Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02361/06.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/13/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Marchão Marques
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO; GERÊNCIA
Sumário:i) Resultando da factualidade assente que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu em data posterior ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente revertido, é de aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. a) da LGT (e não a al. b) do mesmo preceito).
ii) Nos termos do citado artigo 24.º, n.º 1, al. a), da LGT, o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária.
iii) Operada a reversão desacompanhada da prova, por parte da Administração Tributária, da culpa do oponente pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, necessariamente se tem de dar por verificada a ilegitimidade da reversão.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:J...
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Fazenda Pública (Recorrente), não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a oposição deduzida por J... (Recorrido), na qualidade de responsável tributário subsidiário, na execução fiscal n.º 1872200401016407, originariamente instaurada contra a P…– Importação e Exportação de Têxteis, Lda., por dívidas de IVA dos anos de 2000 e 2001, no valor global de EUR 38.117,04, dela veio interpor o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:

A. Não se conforma a Fazenda Pública com a douta sentença recorrida, porquanto considera que da prova produzida se não podem extrair as conclusões em que se suportou, determinando que se julgasse pela ausência de culpa do oponente na falta de pagamento das dívidas tributárias, provenientes de IVA, de 2000 e 2001, procedendo a presente oposição, extinguindo-se a execução em relação à oponente.

B. A douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, quanto à matéria de facto, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade radicam tão somente no facto de que a Administração Tributária não terá logrado provar a factualidade que infirmasse o exercício da administração da sociedade.

C. Concluindo que: “O que resulta dos autos é que a partir de Julho de 2000, o oponente deixou de exercer a administração da sociedade devedora originária. Ora, estando em causa liquidações adicionais de IVA do ano de 2000 e 2001, resulta da prova recolhida que apenas seria passível de responsabilizar o oponente pela dívida exequenda na parte relativa ao período compreendido entre 01 de Janeiro de 2000 e 31 de Julho de 2000, dado que após essa data não praticou actos de gestão da sociedade devedora originária.”.

D. Porém, da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

E. Trata-se de um erro de julgamento em matéria de facto, uma vez que os factos justificadores para afastar a responsabilidade radicam tão somente no facto de que a Administração Tributária não terá logrado provar a factualidade que infirmasse o exercício efectivo da gerência de facto precisamente no período de cerca de seis meses (28/01/2000 a 04/07/2000), em que o oponente se manteve formalmente afastado da sociedade.

F. Pelo que se afigura aqui uma contradição entre os factos dados por provados, e bem, em nosso entender, e que correspondem à prova documental carreada para os autos, e o período em que o tribunal a quo considerou “que a partir de Julho de 2000, o oponente deixou de exercer a administração da sociedade devedora originária e que (…) apenas seria passível de responsabilizar o oponente pela dívida exequenda na parte relativa ao período compreendido entre 01 de Janeiro de 2000 e 31 de Julho de 2000, dado que após essa data não praticou actos de gestão da sociedade devedora originária.

G. Quando ocorreu precisamente o inverso.

H. Falecendo de igual modo, pelas mesmas razões indicadas o argumento quanto à subsunção na previsão legal da al. a) do nº 1, do art. 24º da LGT, devendo esta ser subsumida antes na al. b) do mesmo dispositivo legal.

I. Neste sentido v.g., entre outros, o acórdão do STA de , in proc. 0642/12; onde se refere no seu sumário:

I - Deve considerar-se fundamentado de direito um acto de reversão da execução fiscal quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível.

II - A responsabilidade dos gerentes que se mantiveram na gerência da sociedade executada desde o seu início e até à sua extinção, conforme decorre do documento do registo comercial que instruiu o procedimento para reversão da execução fiscal e no qual se apoia o despacho de reversão, não pode deixar de ser aquela a que se refere a alínea b) do nº 1 do art. 24º da LGT, e que encontra expressão na afirmação feita nesse despacho de que “foram gerentes no período a que as dívidas respeitam”.

III - Não podendo ser diverso o quadro jurídico configurável, o despacho de reversão encontra-se fundamentado de direito apesar de o seu texto não indicar expressamente a alínea do artigo 24º da LGT em que se apoia e fundamenta.

J. Sobre a condução dos negócios no período em que o oponente foi gerente e a que se reportam as dívidas, escuda-se apenas na alegação do não exercício da gerência de facto.

K. E incorre também em erro de direito ao fazer uma errada interpretação e aplicação da lei, mormente dos art.s 24º da LGT e 487º n.º 2 do CC.

L. Contrariamente ao sentenciado, não se afigura que resulte da prova produzida a demonstração de que a oponente não teve culpa na insuficiência patrimonial da sociedade originariamente devedora e na falta de pagamento dos créditos aqui em causa, não tendo logrado elidir a presunção legal de culpa ínsita no regime resultante do citado art. 13º do CPT e 24º da LGT.

M. O que se extrai dos autos é que nos períodos a que se reportam os factos geradores das dívidas, bem assim como naqueles em que terminam os prazos de pagamento, a oponente dirigia de facto e de direito os destinos da sociedade executada originária.

N. Nos termos do preceituado no art. 24º da LGT, provando-se que a oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, tem-se por verificada a gerência de facto;

O. Assim, não pode afirmar-se que a oponente haja tido comportamento diligente de controlo, tanto mais que a passagem de cheques ou outros documentos necessários ao giro comercial pelo gerente nomeado, consubstancia actos de gerência efectiva e que a sua assinatura, em branco ou não, é insuficiente para elidir a presunção do art. 24º da LGT, sendo tida como um acto de gerência negligente e censurável

P. A materialidade levada ao probatório na douta sentença, salvo o devido respeito por melhor opinião, não consubstancia qualquer medida de gestão eficaz à salvaguarda do património social, garantia dos credores societários, não pondo fim a esta e outras execuções fiscais pendentes contra a sociedade.

Q. Ao contrário, ressalta uma atitude de ausência de tomada de providências ou tomada de opções com o vigor necessário, limitando-se o oponente a assistir, durante anos, ao desmoronar da situação societária, tomando tão somente medidas correntes, sem curar de saber dos interesses dos credores, designadamente do credor Estado.

R. Outrossim, ficou demonstrado à exaustão que a constituição das dívidas aqui conhecidas, ocorreu durante a vigência do seu cargo, nada resultando sobre a actuação concreta do oponente para reverter a situação.

S. De facto, ressalta, tão somente, uma atitude de ausência de tomada de providências ou tomada de opções com o vigor necessário, limitando-se a oponente a assistir, durante anos, ao desmoronar da situação societária, tomando apenas medidas correntes, sem curar de saber dos interesses dos credores, designadamente do credor Estado, nada se podendo retirar no sentido de que a actuação, aferida pelos deveres que se lhe imputam como gerente de direito e de facto, concretizada quer em actos positivos ou omissões, foi prudente e adequada às circunstâncias concretas, e que não tem qualquer relação causal com a insuficiência patrimonial em questão.

T. Aferindo-se a culpa, como a Jurisprudência tem vindo reiterada e uniformemente a afirmar, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que em concreto conduziu ao dano, não pode considerar-se que a actuação da oponente como gerente de direito e de facto, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi prudente e adequada às circunstâncias concretas, e que não tem qualquer relação causal com a insuficiência patrimonial em questão.

U. O oponente não logrou demonstrar, como lhe competia, que a sua actuação não era passível de qualquer censura, por não ter tido uma acção ou omissão adequada à produção da suficiência do património da sociedade devedora originária para a satisfação dos créditos em dívida que se constituíram no período da sua gerência.

V. Dos factos dados como provados não se alcança como é que uma gerência, alegadamente prudente e responsável, admite e consente que uma empresa em laboração não pague, durante anos consecutivos, os seus impostos, deixando que o seu património se torne insuficiente para o respectivo pagamento sem que tenha tomado em tempo útil, quaisquer medidas para o evitar, obstando assim ao avolumar do passivo.

W. Não tendo a oponente logrado elidir a presunção de culpa, que sobre si impendia, pelo insuficiência do património social para responder pelas dívidas exequendas e de que lhe não é imputável a falta de pagamento pelos créditos gerados não poderá a oposição ser julgada procedente com fundamento na sua ilegitimidade.

X. A douta sentença incorreu, pois, em nosso entender, em erro de julgamento sobre a matéria de facto, e ainda em erro de julgamento sobre a matéria de direito, consubstanciado este em errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, violando o disposto nos art.s 24º da LGT e 487º n.º 2 do CC, pelo que não se deverá manter no ordenamento jurídico.

Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.



Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo a improcedência do recurso.


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões (art.s 660.º, n.º 2, 664.º e 684.º, n.º s 3 e 4 todos do CPC ex vi art. 2.º, al. e), e art. 281.º do CPPT), traduzem-se em apreciar:

- Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que não resultava dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária tivesse ocorrido no período do exercício do cargo pelo oponente e que à luz do artigo 24.º, n.º 1, al. a) da LGT este só podia ser responsabilizado subsidiariamente se a Administração Tributária tivesse alegado factos dos quais se pudesse concluir pela sua culpa na insuficiência do património societário para satisfação da dívida exequenda, o que, no entender do tribunal a quo, não aconteceu.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto:

1. O processo de execução fiscal nº 1872200401016407 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Póvoa de Varzim contra a sociedade “P… – Importação e Exportação de Têxteis, Lda.” para cobrança coerciva da quantia de € 38.117,04 (trinta e oito mil e cento e dezassete euros e quatro cêntimos) relativo a IVA de 2000 e 2001;

2. A 19 de Fevereiro de 2006 foi emitida informação, a qual se considera aqui integralmente reproduzida e na qual consta “cumpre-me informar V. Ex.ª que, relativamente à sociedade executada P… - IMPORTAÇÃO E ESPORTAÇÃO DE TEXTEIS, LDA., contribuinte nº 974.621.889, o seguinte: a) A mesma cessou a sua actividade em 31/12/2001, não lhe sendo conhecido qualquer bem penhorável conforme se verifica do print junto a folhas 7. 2) A sociedade mudou de NIF para 5…, por declaração de alterações, em 15/06/1999. 3) Por declaração de alteração de 08/02/2000, a referida sociedade mudou de morada, passando de Lugar de… para …. 4) da Análise da documentação e informações que constam destes autos, verifica-se, que, são responsáveis subsidiários nos termos do artigo 13º do CPT conjugado com o artigo 24º da LGT (...)” - cfr. fls. 32 deste proc.;

3. Pelo ofício 12577 foi o oponente notificado para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia – cfr. fls. 21 deste proc.;

4. O oponente consta da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Póvoa de Varzim como administrador da sociedade devedora originária desde 13 de Abril de 1999 até à sua renúncia ocorrida a 28 de Janeiro de 2000, sendo novamente nomeado administrador a 04 de Julho de 2000 – cfr. fls. 29/30 deste proc;

5. A 19 de Junho de 2006 foi lavrado despacho de reversão contra o oponente, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 38 deste proc.;

6. Pelo ofício 10718 datado de 19 de Junho de 2006 foi o oponente notificado por reversão;

7. O oponente até Julho de 2000 deixou de acompanhar nos negócios da devedora originária, nas suas reuniões e assembleias gerais, bem como deixou de assinar documentos, tais como os relativos aos negócios da sociedade e as declarações fiscais, sejam os de IRC e IVA;

8. Os presentes autos deram entrada a 20 de Julho de 2006

Factos não provados

Para a decisão da causa, sem prejuízo das conclusões ou alegações de matéria de direito produzidas, de relevante, nada mais se provou.

O tribunal a quo alicerçou a motivação da decisão da matéria de facto nos seguintes termos:

A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base na conjugação dos documentos e informações constantes do processo, na confissão constante da petição inicial e no depoimento das testemunhas inquiridas em Tribunal à luz das regras da experiência.

Assim J…, identificando-se como administrador da sociedade devedora originária referiu que fruto de desentendimentos com um outro administrador em meados de 2000 deixaram (a testemunha e o oponente) de ser administradores da sociedade devedora originária e desde essa altura a sociedade não exerceu qualquer actividade. A partir dessa altura não assinaram mais qualquer documento.

Por sua vez M… economista e técnico oficial de contas, sem conhecimento directo sobre os factos em causa nos presentes autos apenas fez referência a conhecimentos que obteve através do pai do oponente. Assim sendo, o seu depoimento foi considerado irrelevante pelo Tribunal.

O facto provado nº 7) resulta de confissão do oponente constante do articulado nº 5 e 6 da petição inicial e do depoimento da primeira testemunha.



Ao abrigo do disposto no art. 712.º do CPC (na redacção aplicável), uma vez que do processo constam os elementos para o efeito e os documentos em causa (cópias de documentos oficiais) foram oportunamente sujeitos ao contraditório, mostrando-se pertinente para a apreciação do recurso, adita-se à factualidade fixada os seguintes factos:

9. Da certidão de dívida n.º 2004/68710, emitida em 2.3.2004, referente a IVA do ano de 2000, no valor de EUR 9.791,52, consta como data limite de pagamento voluntário o dia 31.01.2004 (cfr. doc. de fls. 10).

10. Da certidão de dívida n.º 2004/68711, emitida em 2.3.2004, referente a IVA do ano de 2001, no valor de EUR 28.325,52, consta como data limite de pagamento voluntário o dia 31.01.2004 (cfr. doc. de fls. 11).



II.2. De direito

A Recorrente discorda da decisão do TAF do Porto, por considerar ter havido uma ilegal interpretação das normas jurídicas invocadas e errónea apreciação dos factos. Mais alega que não tendo o oponente logrado elidir a presunção de culpa pela insuficiência do património social para responder pelas dívidas exequendas e de que lhe não era imputável a falta de pagamento, ónus que sobre si recaia, não poderia a oposição ter sido julgada procedente com fundamento na sua ilegitimidade.

Em causa no presente recurso está a valoração da prova que foi efectuada pelo Tribunal a quo e a aplicação do regime vertido no artigo 24.º da LGT, concretamente o enquadramento da situação objecto dos autos na alínea a) ou b) desse preceito.

Na sentença recorrida afirmou-se o seguinte:

O que resulta dos autos é que a partir de Julho de 2000, o oponente deixou de exercer a administração da sociedade devedora originária.

Ora, estando em causa liquidações adicionais de IVA do ano de 2000 e 2001, resulta da prova recolhida que apenas seria passível de responsabilizar o oponente pela dívida exequenda na parte relativa ao período compreendido entre 01 de Janeiro de 2000 e 31 de Julho de 2000, dado que após essa data não praticou actos de gestão da sociedade devedora originária.

Acresce, porém que assumindo a prática de actos de gestão no período em causa, não resulta dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega dívida tributária tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo e assim sendo, o oponente só seria passível de ser responsabilizado subsidiariamente à luz do artigo 24º, nº 1, al. a) da LGT e não da alínea b).

Como tal, assim sendo, deveria a Administração Tributária ter alegado factos dos quais se pudesse concluir que o oponente tinha culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária para esta proceder ao pagamento da quantia exequenda.

Ora, tal não consta do despacho de reversão e, assim sendo, também quanto a esta parte da dívida é procedente a presente oposição, tal como defendeu, quanto a esta parte, o Digno Magistrado do Ministério Público”.

Vejamos então.

Comece por se deixar estabelecido que, apesar da redacção dada ao ponto 7. do probatório, dúvida não existe em como o Tribunal a quo assumiu que a partir de Julho de 2000, o oponente, ora Recorrido, deixou de exercer a administração da sociedade devedora originária. Com efeito, e tal qual resulta evidente da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o oponente confessou na p.i. ter deixado a vida da sociedade e das funções de administrador só a partir de Julho de 2000 (e não até), no que foi corroborado pelo depoimento da primeira testemunha ouvida em Juízo, e foi nesse pressuposto factual – premissa menor – que o Mmo. Juiz do TAF do Porto, aplicando o regime por si considerado da alínea a) do art. 24.º da LGT – premissa maior –, alicerçou a conclusão alcançada.

Deste modo, não se verifica o apontado erro de julgamento sobre a matéria de facto a que a Recorrente alude na conclusão E. do recurso interposto. Aliás, nessa mesma conclusão a Recorrente revela igualmente um equívoco na interpretação que faz da sentença recorrida: de nenhum passo o Tribunal a quo afirmou que “os factos justificadores para afastar a responsabilidade radicam tão somente no facto de que a Administração Tributária não terá logrado provar a factualidade que infirmasse o exercício efectivo da gerência de facto precisamente no período de cerca de seis meses (28/01/2000 a 04/07/2000), em que o oponente se manteve formalmente afastado da sociedade”. Antes e exclusivamente o Tribunal a quo assentou o seu raciocínio em pressupostos distintos: o efectivo exercício da gerência pelo oponente e a ausência de alegação pela Administração Tributária de factos dos quais se pudesse concluir que o oponente tinha culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária para esta proceder ao pagamento da quantia exequenda.

Continua a Recorrente, imputando erro de julgamento à sentença recorrida, com o fundamento de que a situação presente deveria ser subsumida no previsão da al. b) do nº 1, do art. 24º da LGT, e não da al. b) do mesmo dispositivo legal. Pelo que, ao assim não ter feito, o Mmo. Juiz a quo incorreu também em erro de direito ao fazer uma errada interpretação e aplicação da lei, mormente dos art.s 24º da LGT e 487º n.º 2 do CC (conclusões H. e K. do recurso).

A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívida proveniente de IVA relativa aos anos de 2000 e 2001.

É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12º do Código Civil), pelo que sendo a dívida exequenda referente aos anos de 2000 e 2001, dúvidas não restam que é de aplicar o regime previsto no artigo 24º da LGT.

Este artigo 24º, nº 1 da LGT estabelece o seguinte:

1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.

(…) ”.

Neste normativo está, assim, prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício (alínea a) supra) ou vencidas no período do seu mandato (alínea b)).

Como se escreveu no recente Acórdão deste TCAN de 10.10.2013, proc. n.º 242/06.5BECBR: “Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.

Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável. Neste caso, existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Ora, “esta presunção, apesar de contrária à regra geral da responsabilidade extracontratual prevista no artigo 487º do Código Civil (CC), compreende-se neste caso, pois se o gestor não tiver culpa pela falta de pagamento ou de entrega do imposto ocorrida no período em que exerceu funções, ser-lhe-á fácil prová-lo (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., II volume, anotação 32 ao art. 204º, pág. 356.). Note-se que, embora esta alínea b) se refira meramente a imputação, e não a culpa, a jurisprudência tem vindo a interpretá-la no sentido de que é sempre exigível a culpa do gestor, entendida esta como a inobservância ou violação de uma regra de conduta previamente estabelecida” - assim, por todos, acórdão do TCAN de 29 de Outubro de 2009, Processo 228/07.2.

Ou seja, no que se refere à al. a) deste preceito legal, a qual foi a aplicada pelo Mm. Juiz do TAF do Porto, “para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (...) De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2. ao art. 100.º, pág. 719. ) – cfr. acórdãos deste TCAN, de 29.10.2009, proc. n.º 228/07.2BEBRG e de 11.01.2013, proc. n.º 630/06.7BEPNF. Portanto, na reversão efectuada com fundamento na alínea a) do nº1 do artigo 24º, nº 1 da LGT, ou seja, quando o fundamento da reversão for a culpa na insuficiência do património societário para pagamento das dívidas fiscais, opera a regra geral do ónus da prova do artigo 342º do C.C, recaindo sobre a Administração Tributária o encargo de provar a culpa dos administradores ou gerentes pela insuficiência do património.

No caso dos autos, estabilizada que está a matéria de facto, não se apresenta como controvertido que até Julho de 2000, o oponente, ora RECORRIDO, exerceu a administração da sociedade devedora originária (deixando de o fazer depois dessa data). Tendo o Tribunal a quo considerado que: “não resulta dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo”. Mais podemos nós afirmar, na sequência do aditamento efectuado, que o prazo legal de pagamento das dívidas tributárias em questão (liquidações adicionais de IVA de 2000 e 2001) terminou em 31.01.2004.

Deste modo, à reversão em causa aplica-se o artigo 24.º, n.º 1, al. a) da LGT, uma vez que resulta assente dos autos que o prazo legal de pagamento ou entrega dívida tributária ocorreu posteriormente ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente e ora Recorrido. E cabia, assim, à Administração Tributária alegar e provar a actuação ou omissão ilícitas dos membros dos corpos sociais, causadores da insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias.

Ora, como afirmado pelo Tribunal a quo e proficuamente referido pelo Ministério Público no seu parecer, certo é que a Administração Tributária quer no despacho de reversão (cujo teor foi dado por reproduzido em 5. do probatório), quer na notificação para o exercício do direito de audição prévia, não alegou nem comprovou factualidade donde pudesse resultar a actuação ou omissão ilícita dos membros dos órgãos sociais, neste caso do oponente, causadores da insuficiência do património societário para satisfação dos créditos tributários em questão. Na verdade, a Administração nada disse a esse propósito, nenhum facto concreto alegou susceptível de demonstrar a culpa do oponente (o que passaria pela alegação de factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora).

E assim sendo, como bem decidiu o Mmo. Juiz a quo, a reversão operada desacompanhada da prova, por parte da Administração Tributária, da culpa do oponente pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, basta, por si só, para considerar verificado o fundamento de oposição à execução fiscal invocado – a alínea b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, isto é, a ilegitimidade da pessoa citada – e, consequentemente para julgar procedente a oposição deduzida.

Reitera-se que à reversão em causa se aplica a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT e não na invocada alínea b) do nº 1 do mesmo preceito, como agora vem defender a Recorrente. Assim sendo, tal pressuposto da reversão e a presunção de culpa que nesta alínea funciona a favor da Administração Tributária, não são aqui aplicáveis. Donde, toda a argumentação que envolve a pretensão de aplicar ao caso concreto o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT apresenta-se como inócua.

Assim sendo, e sem necessidade de ulteriores considerações, há que concluir pela total improcedência das conclusões da alegação de recurso.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Resultando da factualidade assente que o prazo legal de pagamento ou entrega da dívida tributária ocorreu em data posterior ao período do exercício do cargo de gerente pelo oponente revertido, é de aplicar o disposto no artigo 24.º, n.º 1, al. a) da LGT (e não a al. b) do mesmo preceito).

ii) Nos termos do citado artigo 24.º, n.º 1, al. a), da LGT, o ónus da prova da culpa do gerente na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias cabe à Administração Tributária.

iii) Operada a reversão desacompanhada da prova, por parte da Administração Tributária, da culpa do oponente pela insuficiência do património da sociedade para satisfazer as dívidas fiscais da devedora originária, necessariamente se tem de dar por verificada a ilegitimidade da reversão.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 13 de Fevereiro de 2014

Ass. Pedro Marques

Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos