autos cautelares (bem como o respectivo Processo Administrativo-Instrutor (PA)). E, por outro lado, verifica-se que a matéria constante de muitos dos pontos articulados pelas partes se reporta ou a factualidade susceptível apenas de ser provada por documentos ou a alegações de direito ou consubstanciam asserções conclusivas quer de facto quer de direito, não admitindo, por conseguinte, resposta dada por este Tribunal assente em produção de prova; ao que acresce a natureza do meio processual em questão, em que a prova se apresenta como indiciária e os poderes de cognição sumária do Tribunal não lhe possibilitam invadir a reserva da Administração.
Assim, atendendo ao facto de não ser lícita a realização de actos inúteis no processo por parte deste Tribunal [cf. art. 130.º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi do art. 1.º, in fine, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], em correlação quer com o vertido no n.º 2, do art. 118.º do CPTA, conjugado com preceituado no n.º 3, do art. 114.º do mesmo Código, quer com a posição das partes vertida nos seus articulados, entende-se que, tudo sopesado, os autos cautelares dispõem já dos elementos necessários à apreciação da causa cautelar (indeferindo-se quer produção de prova testemunhal requerida, quer a inquirição em sede de declarações de parte e quer a inspeção judicial requeridas) [cf. art. 118.º, n.º 3, a contrario, do CPTA].
[…]”
Fim da transcrição

Ou seja, tendo o Tribunal a quo admitido nos autos pelo seu 1.º despacho referido supra, os requerimentos probatórios apresentados por todos os intervenientes processuais [quanto aos Requerentes, prova documental, declarações de parte, prova testemunhal e por inspecção judicial; quanto ao Requerido, prova documental [incluindo o Processo Administrativo] e prova testemunhal; quanto à Contra interessada, prova documental, declarações de parte, e por inspecção judicial], veio depois a julgar que os autos já reuniam os elementos necessários à apreciação do mérito da pretensão cautelar deduzida pelos Requerentes, tendo indeferido toda essa prova requerida, e com fundamento, entre o mais, em face da posição das partes vertidas nos seus articulados.

Quanto ao facto de a decisão proferida pelo Tribunal a quo em torno de que os autos já tinham todos os meios de prova necessária para o conhecimento do mérito [Cfr. conclusões 20, 27, 34, 35, 36, 37, 38 e 39] tal não traduz a rejeição de um meio de prova, a que se reporta o artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, nem reveste qualquer nulidade processual, antes porém, a ser julgado procedente essa alegação, e se resultar dos autos o contrário, que essa decisão enferma é de erro de julgamento em matéria de facto.

Com efeito, o que decidiu o Tribunal a quo é que não se justifica a abertura de um período de instrução adicional, não havendo assim a rejeição de qualquer meio de prova.

Quanto ao sustentado pelos Recorrentes em torno de que tendo impugnado todos os documentos incluindo os do PA, e que a prova documental é insuficiente para provar os factos controvertidos, e que há questões controvertidas, e que para além da instrução em torno desses documentos, que se torna necessária a produção de outros meios de prova, e que é o caso da apreciação do fumus iuris [Cfr. conclusões 22 a 26, e 29 a 31, assiste razão aos Recorrentes.

Com efeito, sustentaram os Requerentes várias questões, e em suma: em torno da existência de uma linha de água cadastrada, sob o solo dos lotes 1 e 2; dos afastamentos da construção e da área do terreno; do cumprimento das normas PUVAB; do cumprimento do índice de construção, do cumprimento da área de implantação; da não afixação na obra do Edital; da regularidade do procedimento em torno das alterações ao loteamento e do consequente licenciamento da edificação; e a ocorrência de periculum in mora.

Errou o Tribunal a quo no julgamento por si tirado quando a fls. 26 da Sentença recorrida decide que “Inexiste outra factualidade sumariamente provada ou não provada, para além da supra elencada com relevo para a apreciação da causa cautelar (e, bem assim, da questão que se elegeu). Sendo que a restante matéria foi desconsiderada por não ser relevante, por respeitar a conceitos de direito, por consistir em alegações de facto ou de direito, por encerrar opiniões ou conter juízos conclusivos.

Com efeito, existe nos autos e assim foi alegado pelas partes, outra matéria com relevo para a apreciação da causa, e de forma abundante.

Como frisaram os Recorrentes na conclusão 27 [no sentido de que a prova testemunhal e de inspecção judicial por si requeridas visava a prova dos factos controvertidos constantes, nomeadamente, dos artigos 5º a 7º, 23º, 24º, 29º, 31º a 34º, 36º a 59º, 61º, 63º a 66º, 68º, 70º , 71º, 73º, 76º, 78º, 80º a 88º, 90º a 99º, 102º a 121º, 124º a 131º do requerimento inicial; 30º a 41º, 44º a 53º, 55º, 57º a 111º do requerimento refª 450450; 21º, 24º, 25º, 30º a 33º, 40º, 41º, 44º, 47º a 50º, 60º a 65º, 68º, 69º, 70º, 71º, 72º, 74º do requerimento refª 451154, os quais contêm matéria de facto que foi impugnada e que não se encontra integralmente reflectida nem provada nos documentos juntos aos autos], a prova por si requerida [testemunhal, por declarações de parte, e por inspecção judicial] visava a prova de factos manifestamente controvertidos, tanto que se reportava a matéria impugnada pelo Requerido e pela Contra interessada, o que a matéria de facto constante do probatório não reflecte de modo algum, sendo errado o julgamento do Tribunal a quo quando até veio a decidir pela inexistência de outra factualidade.

O despacho de indeferimento da prova, concatenado com o probatório fixado pelo Tribunal a quo nos seus 1 a 15 pontos e com a decisão acrescida de que não existe outra factualidade, traduz uma fundamentação errada nos seus pressupostos face ao âmbito das questões que foram suscitadas por todos os intervenientes processuais, seja por impulso processual próprio, seja em sede de exercício do direito ao contraditório.

E tendo sido alegado e documentado pelos Requerentes ora Recorrentes, desde logo, a existência de uma linha de água no solo/subsolo do terreno onde a Contra interessada implantou a Construção, e estando essa representação patenteada no PUVAB, assim como em outros documentos que os Requerentes juntaram aos autos, tinha o Tribunal de prosseguir, necessária e obrigatoriamente na instrução em torno dessa matéria essencial.

No que prosseguiu o Tribunal a quo foi em dar como provados alguns factos, cujo ónus de alegação, prova e contra prova cabia aos intervenientes processuais, para o que não podia deixar de ser feita a instrução necessária.

Se de forma sumária e indiciária vem trazido ao conhecimento do Tribunal a quo que no terreno passa uma linha de água, que está enunciada no PUVAB, e apesar de poder não estar representada no PDM, afigura-se evidente que essa questão tinha de ser esmiuçada pelo Tribunal a quo, ou de outro modo, que nunca poderia formar convicção de que essa linha de água não existe, ou de que a sua representação gráfica no PUVAB resulta de um lapso de escrita, apenas na decorrência do que assim alegou em sua defesa na Oposição o Município de (...).

Atentas as patenteadas representações gráficas da linha de água, e no que poderia ter sido o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, no limite, seria em julgar indiciariamente provada esse existência, e a partir daí extrair consequências processuais, mormente quanto ao que invocam os Recorrentes de que o acto administrativo licenciador viola o PUVAB e que o Alvará de construção é nulo, face ao disposto nos artigos 68.º, alíneas a) e c) do RJUE e artigos 5.º, n.ºs 1 e 2, e 130.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.

Em suma, não poderia o Tribunal alcançar o julgamento por si tirado para fixação dos factos constantes dos probatórios [Cf. alínea i) do probatório fixado para apreciação do incidente; Cfr. ainda os pontos 7 e 8 do probatório fixado na Sentença], sem ter prosseguido na realização de instrução nos autos, pois que essa matéria era manifestamente controvertida, e as partes requereram a produção de prova.

Assim, e liminarmente, julgamos que ao contrário do que nesse sentido decidiu o Tribunal a quo, era precisamente em face das posições manifestadas pelas partes nos seus articulados, e também em face do teor dos sucessivos requerimentos que vieram a apresentar nos autos, que o Tribunal a quo devia ter aberto a instrução, e não o tendo feito, errou ao julgar pelo indeferimento da prova requerida, pois que as posições adversariais patenteadas nos autos eram determinantes da realização de audiência de discussão e julgamento.

Aliás, com todo o acervo documental constante dos autos, que o Tribunal a quo decidiu ser o relevante para o conhecimento do mérito da pretensão cautelar requerida pelos Requerentes, o julgamento da matéria de facto prosseguido pelo Tribunal a quo e levado ao probatório ressente-se de forma negativa, pois dele não consta o que devia ser o resultado da actividade inquisitória e instrutória do Tribunal, e quanto a alguns dos factos, apresentam-se como manifestamente conclusivos, e bem assim, dando até como provados factos manifestamente controvertidos, e cuja realidade concreta, ainda que apreendida se forma indiciária, só poderia ser prosseguida mediante a devida instrução dos autos, que não podia deixar de passar pela produção de prova testemunhal.

Ora, do ponto de vista da forma, isto é, numa óptica estritamente formal, o Tribunal a quo apreciou e decidiu que a prova requerida pelas partes era desnecessária e que a sua realização implicaria na realização de actos inúteis no processo.

Esta decisão padece de erro de julgamento, pois que pese embora tenham sido vertidos os pressupostos nessa decisão, como sejam a junção do PA e de que a Sentença a proferir assentará apenas em prova documental, refere todavia:
- que uma parte substancial da matéria alegada pelas partes apenas é susceptível de comprovação mediante prova documental, sem que o Tribunal tenha referido ou se perceba a final, que parte é essa.
- que a prova documental é o único meio idóneo para sustentar o alegado pelas partes em pontos essenciais, sem que o Tribunal tenha referido ou se perceba a final, que pontos essenciais são esses.
- que a matéria de muitos dos pontos articulados pelas partes se reporta a factos que apenas podem ser provados por documentos, ou são alegações de direito ou meras conclusões de facto e de direito, sem que o Tribunal tenha extrovertido ou se perceba a final, quais são aqueles pontos articulados nas peças e requerimentos, e sobre quem recai esse ónus.
- que a prova em processo cautelar é indiciária e que os poderes de cognição sumária do Tribunal não lhe possibilitam invadir a esfera da Administração, sem que o Tribunal tenha explicitado ou se perceba a final, que prova requerida tinha esse pendor invasivo.
- que da concatenação da referência à proibição da realização no processo de actos inúteis, com os artigos 114.º, n.º 3 e 118.º, n.º 3 ambos do CPTA, e em face das posições vertidas pelas partes nos articulados, e que tudo sopesado, tenha por via disso tenha decidido o indeferimento da prova requerida, por já estarem nos autos os elementos necessários à apreciação da pretensão cautelar.

Pelo despacho proferido, o Tribunal a quo prosseguiu numa mera enunciação de forma, do seu sentido decisório em torno de pressupostos para a não produção de prova adicional, não deferindo assim os pedidos formulados para partes a final do Requerimento inicial e das Oposições.

Mas esses pressupostos invocados enfermam de erro de julgamento, pois que como assim julgamos, lendo o Requerimento inicial e os demais requerimentos dos Requerentes, e as Oposições do Requerido e da Contra interessada e demais requerimentos por si apresentados, é sem sombra de dúvida alguma impossível apreciar da verificação do fumus iuris e julgá-lo inverificado apenas com base em prova documental, mormente, em termos que possam comportar apreciação negativa para a procedência da pretensão cautelar requerida.

Para além de o Tribunal não ter especificado que matéria alegada pelas partes era essa [e quais delas, se dos Requerentes, do Requerido ou da Contra interessada], e que por isso não admitia a produção de prova pelo Tribunal, e por que termos eram esses, e como possíveis de ser invadida a reserva da administração, e a culminar, de que forma é que face às posições vertidas nos articulados [e de qual das partes] não podia o Tribunal julgar pela desnecessidade da prova requerida.

Atento o manifesto défice instrutório prosseguido pelo Tribunal a quo, não pode assim vir a ter-se como jurídica e processualmente sustentável, a Sentença recorrida ao dar como inverificada a probabilidade da procedência da acção principal, na base de que decidiu em conformidade com os factos trazidos aos autos pelas partes, em particular, pelos Requerentes, e que foi prosseguida a sua subsunção ao direito convocável, mormente, face ao disposto no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA.

Para além de, como já apreciamos supra, a decisão de indeferimento da produção de prova padecer de erro de julgamento, também os factos dados como provados sob os pontos 1 a 15 do probatório encerram o que vem a fixar-se como um julgamento prematuro, e confuso, assente em factos repetidos [os pontos 2 e 4], ou em juízos opinativos [os pontos 7 e 8], tendo o Tribunal a quo passado ao lado das questões essenciais que lhe competia conhecer face ao que, pelo menos por parte dos Requerentes, lhe foi presente em sede da causa de pedir, imanente aos pedidos, sustentados na prova documental apresentada e no pedido de prova que fosse realizada.

Apreciando agora do erro de julgamento imputado pelos Recorrentes aos pontos 7 e 8 do probatório, referiram os Recorrentes sob as conclusões 75 a 83, que o Edital 1244 junto como doc. 1 com a Oposição do Requerido foi por si impugnado – Cfr. pontos 118.º a 123.º do requerimento n.º 451154 -, e que também requereram a junção do PDM completo, e que o Tribunal a quo não apreciou esse pedido.

Referiram que desses documentos impugnados não resulta nem pode resultar provada a prova de um facto negativo, em termos de que não consta a linha de água e/ou conduta de águas pluviais no prédio referido nos pontos 5 e 6 do probatório.

Referiram que os pontos 7 e 8 do probatório devem ser removidos do probatório, pois que tendo sido impugnados os documentos tidos pelo Tribunal para os dar como provados, não podiam os mesmos ser utilizados pelo Tribunal sem que para isso tivesse convocado outros meios de prova, e da respectiva concatenação viesse a resultar a sua prova.

Assiste razão aos Recorrentes.

A referência aos mesmos documentos para dar como provados os factos 7 e 8 não pode assim manter-se, sendo que a referência no ponto ao relatório de peritagem técnica, até é absolutamente imprestável para provar ou contribuir para a prova da matéria de facto vertida no ponto 8.

No balanceamento entre o que está subjacente aos pontos 7 e 8, o Tribunal a quo deveria ter averiguado o que é a “conduta de água” e a “linha de água”, e onde está uma e outra representada, ou porque não devia estar, e estando, porquê a sua inserção no probatório como erro de escrita.

Efectivamente, em face do que está patenteado nos documentos 1 e 2 juntos aos autos pelos Requerentes por via do requerimento 451154 [Cfr. conclusões 85, 86 e 87], retira-se dos mesmos, formalmente, que pode alcançar-se um julgamento de que existe uma linha de água, e que é a que está representada no PUVAB.

Não dilucida ainda este Tribunal de recurso como é que o Tribunal a quo trata a linha de água como sendo uma conduta de águas pluviais, sem a instrução adicional nos autos.

A fundamentação do ponto 8 do probatório, com reporte ao Relatório de peritagem técnica que foi junto aos autos pela Contra interessada, e cujo teor também foi impugnado pelos Requerentes, não tem nenhuma referência à questão da “linha de água”. Feita a leitura do seu teor, apenas deles se extrai que a Contra interessada quis apresentar no Tribunal a quo, com recurso à opinião de um Engenheiro, a sua visão e análise em torno da derrocada de um muro. Nada mais ele retrata, e muito menos a respeito da linha de água.

Estando em causa lotes de terreno que assim foram formados na sequência de um processo de licenciamento, e que derivou na emissão do alvará de loteamento n.º 1/80, era ainda fundamental que tivesse sido ordenada a junção aos autos do respectivo Processo Administrativo, assim como apreciados os termos e os pressupostos da alteação desse loteamento, por via da união dos lotes 1 e 2 onde a Contra interessada prosseguiu na execução da obra em apreço, a que se reportam os pontos 5 e 6 do probatório.

Enferma assim de erro o julgamento tirado pelo Tribunal a quo para efeitos de fixação dos pontos 7 e 8 do probatório, pois que sendo a questão de saber se no solo/subsolo do terreno onde a Contra interessada leva a cabo a construção do edifício com várias frações, de habitação e comércio, existe ou não uma linha de água, é matéria que não pode ser apreciada pelo Tribunal a quo, em puros termos da negação da sua existência, com únicos fundamentos reportados à posições do Requerido e da Contra interessada, e em face dos documentos por si juntos aos autos, os quais até mereceram impugnação dos Requerentes.

O Tribunal a quo não apreendeu sequer que uma concuta de águia pluvial é questão diferente de conduta de água, ou de linha de água.

Uma linha de água, a existir, está a coberto do Plano de Urbanização da Vila de (...), porque nesse Plano está respaldada a sua existência, e não pode ser, de forma alguma, porque um dirigente da Câmara Municipal de (...), que é um órgão do respectivo Município, vem a emitir uma certidão para ser usada com intuito absolutório e a seu favor num processo judicial contra si intentado, certificando que no PDM e na área de por identificada, “não existe linha de água representada.”, que por assim vir certificado, se possa ter como provada essa inexistência, e mais ainda, a dar como provado, que estando essa linha de água [o Tribunal a quo reporta-se sob o ponto 8 a “conduta de águas pluviais”] representada num outro instrumento de gestão territorial [PUVAB], que tal se deve a erro material e lapso de escrita.

Os Requerentes alegaram e documentaram nos autos existir uma linha de água que passa nos lotes 1 e 2 onde a Contra interessada se encontra a construir, e por aí, pelo menos em face dessa alegação e prova documental, que se reporta a carta militar e geográfica, não poderia o Tribunal a quo dar como provada factualidade que é ostensivamente controvertida e carecida de instrução.

A fundamentação de facto aportada pelo Tribunal a quo para efeitos de dar como provada a inexistência de uma linha de água no subsolo, peca pela sua ligeireza, sendo absolutamente impossível a este Tribunal de recurso dilucidar de que forma é que as meras referências documentais enunciadas nos pontos 7 e 8 permitem formar convicção de que não existe a linha de água, ou de outro modo, que por vir alegado pelo Requerido não estar essa linha documentada no PDM, que não se tenha este Regulamento como padecendo antes ele próprio de um lapso nesse sentido e ao invés, que porque assim acontece, e porque existe essa representação no Plano, que este é que enferma de lapso de escrita.

De resto, é até o Requerido que no âmbito da sua Oposição [Cfr. ponto] vem a suscitar que o local onde está a ser construída a obra não é uma parcela privada de leito ou margem de águas públicas e que é inaplicável o disposto no artigo 21.º, n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.

Como se apreciou no Acórdão do STA [Pleno da Secção do CA] proferido em 27 de setembro de 2018 no Processo n.º 0371/18.2BALSB, “[…] Sobre a caracterização de factos e de juízos sobre os factos, existe vasta jurisprudência do Pleno deste Supremo Tribunal, como sejam, entre outros, os Acs. deste Pleno de 18.10.2007 – Rec. 01101/04, de 06.03.2007 – Rec. 0359/06, e de 06.02.2007 – Rec. 0783/06, de 12.11.2015 – Rec. 0469/15, e da Subsecção de 24.04.2007 – Rec. 010/07, e de 29.06.2005 – Rec. 0608/05, de 13.11.2014 – Rec. 0561/14, de 26.02.2015 – Rec. 01132/12), sendo coincidente o entendimento segundo o qual, deve considerar-se matéria de facto não só aquela que se refere a ocorrências concretas da vida real (onde se incluem os acontecimentos e os estados, qualidade ou situação das pessoas e coisas, bem como realidades puramente psicológicas e eventos virtuais – lucros cessantes, vontade conjectural, credibilidade de uma testemunha, uma certa intenção, dolo, etc., os exemplos são de MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, pág. 194), mas também os juízos formulados a partir dos factos, sempre que nessa ponderação ou valoração intervenha apenas um critério retirado das máximas da experiência comum, ou do homem médio, sem apelo a máximas ou ponderações só existentes na ordem jurídica.
[…]”

Revogamos assim a decisão tomada pelo Tribunal a quo assente na fundamentação que lhe está na base e firmado quanto aos pontos 7 e 8 da matéria de facto, pelo que os removemos do probatório.


E como decidiremos a final, a Sentença recorrida deve ser anulada e determinada a baixa dos autos ao TAF de Braga para que aí seja proferido despacho tendente à produção de prova adicional, tendo presente o requerimento probatório apresentado pelas partes, adequada à prossecução do ónus de prova e contra prova que impenda sobre cada uma delas, seguindo os autos os demais termos que são processualmente devidos, com vista à apreciação do mérito da pretensão cautelar.

Obviamente que este nosso julgamento não traduz uma antecipação do que seja a apreciação do mérito da pretensão cautelar requerida pelos Requerentes, pois que só em face da produção de prova [Cfr. artigo 118.º do CPTA] que estavam os Requerentes vinculados a apresentar [Cf. artigo 114.º, n.º 3 , alínea g) do CPTA], e da enunciação cabal dos factos provados e não provados pelo Tribunal a quo, com a fundamentação que lhes deve aportar, é que estará então o Tribunal a quo apto a decidir dessa pretensão.

E porque algumas das questões em que se fundam os Requerentes tem a ver com o processo de loteamento titulado pelo Alvará n.º 1/80, e das alterações que nele vieram a ser introduzidas, muito claramente que, em sede da instrução dos autos, não pode o Tribunal a quo prescindir da notificação ao Requerido para que todo esse suporte documental a eles [autos] sejam juntos.

Cumpre agora apreciar o recurso versando a Sentença recorrida, que apenas conheceu da não verificação do fumus iuris, e que julgou improcedente o pedido dos Requerentes, por estarem em causa requisitos de verificação cumulativa.

Para efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2 do CPTA, o pedido de providências cautelares e a sua adopção regem-se pela tramitação e segundo os critérios enunciados no Título IV do CPTA, que compreende os artigos 112.º a 134.º deste Código, sendo que sob o artigo 120.º vêm dispostos os critérios para a concessão de tutela cautelar.

E aí se dispõe sob o n.º 1 desse normativo, que as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 do mesmo normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção da providência ou das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

É fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, que o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e que indague da aparência do bom direito invocado pelo Requerente, no sentido de aferir sobre se é provável que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente, requisitos estes que são de verificação cumulativa, e neste sentido, sendo julgado não verificado um deles, fica prejudicado o conhecimento do outro.

Ponto é saber sobre que termos e pressupostos de facto é que o Tribunal a quo vem a conhecer e a julgar para efeitos de apreciar e decidir em torno do preenchimento dos respectivos requisitos.

Atenta a natureza das providências cautelares requeridas, e por regra, o Tribunal deve levar a cabo uma apreciação sumária da prova apresentada, sendo que esta tem de ter relevância para a questão decidenda, considerando a violação das normas invocadas e a posição do Requerente, e o confronto entre os seus interesses e os interesses públicos, avaliada em função das circunstâncias de facto concretas alegadas de parte a parte.

Neste patamar.

Em sede do julgamento da matéria de facto, sob o ponto III da Sentença recorrida, o Tribunal a quo referiu o que segue:

Início da transcrição
“Com relevância para a apreciação e decisão da causa cautelar (mormente, da questão que supra se elegeu), o Tribunal julga indiciariamente provada a seguinte factualidade [essencial e instrumental e por ordem lógica e cronológica]:
Fim da transcrição

Ou seja, referiu o Tribunal a quo que para apreciação das questões que lhe cumpria solucionar, que já tinha identificado, selecionou a factualidade essencial e instrumental que teve por relevante segundo as várias soluções plausíveis em direito.

Ora, depois de enunciar o regime jurídico que julgou ser convocável para efeitos da decisão a proferir, a saber, a apreciação e decisão da requerida tutela cautelar tendo por base a verificação dos requisitos a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, em face do discurso fundamentador que o Tribunal veio a aportar na Sentença recorrida, decidiu conforme para aqui se extracta o que segue:

Início da transcrição
“[…]
Todavia, compulsada a factualidade supra indiciariamente julgada provada em 1) a 15) – e para a qual, aqui, se remete por uma questão de economia processual –, desde já, se adianta que não assiste razão aos Requerentes, não se verificando, in casu, o requisito inerente ao fumus boni iuris.
Senão, vejamos.
Resulta do teor dos actos suspendendos, que contrariamente ao alegado pelos Requerentes, os mesmos contêm, de forma clara e inequívoca o seu sentido, alcance e os efeitos, bem como contêm a identificação de quem os pratica com a menção à respectiva delegação de poderes e a identificação adequada do destinatário, a sua fundamentação. Pelo que improcede o pretenso vício de forma por falta de fundamentação de facto e de direito, não violando os actos suspendendos o art. 151º, nºs 1, alíneas a, b), c), d) e e) e o nº 2 do CPA.
Da mesma forma, os actos suspendendo não enferma de nenhum vício procedimental. Isto porque – contrariamente ao alegado pelos Requerentes – o prédio propriedade da Contra-Interessada e onde se encontra a realizara a obra licenciada pelo Requerido não constitui nenhuma parcela privada de leito nem margem de águas públicas. Com efeito, o Plano Director Municipal (PDM) do Município de (...) – aprovado em 2008 e actualmente em vigor –, não consta qualquer referência a nenhuma “conduta de águas pluviais” nem a “linhas de água” existentes no prédio propriedade da Contra-Interessada. Sendo que a manutenção da representação de uma “conduta de águas pluviais”, na Planta de Condicionantes do Plano de Urbanização de (...) (PUVAB) assenta em erro material e lapso de escrita.
Por conseguinte, os actos suspendendos não violam o consignado nos arts. 8º e 11.º do Regulamento do PUVAB, nem no n.º 2, do art. 21.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, porquanto jamais teria de ter sido solicitado, no processo de licenciamento n.º LE_EDI_30/2020, parecer algum externo ou autorização à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ou a qualquer outra entidade com jurisdição sobre o domínio hídrico. Daí que os actos suspendendos não violem o art. 68.º, alíneas a) e c) do RJUE, nem o PUVAB.
De forma idêntica, os actos suspendendos não padecem do vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, dado que a área do terreno considerada de 683,00m2 e a área de construção proposta e aceite de 1.398,36m2 não violam a alínea f), do n.º 2, do art. 31.º do Regulamento do PUVAB nem o art. 68.º do RJUE. Com efeito, a situação em análise enquadra-se, no âmbito do PUVAB, como sendo solo de urbanização programada de alta densidade de tipo II, integrando-se na Planta de Zonamento do PUVAB. Mais, o prédio da Contra-Interessada é uno, não constando o Processo Administrativo-Instrutor (PA) que o Requerido tenha medido erradamente a área do terreno em questão. Simplesmente, os Requerentes é que não concordaram com o levantamento topográfico constante do mesmo. Assim sendo, afigura-se perfeitamente legal o licenciamento da área de construção proposta e aceite de 1.398,36m2; Área Bruta da edificação: 2.127,41m2; Volumetria da edificação: 4.534,12m 3; Área de implantação da edificação: 351,52m2; Área útil da edificação: 1.717,12m2; Área habitável da edificação: 711,60m2. Número de pisos: 5 sendo 4 acima da cota da soleira e 1 abaixo; Cércea da edificação: 11,7 metros; e, Número de fogos: 12 (3T1 + 6T2 + 3T3), 3 estabelecimentos de comércio e/ou serviços. Por conseguinte, os actos suspendendos não violam o art. 31.º, n.º 2, alíneas e) e f), do Regulamento do PUVAB, nem o art. 68.º do RJUE, e nem os arts. 161.º, 162.º, n.º 2, alíneas c), j) e l), do CPA.
Acresce que os actos suspendendos também não violam o art. 59.º do RGEU nem normas regulamentares aplicáveis e nem o PUAVB. Com efeito, decorre do processo administrativo-instrutor (PA), que os actos suspendendos cumprem com o definido no projecto licenciado relativamente às fachadas dos edifícios confrontantes, quer lateralmente quer no tardoz. Mais, relativamente à organização funcional e distribuição interior do edifício, não existe nenhum incumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, afigurando-se aceitável a dimensão e funcionalidade dos lugares de estacionamento (inter alia, os lugares n.º 1 a 4, 9 e 10, 14 e 16, e 19 a 21, da planta de implantação) que se encontram de acordo com o exigível pelo PUAVB. Também as instalações sanitárias e o Plano de Acessibilidades observam o Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto. Constata-se, assim, que o projecto licenciado não viola o disposto no art. 21.º, n.º 2, a.1), a.3), b.1), b.2) do Regulamento do PUVAB (não padecendo de vícios de erro nos pressupostos). Também do processo administrativo-instrutor, consta o plano de segurança incêndio que se traduz na ficha de segurança incêndio; não tendo o Requerido incorrido em erro nem em violação da lei.
Finalmente, a falta de notificação aos Requerentes do acto de licenciamento não viola o consignado nos arts. 38.º, 115.º, n.º 1, e 121.º do CPA, porquanto os Requerentes, nos termos legais, não teriam de ser, em caso algum, notificados dos actos suspendendos nem de qualquer decisão proferida no âmbito do procedimento de licenciamento em questão. Em suma, o Requerido não violou o consignado nos arts. 12.º, 38.º, 67.º, 68.º, 110.º, 111.º, 114.º, 161.º, n.º 1, n.º 2, d), g) e l), 162.º e 163.º do CPA).
Ante o exposto, os actos suspendendos afiguram-se indiciariamente legais e válidos; devendo ser mantidos na ordem jurídica.
*
*
Consequentemente, não se encontrando preenchido o requisito inerente ao fumus boni iuris, tal importa a não adopção das providências requeridas pelos Requerentes – isto porque, reitera-se, somente, no caso do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos consignados no art. 120.º, n.os 1 e 2, do CPTA, é que a providência requerida poderia ser adoptada; não havendo pois que conhecer dos demais requisitos supra enunciados cujo conhecimento ficou prejudicado pela não verificação do requisito respeitante ao fumus boni iuris [cf. art. 608.º, n.º 2, do CPC ex vi do art. 1.º, in fine, do CPTA].
[…]”
Fim da transcrição

No âmbito do relatório a que se reporta a Sentença recorrida, o Tribunal a quo reportou-se às Oposições deduzidas pelo Requerido e pela Contra interessada, salientando que após terem sido notificados das mesmas, deduziram pronúncia que entre o mais visou a resposta à matéria de excepção arguida nas Oposições, tendo após identificado as questões que lhe cumpria [ao Tribunal a quo] solucionar, referindo que deve analisar-se “[...] em primeira linha, as questões que possam obstar ao conhecimento do mérito do pedido cautelar [...], e que em sede “[...] de mérito cautelar, cumpre saber se, no caso em apreço, os requisitos consignados no art. 120.º, n.os 1 e 2, se encontram (ou não) preenchidos, com vista ao decretamento da providência cautelar requerida.“, sendo que, no âmbito da apreciação dos pressupostos processuais decidiu, entre o mais, que “Não existem questões prévias nem excepções ou nulidades processuais de que cumpra conhecer ou que obstem ao prosseguimento do presente processo cautelar.

Na Oposição deduzida pelo Requerido e pela Contra interessada [Cfr, pontos 1 a 23 e 1 a 18, respectivamente], invocaram os mesmos em sede de defesa por excepção, que o Tribunal a quo era materialmente incompetente para conhecer o pedido deduzido a final do Requerimento inicial sob a alínea b) .

Se com a decisão tomada pelo Tribunal a quo em sede do saneamento dos autos, de que não é competente para conhecer da matéria respeitante à divergência dos limites dos lotes por se tratar de matéria estritamente civilística, foi querido apreciar da matéria de excepção invocada pelos Requeridos, essa decisão mostra-se fundada em erro de julgamento, pois que do que deve conhecer o Tribunal é dos pedidos que vêm formulados, tendo presentes as causas de pedir que lhes vêm justapostas.

Há erro de julgamento e não nulidade, quando o Tribunal não aprecia a matéria de excepção invocada [Cfr. conclusões 66 e 67], pois que o Tribunal, embora lavrando em erro, decidiu que não existe matéria nesse sentido, quando havia.

E reportando-se os Requerentes à alteração dos limites por força da alteração introduzida aos lotes 1 e 2, designadamente, decorrente da actuação do Município em face do pedido que lhe tinha sido feito, ao contrário do que apreciou o Tribunal a quo, essa “matéria” tem pleno cabimento no âmbito da competência dos Tribunais administrativos, por estar em causa a sindicância da actuação da entidade licenciadora do loteamento e das alterações nele introduzidas, e sobre o que incidiu o licenciamento da edificação nesses lotes como sendo um só.

Porém, fica sem se saber com referência a que termos invocados por qual das partes é que o Tribunal a quo teceu aquela decisão de que não é competente para conhecer de matéria atinente aos limites de lotes, e depois, também, porque é que não existem [ou deixaram de existir] questões prévias ou excepções de que cumpra conhecer.

Pese embora a falta de assertividade do Tribunal a quo, resulta da decisão proferida que o mesmo se julgou competente para conhecer dos dois pedidos formulados a final do Requerimento inicial [sob as alíneas a) e b)], depreendendo-se do que decidiu que apenas não tem competência para aferir da divergência e dos limites dos lotes dos Requerentes e da Contra interessada.

Tendo a matéria de excepção sido arguida pelo Requerido e pela Contra interessada, e tendo em face daquela decisão sido julgado que não existem questões prévias nem excepções, a compor esse julgamento de lesividade, aquela decisão repercute-se é na defesa daqueles, que dela não tendo recorrido, se tem por consolidada, não ocorrendo assim a nulidade por omissão de pronúncia que vem suscitada pelos Recorrentes.

Como assim resulta da Sentença proferida, apreciou e decidiu assim o Tribunal a quo, em suma, que os actos supendendos se afiguram indiciariamente legais e válidos e que devem ser mantidos na ordem jurídica, por não ter sido violado pelo Requerido e pela Contra interessada qualquer normativo no âmbito do procedimento de licenciamento da construção, nem violado o PUVAB, e que também não foram os Requerentes violados no seu direito de participação procedimental.

Conforme se extrai do enunciado supra a partir do patenteado no Requerimento inicial, os Requerentes assacam a ocorrência de várias invalidades ao procedimento tomado pelo Município de (...), tendente ao licenciamento da construção em causa [em sede do fumus iuris, Cfr. pontos 25.º a 30.º, 31.º a 35.º, 36.º a 50.º, 51.º a 62.º, 63.º a 66.º, 67.º a 72.º, 73.º a 77.º, e 78.º a 79.º], o que como assim julgamos, encerra matéria de relevo para efeitos da verificação do preenchimento [ou não] dos requisitos determinantes do decretamento das providências, a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA:

Essas invalidades foram invocadas por sujeitos que para tanto têm legitimidade e estão legitimados, as quais podem ou não ter-se por verificadas.

A sua apreciação contende a final com o conhecimento do mérito da pretensão deduzida no âmbito da Petição inicial, de que o processo cautelar constitui incidente.

Como assim julgamos, e por experiência de vida, estando invocadas várias invalidades a um procedimento, algumas padecentes de nulidade, e a virem as mesmas a ter-se por verificadas, a não sustação do início das obras, no caso [como assim pedido], levará a que toda a área onde está ser executada a obra vai ficar profundamente afectada, desde logo face ao que suscitam os Requerentes, de que sob ela passa uma linha de água, essa área vai ficar impermeabilizada, no que importarão desde logo, danos de natureza ambiental.

Se esses pressupostos se verificam, essa é já matéria a ser apreciado na acção principal e não neste processo cautelar intentado como incidente.

Porém, em torno de ser provável ou não que a acção principal venha a ser julgada procedente, no que consubstancia a apreciação do fumus iuris no âmbito do processo cautelar, tal passa pela apreciação, em sumaria cognitio por parte do Tribunal a quo [tendo subjacente os pressupostos da instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade], que para tanto deve efectuar a devida instrução dos autos tendente a esse julgamento.

E tal ocorrerá, desde logo, se o Tribunal vier a apreciar que padecendo os procedimentos e decisões tomadas [por via de acção, ou por omissão, por não terem sido previamente obtidas as licenças e pareceres prévios], que estão os mesmos feridos de nulidade ou anulabilidade, e desse modo, daqui deriva, que o início das obras será determinante, como sustentam os Requerentes, de perigo.

Vejamos.

Intentado o processo cautelar, por via do qual os Requerentes peticionaram a final a adopção pelo Tribunal a quo de duas providências cautelares, ambas de natureza conservatória, cabia ao Tribunal garantir o exercício do direito ao contraditório, e que as partes pudessem exercer o seu direito à prova e à contra prova, após o que, averiguados que estejam os factos necessários para efeitos de conhecimento do mérito da pretensão cautelar, deve fixar no probatório aqueles que resultaram provados e não provados, e com a sua apreciação crítica, apreciar depois da verificação dos requisitos que são determinantes para efeitos do decretamento das providências cautelares, a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA.

Ora, a apreciação das invalidades invocadas pelos Requerentes para efeitos de sustentação da verificação do fumus iuris, deve ser prosseguido pelo Tribunal a quo tendente à formulação de um juízo perfunctório, por forma a aferir da existência ou não da probabilidade da pretensão da acção principal.

Não cabendo ao Tribunal efectuar um julgamento exaustivo em torno dessas invalidades, sob pena de esvaziamento da decisão a proferir na acção principal, o Tribunal não pode todavia deixar de se pronunciar sobre as invalidades apontadas, fixando para tanto a matéria de facto que assim resulte da actividade instrutória, dos autos e das posições adversariais das partes.

De todo o modo, com base na insuficiência da matéria de facto, julgamos que em face da fundamentação de direito motivada na Sentença recorrida, o Tribunal a quo pouco deixava para apreciar na acção principal, pois que o julgamento por si tirado é, em termos afirmativos, de que o processo de licenciamento é isento de qualquer invalidade e para tanto convoca até o que está no PA, que foi junto aos autos pelo Requerido, e que os Requerentes impugnaram nos seus termos e pressupostos.

Como assim julgamos, os Requerentes cumpriram e de forma exaustiva com o ónus que sobre si impendia [Cfr. artigo 5.º do CPC e artigo 342.º do Código Civil], de alegar e provar os factos que por si sejam determinantes para o preenchimento dos requisitos atinentes ao decretamento das providências requeridas, e que, também nesse domínio, o Requerido e a Contra interessada esgrimiram os argumentos, de facto e de direito que por si eram determinantes da improcedência da pretensão cautelar dos Requerentes.

Compulsado o Requerimento inicial, assim como os demais requerimentos que os Requerentes apresentaram nos autos e que neles foram mantidos pelo Tribunal a quo, resulta claro sobre quais os termos e os pressupostos por via dos quais requerem o decretamento das providências, na base do preenchimento do triplo requisito [fumus, periculum e ponderação de interesses], e que a não sustação da execução da obra poderá vir a reverter numa situação de facto consumado, tendo subjacente um pressuposto de base e que para nós é essencial, que assenta no facto de a construção que a Contra interessada leva a cabo, estar autorizada e planificada para ser construída sob uma linha de água, cuja área de implantação vai por isso ser impermeabilizada, para além que a edificação vai ser dividida em várias fracções, para habitação, comércio e serviços, que sendo colocadas no mercado, vão ser vendidas, e adquirida a sua propriedade por terceiros que não sendo intervenientes nos autos, levará à criação de uma situação de facto consumado de muito difícil resolução face à eventualidade, que não pode ser arredada, de a edificação que está a ser construída pela Contra interessada ter de ser demolida e reposto o solo e subsolo no estado anterior ao que neles se encontrava antes de neles ter sido levada a cabo a operação urbanística.

Como julgamos, e assim perpassa pelas conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes, a Sentença recorrida evidencia um manifesto défice instrutório, que não permite, sem mais, e apenas com os factos elencados sob os pontos 1 a 15 do probatório [removidos que dele já estão os pontos 7 e 8 do probatório], alcançar o julgamento tirado pelo Tribunal a quo, de que não se verificam os requisitos a que se reporta o artigo 120.º n.ºs 1 e 2 do CPTA, e desde logo, o fumus iuris.

Nesta conformidade, quanto ao vertido nas conclusões 103, 105, 108, 110, 112, 113, 114 e 115, o julgamento tirado pelo Tribunal a quo no sentido de que não existe linha de água, e que no PUVAB a sua representação redunda num lapso de escrita, se tal não resultar de uma criação interpretativa do Tribunal, resultará sempre de um erro de julgamento grosseiro, por não poder o Tribunal a quo dar esse “salto probatório”, apenas com base na mera alegação do Requerido, quando a matéria é manifestamente controvertida.

Com efeito, não resulta dos autos que alguma vez o Município de (...) tenha alguma vez dado início a um procedimento de alteração do PUVAB com fundamento em erro de escrita, nem resulta dos autos, que mesmo após a sua citação para os termos dos autos, o Município tenha iniciado procedimento tendente à alteração desse instrumento de gestão territorial, por forma a introduzir-lhe rectificação nesse sentido, pelo que é errado, é ousado até que o Tribunal a quo tenha efectuado um julgamento no sentido da existência desse erro de escrita.

E estando identificada a linha de água no PUVAB, regulamento este que até por ter sido elaborado pelo Requerido Município reveste um sentido de dupla vinculatividade da sua acção, ao invés de invocar nos autos de que se trata de um lapso de escrita, e se existe de facto, o que devia ter procedido era à sua rectificação, se materialmente devida, ou no limite e entretanto, solicitar a emissão de parecer das entidades com competência no domínio hídrico, as quais podiam no âmbito das suas atribuições e competências e em torno da existência da linha de água, e da realização da obra de construção sobre essa linha de água, o que tivessem por conveniente.

Não tendo o Município promovido a intervenção dessas entidades no procedimento tendente à emissão do acto de licenciamento, e a mostrar-se necessário, o mesmo virá efectivamente a enfermar de nulidade, assim como o Alvará de licença de construção.

E é claro, que a ter-se como provado, ainda que indiciariamente, a existência da linha de água [e não de conduta de água], por aqui teria o Tribunal a quo ter dado como preenchido, na sua máxima intensidade, o critério do fumus, o que tem todavia de passar pela necessária ampliação da matéria de facto, por forma a apreciar perfunctoriamente, se o acto de licenciamento viola a lei, o PUVAB e padece de nulidade face ao disposto nos artigos 68.º e 69.º ambos do RJUE.

Face ao que resulta do PUVAB, onde há evidência da representação da “linha de água”, o Requerido estava vinculado a fazer consulta às entidades, e se for caso disso, invocar junto das mesmas, que a linha de água se tratava a final, de uma conduta de águas pluviais e que até já foi desviada, pois que o PUAB [Plano de Urbanização de (...)] é um regulamento urbanístico da responsabilidade e autoria do Município [que foi publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 227, de 26 de Novembro, II Serie, Deliberação n.º 2332 -A/2007, tendo sido alterado pelo Aviso n.º 2927/2012, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 39, de 23 de fevereiro], e como lhe está ínsito, nele intervieram, entre outras entidades, a Administração dos Recursos Hídricos [actualmente denominada APA] e do mesmo continua a constar a linha de água na respectiva planta de condicionantes.

Sustentando, defendendo e apresentando prova documental e testemunhal para efeitos de que existe nos lotes 1 e 2 uma linha de água, o Tribunal a quo tem de prosseguir no seu poder inquisitório, e com recurso à prova requerida, prosseguir na busca dessa prova e da fixação dos factos que daí resultem.

Se os Requerentes alegam e apesentam e/ou requerem a produção de prova tendente à existência dessa linha de água e no quanto a mesma representa para efeitos de licenciamento e edificação da construção, e se o Requerido e a Contra interessada alegam e querem provar o contrário, ou de que se trata de um erro de escrita, tem o Tribunal a quo de abrir um período de produção de prova.

Em torno dos pressupostos físicos em que a Contra interessada leva a cabo a obra, sendo essa matéria controvertida e com relevância para aferir dos termos e pressupostos subjacentes ao acto de licenciamento, no que se reporta ao índice de construção, também o Tribunal a quo nada fixou em sede do probatório [sendo certo que não estamos perante a ocorrência de nulidade como invocado pelos Recorrentes], o que seria relevante também para apreciação do fumus, pois que da apreciação da área de terreno resultará o âmbito da implantação e capacidade constructiva nos lotes de terreno que foram unificados [1 e 2], como patenteado no acto licenciatório e no Alvará de licença de construção n.º 45/2021.

Trata-se de matéria que contende com os termos e pressupostos de alteração do loteamento [Cfr conclusões 117, 118, 119, 122, 123 e 125] para o que também importa que o Tribunal alargue o âmbito da instrução dos autos, pois que foi essa alteração que veio a possibilitar que fosse emitido o acto de licenciamento visando os lotes 1 e 2, unindo-os num só, onde está a ser construído o edifício, e com um concreto índice de construção, e demais especificações urbanísticas, que o Tribunal a quo deu como certas, só porque assim constavam do PA, cujo teor de resto foi impugnado pelos Requerentes ora Recorrentes. E para a prossecução dessa actividade instrutória, o Tribunal a quo não pode prescindir da remessa aos autos do PA do loteamento e das despectivas alterações, pois vindo suscitada a questão da invocada nulidade da alteração do loteamento e do licenciamento, como invocado pelos Requerentes [Cfr. conclusões122 e 123], a realidade é que o Tribunal a quo não fixou qualquer factualidade, quando é certo que os Requerentes sustentam ainda que foi usada no licenciamento área superior à detida.

Como sustentado pelos Recorrentes sob as conclusões 125, 126 e 127, em torno do índice de implantação, de construção e capacidade construtiva a observar no licenciamento, também nada apreciou e decidiu o Tribunal a quo, pois que nenhum julgamento de facto prosseguiu para esse efeito, a que depois pudesse ser aplicado o direito, sendo que essa apreciação seria relevante para apreciação do fumus, e outro tanto, em torno da alteração do loteamento [Cfr. conclusões 131 a 136], e quanto ao procedimento utilizado, também nada apreciou e decidiu o Tribunal a quo, pois que nenhum julgamento de facto efectuou, sendo forçoso que nesse âmbito, como já referimos supra, chame a si o Processo Administrativo que a ele é relativo, pois que não foi junto aos autos.

Aliás no Processo Administrativo junto aos autos pelo Requerido, sendo atinente ao licenciamento da construção, apenas dele constam, para além de peças desenhadas e escritas, de arquitectura e especialidades, algumas informações e despachos procedimentais [designadamente a informação que está na base do acto administrativo licenciador].

O Tribunal a quo tem de conhecer dos termos e pressupostos da notificação/alteração do loteamento, assim como sobre se foram consultadas para esse efeito as autoridades no domínio hídrico.

Se o loteamento foi licenciado no na o de 1980 com a separação física dos lotes 1 e 2 e se neles vem a ser edificado um único edifício que ocupa ambos os lotes, e se o Tribunal vem apenas a fixar o ponto 5 do probatório, afigura-se evidente que o Alvará de loteamento não terá sido respeitado.

O probatório fixado pelo Tribunal para efeitos de conhecer da pretensão cautelar dos Requerentes mostra-se deveras insuficiente em sede dos factos provados e não provados, que permitam ao Tribunal a quo, como a este Tribunal de recurso, sem dependência da realização de prova adicional, designadamente em torno do Processo Administrativo esteve na base da emissão do Alvará de loteamento n.º 1/80 e da sua posterior alteração, aferir do bem fundado da pretensão dos Requerentes.

Relativamente às conclusões 137 a 140, em torno de que os Requerentes intervieram no procedimento de licenciamento, não resulta do Processo Administrativo intervenção que determinasse a sua notificação de qualquer decisão que contendesse com o licenciamento, pois que dele apenas consta requerimento para consulta do Processo, o que foi deferida e feita a devida notificação.

Tendo os Requerentes junto aos autos os documentos n.º 15 e 16 com o seu Requerimento inicial, está desde logo o Tribunal a quo vinculado na sua apreciação, tendente a saber porque não constam os mesmos do PA, fazendo o Tribunal a quo em torno deles a instrução que julgue por processualmente necessária.

De resto e a final, como assim sustentam os Recorrentes sob as conclusões 141 a 145, sendo ao Requerido Município que cabe o ónus da prova de que não passa no local qualquer linha de água para efeitos de prolação do acto de licenciamento da construção, e nesse domínio de que estavam reunidos os necessários pressupostos de facto e de direito, não podia o Tribunal a quo decidir pela não verificação do fumus sem a produção de prova adicional, como lha haviam requerido as partes, mormente os Requerentes ora Recorrentes.

Face ao que deixamos enunciado supra, julgamos assim que o julgamento da matéria de facto vertido na Sentença está fortemente inquinado por défice instrutório, pois que existe a possibilidade séria de a produção da prova em falta requerida pelas partes implicar o estabelecimento de um outro, sobretudo mais alargado cenário factual que pela sua amplitude, seja capaz de esclarecer melhor todos os acontecimentos, com repercussão no sentido da decisão da pretensão cautelar.
Há que ter em consideração que é em face da identificação das questões que cumpre ao Tribunal solucionar nos autos, que deve ser apreciada e decidida a relevância da matéria de facto alegada pelas partes.

Neste domínio, importa sublinhar que nem toda a matéria de facto passível de ser provada deve ser levada ao probatório, mas sempre e de todo o modo, mostrando-se invocada causa de pedir que encerra em si a necessidade da fixação de factos que contendem com a questão da legalidade da actuação da entidade, os mesmos têm necessariamente de ser conhecidos e fixados.

Com a reforma do CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, foram reforçados os poderes do Tribunal de 2.ª instância no domínio da reapreciação da matéria de facto impugnada, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material, quando os factos assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa [Cfr. artigo 662.º, n,º 1 do CPC].

Compulsada a matéria de facto que foi dada por provada na Sentença recorrida, julgamos que o julgamento tirado pelo Tribunal a quo enferma de erro, porque é omissa no julgamento de factos alegados no Requerimento inicial [assim como em ulteriores requerimentos admitidos nos autos pelo Tribunal a quo], que para efeitos do conhecimento do mérito da pretensão cautelar requerida, e neste domínio, em torno do preenchimento do fumus [e também do periculum in mora] se mostram como essenciais, na medida em que constituem a causa de pedir em que a final se vêm a circunscrever os pedidos formulados, tendo em vista a concessão, se for devida, de tutela jurisdicional efectiva por via da adopção de providência cautelar.

A fixação da matéria de facto sem a consideração do que foi alegado pelos Requerentes na maior parte das matérias por si invocadas, e que mereceu a expressa impugnação do Requerido Município [e vice-versa], levam a que fique sem se saber porque desconsiderou o Tribunal essa matéria, que a ter-se por verificada, sendo determinante do conhecimento de invalidade da sua actuação, ou de omissão por via da não obtenção de parecer prévios, pode também ser determinante da verificação, em sumaria cognitio, seja do fumus, seja do periculum.

Assim, a decisão tem necessariamente de ser ampliada, por forma a que dela passe a constar o julgamento do Tribunal a quo em torno dessa factualidade.

Importa frisar que a alínea c) n.º 2 do artigo 662.º do CPC impõe que o Tribunal de recurso, oficiosamente, determine a anulação da Sentença recorrida em duas concretas situações: (i) quando a decisão sobre determinados pontos da matéria de facto é deficiente, obscura ou contraditória, e não constem do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida, e (ii) quando seja indispensável a ampliação da matéria de facto.

A modificabilidade da decisão de facto mostra-se necessária, porque este Tribunal de recurso não pode reexercer o seu dever de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, como previsto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC.

A indispensabilidade da ampliação da matéria de facto torna-se necessária pois que, só mediante esse exercício por parte do Tribunal a quo é que se tornará inteligível a ulterior apreciação e decisão em torno da verificação do fumus e sendo caso disso, do preenchimento dos demais requisitos.

Como assim referiram os Recorrentes sob a conclusão 98, e que acolhemos, “… não estamos perante um caso de inexistência de fumus boni iuris, mas sim de erro na apreciação, de não apreciação, de não julgamento ou insuficiente julgamento, na apreciação dos fundamentos alegados para preenchimento daquele pressuposto e, consequentemente, de não apreciação, de não julgamento ou erro de julgamento do fumus boni iuris, com as legais consequências.”

Como assim julgamos, a pretensão recursiva dos Recorrentes, apesar do patenteado nas 153 conclusões das suas Alegações, reconduz-se a final a uma máxima conclusão, e é a de que o Tribunal a quo não prosseguiu na devida instrução dos autos, e que o julgamento que alcançou se mostra errado, entendimento esse dos Requerentes ora Recorrentes que acolhemos, e que, como vimos, é determinante da anulação da Sentença, e da baixa dos autos ao TAF de Braga para ampliação da base instrutória.

Quanto a serem aditados ao probatório os pontos 16 e 17 como proposto pelos Recorrentes [Cfr. conclusões 90 a 96], que enunciaram na decorrência dos docs. 1 e 2 que juntaram com o seu requerimento 451154, que no seu entender traduzem a existência de uma linha de água já nos anos de 1992 e 2012, e também, que no PA não consta que tenha sido consultado ou pedido parecer à APA, à CCDRN ou a outra entidade no domínio hídrico, e que o procedimento de alteração ao loteamento titulado pelo Alvará n.º 1/80 não foi notificado a todos os proprietários de imóveis do loteamento, em face do que apreciamos supra, esse conhecimento por este Tribunal de recurso fica prejudicado, dada a necessidade de o TAF de Braga prosseguir na sua devida instrução, sendo que nesse conspecto, é certo que o Tribunal a quo não poderá deixar de prosseguir o seu poder inquisitório conhecendo dessa factualidade.

Nestes termos, julgamos por anular a Sentença recorrida, e tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, devem assim os autos baixar ao TAF de Braga [por julgarmos indispensável a ampliação da matéria de facto para efeitos do conhecimento da aparência do direito invocado pelos Requerentes no Requerimento inicial, e após, tomando esse conhecimento decorrente dessa factualidade que dará como provada ou não provada, apreciar e decidir então do conhecimento dos requisitos determinantes a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA.

Em suma, assiste razão aos Recorrentes na sua pretensão recursiva, no que é atinente:
A) às decisões da qualificação da sua intervenção nos autos no regime da coligação;
B) à decisão de incidente, no sentido de que não é aplicável o disposto no artigo 128.º do CPTA;
C) ao despacho por via do qual foi indeferida a produção da prova requerida nos articulados e requerimentos apresentados nos autos;
D) à Sentença que conheceu do mérito da pretensão cautelar e julgou não verificado o fumus iuris.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo cautelar; Juízo perfunctório; Tutela jurisdicional efectiva; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Nulidade da Sentença; Alteração da decisão de facto pela 2.ª instância; Anulação da Sentença; Ampliação da matéria de facto.

1 - Dispõe o artigo 2.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos Tribunais administrativos, e que o princípio da tutela jurisdicional efectiva compreende entre o mais o direito de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.

2 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

3 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

4 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito a ver suspensa a eficácia de um acto administrativo que autoriza e licencia uma edificação, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito da aparência do direito invocado.

5 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode o julgador misturá-lo com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

6 - Sendo a Sentença recorrida omissa no julgamento de factos alegados no Requerimento inicial, que se configuram como factos essenciais, na medida em que constituem a causa de pedir em que assentam pedidos formulados pelos Requerentes, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC, deve ser anulada a Sentença e determinada a ampliação da decisão de facto, por forma a que da mesma passe a constar a apreciação e decisão do Tribunal a quo quanto a essa factualidade.
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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em REVOGAR o despacho que determinou o pagamento da taxa de justiça por cada um dos Requerentes [ora Recorrentes] no regime de coligação activa;

B) em REVOGAR a “Decisão de Incidente“ proferida pelo Tribunal a quo antecedente da Sentença recorrida;
E em substituição do Tribunal a quo,

C) em ORDENAR a sustação da execução da obra licenciada por despacho datado de 15 de fevereiro de 2021, cuja construção está titulada pelo Alvará de licença n.º 45/2021, emitido em 23 de abril de 2021, atento o pedido de adopção de providência cautelar atinente à suspensão da eficácia de um acto administrativo, e porque em face do disposto no artigo 128.º, n.º 1 do CPTA, logo que foi operada a sua citação para os termos dos autos, devia o Requerido assim como a Contra interessada ter prosseguido pelos termos e condições que reputasse de mais adequadas em ordem a que fosse sustida a construção de edificação, o que não aconteceu;

D) Em REVOGAR o despacho recorrido pelo qual foi indeferida a produção de prova requerida;

E) em ANULAR a Sentença recorrida e determinar a remessa dos autos ao TAF de Braga tendo em vista a ampliação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos supra indicados, seguindo-se os demais termos processuais que se mostrem devidos, se a tanto nada mais obstar.
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Custas a cargo do Requerido e da Contra interessada – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
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Notifique.
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Porto, 23 de junho de 2022.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão, em substituição
Helena Ribeiro