Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00927/23.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/15/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Sumário:I- Nos casos em que foi atribuída uma incapacidade permanente [parcial ou absoluta], como é o caso do Recorrente, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos no DL n.º 503/99, de 20 de novembro [artigo 5.º, n.º 3], direito este que inclui não apenas a atribuição da eventual pensão anual vitalícia, mas, de igual forma, outras prestações em dinheiro ou espécie previstas no regime geral [artigo 34.º, n.º 1, parte final, do DL n.º 503/99], de que constituem exemplo, as de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses [artigo 4.º, n.º 3, alínea a), do DL n.º 503/99 e 24.º, alínea a) e 25.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro];

II-A sentença recorrida não refere, nem dela se infere, que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas para pagamento das despesas, como pretende fazer crer a Recorrente;

III-Como sustenta a Apelante, a qualificação das despesas integra-se no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete, previamente ao pagamento, a avaliação da justificação formal e material das despesas efetivamente elegíveis para o efeito;

IV-Nesse domínio, recai a priori sobre a Recorrente/CGA, a responsabilidade de realizar todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente e não sobre quem as apresenta.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA», com domicílio na Travessa ...., ..., instaurou acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra a Caixa Geral de Aposentações, I.P., com sede na Avenida ..., ..., por via da qual peticiona a condenação desta no ressarcimento das despesas por si suportadas, decorrentes de acidente em serviço e consequente incapacidade parcial permanente para o serviço.
Pugnou pela condenação da Ré:
a) A ressarci-lo na quantia de € 635,05, relativa a despesas decorrentes do acidente em serviço já apuradas; e
b) Na reparação futura do Autor, em dinheiro ou em espécie, das prestações que se mostrem necessárias e decorrentes do acidente em serviço.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e,
consequentemente foi condenada a Ré:
a) A apreciar os requerimentos de ressarcimento de despesas médicas já apresentados pelo Autor, no valor total de € 635,05, realizando todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente em serviço sofrido pelo Autor; e
b) Futuramente, a reparar o Autor, em dinheiro ou em espécie, das prestações que se mostrem necessárias e que decorram do acidente em serviço por aquele sofrido.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:
1.ª Este Instituto Público não vem colocar em causa a decisão recorrida na parte em que conclui que compete à CGA o pagamento das prestações em espécie decorrentes do acidente, uma vez
que, face à jurisprudência que sendo recentemente proferida pelos Tribunais superiores, esta questão terá já deixado de merecer possibilidade de nova ponderação.

2. Mas impõe-se interpor recurso daquela decisão apenas na parte em que decidiu condenar a CGA a apreciar e reparar os requerimentos de ressarcimento de despesas médicas, independentemente de se mostrarem cumpridas as condições legalmente exigidas para o pagamento das despesas pelo n.º 7 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e “...realizando todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente em serviço sofrido pelo Autor.”

3. A decisão recorrida defende que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas no n.º 7 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99, por entender que tal omissão “...não pode repercutir-se negativamente na esfera jurídica do Autor.”.

4. Para suportar tal entendimento, o Tribunal a quo invoca o “...o Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, de 10/02/2023, P. 477/22.3BEPNF.”. aresto que a CGA não logrou localizar, nem mesmo através de pesquisa que efetuou à base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt.

5. Não obstante, a solução preconizada pelo Tribunal a quo desvirtua a vontade expressa do legislador, constitui uma solução propensa a abusos e constitui um entendimento absolutamente contrário ao que vem sendo definido na matéria pela jurisprudência quer do Tribunal Central Administrativo Norte quer do Tribunal Central Administrativo Sul (vejam-se o Acórdão do TCA Norte de 2022-10-03, proc.º 00620/21.0BEAVR, o Acórdão do TCA Sul de 09-02-2023, proc.º 2429/22.4BELSB, o Acórdão do TCA Norte de 13-09-2019, proc. n' 564/15.4BECBR e o Acórdão do TCA Sul de 12-11-2020, proc.º 303/20.8BEALM, estes últimos com a mesma fundamentação, todos parcialmente transcritos supra em Alegações e todos eles disponíveis base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt).

6. Sendo que, de acordo com essa jurisprudência, para efeitos de pagamento das despesas, nas prescrições médicas e respetivos documentos de faturação deve obrigatoriamente constar a situação de acidente em serviço ou doença profissional e, bem assim, devem estar preenchidas as demais condições legalmente previstas no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

7. Mais resultando da mesma jurisprudência que a qualificação das despesas se integra no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete – previamente ao pagamento – a avaliação da justificação formal e material das despesas apresentadas, não competindo ao Tribunal identificar quais as despesas efetivamente elegíveis para o efeito.

8. A ser a CGA a entidade responsável pelo pagamento das prestações em espécie, então terão de ser conjugadamente aplicadas as condições legalmente previstas do Decreto-Lei n.º 503/99 para a justificação desse pagamento, assim como as normas igualmente previstas no regime geral, para o qual remete expressamente o n.º 1 do art.º 34.º daquele diploma.

9. Se a presente ação visa efetivar a responsabilidade pela reparação dos danos resultantes de acidente em serviço, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 503/99, e não nos termos de outro regime legal, há que aplicar todas as normas que integram este regime jurídico, independentemente de a aplicação de algumas dessas regras se poderem mostrar mais onerosas à concreta pretensão que possa ter sido deduzida por parte do Administrado.

10.ª Afigurando-se inaceitável o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, que defende que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas no n.º 7 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e que é à CGA – não a quem apresenta as despesas – que recai a responsabilidade de realizar “...todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente...”

Termos em que deverá ser revogada a decisão recorrida na parte impugnada e substituída por outra que acolha a mesma orientação que sendo seguida na jurisprudência acima referenciada, segundo a qual a qualificação das despesas se integra no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete, previamente ao pagamento, a avaliação da justificação formal e material das despesas apresentadas
O Autor juntou contra-alegações e concluiu:
I.O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, julgou a ação totalmente procedente e condenou a Recorrente a apreciar os requerimentos de ressarcimento de despesas médicas já apresentados pelo Recorrido, no valor total de € 635,00, realizando todas as provas legalmente admissíveis para apurar o nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente em serviço sofrido pelo A; e, futuramente, a reparar o Recorrido, em dinheiro e em espécie, das prestações que se mostrem necessárias e que decorram do acidente em serviço por aquele sofrido.
II. A Apelante, insurge-se contra tal decisão, alegando que o Tribunal a quo defende que os documentos de prescrição e faturação não tem necessariamente de preencher as condições legalmente previstas no n.° 7 do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 503/99, e que tal omissão, não pode repercutir-se negativamente na esfera jurídica do Autor.
III. Ora, o entendimento que a Recorrente retira da decisão recorrida não reflete o ali decidido,
IV. O Tribunal a quo, traça uma interpretação clara, estribada nos diversos normativos expressamente referidos, mormente o Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro, quanto à competência da CGA para decidir e ressarcir o Recorrido, assim como na mais recente jurisprudência sobre esta temática, realçando de forma fundamentada, tão somente, que a menção de acidente em serviço nas prescrições médicas e respetivos documentos de faturação é apenas um dever acessório, não expressamente cometido a alguém, e não se elevando a dita formalidade ad probationem, não está precludida a possibilidade de prova de tal nexo causal pelos demais meios admissíveis, cabendo tal ponderação, no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA.
V. E só assim não será, se depois de a Recorrente atender a todos os meios de prova legalmente admissíveis, não for possível estabelecer a relação de causalidade e necessidade, das despesas com o acidente, a omissão poderá repercutir-se na esfera jurídica do Recorrido.
VI. De todo o modo, a repercussão na esfera jurídica do Recorrido, nunca poderá ter a virtualidade de precludir o seu direito à reparação em dinheiro ou em espécie, mas tão somente a ser chamado a fazer a competente prova, pelo que a Recorrente, sempre estará obrigada a previamente ponderar, a possibilidade da prova de tal nexo causal pelos demais meios admissíveis.
VII. A sentença recorrida não refere, nem dela se infere, que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas para pagamento das despesas, como pretende fazer crer a recorrente.
VIII. Como sustenta a Apelante, a qualificação das despesas integra-se no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete, previamente ao pagamento, a avaliação da justificação formal e material das despesas efetivamente elegíveis para o efeito.
IX. Nesse domínio, recai à priori sobre a Recorrente CGA, a responsabilidade de realizar todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente e não sobre quem as apresenta.
X. Como se evidencia nas presentes contra-alegações, é desprovido de fundamento todo o argumentário expendido pela Recorrente, que com a interposição deste recurso, mais não pretende do que protelar o desfecho da ação, adiando uma decisão que bem sabe ser inevitável,
XI. Não merecendo a sentença recorrida qualquer censura.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado integralmente improcedente e, em consequência, ser confirmada a decisão recorrida.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A)O Autor é militar da GNR, com a categoria de 1° Sargento n° ...80 e encontrava-se colocado, em 2001, no ... n° 4 da Guarda Nacional Republicana (cf. fls. 2 e seguintes do Processo da GNR);
B) A 07/03/2001, no decorrer de uma sessão de instrução de Educação Física, para que estava nomeado, o Autor foi acometido de dores ao nível do pé direito, ao efectuar um movimento de rotação, tendo-lhe sido diagnostica a “ruptura do tendão de Aquiles direito” (cf. fls. 5 e seguintes do Processo da GNR);
C) A 18/01/2002, o 2° Comandante-Geral da GNR proferiu despacho a qualificar o acidente descrito no ponto anterior como sendo um acidente em serviço (cf. idem);
D) A 11/03/2008, o Autor foi presente à Junta Superior de Saúde da GNR, com o diagnóstico de “Status pós Ruptura do tendão de Aquiles direito e Status pós Flebotrombose”, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade parcial permanente de 15%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades (cf. fls. 20 do Processo da GNR);
E) A 09/06/2009, o Autor foi submetido a Junta Médica da Ré, a qual confirmou a incapacidade de 15% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, mais tendo deliberado, designadamente, o seguinte: “(...) Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções. Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho. Das lesões apresentadas resultou uma incapacidade permanente parcial de 15% de acordo com o Capítulo I nº 13.1 alínea c) por analogia, da TNI.” (cf. fls. 116 e seguintes do PA);
F) A 08/09/2015, a desvalorização indicada no ponto anterior veio a ser confirmada em nova Junta Médica da Ré, a qual deliberou, designadamente, o seguinte: “(...) Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta para o exercício das suas funções. Das lesões apresentadas não resultou uma incapacidade permanente absoluta de todo e qualquer trabalho. Mantém-se a desvalorização de 15% já atribuída de acordo com o Capítulo I nº 13.1 alínea c) por analogia, da TNI.” (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 1 e fls. 120 e seguintes do PA);
G) Em virtude das sequelas resultantes do indicado acidente, o Autor tem necessidade de manter tratamentos médicos, medicamentosos e outros tendentes ao restabelecimento do estado de saúde física e da capacidade de trabalho, e debelar o sofrimento resultante das lesões diagnosticadas, como “pós-flebotrombose venosa da poplítea direita do membro inferior direito” (cf. fls. 123 e seguintes do PA);
H) A 04/04/2014, o assistente médico do Autor, cirurgião vascular, emitiu uma declaração médica na qual se pode ler, designadamente, o seguinte: “(...) Deve manter tratamento médico para sempre (suporte elástico e venotropo) e evitar estar longos períodos na posição ortostática. Deve ser reavaliado periodicamente nesta consulta.” (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 2);
I) O Autor foi sendo reembolsado de tais despesas médicas pela GNR, serviço onde exerce funções, das despesas que suportou, no âmbito do processo de acidente em serviço n° E.4848/08, até à verificação da IPP que lhe foi reconhecida pela Ré a 09/06/2008, e confirmada a 08/09/2015 (cf. fls. 27 a 248 do Processo da GNR);
J) Na sequência da verificação da IPP pela Ré, os serviços da GNR deixaram de reembolsar o Autor das referidas despesas de saúde (cf. acordo das partes);
K) A 19/06/2018, o Autor dirigiu um requerimento ao Exmo. Sr. Comandante-geral da GNR, a solicitar o ressarcimento de € 152,61, por aquele suportados a título de despesas médicas e medicamentosas, que se revelaram necessárias atento o seu quadro clínico decorrente do acidente em serviço (cf. fls. 254 e seguintes do Processo da GNR, requerimento esse que se dá aqui por integralmente reproduzido);
L) O Autor juntou ao requerimento identificado no ponto anterior cópias das facturas das consultas médicas, bem como da compra de medicamentos, facturas essas que mencionavam, como descrição, “Consulta – Angiologia e Cirurgia Vascular” e os nomes dos correspondentes medicamentos, e o respectivo custo, sem outra menção particular (cf. idem);
M) A 10/05/2019, o 2º Comandante-Geral da GNR proferiu despacho quanto ao requerimento identificado em K), nos seguintes termos: “Nos termos e com os fundamentos constantes na Informação n.° ...19, de 03 de Abril, da Direcção de Justiça e de Disciplina, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por delegação do Excelentíssimo Comandante-Geral, decido: - Nos termos do n° 1 do art.° 40°, conjugado com a alínea a) do n° 1 do art.° 109°, ambos do Código do Procedimento Administrativo, indeferir liminarmente o pedido, com fundamento na incompetência absoluta para decidir sobre o objecto do mesmo, porquanto, por força do n.° 3 do art.° 5°, n.° 1 e n.° 4 do art.° 34.°, ambos do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de Novembro, a entidade legalmente competente para decidir sobre o mesmo é a Caixa Geral de Aposentações. – Proceda-se conforme o proposto no ponto III – Parecer, da presente Informação.” (cf. fls. 266 e seguintes do Processo da GNR);
N) A 08/08/2019, o Autor dirigiu um requerimento à Ré, a solicitar o ressarcimento de € 164,02, por aquele suportados a título de despesas médicas e medicamentosas, que se revelaram necessárias atento o seu quadro clínico decorrente do acidente em serviço (cf. fls. 286 e seguintes do Processo da GNR, requerimento esse que se dá aqui por integralmente reproduzido);
O) O Autor juntou ao requerimento identificado no ponto anterior cópias das facturas das consultas médicas, bem como da compra de medicamentos, facturas essas que mencionavam, como descrição, “Consulta – Angiologia e Cirurgia Vascular” e os nomes dos correspondentes medicamentos, e o respectivo custo, sem outra menção particular (cf. idem);
P) A 02/01/2020, e na sequência do despacho referido no ponto anterior, o requerimento apresentado pelo Autor foi oficiosamente remetido à Ré (cf. fls. 310 e seguintes do Processo da GNR);
Q) A 04/02/2020, a Ré remeteu uma informação à GNR, respeitantes às despesas de saúde cujo ressarcimento foi requerido em 2018 pelo Autor, declinando qualquer responsabilidade, tendo por base os seguintes fundamentos: “(...) a responsabilidade pelo pagamento das despesas decorrentes de acidentes em serviço ou doenças profissionais – designadamente em matéria de prestações em espécie – está cometida exclusivamente às entidades elencadas no Decreto-Lei nº 503/99, nas quais não se inclui a CGA, que é uma pessoa colectiva de direito público que tem por escopo a gestão do regime de segurança social do funcionalismo público em matéria de pensões (...).Pelo que, atento o enquadramento legal na matéria – cujas disposições gerais atribui à entidade empregadora a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes dos acidentes e doenças profissionais, reparação que integra prestações em espécie e em dinheiro, designadamente em matéria de primeiros socorros e subsequente assistência médica – conclui-se que as prestações em espécie são da responsabilidade da entidade empregadora e não da CGA.” (cf. fls. 311 e seguintes do Processo da GNR);
R) A 30/04/2020, o Autor dirigiu à CGA novo requerimento, insistindo no ressarcimento urgente das importâncias já peticionadas no ano anterior (cf. fls. 314 e seguintes do Processo da GNR);
S) A 14/04/2021, a Ré remeteu à GNR uma missiva, indeferindo as pretensões formuladas pelo Autor, invocando os seguintes fundamentos: “Reportando-me ao assunto acima referenciado, informo V.ª Ex.ª de que a responsabilidade da CGA na reparação de acidentes de trabalho esgota-se no pagamento das pensões, ainda que remidas, e dos subsídios previstos no capítulo IV do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, a que os interessados tenham direito, não procedendo ao reembolso de quaisquer despesas nem assegurando prestações em espécie, as quais, legalmente são – e sempre foram – satisfeitas pelos serviços onde os funcionários exerciam funções, sendo essa a razão do previsto no artigo 6.º do decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.” (cf. fls. 351 do Processo da GNR);
T) A 17/05/2021, a GNR comunicou pessoalmente ao Autor o teor da decisão da Ré identificada no ponto anterior (cf. fls. 352 do Processo da GNR);
U) A 01/06/2021, o Autor dirigiu ao Sr. Administrador da Ré uma reclamação da decisão proferida, insistindo na responsabilidade desta entidade no ressarcimento das despesas médicas suportadas em virtude de acidente em serviço (cf. fls. 355 e seguintes do Processo da GNR, as quais se dão aqui por integralmente reproduzidas);
V) O Autor apresentou a reclamação identificada no ponto anterior no Quartel da GNR do ..., no ... (cf. idem);
W) A 08/06/2021, e através de correio electrónico, a Ré comunicou ao Autor a sua decisão de indeferimento da reclamação apresentada, decisão essa que aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 9);
X) A 21/06/2021, o Autor apresentou nos serviços da GNR um recurso hierárquico sobre a decisão da Ré, dirigido à Sr.ª Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, insistindo na responsabilidade da Ré no ressarcimento das despesas médicas suportadas em virtude de acidente em serviço, recurso esse que aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. fls. 361 e seguintes do Processo da GNR);
Y) O recurso hierárquico identificado no ponto anterior foi apresentado no Comando Territorial do ... da GNR (cf. idem);
Z) A 07/09/2022, a GNR remeteu à Administração da Ré o recurso hierárquico interposto pelo Autor, para remessa para a Sr.ª Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (cf. fls. 364 do Processo da GNR);
AA) A 08/09/2022, a GNR comunicou ao Autor, através de correio electrónico, o envio do recurso hierárquico ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (cf. fls. 365 do Processo da GNR);
BB) A 21/09/2022, a Ré remeteu uma comunicação ao Chefe da Secção de Justiça do Comando Territorial do ... da GNR, contendo, designadamente, o seguinte: “reportando-se ao expediente enviado a esta Caixa a coberto do ofício acima referenciado, (...) foi decidido que o recurso hierárquico não reúne condições de proceder, uma vez que: - Nos poderes de superintendência e tutela que o decreto-Lei n.° 131/2012, de 25 de Junho, atribui ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a CGA não cabe o de apreciar recursos hierárquicos das decisões dos seus órgãos; (...) – Ainda que apreciado o recurso pela Direcção da CGA, de harmonia com o disposto no art.° 194.°, n.° 1, do CPA e nos artigos 97.°, n.° 1, e 111.°, n.° 1, ambos do Estatuto da Aposentação, constata-se que o mesmo teria sempre de ser rejeitado, nos termos previstos na alínea c) do n.° 1 do art.° 196.° do CPA, por ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto, importando assinalar que entre a data da «... decisão vertida no correio electrónico s/n., de 08 de Junho de 2021...» e a data em que o requerimento de recurso hierárquico foi enviado à CGA decorreu um período superior a um ano. (...)” (cf. fls. 368 do Processo da GNR);
CC) A 04/11/2022, a GNR comunicou pessoalmente ao Autor a decisão identificada no ponto anterior (cf. fls. 369 do Processo da GNR);
DD) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 10/05/2023 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).
DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que julgou procedente a acção apenas na parte em que decidiu condenar a CGA a apreciar e reparar os requerimentos de ressarcimento de despesas médicas, independentemente de se mostrarem cumpridas as condições legalmente exigidas para o pagamento das despesas pelo n.º 7 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99 e “...realizando todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente em serviço sofrido pelo Autor.”.
Cremos que carece de razão.
Vejamos,
Através do presente recurso, a CGA não vem colocar em causa a decisão proferida em 2023-09-29 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do ..., na parte em que conclui que compete à CGA o pagamento das prestações em espécie decorrentes do acidente.
No entanto, recorre daquela decisão no segmento em que decidiu condenar este Instituto Público:
-a apreciar os requerimentos de ressarcimento de despesas médicas já apresentados pelo Autor, no valor total de € 635,05, realizando todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente em serviço sofrido pelo Autor;
-a reparar o Autor, em dinheiro ou em espécie, das prestações que se mostrem necessárias e que decorram do acidente em serviço por aquele sofrido independentemente de se mostrarem cumpridas as condições legalmente exigidas para o pagamento das despesas pelo art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, designadamente a exigida pelo n.º 7 daquele dispositivo.
Atente-se no discurso fundamentador da sentença, na parte que ora releva:
Atendendo ao objecto da lide, definido pela causa de pedir e pelos pedidos formulados, desde logo verifica o Tribunal que o cerne do presente dissídio se prende com uma só questão: apurar se incumbe, ou não, à Ré ressarcir o Autor das despesas médicas, medicamentosas, e outras, por este suportadas em virtude do acidente em serviço.
Para o efeito, cumpre proceder a um breve enquadramento dos normativos aplicáveis.
De acordo com o Decreto-Lei n° 503/99, de 20 de Novembro, que estabelece o regime dos acidentes de serviço dos funcionários públicos, no seu artigo 4°, quanto à reparação:
“1 - Os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço e de doenças profissionais, nos termos previstos neste diploma.
2 - Confere ainda direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento de lesão ou doença resultante de um acidente em serviço ou doença profissional e que seja consequência de tal tratamento.
3 - O direito à reparação em espécie compreende, nomeadamente:
a) Prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;
b) O transporte e estada, designadamente para observação, tratamento, comparência a juntas médicas ou a actos judiciais;
c) A readaptação, reclassificação e reconversão profissional.
4 - O direito à reparação em dinheiro compreende:
a) Remuneração, no período das faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço ou doença profissional;
b) Indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, no caso de incapacidade permanente;
c) Subsídio por assistência de terceira pessoa;
d) Subsídio para readaptação de habitação;
e) Subsídio por situações de elevada incapacidade permanente;
f) Despesas de funeral e subsídio por morte;
g) Pensão aos familiares, no caso de morte.”
Já de acordo com o artigo 5°, sob a epígrafe “Responsabilidade pela reparação”,
“1 - O empregador ou entidade empregadora é responsável pela aplicação do regime dos acidentes em serviço e doenças profissionais previsto neste diploma.
2 - O serviço ou organismo da Administração Pública ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional é responsável pelos encargos com a reparação dos danos deles emergentes, nos termos previstos no presente diploma.
3 - Nos casos em que se verifique incapacidade permanente ou morte, compete à Caixa Geral de Aposentações a avaliação e a reparação, nos termos previstos neste diploma.”
Especificam os n°s 6 e 7 o artigo 6° de tal diploma legal, quanto ao pagamento das despesas, o seguinte:
“(...) 6 - As despesas com acidentes em serviço e doenças profissionais, que tenham sido eventualmente suportadas pelo próprio ou por outras entidades, são objecto de reembolso pelas entidades legalmente responsáveis pelo seu pagamento, no prazo, respectivamente, de 30 e de 90 dias consecutivos, contado a partir da data da apresentação dos documentos.
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, nas prescrições médicas e respectivos documentos de facturação deve constar a situação de acidente em serviço ou doença profissional.”
Por fim, determina o artigo 11°, n° 11, no que concerne à assistência médica, o que se transcreve:
“Quando o sinistrado optar por assistência médica particular, tem direito ao pagamento da importância que seria despendida em estabelecimento do serviço nacional de saúde, devendo, para efeitos de reembolso, apresentar os documentos justificativos de todas as despesas efectuadas com o tratamento das lesões, doença ou perturbação funcional resultantes do acidente.”
No caso em análise, e conforme resulta provado, em virtude do acidente em serviço, ficou o Autor a padecer de uma incapacidade permanente de 15%, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades. Assim sendo, e à luz do previsto no n° 3 do artigo 5° do DL 503/99é da responsabilidade da Ré, sem margem para dúvidas, a reparação dos danos emergentes do acidente em serviço, designadamente, o reembolso das despesas médicas que o Autor se vê obrigado a suportar.
Não assiste qualquer razão à Ré, no que concerne aos argumentos aduzidos em sede de contestação. Efectivamente, limita-se esta a invocar o regime legal antigo para declinar tal responsabilidade, argumentação sem qualquer sustenta, porquanto foi tal regime revogado há largos anos. Mais se afirme que a interpretação da lei é clara, não se justificando lançar mão de um “elemento histórico”, tendo tal invocação por mero intuito a deturpação da interpretação da lei que se impõe.
Mais se sublinhe que o Autor é beneficiário da Ré, não se lhe aplicando o regime previsto na Lei n° 60/2005, de 29 de Dezembro, uma vez que aquele já se encontrava inscrito em momento anterior à sua entrada em vigor.
Por fim, argumenta a Ré, para declinar a responsabilidade pelo reembolso das despesas suportadas pelo Autor, que as facturas apresentadas não respeitam o exigido pela lei, concretamente, a indicação de que a despesa em causa advém de acidente em serviço.
Sobre tal matéria já se pronunciaram os tribunais superiores portugueses. Assim, e a título de mero exemplo, veja-se o recente Acórdão prolatado pelo Venerando Tribunal Central Administrativo do Sul, de 02/09/2023, P. 2429/22.4BELSB (disponível em www.dgsi.pt), no qual se pode ler, designadamente, o seguinte:
“(...) Desde logo, porque o momento constitutivo de tal responsabilidade, na tese que vem sendo adoptada pela jurisprudência, é o da confirmação e atribuição da incapacidade permanente pela junta médica da CGA (art. 38°, n° 1 do DL 503/99). Portanto, a confirmação e graduação da incapacidade permanente pela CGA constitui um requisito constitutivo do direito reclamado pelo Recorrido (vide art. 5°, n° 3 do DL 503/99). O que significa que até aí a responsabilidade cabe à entidade empregadora (art. 5°, n°s 1 e 2 do DL 503/99). Com efeito, todas as normas devem ser objecto de interpretação, ainda que o seu sentido literal aparente seja inequívoco. Assim o pressupõe o artigo 9° do Código Civil, ao prever que ainda que o labor interpretativo parta do sentido literal da norma, não se pode quedar por aí, posto que se afigura necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2001, pág. 392). Tanto mais que se tratam de normas que visam concretizar direitos que decorrem directamente da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente do artigo 59°, n° 1, al. f), que consagra o direito dos trabalhadores a assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional. (...)
Decidiu, ainda, o Tribunal a quo que «impõe-se à Entidade Demandada, enquanto entidade competente para decidir e de ressarcir o Autor, o dever de apreciar e decidir o requerimento apresentado pelo Autor, como impõe o artigo 13.° do CPA, e a encetar as devidas diligências para proceder ao reembolso ao Autor das despesas médicas e medicamentosas por motivo de acidente em serviço devidamente documentadas, acrescidas dos respectivos juros, vencidos e vincendos, desde a citação para os presentes autos, como se decidirá». Atentemos no disposto no art. 4°, n° 3, do DL 503/99, no que concerne às prestações em espécie:
«3 - O direito à reparação em espécie compreende, nomeadamente:
a) Prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa; (...)».
Donde, não basta apresentar os documentos relativos às despesas médicas, é necessário que seja avaliada da sua necessidade e adequação, como decorre expressamente da citada norma. Acresce que, por força do estipulado no n° 7 do art. 6° do DL 503/99, para efeitos de pagamento das despesas, nas prescrições médicas e respectivos documentos de facturação deve constar a situação de acidente em serviço ou doença profissional. Neste contexto, deverá a Recorrente se pronunciar sobre o requerimento apresentado em 13.04.2022, apreciando, em conformidade, as despesas relativas à prestação dos serviços médicos, medicamentosos, etc, após 2019.09.24 – alínea q) do probatório, data em que foi definitivamente fixada a IPP, após a junta de recurso-, aferindo da sua necessidade e adequação face às lesões que motivaram a atribuição da incapacidade permanente parcial em resultado do acidente em serviço, ocorrido em 2013.03.04, assim como se das mesmas consta a situação de acidente em serviço. (...)”.
Quanto a tal avaliação, que se imporá à Ré, cumpre estabelecer certas considerações.
Em primeiro lugar, note-se que o dever imposto pelo n° 7 do artigo 6° do DL 503/99 não está própria e expressamente cometido a alguém, apenas se depreendendo, implicitamente, que deva ser cumprido pelo emissor da prescrição médica ou do documento de facturação. Na realidade, tanto o médico como os atinentes serviços administrativos, ou de farmácia, sabem do trabalhador e das circunstâncias deste apenas aquilo que este, ou alguém por ele, declarar.
No limite, tanto o médico como os demais serviços, quanto aos documentos de facturação, ao fazerem constar uma “situação de acidente em serviço”, limitam-se a repetir uma mera declaração do trabalhador ou de alguém por ele.
Do que vem de se expor se retira que o incumprimento, por um terceiro (médico, farmacêutico, etc.), do previsto no n° 7 do artigo 6° não pode repercutir-se negativamente na esfera jurídica do Autor (neste sentido, veja o Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte, de 10/02/2023, P. 477/22.3BEPNF).
Assim, a exigência normativa legal, de que nas prescrições médicas e respectivos documentos de facturação deve constar a situação de acidente em serviço, indica apenas uma medida simplificadora da determinação do nexo causal entre a despesa suportada e o acidente em serviço, pelo que mais não é do que um dever acessório, não se elevando a formalidade ad probationem.
Tal omissão não pode, assim, precludir a possibilidade da prova de tal nexo causal pelo demais meios admissíveis, sob pela de violação do direito constitucionalmente consagrado, descrito na alínea f) do n° 1 do artigo 59° da Lei Fundamental.
Consequentemente, caberá à Ré, ao efectuar tal ponderação, atender a todos os meios de prova legalmente admissíveis, e que atestem da relação de causalidade e necessidade, tampouco se exigindo, contrariamente ao indicado na contestação, a emissão de parecer expresso da Junta Médica a cada nova submissão, no futuro, de pedidos de reembolso. Efectivamente, não se olvide que já foi reconhecida a IPP, reconhecimento esse confirmado em nova Junta. Outro entendimento sempre seria violador do direito à prova, previsto no artigo 341° do Código Civil, decorrente da garantia constitucional do artigo 20° da Lei Fundamental.
Nestes termos, e face a tudo quanto antecede, impõe-se julgar a presente acção totalmente procedente, e, ao abrigo do previsto no artigo 95°, n° 5, do CPTA, condenar a Ré na apreciação dos requerimentos formulados pelo Autor, nos moldes vindos de gizar, o que desde já se declara.

X
Reitera-se que o recurso vem interposto desta decisão que julgou a ação totalmente procedente e condenou a Ré:
a) “A apreciar os requerimentos de ressarcimento de despesas médicas já apresentados pelo Autor, no valor total de €635,00, realizando todas as provas legalmente admissíveis para apurar o nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente em serviço sofrido pelo A; e,
b) Futuramente, a reparar o Autor, em dinheiro e em espécie, das prestações que se mostrem necessárias e que decorram do acidente em serviço por aquele sofrido.”
De acordo com o alegado, sustenta a Apelante, essencialmente, (conclusão 4.ª), que “A decisão recorrida defende que os documentos de prescrição e faturação não tem necessariamente de preencher as condições legalmente previstas no n.° 7 do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 503/99, por entender que tal omissão “não pode repercutir-se negativamente na esfera jurídica do Autor.”.
E que, (conclusão 7.ª), “...a qualificação das despesas se integra no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete - previamente ao pagamento - a avaliação da justificação formal e material das despesas efetivamente elegíveis para o efeito.”.
“Afigurando-se inaceitável o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, que defende que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas no n.° 7 do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 503/99 e que é à CGA - não a quem apresenta as despesas - que recai a responsabilidade de realizar “...todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente...”, (conclusão 10.ª)
Conclui pedindo que “...deverá ser revogada a decisão recorrida na parte impugnada e substituída por outra que acolha a mesma orientação que sendo seguida pela jurisprudência acima referida, segundo a qual a qualificação das despesas se integra no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete, previamente ao pagamento, a avaliação da justificação formal e material das despesas apresentadas.”.
Ora, não se corrobora a argumentação expendida pela Recorrente.
Desde logo, o entendimento que a Recorrente retira da sentença proferida, de que: “A decisão recorrida defende que os documentos de prescrição e faturação não tem e necessariamente de preencher as condições legalmente previstas no n.° 7 do art.° 6.° do Decreto-Lei n.° 503/99, por entender que tal omissão não pode repercutir-se negativamente na esfera jurídica do Autor.”, não reflete o ali decidido.
O Tribunal a quo, traçou uma interpretação clara estribada nos diversos normativos expressamente referidos, mormente o Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro, quanto à competência da CGA para decidir e ressarcir o Autor/Recorrido, assim como na mais recente jurisprudência sobre esta temática, realçando de forma fundamentada, tão somente, que a menção de acidente em serviço nas prescrições médicas e respetivos documentos de faturação é apenas um dever acessório, não expressamente cometido a alguém, e não se elevando a dita formalidade ad probationem, não está precludida a possibilidade de prova de tal nexo causal pelos demais meios admissíveis, cabendo tal ponderação, no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA.
E só assim não será, se depois de a Recorrente atender a todos os meios de prova legalmente admissíveis, não for possível estabelecer a relação de causalidade e necessidade, das despesas com o acidente, a omissão da menção de acidente em serviço, poderá repercutir-se na esfera jurídica do Recorrido, cabendo a este fazer a prova respetiva.
A sentença recorrida não refere, nem dela se infere, que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas para pagamento das despesas, como pretende fazer crer a Recorrente.
De todo o modo, tal repercussão na esfera jurídica do Recorrido, nunca poderá ter a virtualidade de precludir o seu direito à reparação em dinheiro ou em espécie, mas tão somente ser chamado a fazer a competente prova, pelo que a Recorrente, sempre estará obrigada a previamente ponderar, a possibilidade da prova de tal nexo causal pelos demais meios admissíveis.
Ainda que o apresentante tenha que suprir a omissão de menção «acidente em serviço», por impossibilidade de ter sido feita prova por outros meios legalmente admissíveis, sempre estará a Recorrente obrigada ao pagamento das prestações em espécie decorrentes do acidente.
Não se compreende, portanto, que a Recorrente venha procurar declinar a sua responsabilidade, reputando de inaceitável, o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo que defende que é sobre si CGA, que recai a responsabilidade de efetuar tal ponderação, atendendo a todos os meios de prova legalmente admissíveis, e que atestem da necessária relação de causalidade, das despesas com o acidente.
Aliás, a própria Recorrente CGA, afirma na conclusão 7.ª, que “...a qualificação das despesas se integra no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete - previamente ao pagamento - a avaliação da justificação formal e material das despesas efetivamente elegíveis para o efeito.”.
De todo o modo, esta questão foi recentemente apreciada por este TCAN nos Acórdãos nºs 477/22.3BEPNF, de 10/02/2023 e 69/17.9, de 20/10/2023, em termos com que nos revemos por inteiro.
Em suma,
A sentença recorrida não refere, nem dela se infere, que os documentos de prescrições e faturação não têm necessariamente de preencher as condições legalmente previstas para pagamento das despesas, como pretende fazer crer a Recorrente;
Como sustenta a Apelante, a qualificação das despesas integra-se no domínio da discricionariedade técnica dos serviços da CGA, a quem compete, previamente ao pagamento, a avaliação da justificação formal e material das despesas efetivamente elegíveis para o efeito;
Nesse domínio, recai a priori sobre a Recorrente/CGA, a responsabilidade de realizar todas as provas legalmente admissíveis para apurar do nexo de causalidade entre tais despesas e o acidente e não sobre quem as apresenta.
Improcedem, pois, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 15/12/2023

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins