Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00362/08.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IVA;
MÉTODOS INDIRETOS;
ÓNUS DA PROVA;
Sumário:
I - Alicerceando-se as liquidações impugnadas num ato emanado no procedimento de revisão, mais concretamente, na decisão do respetivo Diretor de Finanças, é nesse ato final que se deve colher a fundamentação afirmada pela Administração Tributária.

II - Como vem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública - RFP (Recorrente), melhor identificada nos autos veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida por «AA» e «BB» (Recorridos), intentada contra as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2004 e 2005 e contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios.

No presente recurso, a Apelante (RFP) apresenta as seguintes conclusões:
A. Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação, com a consequente anulação das liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2004 e 2005 (e respetivos juros compensatórios).
B. Como melhor se extrai da sentença recorrida, a decisão de total procedência da impugnação resulta do facto de o julgador ter considerado que a AT não demonstrou o preenchimento dos pressupostos que a legitimavam a proceder à avaliação da matéria tributável com base na metodologia indiciária, pois entendeu no juízo decisório que o técnico inspetivo misturou os pressupostos da tributação por métodos indiciários e a quantificação da matéria tributável.
C. Para o efeito de julgar procedente a impugnação consignou-se na douta sentença “…as percentagens obtidas através dos testes que foram efetuados pela Administração Tributária foram determinantes quer para a consideração de que a contabilidade não refletia a situação real da empresa, quer para a operação de determinação do quantum da matéria coletável, pois que pela aplicação dessas percentagens é que a Administração Tributária configurou o montante das correções ao lucro tributável”.
D. Depois de assinalar que “…se levantam várias dúvidas quanto à valia de percentagens de lucro obtidas por testes, como indicador de que existem proveitos omitidos que permitam assim à Administração Tributária afastar-se das declarações do sujeito passivo, e vir a apurar a matéria por recurso a métodos indiciários”, a sentença em causa conclui que “…as diferenças entre as margens de lucro declaradas e as apuradas pela Administração Tributária pela amostragem realizada, com a consequente diferença entre as vendas declaradas e as estimadas, não constituem um elemento objetivo e concreto que permitisse à Administração Tributária concluir que a contabilidade da impugnante não refletia a sua real situação e que era inviável o apuramento direto”.
E. No fundo, a sentença sob análise considerou que a AT não recolheu qualquer elemento que a legitimasse a recorrer aos métodos indiretos, sendo que, ressalvando-se o devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, sendo nosso entendimento que, da factualidade e elementos probatórios existentes nos autos, nunca poderia a decisão ser aquela que agora se sindica.
F. Com efeito, entende a Fazenda Pública que a douta sentença recorrida procedeu a uma incorreta aplicação do direito à factualidade apurada e demonstrada em sede inspetiva.
G. Assim, a técnica inspetora apercebeu-se, quer pela inexistência da conta 12 – depósitos à ordem, bem como pela inexistência de contas individualizadas de clientes e ainda face às irregularidades da emissão dos documentos de venda, que sobre a contabilidade recaiam as maiores dúvidas acerca da respetiva credibilidade.
H. Ora, perante estas irregularidades e inexatidões, o técnico inspetor decidiu – e bem, saliente-se – aprofundar a sua investigação. Sucede que, à míngua de outros elementos e perante as citadas irregularidades, designadamente perante a inexistência de contas individualizadas de clientes, apurou-se a margem de comercialização declarada e, com o intuito de testar a margem declarada pelo sujeito passivo, realizaram-se testes com recurso aos documentos constantes da contabilidade.
I. Ou seja, na impossibilidade evidente de concretizar qualquer outro tipo de controlo – recorde-se que ficaram também demonstradas as irregularidades da emissão dos documentos de venda - apurou a margem de comercialização do sujeito passivo a partir dos consumos e das vendas, o que lhe permitiu estabelecer uma base de realização dos testes às margens, através dos quais se demonstrou que existia omissão de vendas e de compras.
J. Assim, bem sabendo que esta é uma atividade muito específica e cuja forma como é desenvolvida varia muito de “casa para casa”, o técnico inspetor não tinha outra forma de validar a veracidade da contabilidade, se não através do apuramento das margens declaradas e de confrontar essa margem com as guias de remessa emitidas.
K. Todo este trabalho de investigação desenvolvido aquando da inspeção, tem uma sequência, uma lógica, uma coerência e um propósito que é o de verificar, com os próprios dados da contabilidade, se os dados são coerentes e consentâneos com os resultados ou se, como se verificou, estamos perante uma contabilidade fictícia, com uma coerência apenas aparente.
L. Atente-se que, regra geral, no início do trabalho inspetivo todas as contabilidades estão aparentemente corretas, sendo que nalguns casos se verifica com a investigação subsequente, que por trás de uma roupagem de aparente rigor e correção (cuidadosamente preparada para transmitir essa imagem), se escondem omissões de compras e de vendas.
M. E essa investigação não pode deixar de ser concretizada através da validação e confronto de elementos internos da própria contabilidade, pois é no seu seio que residem (ou não) as possíveis incongruências.
N. Foi justamente isso que aconteceu no caso vertente.
O. Assim, ao contrário do que se afirma na sentença, a Administração Tributária a AT não partiu dos testes que realizou como pressuposto para o recurso à avaliação indireta. A AT partiu sim foi dos testes e de outras validações intrínsecas à contabilidade, mormente ao apuramento da margem de comercialização declarada, sendo que os resultados desses testes é que lhe permitiram – sem margem para dúvidas, aliás – concluir pela falta omissão de compras e de vendas, o que por sua vez lhe permitiu constatar pela falta de credibilidade da escrita.
P. Por outras palavras, os testes realizados não são o pressuposto para a aplicação dos métodos indiretos, são, isso sim, uma forma adequada e particularmente apropriada, de verificar se a contabilidade é credível e verdadeira ou se foi “preparada” artificialmente de molde a parecer corretamente elaborada.
Q. Sublinhe-se que, a vingar o entendimento vertido na sentença sob recurso, tal significa que as contabilidades são insuscetíveis de serem sujeitas a testes de validação interna, justamente o instrumento mais poderoso para averiguar da sua veracidade. Ora, afigura-se-nos que uma tal ideia colide com o princípio transpositivo e supra legal do apuramento da verdade material, da verdade concreta e concretamente apurada dos factos, no caso contabilísticos.
R. Atente-se que, na situação em apreço, a existência de outras irregularidades contabilísticas, já supra elencadas, inviabilizaram a realização de outras metodologias de investigação (nem tão pouco a sentença identifica qualquer outra forma ou método que, ao invés do utilizado, pudesse e devesse ter sido empregue, de molde a possibilitar a rigorosa análise da contabilidade).
S. Sintetizando, o apuramento da margem de comercialização declarada constituiu não um ponto de chegada, uma conclusão, mas sim um ponto de partida, uma base para a realização de testes aos consumos, cujos resultados permitiram apurar omissão de compras e de vendas na atividade e consequente impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável.
T. Dito de outro modo, ao contrário do expressamente afirmado na sentença sob recurso, os testes não foram o pressuposto para o recurso da metodologia indiciária, mas foram o seu resultado (que teve como premissas base, os elementos da própria contabilidade) que permitiu constatar da verificação desses tais pressupostos. Daí que nenhuma confusão exista entre pressupostos dos métodos indiretos (fase da qualificação) e a quantificação da matéria tributável (fase da quantificação).
U. Nisto consiste o erro de julgamento da douta decisão recorrida, o qual implica a respetiva revogação.
Termina a Recorrente pedindo que seja dado provimento ao recurso, substituindo-se a sentença recorrida, por outra em que julgue improcedente, por não provado, o vício de erro nos pressupostos legitimadores da aplicação da metodologia indiciária.
Os Recorridos apresentaram contra-alegações, nestas concluindo que:
- Contrariamente ao preconizado pelo recorrente nas suas alegações, o tribunal a quo, ao ter considerado que a correcção efectuada ao IVA não pode manter-se por falta de fundamentação e consequente ilegalidade do recurso a métodos indirectos, decidiu correctamente.
- A sentença recorrida não enferma de erro de julgamento relativamente à decisão que considerou ilegal a aplicação de métodos indirectos.
- Nem a recorrente invoca qualquer base factual, e também legal, passíveis de sustentar o invocado erro de julgamento, pois não indica concretamente os erros de julgamento cometidos,
- No caso da sentença agora recorrida, tal alegação de erro de julgamento, é totalmente descabida, porque a mesma não se verifica em concreto, na medida em que o Tribunal não deixou de fazer a análise critica que lhe era devida.
- De uma leitura da sentença, é possível depreender o iter lógico percorrido pela Mmª Juiz a quo em termos de se ficar a saber quais os elementos probatórios que motivaram a decisão recorrida.
- Com o entendimento explanado na douta sentença, o tribunal contrariou aquelas que eram as pretensões da Administração Fiscal, pelo que a esta, naturalmente, coube-lhe apenas invocar erro de julgamento.
- A inspecção tributária usou métodos de quantificação matéria tributável, logo à partida, para justificar o recurso a métodos indiciários.
- Recai sobre a Autoridade Tributária, em sede de inspecção, o ónus de fundamentar os critérios utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
- O Tribunal ao decidir que a inexistência da conta 12 só por si não é suficiente para legitimar o recurso a métodos indirectos, já que, o relatório de inspecção não refere nem fundamenta, em que medida a inexistência de tais contas inviabiliza o recurso ao método directo, como impõem os artigos 77º e 87º da L.G.T.
10º - O relatório de inspecção que deu origem às liquidações impugnadas, nunca comprovou que os dados recolhidos tornavam impossível à verdadeira situação tributária do contribuinte.
11º - A inspecção tributária recorreu a amostragens e testes na fase de qualificação do procedimento de inspecção, usando factos e métodos relativos à quantificação da matéria colectável, numa fase onde ainda não tinha chegado.
12º - Misturando a fase da qualificação do procedimento com a fase da quantificação da matéria tributável.
13º - O recurso às amostragens pela inspecção tributária, foram amplamente e objectivamente contestados pelos lmpugnantes, quer relativamente ao recurso e uso das mesmas, quer aos resultados obtidos.
14º - Bem andou a douta sentença recorrida, ao considerar e assim expressamente o decidir, que qualquer dos motivos invocados pela inspecção tributária, não eram passíveis de fundamentarem o recurso a métodos indiciários, com violação expressa, dos artigos 75º, 87º e 88º da L.G.T.
Terminam os Recorridos pedindo que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
Os autos foram com vista à digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo esta emitido parecer no sentido da procedência do presente recurso (cf. fls. 346 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

-/-



II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º ...11 de 09.01.2007, a Divisão de Inspeção Tributária II, da Direção de Finanças ..., levou a cabo uma ação de inspeção aos Impugnantes, de âmbito geral, que incidiu sobre os exercícios económico de 2004 e 2005 e que decorreu entre 06.03.2007 e 04.05.2007. – Cfr. fls. 5 e ss. do processo administrativo apenso (PA), que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
2. Em 08.05.2007, no âmbito da ação de inspeção referida em 1., foi elaborado o projeto de relatório de inspeção tributária, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, destacando-se o seguinte:
“(…)
IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos

4.1 Inexistência da conta 12 - depósitos à ordem
Nos exercícios de 2004 e 2005, o sujeito passivo não movimentou a conta 12-depósitos à ordem.
Apesar de no exercício de 2005, já estar obrigado a possuir uma conta bancária, pois de acordo com o disposto no nº 1 do Art° 63 C da Lei Geral tributária, os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida.
Contudo, na contabilidade existe a conta 231 - empréstimos bancários que possuía no exercício de 2004 um saldo no montante de €48.745.36 e no exercício de 2005 um saldo no montante de € 24.732,44.

4.2 Não possui contas individualizadas de clientes
O sujeito passivo contabiliza todas as vendas efectuadas através de débito de uma única conta de clientes, trata-se da conta 211 - Clientes c/correntes. Desta forma dificulta o controlo das vendas efectuadas por clientes, pois além de existirem muitos clientes, verificámos também uma quantidade elevada de documentos emitidos por cliente, pois as vendas são realizadas com bastante regularidade, dado o carácter perecível dos bens transaccionados.

4.3 Irregularidades na emissão dos documentos de venda
Nos exercícios inspeccionados, detectámos a emissão de diversas facturas para suportar as vendas, em que o número de identificação fiscal do cliente é inválido, dado o primeiro dígito ser o número 8.
Alguns dos clientes com NIF inválido são os referenciados com os seguintes números:
...82 - «CC»
...72 - «DD»
...65 - «EE»
...69 - «FF»
...50 - «GG»

4.4 Omissão de vendas
Para uma melhor análise da actividade, foi feita a sua subdivisão em cinco grupos (ovos, frango morto, outras carnes, caixas, calibragem);
Considerámos esta subdivisão dada a existência de vendas de caixas e de prestação de serviços de calibragem à firma "[SCom01...] Lda.".
O grupo das outras carnes inclui: asas de frango, asas de peru, moelas, fígados, fricassés de frangos, coelhos, peitos de peru, pernas de peru, perus inteiros, galinhas e frangos do campo.
A partir dos consumos e das vendas apurámos as margens de comercialização declaradas em cada um destes grupos, conforme se indica nos quadros seguintes:
(…)
Esta análise permitiu-nos verificar que as margens de comercialização declaradas são muito
divergentes de um exercício para o outro no grupo dos ovos e das outras carnes. Tal facto, indicia omissão de compras ou de vendas, pois não existe razão aparente para o sucedido, uma vez que, a actividade foi exercida nos mesmos moldes e não se verificaram grandes oscilações no preço de compra e de venda dos ovos.
As compras de ovos e de frango morto foram apuradas com base nos registos da contabilidade.
As compras de outras carnes foram obtidas pela diferença entre o valor total declarado e o valor apurado de ovos e de frango morto.
As estatísticas de vendas de ovos e frango morto foram fornecidas pelo sujeito passivo, assim como os valores de caixas e calibragem. O valor de vendas de outras carnes foi apurado por diferença.
Anexo 2 - compras de ovos (2004)
Anexo 3 - compras de ovos (2005)
Anexo 4 - existências declaradas em 31/12/2003
Anexo 5 - existências declaradas em 31/12/2004
Anexo 6- existências declaradas em 31/12/2005
Anexo 7 - compras de frango (2004)
Anexo 8 - compras de frango (2005)
Anexo 9 - Estatística de vendas de ovos (2004)
Anexo 10 - Estatística de vendas de ovos (2005)
Anexo 11 - Estatística de vendas de frango (2004)
Anexo 12 - Estatística de vendas de frango (2005)

Controlo quantitativo
Foi efectuado um controlo quantitativo aos ovos (dúzias), às caixas de cartão para transporte dos ovos comercializados, às caixas para venda de ovos embalados e ao frango morto (kg).

Ovos
O controlo quantitativo de ovos, permitiu-nos verificar que existem diferenças significativas entre as quantidades consumidas e as quantidades vendidas, conforme se indica no quadro seguinte:
(…)
As diferenças encontradas nos exercícios de 2004 e 2005, representam quebras de 2,50% e 5,43% das quantidades consumidas.
Embora existam quebras normais na actividade, por factores vários, nomeadamente condições de transporte, embalagem e características do próprio ovo, consideramos que os valores apresentados são elevados para serem considerados desperdícios efectivos, pois ao que apurámos não existe aproveitamento dos ovos partidos.
Caso os desperdícios fossem assim tão elevados o sujeito passivo teria optado pela sua comercialização, através da modalidade de ovo líquido ou ovo seco.
Também não faz sentido existir uma desproporção tão grande de um exercício para o outro, dada a grande diversidade de fornecedores de mercadorias e a larga experiência do sujeito passivo no sector de actividade.
A grande divergência entre as quantidades consumidas e as quantidades vendidas de ovos é um indicador de omissão de vendas de ovos.

Caixas de cartão para transporte de ovos
O sujeito passivo adquire caixas de cartão para o transporte de ovos do centro de calibragem para o cliente, utilizando duas medidas de caixas, uma medida para 15 dúzias outra medida para 30 dúzias.
Nos exercícios inspeccionados, o sujeito passivo adquiriu as seguintes quantidades de caixas:
(…)
Verificámos também a venda de 1648 caixas de cartão da medida de 30 dúzias de ovos no exercício de 2004 e de 755 caixas de cartão da medida de 30 dúzias ovos no exercício de 2005 à firma "[SCom01...] Lda.".
Se deduzirmos ao número de caixas adquiridas o número de caixas vendidas à [SCom01...] Lda", obtemos o número de caixas que o sujeito passivo utilizou (dispôs) para comercialização de ovos.
(…)
A partir do consumo de caixas calculámos o número de dúzias de ovos susceptíveis de serem comercializados.
Ano 2004 = 16332 caixas X 15 dúzias + 23903 caixas X 30 dúzias = 962070dúzias
Ano 2005 = 13935 caixas X 15 dúzias + 29192 caixas X 30 dúzias = 1084785 dúzias
Verificámos assim, que o número de dúzias de ovos susceptíveis de serem comercializados é muito superior às vendas declaradas de ovos. Tal facto é um indício de omissão de vendas.
(…)
Nesta análise não levámos em linha de conta a reutilização das caixas porquanto existe a venda a clientes a retalho, que no caso de adquirem uma quantidade inferior à contida na caixa, a mesma pode ficar na posse do sujeito passivo e ser novamente reutilizada.

Caixas para venda de ovos embalados
Nos exercícios de 2004 e 2005, o sujeito passivo adquiriu 1734 e 1729 balotes de embalagens para comércio de ovos embalados. Cada balote contém 220 unidades (couvetes) com capacidade para uma dúzia de ovos.
Verificámos também a venda nos exercícios de 2004 e 2005 de 11530 e 6090 de couvetes (embalagens de 1 dúzia) para a firma "[SCom01...] Lda".
Se deduzirmos ao número de embalagens adquiridas o número de caixas vendidas à [SCom01...] Lda", obtemos o número de caixas que o sujeito passivo dispôs para
comercialização de ovos embalados.
(…)
o número de couvetes disponíveis para comercialização de ovos embalados é muito superior às vendas declaradas de ovos embalados, o que vêm mais uma vez reforçar a ideia de que existe omissão de vendas de ovos.
(…)
Vendas declaradas de ovos
De acordo com a estatística de vendas fornecida pelo sujeito passivo, as vendas declaradas de ovos embalados e para a indústria foram as seguintes:
(…)
Os ovos indústria são comercializados em cartões que vêm directamente do produtor, contendo cada cartão 2,5 dúzias de ovos.
Os ovos embalados são comercializados através de embalagens que o sujeito passivo adquire para esse fim, contendo cada embalagem 1 dúzia de ovos.
Anexo 13 - Compras de caixas de cartão (2004)
Anexo 14 - Compras de caixas de cartão (2005)
Anexo 15 - Compras de embalagens (couvetes) (2004)
Anexo 16 - Compras de embalagens (couvetes) (2005)
Anexo 17 - Vendas efectuadas para a [SCom01...] (2004)
Anexo 18 - Vendas efectuadas para a [SCom01...] (2005)

Frango morto
O controlo quantitativo de frango morto, permitiu-nos verificar que nos exercícios de 2004 e 2005 existem diferenças nos montantes respectivos de 789,29 Kg e de 1.304,01 entre as quantidades consumidas e as quantidades vendidas, conforme se indica no quadro seguinte:
(…)
O frango é adquirido com miúdos para ser comercializado com miúdos e sem miúdos. Há também o comércio dos miúdos de uma forma isolada. Dada a forma isolada de comércio dos miúdos (fígados) é natural que exista uma pequena divergência entre os quilogramas de frango adquirido e os quilogramas de frango vendido, embora os valores apresentados sejam um pouco elevados.

4.5 Omissão de compras
Ao efectuarmos uma análise comparativa entre as quantidades compradas e as quantidades vendidas de ovos, verificámos que no mês de Junho de 2004 e no mês de Setembro de 2005, o valor de vendas é superior ao valor de compras, em termos de valor mês e valor acumulado, conforme se demonstra nos quadros seguintes:
(…)
Amostragens realizadas
Com o intuito de testar a margem declarada pelo sujeito passivo nos exercícios de 2004 e 2005, solicitámos as guias de remessa emitidas no dia 10 dos meses de Janeiro, Março, Agosto e Dezembro.
No caso do dia 10 coincidir com o fim de semana e não existirem vendas nesse dia, solicitámos as guias de remessa do dia útil seguinte.
Para a amostragem do exercício de 2005, incluímos também o dia 12 de Dezembro, apesar de
existirem vendas no dia 10 de Dezembro de 2005, dado o facto do dia 10/12/05 coincidir com um Sábado e o movimento de vendas ser reduzido.
(…)
A amostragem realizada ao exercício de 2004, abrange um universo de 104 guias de remessa, 102 facturas e 62 clientes diferentes e incluí vendas no montante de €23.203,52 distribuídas da seguinte forma:
(…)
A amostragem realizada ao exercício de 2005, abrange um universo de 75 guias de remessa, 64 facturas e 43 clientes diferentes e incluí vendas no montante de €24.784,92 distribuídas da seguinte forma:
(…)
A partir da guia de remessa identificámos a factura de venda. A partir das quantidades vendidas, do preço de venda e do preço de compra extraído do documento de aquisição em que a data da compra coincide com a data da venda ou do dia anterior mais próximo determinámos as seguintes margens de comercialização:
(…)
O apuramento de uma margem de comercialização no grupo das outras carnes inferior à declarada pelo sujeito passivo, é um indício de omissão de compras.
Anexo 19 - Amostragem frango (2004)
Anexo 20 - Amostragem outros (2004)
Anexo 21 - Amostragem frango (2005)
Anexo 22 - Amostragem frango (2005)
Ao efectuarmos este procedimento, verificámos as seguintes situações:
- não foram declaradas vendas de frango no dia 10 de Março de 2004 (Quarta-feira) e no dia 10 de Março de 2005 (Quinta-feira);
- no dia 12/01/04 (Segunda feira), o sujeito passivo só declarou vendas de 20 dúzias ovos no
montante de €20,00 para um único cliente (Santa Casa da Misericórdia de ... - NIPC: ...30), que não adquiriu outras mercadorias;
- no dia 12/01/04, o sujeito passivo só declarou vendas de ovos, frango, fígados e patas;
- nos dias 10/08/04 e 10/12/04, o sujeito passivo comercializa os diversos tipos de mercadorias (ovos, frango, fígados, asas de frango, asas de peru, coelho, coxas de frango, espetadas de peru, frango do campo, galinha, patas, peito de frango, peito de peru, peru inteiro, perna de peru);
- no dia 10/01/05, o sujeito passivo só declarou vendas de ovos, frango, fígados e patas;
- no dia 10/08/05, o sujeito passivo comercializa os diversos tipos de mercadorias (ovos, frango, fígados, asas de frango, asas de peru, coelho, coxas de frango, espetadas de peru, frango do campo, galinha, patas, peito de frango, peito de peru, peru inteiro, perna de peru);
- no dia 10/12/05, o sujeito passivo só comercializa ovos e frango;
- no dia 12/12/05, o sujeito passivo só declarou vendas de ovos, frango, fígados e patas;

A ausência de vendas de frango no dia 10/03/04 e no dia 10/03/05 é um indício de omissão de vendas, pois constatámos a aquisição nestes dias de 1.863,83 kg e de 3.099,00 kg de frango à firma [SCom02...];
A existência de uma única venda de ovos no dia 12/01/04 é um indício de omissão de vendas.
A ausência de vendas de outras carnes nos dias 10/03/04 e 10/03/05 é um indício de omissão de vendas.

4.6 Grande diferenciação de margens de comercialização
O sujeito passivo declara margens de comercialização próximas das médias do sector de actividade.
(…)
No seguimento dos procedimentos de inspecção verificaram-se erros e inexactidões no registo das operações e indícios fundados de que os valores declarados não reflectem a exacta situação patrimonial e os resultados efectivamente obtidos. Com efeito, considera-se cessada a presunção de verdade dos valores declarados pelo contribuinte, uma vez que se demonstrou a falta de credibilidade desses.
Assim estão reunidas as condições de acordo com o Art.º 39 do CIRS, bem como do disposto no Artº 87 da Lei Geral Tributária para a aplicação de métodos indirectos nos exercícios de 2004 e 2005.
De acordo com o que ficou exposto estão reunidos os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do Art° 88 da Lei Geral Tributária, para que se verifique a impossibilidade de determinação exacta da matéria tributável, a saber:
- omissões de vendas;
- omissões de compras;
- não movimentação da conta de depósitos à ordem nos exercícios de 2004 e 2005;
- não individualização da conta de clientes;
- grande diferenciação de margens de comercialização do exercício de 2004 para o exercício de 2005 no grupo dos ovos e das outras carnes.”, cfr. fls. 5 a 13 do relatório de inspeção;

V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
5.1 Critérios
Como não dispomos de elementos que nos permitam determinar com exactidão o resultado fiscal dos exercícios inspeccionados, vamos estimar vendas e compras com base nos seguintes pressupostos:
- calculámos o número de dúzias de ovos comercializadas em cada ano tendo por base o número de caixas de cartão adquiridas e utilizadas para a sua comercialização;
- estimámos a quantidade (dúzias) omitida de vendas de ovos a partir da diferença entre a quantidade estimada de ovos comercializados e a quantidade declarada de vendas de ovos;
- estimámos o valor de vendas de ovos omitidos a partir da quantidade omitida e do preço médio de venda de cada dúzia de ovos;
- o preço médio de venda de cada dúzia de ovos é apurado com base nas vendas totais declaradas em quantidade e em valor;
- estimámos o consumo de dúzias de ovos de forma a existir uma quebra média entre a quantidade consumida e a quantidade vendida de 2,50%, quebra esta declarada pelo sujeito passivo no exercício de 2004;
- apurámos as compras omitidas (quantidades) de dúzias de ovos com base na diferença entre o consumo estimado e o consumo declarado.
- estimámos o valor de compras de ovos a partir do número estimado de compras de dúzias de ovos omitidas e do preço médio de compra de cada dúzia de ovos;
- o preço médio de compra de cada dúzia de ovos é apurado com base nas compras totais declaradas em quantidade e valor;

5.2 Cálculos
N° dúzias de ovos comercializados
Quant. (dúzias de ovos) comercializados = (nº de cx adquiridas – nº cx vendidas) x capacidade cx
Ano 2004 = 16332 x 15 + (25551- 1648) x 30 = 962070 dúzias
Ano 2005 = 13935 x 15 + (29947- 755) x 30 = 1084785 dúzias
Apuramento do preço médio de venda de cada dúzia de ovos
Preço médio de venda (dúzia) = Valor de vendas: Quantidade (dúzias)
Ano 2004 = 547.338,57 : 855252,50 = 0,64
Ano 2005 = 567.488,91 : 887.987,50 = 0,64
Vendas omitidas
Quantidade vendas omitidas (dúzias ovos) = valor estimado - valor declarado
Ano 2004 = 962070 - 855252,50 = 106817,50
Ano 2005 = 1084785 - 887987,50 = 196797,50
Valor de vendas omitidas = Quantidade (dúzias) x Preço médio de venda
Ano 2004 = 106817,50 x 0,64 = €68.363,20
Ano 2005 = 196797,50 x 0,64 = €125.950,40
Consumo em quantidade (dúzias) estimado de ovos
Consumo em quantidade (dúzias) estimado de ovos = Vendas estimadas (dúzias) de ovos: 0,975
Ano 2004 = 962070: 0,975 = 986738
Ano 2005 = 1084785: 0,975 = 1112600
Compras omitidas de dúzias de ovos
Quantidade de compras omitidas (dúzias) ovos = Consumo estimado - consumo declarado
Ano 2004 = 986738 - 877168 = 109570
Ano 2005 = 1112600 - 938951 = 173649
Apuramento do preço médio de compra
Preço médio de compra (dúzia) = Valor de compras: Quantidade (dúzias)
Ano 2004 = 431.355,75: 888975 = € 0,49
Ano 2005 = 470.388,79: 936417 = € 0,50
Valor estimado de compras omitidas de ovos
Valor estimado de compras (dúzias) ovos = Quantidade (dúzia) omitida x Preço médio de compra
Ano 2004 = 109570 x 0,49 = 53.689,30
Ano 2005 = 173649 x 0,50 = 86.824,50
Em face da estimativa de compras e vendas de ovos no exercício de 2004, resulta uma correcção ao resultado líquido do exercício no montante de €14.152,33
(…)
Em face da estimativa de compras e vendas de ovos no exercício de 2005 resulta uma correcção ao resultado líquido do exercício no montante de €37.798,33.
(…)”.
– Cfr. fls. 5 e ss. do PA, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
3. Os Impugnantes foram notificados para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, por ofício enviado por carta registada, não o tendo exercido. – Cfr. fls. 2 do PA, que aqui se dão por reproduzidas.
4. Pelo ofício n.º ...24, de 11.06.2007, enviado por carta registada com aviso de receção, foram os Impugnantes notificados de que foi fixado o conjunto dos rendimentos líquidos e o IVA, por métodos indiretos, dos anos de 2004 e 2005, com base no Relatório de Inspeção Tributária. – Cfr. fls. 3/4 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
5. Os Impugnantes apresentaram pedido de revisão da matéria coletável nos termos constantes de fls. 70 e ss. do PA, cujo teor se tem por reproduzido.
6. Em 08.08.2007, reuniram-se os peritos, para efeitos do pedido de revisão da matéria coletável apresentado, tendo sido lavrada ata n.º 10/07, constante de fls. 113 e ss. do PA, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, dando-se aqui por integralmente reproduzida.
7. Em 23.08.2007, o Diretor de Finanças proferiu a seguinte decisão:
“(…) DECISÃO
(n°6 do artº 92° LGT)
Nos termos do nº 6 do artº 92º da Lei Geral Tributária, cumpre ao órgão competente para a
fixação da matéria tributável resolver, na falta de acordo entre os peritos.
Assim, considerando que o perito da Administração Tributária defende a manutenção dos valores objecto do pedido de revisão e o perito do contribuinte, sem nada de novo trazer à discussão, defende a manutenção dos valores inicialmente declarados pelo contribuinte, Decido, por falta de elementos que, nesta fase, os ponham em causa, manter os valores fixados, aqui, em discussão.
(…)”. – Cfr. fls. 119 do PA, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
8. Como resultado da ação inspetiva, a Administração Tributária emitiu os atos de liquidação adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios juntos a fls. 23 a 69 do processo físico, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por uma questão de brevidade, com o valor global de € 10.530,60 euros.
*
Quantos aos factos não provados, na sentença recorrida considerou-se que:
«Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados e não provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.»
*
No que diz respeito à motivação factual, escreveu-se na sentença recorrida que:
«A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos e juntos ao processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [artigos 396.º do CC e 607.º, n.º 5 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT].
Os depoimentos das testemunhas não influem na presente decisão pelo que, vamos abster-nos de os analisar, por ser desnecessário.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de prova produzida para o efeito.»

-/-

III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente RFP, nomeadamente quanto ao erro de julgamento de direito no que diz respeito aos pressupostos para a aplicação de métodos indiretos.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu pela qual se concedeu provimento à impugnação deduzida pelos ora Recorridos, direcionada contra as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 2004 e 2005.
As liquidações supra referidas assentaram na decisão final proferida no âmbito de um procedimento de revisão da matéria coletável que, por sua vez, assumiu os fundamentos de um relatório de inspeção elaborado pelos serviços da AT e no qual se concluiu pela correção à matéria tributável, nomeadamente em matéria de IVA, referente aos exercícios acima indicados.
No presente recurso, a ora Apelante faz uma leve referência a um conjunto de factos, sem que, contudo, aponte verdadeiramente qualquer erro de julgamento quanto à apreciação feita da mesma pelo Tribunal recorrido, pelo que nada há apreciar por esta instância quanto ao julgamento de facto feito na sentença recorrida.
Deste modo, encontra-se estabilizada a matéria factual sobre a qual incidirá a apreciação do presente recurso.
Por isso, a única questão fulcral do recurso aqui movido pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrido errou quando considerou verificado o vício falta de pressupostos para a aplicação de métodos indiretos.
Assim, a este propósito, extrai-se da decisão jurisdicional ora em apreço que:
“[…]
Resulta do probatório (facto provado 2.) que foram os seguintes os motivos eleitos pela Administração Tributária para fundamentar o recurso a métodos indiretos:
i. Inexistência da conta 12 – depósitos à ordem;
ii. Não possui contas individualizadas de clientes;
iii. Irregularidades na emissão dos documentos de venda;
iv. Omissão de vendas;
v. Omissão de compras;
vi. Grande diferenciação de margens de comercialização.
Com base nestes elementos, concluiu a Administração Tributária que “No seguimento dos procedimentos de inspecção verificaram-se erros e inexactidões no registo das operações e indícios fundados de que os valores declarados não reflectem a exacta situação patrimonial e os resultados efectivamente obtidos. Com efeito, considera-se cessada a presunção de verdade dos valores declarados pelo contribuinte, uma vez que se demonstrou a falta de credibilidade desses.
Assim estão reunidas as condições de acordo com o Art.º 39 do CIRS, bem como do disposto no Artº 87 da Lei Geral Tributária para a aplicação de métodos indirectos nos exercícios de 2004 e 2005.
De acordo com o que ficou exposto estão reunidos os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do Art° 88 da Lei Geral Tributária, para que se verifique a impossibilidade de determinação exacta da matéria tributável, a saber:
- omissões de vendas;
- omissões de compras;
- não movimentação da conta de depósitos à ordem nos exercícios de 2004 e 2005;
- não individualização da conta de clientes;
- grande diferenciação de margens de comercialização do exercício de 2004 para o exercício de 2005 no grupo dos ovos e das outras carnes.”.
Apreciando.
De conformidade com o n.º 2, do artigo 75.º da LGT, a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados e apuramentos da sua contabilidade ou escrita cessa quando, nomeadamente, revelem omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável do sujeito passivo.
(…)
Percorrendo o ponto IV do relatório de inspeção tributária, (cujo teor aqui se reproduz por uma questão de brevidade) constam os motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos, atrás referidos de i) a vi).
Acontece que, quer na omissão de vendas, quer na omissão de compras, quer a grande diferenciação de margens de comercialização, a Administração Tributária, usou margens de comercialização e amostragens através de testes.
Na omissão de vendas consta no relatório “A partir dos consumos e das vendas apurámos as margens de comercialização declaradas…”.
Na omissão de compras, consta no relatório “(…) Com o intuito de testar a margem declarada pelo sujeito passivo nos exercícios de 2004 e 2005, solicitámos as guias de remessa emitidas no dia 10 dos meses de Janeiro, Março, Agosto e Dezembro. No caso do dia 10 coincidir com o fim de semana e não existirem vendas nesse dia, solicitámos as guias de remessa do dia útil seguinte.
Para a amostragem do exercício de 2005, incluímos também o dia 12 de Dezembro, apesar de existirem vendas no dia 10 de Dezembro de 2005, dado o facto do dia 10/12/05 coincidir com um Sábado e o movimento de vendas ser reduzido.
(…)
A amostragem realizada ao exercício de 2004, abrange um universo de 104 guias de remessa, 102 facturas e 62 clientes diferentes e incluí vendas no montante de €23.203,52 distribuídas da seguinte forma:
(…)
A amostragem realizada ao exercício de 2005, abrange um universo de 75 guias de remessa, 64 facturas e 43 clientes diferentes e incluí vendas no montante de €24.784,92 distribuídas da seguinte forma: (…)”.
E o último motivo que justificou a Administração Tributária a recorrer à aplicação dos métodos indiretos foi a grande diferenciação de margens de comercialização, que como o nome indica, estão em causa margens de comercialização.
Ora, estamos na fase da qualificação do procedimento de avaliação indireta da matéria coletável que se traduz na aferição da existência ou não dos pressupostos do recurso à tributação por métodos indiretos. A fase da quantificação vem depois e traduz-se no momento em que a Administração Tributária aplica o critério ou critérios que entendeu para apurar o lucro tributável.
Portanto, proceder a testes, através de amostragens e outros, como pressuposto para o recurso à avaliação indireta, mais não representa do que a mistura entre os pressupostos da tributação por métodos indiciários e a quantificação da matéria tributável.
De facto, importa notar que as percentagens obtidas através dos testes que foram efetuados pela Administração Tributária foram determinantes quer para a consideração de que a contabilidade não refletia a situação real da empresa, quer para a operação de determinação do quantum da matéria coletável, pois que pela aplicação dessas percentagens é que a Administração Tributária configurou o montante das correções ao lucro tributável.
Dá-se aqui uma inversão do raciocínio, pois enquanto o artigo 87.º e 88.º da LGT prevê as circunstâncias que legitimam a administração fiscal a lançar mão dos métodos indiciários, o artigo 90.° do mesmo diploma estabelece os critérios de quantificação da matéria tributável por métodos indiciários. E as percentagens apuradas pelos testes não são indício fundado de que a contabilidade não reflete a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido, mas antes servem como método para a operação de quantificação da matéria tributável a que devia estar subjacente um indício.
Importa notar que se levantam várias dúvidas quanto à valia de percentagens de lucro obtidas por testes, como indicador de que existem proveitos omitidos que permitam assim à Administração Tributária afastar-se das declarações do sujeito passivo, e vir a apurar a matéria coletável por recurso a métodos indiciários.
Se as percentagens de lucro obtidas em resultado de testes de amostragem se afiguram como critério adequado de quantificação, porque em relação à quantificação com recurso a métodos indiciários, pela sua própria natureza, não se pode exigir a mesma precisão que na quantificação feita com base na declaração do contribuinte, sendo que esta posição menos favorável do contribuinte compreende-se «porque a quantificação por presunção só a si lhe é imputável, pelo que o contribuinte, se queria ser tributado pelo lucro real, deveria ter uma contabilidade sã, que permitisse o controlo dos dados nela constante» (cf. acórdão do TCA Sul de 01.02.2011, P. 4417/10), este raciocínio não é transponível para o momento anterior em que cabe à Administração Tributária encontrar os erros ou inexatidões da contabilidade ou recolher indícios fundados de que aquela não reflete a situação real da empresa.
Ademais, enquanto técnica de pesquisa, as amostragens/percentagens admitem uma margem de erro e a verdade é que a verificação da existência dos pressupostos para o recurso a métodos indiciários não se compadece com “margens de erro”, já que estas afastam que os dados resultantes da amostragem se considerem indícios consolidados, revelando apenas como meras aparências desacompanhadas da expressão factual de verdadeiros elementos probatórios. Nesta fase – a da qualificação – não se poderá fazer incidir sobre o contribuinte este risco – do erro da amostra – pois o sujeito passivo continua a ter do seu lado a presunção de veracidade das suas declarações.
Acrescente-se que, ainda que se considere que as percentagens de lucro estimadas constituem um sintoma de que a escrita da Impugnante não reflete a sua verdadeira situação tributária, uma espécie de «sinal de alarme», uma razão para uma análise mais apurada, uma justificação para uma ação de fiscalização, não são fundamento bastante para abalar a credibilidade da escrita.
As percentagens de lucro estimadas não representam um padrão de normalidade, ou seja, são sempre uma estimativa, que comporta desvios, incluindo dentro da própria amostra. E esses desvios, tal como os erros da amostra, poderão por si justificar as divergências que se encontram entre os proveitos declarados e os proveitos estimados. Assim, só poderão pôr em causa a credibilidade dos dados contabilísticos se, com recurso a outros elementos, não se encontrarem motivos para a existência de desvios à estimativa. E note-se que in casu a Impugnante alegou existirem justificações para as divergências encontradas: caixas defeituosas que vão para o lixo, as caixas não levam sempre a sua capacidade de armazenamento máxima, etc.
Um rendimento resultante da aplicação de percentagens de lucro estimadas (obtidas em testes/amostragens) continua a ser um rendimento presumidamente real para efeitos do artigo 75.º da LGT. Admitir o contrário seria concluir que as declarações e a escrita só beneficiam da presunção de verdade quando forem compatíveis com as percentagens de comercialização apuradas por amostragem, independentemente das especificidades da totalidade do universo do qual foi recolhida a amostra e das caraterísticas próprias da atividade desenvolvida.
Concluímos, por isso, que as diferenças entre as margens de lucro declaradas e as apuradas pela Administração Tributária pela amostragem realizada, com a consequente diferença entre as vendas declaradas e as estimadas, não constituem um elemento objetivo e concreto que permitisse à Administração Tributária concluir que a contabilidade da Impugnante não refletia a sua real situação e que era inviável o apuramento direto.
Portanto, nenhum dos motivos invocados pela Administração Tributária são suscetíveis de consubstanciarem os pressupostos para o recurso aos métodos indiciários.
Em suma, é manifesto que a Administração Tributária não recolheu qualquer elemento que, ao abrigo do disposto nos artigos 75.º, 87.º, n.º 1, alínea b) e 88.º, alínea a) da LGT, a legitimasse a recorrer aos métodos indiretos.
De resto, atente-se que a Administração Tributária decidiu pela avaliação indiciária sem nunca concretizar a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, ou seja, não esclareceu porque motivo as alegadas irregularidades por si detetadas, não lhe permitiam a si, e ao Tribunal, comprovar e quantificar diretamente a matéria tributável, como exigido pelo artigo 77.º, n.º 4 e 87.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Concluímos, assim, que a Administração Tributária não logrou demonstrar os pressupostos do recurso à tributação indiciária ou por presunções.
[…]”
Ora, primeiramente há que referir que os fundamentos das liquidações aqui impugnadas se devem ir buscar não diretamente no relatório inspetivo acima citado mas, antes, na decisão final do procedimento de revisão, mais concretamente no despacho do Sr. Diretor de Finanças a que se faz menção no número 7 dos factos assentes. Com efeito, alicerceando-se as liquidações impugnadas num ato emanado no procedimento de revisão, mais concretamente, na decisão do respetivo Diretor de Finanças, é nesse ato final que se deve colher a fundamentação afirmada pela Administração Tributária (vide, entre outros, o acórdão deste TCA, datado de 26-04-2018, proferido nº 01234/07.2BEVIS – in www.dgsi.pt).
Na situação em apreço, há que calibrar o decidido na sentença recorrida quando nesta se firmou a fundamentação dos atos recorridos diretamente no relatório inspetivo, quando a mesma se deve ir colher à decisão do Sr. Diretor de Finanças supra referenciada. Porém, no caso concreto, esta última decisão acaba por fazer apelo ao vertido no relatório inspetivo, sem quaisquer objeções ou eventuais acrescentos, pelo que os fundamentos deste último acabam por ser os determinantes para o teor dos atos impugnados.
Posto isto, temos que recordar que é invocado pela AT para a aplicação de métodos indiretos, o disposto nas alíneas a) e b) do art.º 88.º da LGT e 39.º do CIRS. Contudo, tal invocação, ainda que imperfeita, foi precedida da invocação do regime do art.º 87.º da LGT, este sim definidor dos pressupostos normativos para a utilização de métodos indiretos.
Para o efeito, com bem se refere na sentença recorrida, a AT identificou as seguintes situações:
- omissões de vendas;
- omissões de compras;
- não movimentação da conta de depósitos à ordem nos exercícios de 2004 e 2005;
- não individualização da conta de clientes;
- grande diferenciação de margens de comercialização do exercício de 2004 para o exercício de 2005 no grupo dos ovos e das outras carnes.
Na sentença recorrida, como vimos, considerou-se que a AT não havia reunido elementos factuais que fossem subsumíveis às previsões legais pertinentes no que tange à aplicação de métodos indiretos. Ora, na sentença recorrida afirmou-se apenas que o item tratado como «omissão de vendas» foi indevidamente considerado. Ora, tal raciocínio merece a nossa concordância, uma vez que para chegar à conclusão da omissão de vendas, a AT criou uma presunção de vendas, para dai, por sua vez, presumir que estavam reunidos os pressupostos para a aplicação de métodos indiretos. Dito de outro modo, a AT criou um quadro factual conjetural, para daí presumir que estavam reunidos os pressupostos de aplicação de método indiretos e, como se diz na sentença recorrida, invertendo a lógica de construção deste tipo de métodos, mesclando os respetivos pressupostos legais para o recurso aos mesmos com os métodos para cálculo do rendimento coletável presumido.
Mas a questão que se coloca é se, ainda assim, os demais factos invocados pela AT, ou seja, as omissões de compras, a não movimentação da conta de depósitos à ordem nos exercícios de 2004 e 2005, a não individualização da conta de clientes e a dita grande diferenciação de margens de comercialização do exercício de 2004 para o exercício de 2005 (no grupo dos ovos e das outras carnes), são suscetíveis de configurarem pressupostos idóneos para a aplicação de métodos indiretos.
A propósito desta última questão, seguimos aqui, com as necessárias adaptações, a orientação do acórdão proferido por esta instância, datado de 25.01.2023, proferido no processo n.º 259/08.5BEVIS, em que as partes são as mesmas e a cujas liquidações de IRS de 2004 e 2005 ali questionadas tem por base os mesmos fundamentos das liquidações de IVA aqui em causa. Embora, no sobredito processo, a decisão de primeira instância tivesse sido distinta à proferida nestes autos, na medida em que naquele se considerou a impugnação improcedente. Assim, no aresto desta instância citado, considerou-se que:
“[…]
No discurso do RIT, nem a conclusão por indícios de omissão de vendas se baseou apenas numa presunção de vendas no limite da quantidade e da capacidade das caixas adquiridas, mas também em outros factores, explanados em todo o item 4.4 e ainda acrescidos, pontualmente, no 4.6, nem a decisão de se recorrer à avaliação indirecta se baseou apenas em indícios de omissão de vendas, antes foi invocada, ainda, uma pluralidade de outros factores, conforme todo o item 4.
Assim:
A omissão de vendas, acompanhada de omissão de compras, estaria revelada não só na disparidade entre a quantidade e a capacidade de caixas consumidas (962 070 dúzias em 2004 e 1 084 785 em 2005), por um lado, e a quantidade de ovos vendidos (855 252,5 dúzias em 2004 e 887 987,5 em 2005), por outro, considerada muito inferior àquela capacidade, como também na diferença, considerada excessiva, entre as margens totais de comercialização reveladas na contabilidade de um exercício e do outro (Ano 2004: 23,41%; Ano 2005: 18,63%); na excessiva diferença, também, entre as quantidades contabilizadas de ovos consumidos e ovos vendidos (877.168 e 855.252,50 dúzias, respectivamente, em 2004, e 938.951 e 887.987,50, respectivamente, em 2005), bem como no considerado grande aumento dessa diferença de um ano para o outro (21 915,50 dúzias em 2004 e 50 963,50 em 2005), tudo representando quebras de 2,5% em 2004 e 5,43% em 2995; e ainda na grande oscilação mensal das margens de comercialização (cf. item 4.6 do RIT) ao mesmo tempo que a margem total de cada ano se mostrava condicente com as médias local e nacional do sector.
Os factos invocados (e provados) além dos geradores dos alegados indícios de ocultação de vendas e compras foram os seguintes:
1º - Inexistência da conta de depósitos à ordem a que alude o artigo 63º C da LGT já em vigor em 1 de Janeiro de 2005;
2º - Inexistência de contas individualizadas de clientes;
3º - Emissão, pelo Recorrente, de determinadas facturas em que o número de identificação fiscal do cliente é inválido, dado o primeiro dígito ser o número 8.
As normas invocadas como fundamento para o recurso à avaliação directa foram o artigo 39º do CIRS e o artigo 87º da LGT.
Depreende-se inequivocamente dos factores invocados pela AT que as alíneas dos artigos 39º do CIRS e 87º da LGT que tacitamente se invocou foram as alíneas a) de ambos:
“Artigo 39.º
Aplicação de métodos indirectos
1 - A determinação do rendimento por métodos indirectos verifica-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da lei geral tributária e segue os termos do artigo 90.º da referida lei e do artigo 59.º do Código do IRC, com as adaptações necessárias.”
“Artigo 87º
“1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a) (…)
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
(…)”
Assim, importa ver se os sobreditos factos, tal como foram invocados e na medida e no contexto fáctico em que lograram ficar provados, impossibilitavam, cada um por si ou, ao menos, em conjugação com os demais, a comprovação exacta da matéria tributável da Recorrente.
Quanto às alegações de indícios de omissão de vendas e de indícios de omissão de compras há, antes de tudo, que apreciar se os factos relatados e provados são efectivamente idóneos para um juízo de valor no sentido de haver indícios fortes de ocultação de vendas.
Já vimos que a diferença entre a capacidade abstracta, em dúzias de ovos, das caixas adquiridas e a quantidade declarada de dúzias de ovos vendidos não era, em concreto, idónea, sem mais, para se formular o juízo de haver indícios fundados de omissão de vendas.
Sobre as demais diferenças consideradas pela Inspecção nesse sentido e acima resumidas, A AT afirma, conclusivamente, que são muito grandes; e que as oscilações mensais das margens de comercialização também são muito grandes – presume se que muito grandes para serem verdade – o que, no seu entender, contribuiria para a tal impossibilidade de comprovação de uma quantidade exacta. Porém, sobretudo no contexto dos factos provados C) e N) e O) não se vê, sem mais informação de facto, que as diferenças a que se chegou no RIT sejam de todo improváveis. Tão pouco as oscilações entre as margens de comercialização mês a mês se mostram em si mesmas, sem outras informação e explicação, fortemente inverosímeis. Nesta matéria, aliás, a AT incorre em petição de princípio ao qualificar como manobra de ocultação da falsificação das margens de comercialização, para “demonstrar” a ocorrência dessa falsificação, o facto de a Impugnante declarar margens anuais condicentes com as médias nacional e local.
Assim, temos de concluir que a AT não aportou para o RIT e, logo, para a fundamentação da decisão de recorrer à avaliação indirecta, indícios objectivos e suficientemente fundados de que, na contabilidade e nas declarações de autoliquidação de IRS de 2004 e de 2005, foi praticada a ocultação de compras e de vendas, com o que fica prejudicada a pergunta de saber se tal omissão impossibilitava a determinação exacta da matéria tributável.
Como vimos, segundo o RIT, além dos indícios de ocultação de vendas e de compras, causavam, ou concorriam para causar a impossibilidade de determinação comprovada e exacta da matéria tributável, a inexistência da conta de depósitos à ordem a que alude o artigo 63º C da LGT, já em vigor em 1 de Janeiro de 2005; a inexistência de contas individualizadas de clientes e a existência de determinadas facturas, emitidas pela Recorrente, em que o número de identificação fiscal do cliente era inválido, dado o primeiro dígito ser o número 8.
Vejamos:
A inexistência da conta de depósitos à ordem só se tornou ilícita em 2005 e, embora tal conta, se efectivamente por ela passarem todos pagamentos feitos e recebidos, seja um instrumento precioso para reconstituir exactamente a matéria tributável, da sua inexistência pura e simples não resulta só por si a impossibilidade daquela determinação. Ora o RIT não concretizou se e por que contexto e razões esta omissão, in casu, impossibilitava aquela determinação, por si ou em conjugação com algum, alguns ou todos os demais factores invocados, o que, no mínimo, torna este facto insusceptível, in casu, de só por si indiciar haver mateira tributável oculta e insusceptível de directa e exacta quantificação. É, todavia, certo que a inexistência desta conta, sobretudo nos anos mais tardios dos posteriores a 2005, pode ser valorada como factor de suspeita de ocultação ou da intenção de ocultação de matéria tributável.
À inexistência de conta de clientes pode aplicar-se, mutatis mutandis, o raciocínio acabado de expor quanto à conta de depósitos à ordem.
Embora o RIT não o explicite, o NIF errado, na menção da identificação fiscal do cliente, que se encontrou em seis facturas, não é mais do que o antigo “NIF de empresário individual”, atribuído pelo Ministério da Justiça, que começava por 8, em vez do NIF da pessoa individual do cliente, atribuído pela AT, único que, já então, devia figurar nas facturas (cf. Decreto-Lei n.º 19/97, de 21 de Janeiro, que definiu novas regras de atribuição do número de identificação fiscal às pessoas singulares e às pessoas colectivas e entidades equiparadas, e Portaria n.º 271/99, de 13 de Abril).
Não se trata, assim, de qualquer ficção ou ocultação da identidade dos clientes, enfim, de algo que impeça a identificação dos mesmos ou a tributação de qualquer das partes no contrato. Com efeito, não só existe e é sindicável uma correspondência desse número desactualizado com o NIF do cidadão, como os demais elementos da factura permitem identificar e confrontar este com a sua emissão. Com tal, este erro não se mostra, nem por si só nem em conjugação com os demais factos invocados, impossibilitante da determinação certa e exacta da matéria tributável da Impugnante.
Ao cabo desta passagem em revista de todos os factos invocados e juízos feitos pela AT, e sancionados pela sentença recorrida, como fundamento para o recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, o mais que se pode ter por conseguido pela AT é a prova de dois factos e a demonstração da pertinência de dois factores que, conjugados com todos os demais invocados, se provados e demonstrados, poderiam concorrer para se concluir ser impossível proceder a uma determinação comprovada e exacta da matéria tributável do Impugnante, quer no exercício de 2004 quer no de 2005. São eles a inexistência de conta de depósitos à ordem, mormente em 2005, e a inexistência de contas de clientes (os quais eram em grande quantidade).
Porém, uma vez que um factor tão relevante para se concluir por aquela impossibilidade, como era o da existência de indícios fundados de omissões de vendas e de compras, não se mostra, afinal, demonstrado, temos de concluir que a AT não logrou provar os factos que lhe valeriam a reunião dos pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta com fundamento na alª b) do artigo 87º da LGT.
[…]”
Assim, transpondo-se para a presente situação os fundamentos do acórdão desta instância supra citado, tal como nele, entendemos que face à prova constante destes autos e no que concerne às liquidações de IVA aqui em causa, a AT não conseguiu reunir factos concretos subsumíveis às previsões constantes do artigo 87º da LGT.
Efetivamente, como vem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
Por isso, terá que improceder o presente recurso, mantendo-se o sentido decisório da sentença recorrida.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I - Alicerceando-se as liquidações impugnadas num ato emanado no procedimento de revisão, mais concretamente, na decisão do respetivo Diretor de Finanças, é nesse ato final que se deve colher a fundamentação afirmada pela Administração Tributária.
II - Como vem sido uniformemente entendido pela jurisprudência, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

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V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida com os presentes fundamentos.

Custas pela Recorrente (por totalmente vencida).


Porto, 08 de fevereiro de 2024

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Irene das Neves
Paulo Moura