Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02226/09.2BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/14/2023 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Carlos de Castro Fernandes |
| Descritores: | IRC; IMÓVEIS; IMOBILIZADO CORPÓREO; EXISTÊNCIAS; |
| Sumário: | I – Ao Recorrente que impugne a matéria de facto em sede recursiva impõe-se que cumpra os ónus processuais vertidos no art.º 640.º do atual CPC, aplicável por força do disposto no art.º 281.º do CPPT, sob pena de rejeição do mesmo na parte afetada. II - O cerne fundamental para a qualificação de um bem como constituindo o imobilizado corpóreo ou uma existência, reside na destinação concreta que o sujeito passivo lhe deu. III – A aplicação da regra contida no n.º 1 do art.º 100.º do CPPT pressupõe que o Julgador, perante a prova produzida, se depare perante uma fundada dúvida relativa à existência e quantificação do ato tributário. III – Não padece de erro de julgamento a sentença que teve por inverificado o vício de falta de fundamentação formal dos atos impugnados, quando da fundamentação concreta constante do relatório de inspeção que os sustenta, se consegue obter o respetivo sentido decisório, assim como se alcança o percurso cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT e que àquele conduziu.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – A «X, S.A.» (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou improcedente a impugnação intentada contra as liquidações de IRC dos exercícios de 2005 e 2006, assim como contra a correspetivas liquidações de juros compensatórios. No presente recurso, a Recorrente formula as seguintes conclusões: 1.ª – Vai este recurso interposto, pelo requerimento de fls. 138/139, da douta sentença de fls. 101/133 que julgou totalmente improcedente a impugnação deduzida a fls. 3/30. 2.ª – A Recorrente é uma sociedade comercial cujo objecto consiste na gestão de prédios e participações financeiras. 3.ª – Em 2009 a Recorrente foi sujeita a uma acção de inspecção que lhe corrigiu a matéria tributável, em IRC, anos de 2005 e 2006, em 111.583,67 € e 92.069,15 €, respectivamente. 4.ª – As correcções efectuadas reportaram-se, essencialmente, a prédios afectos à actividade operacional da Recorrente, identificados nos autos como “Empreendimento Colina ...” e “Casa ...”. 5.ª – Derivam tais correcções da divergência de posições entre a AT e os Contribuintes sobre a conceituação, classificação e contabilização dos activos constituídos por imóveis, ou como ELEMENTOS DO IMOBILIZADO CORPÓREO, ou como EXISTÊNCIAS. 6.ª – A douta sentença recorrida perfilhou o entendimento de que tais activos deviam ser classificados e contabilizados como EXISTÊNCIAS, 7.ª – com o que não pode conformar-se a Recorrente. 8.ª – Em primeiro lugar, porque a intenção da Recorrente, enquanto empresa nunca foi vender os imóveis que, aliás, conserva, com uma única excepção, referida em 7. supra 9.ª – Em segundo lugar, porque quer o Plano Oficial de Contabilidade (POC), em vigor ao tempo, quer o Direito Comunitário (na actualidade), nas Normas Internacionais de Contabilidade, transpostas por directivas comunitárias para a nossa ordem interna – Sistema Nacional de Contabilidade (SNC), consideram o investimento em imóveis como a propriedade (terreno ou edifício – ou parte de um edifício – ou ambos) detida para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas e não para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas ou para venda no curso ordinário do negócio (cfr. Norma Internacional de Contabilidade n.º 40). 10.ª – Em terceiro lugar, porque nenhum dos elementos que serviram de base à decisão da matéria de facto – documentos e informações oficiais constantes dos autos, e ainda a posição assumida pelas partes em juízo, nos seus articulados (cfr. fls. 153), conduzem à posição assumida na douta sentença recorrida – que os imóveis da Recorrente deviam ser tratados como EXISTÊNCIAS, tal como a AT os tratou. 11.ª – Por sua vez – e contrariamente ao que em alguns passos da douta sentença sob recurso se anota com sentimento de estranheza – o depoimento da testemunha AA é bem claro, fundamentado e convincente sobre a razão que o determinou a tratar os imóveis da Recorrente como IMOBILIZAÇÕES CORPÓREAS, de acordo com as normas do SNC. E, também, sobre as matérias que tinha obrigação de saber e daquelas cujo desconhecimento era perfeitamente curial. 12.ª – Trata-se, em matéria que a testemunha tinha obrigação de saber, e esclareceu, efectivamente, de imóveis não destinados à venda que, em função da respectiva aplicação técnica e económica, são de classificar como IMOBILIZADO CORPÓREO 13.ª – e não como EXISTÊNCIAS, precisamente porque não foram destinados à venda. 14.ª – Relativamente à “Casa ...”, mantém a ora Recorrente tudo o que alegou nos artigos 39.º a 62.º da p. i., considerando que a correcção à matéria tributável introduzida nesta parte (e a consequente liquidação adicional de IRC) enfermam do vício de falta de fundamentação legalmente exigida, o que determina a anulabilidade ou a nulidade do acto. 15.ª – Ao longo dos anos a actividade estatutária e efectiva da Recorrente tem sido, invariavelmente a gestão de imóveis e participacões financeiras. 16.ª – Por isso, e porque a sua intenção nunca foi vender os seus prédios, jamais requereu o aproveitamento dos benefícios fiscais estabelecidos para a sua compra e venda (art. 7.º do CIMT) ou para a detenção da sua propriedade [art. 9.º-d) e e) do CIMI]. 17.ª – Também o longo período de tempo por que os prédios se têm mantido na esfera patrimonial da Recorrente, 18.ª – tudo são circunstâncias que, em termos de absoluta razoabilidade e no contexto dos autos, provam que a função dos prédios da Recorrente era (e é) gerar um rendimento fixo a ser conseguido com o arrendamento dos imóveis. 19.ª – Se, porventura, da prova produzida resultar ainda fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto tributário ser anulado, aplicando-se, então, a norma do n.º 1 do art. 101.º do CPPT. 20.ª – Julgando como julgou, a douta sentença de fls. 101/133, não fez correcta interpretação das normas que foram sendo indicadas no desenvolvimento das presentes alegações, nem do mais, de Direito, ao caso aplicável. Termina a Recorrente pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida. A Recorrida (RFP) apesar de regularmente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações. * Os autos foram com vista ao digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo esta emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 220 e segs. dos autos – paginação do SITAF). * Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento. -/- II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância: 1. A «X, S.A.», aqui Impugnante, é uma sociedade comercial que, em 29.09.2008, tinha por objeto a gestão de prédios e participações financeiras (cfr. impressão de certidão permanente do registo comercial a fls. 28 dos presentes autos físicos). 2. Entre 10.02.2009 e 23.03.2009, na sequência da ordem de serviço n.º OI........78, teve lugar um procedimento de inspeção externa à Impugnante, relativo aos exercícios dos anos de 2005 e 2006 (cfr. relatório de inspeção tributária a fls. 28 e ss do p.a.). 3. Na sequência da inspeção referida em 2, foi elaborado um projeto de relatório da inspeção tributária, que foi enviado à Impugnante através do ofício n.º ...05, datado de 23.03.2009, para efeitos do exercício do direito de audição (cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 54 do p.a.). 4. Em 14.04.2009, a Impugnante veio pronunciar-se sobre o projeto de relatório referido em 3 (cfr. relatório de inspeção tributária, a fls. 55 e ss do p.a.). 5. Em 17.04.2009, foi elaborado um relatório definitivo da inspeção tributária referida em 3, que aqui se considera integralmente reproduzido (cfr. relatório da inspeção de fls. 27 a 99 do p.a.). 6. Do relatório de inspeção referido em 9, consta o seguinte: “(...) III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL Do património do sujeito passivo, e para os exercícios em análise, fazem parte os seguintes imóveis: - Os prédios urbanos n.º ...57, ...01, ...18, ...20, ...63, e os rústicos n.º ...87 e ...99, integram uma propriedade murada, designada por “Casa Sra. do Monte”, situada na freguesia ... – ..., da qual fazem parte cinco edifícios com as seguintes designações: “Casa ...” (cuja afectação é a habitação é composta por 3 pisos: cave – c/ equipamento para aquecimento central, arrumos, garrafeira e garagem; r/c – habitação; 1º andar recuado – habitação), “Casa ...” (cuja afectação é a habitação é composta por 2 pisos: cave – garagem e ... oficina apoio; r/c – habitação), “Casa ...” (cuja afectação é a habitação é composta por 2 pisos: cave – garagem e arrecadação; r/c – habitação), “Casa ...” (cuja afectação é a habitação é composta por 2 pisos: habitação mais anexo térreo/contígulo – adega), “Casa ...” (cuja afectação é a habitação é composta por 1 piso: p/ habitação), Fazem ainda parte integrante da propriedade uma piscina coberta (com jacúzi, sauna e respectivo equipamento), uma capela, um edifício lazer (churrasqueira e salão jogos) designado por “Cozinha Nova” e uma área agrícola; - As moradias com os n.º ...29 a ..34 que compõem o designado Empreendimento Colina ..., sitas no lugar de ... ..., encontram-se vazias e para venda; (...) 3.1. – Contabilização das moradias designadas Empreendimento Colina ... O Empreendimento Colina ... é composto por seis moradias construídas pelo sujeito passivo com o objectivo da venda, com os artigos matriciais n.º ...29 a ...34, tendo procedido à sua contabilização na Classe 42 – Imobilizado Corpóreo. O Plano Oficial de Contabilidade define a Classe 4 – Imobilizações como “... Esta classe inclui os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinem a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da empresa, quer sejam de sua propriedade, quer estejam em regime de locação financeira...” e que a subclasse 42 – Imobilizações corpóreas: “... Integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano... Inclui igualmente as benfeitorias e as grandes reparações que sejam de acrescer ao custo daqueles imobilizados...” Do exposto, e tendo em conta os princípios e critérios contabilísticos consagrados no Plano Oficial de Contabilidade (POC), cuja observância é determinada pela al. a) do n.º 3 do art. 17º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), as seis moradias designadas por Empreendimento Colina ..., devem ser contabilizadas em existências e não em imobilizado corpóreo, de acordo com o estipulado no art. 19º do CIRC, na medida em que são bens provenientes da actividade produtiva da empresa, objecto de venda, e não activos sujeitos a deperecimento, de acordo com o referido no art. 28.º do CIRC. Da análise efectuada aos documentos de suporte da contabilidade para os exercícios em análise, verificamos que o sujeito passivo contabilizou como custo do exercício as reintegrações referentes às seis moradias, construídas com objectivo da venda, conforme se demonstra no quadro seguinte: (...) Assim, face ao acima mencionado, não são aceites como custos dos exercícios de 2005 e 2006, as reintegrações apuradas pelo sujeito passivo relativas às seis moradias anteriormente referidas. (...) 3.2. – Outros factos e situações atinentes à desqualificação de custos Da análise à estrutura de custos do sujeito passivo destacam-se as rubricas de Fornecimento e Serviços Externos, Custos com Pessoal e Reintegrações do exercício. (...) 3.2.2. Imobilizado Corpóreo 3.2.2.1 “Casa Sra. do Monte” e apartamento localizado em ..., ... Os imóveis que integram a propriedade “Casa ...”, identificados no ponto III, nunca foram utilizados para quaisquer fins comerciais, tendo vindo a ser usadas com fins particulares, como segunda habitação dos administradores do sujeito passivo (que são membros da mesma família). Até à presente data não foi declarado pelo sujeito passivo qualquer rendimento proveniente deste património. Face a factos acima referidos, considera-se que as reintegrações contabilizadas, nos exercícios de 2005 e 2006, conforme mapa elaborado em anexo, fls. 31 a 36, no valor de € 22.210,50 e € 20.613,10, respectivamente, relacionadas com os prédios urbanos n.º ...57, ...01, ...18, ...19, ...20, ...62, ...63, e os rústicos n.º ...87 e ...99, que integram a propriedade designada por “Casa Sra. do Monte”, não se mostram associados à sua actividade, não foram necessárias à realização dos proveitos e nessa medida, não são susceptíveis de serem enquadráveis como custo fiscal nos termos do artigo 23º do CIRC. (...) VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO O sujeito passivo foi notificado para exercer o Direito de Audição nos termos dos art.º 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), através do nosso ofício ...05 de 23-03-2009. (...) Comentário: No ponto 7, o sujeito passivo vem confirmar, que os custos não aceites fiscalmente provêm do Empreendimento Colina ..., da “Casa Sra. do Monte” e da manutenção do “Apartamento em ...”, entre outros custos. Conforme referido no capítulo III do presente Relatório (e do Projecto de Relatório), as seis moradias designadas “Empreendimento Colina ...”, tendo em conta os princípios e critérios contabilísticos consagrados no Plano Oficial de Contabilidade (POC), cuja observância é determinada pela al. a) do n.º 3 do art.º 17º do CIRC, devem ser contabilizadas em Existências e não em Imobilizado Corpóreo, de acordo com o estipulado no art. 19º do CIRC, na medida em que são bens provenientes da actividade produtiva da empresa, objecto de venda, e não activos sujeitos a deperecimento, de acordo com o referido no art. 28º do CIRC, e assim não é aceite como custo dos exercícios de 2005 e 2006, as reintegrações apuradas pelo sujeito passivo. Mais se informa, que no Projecto de Relatório nada é referido relativamente ao empreendimento “ªCasa Sra. do monte” quanto à sua contabilização em existências ou imobilizado. A razão para a não aceitação de custos relacionados com o empreendimento “Casa ...” prende-se com o facto de esse imóvel nunca ter sido usado para fins comerciais, nem ter sido declarado pelo sujeito passivo qualquer rendimento proveniente desse imóvel, tendo sido usado para fins particulares como segunda habitação dos administradores da GEPAR. Os custos na “Casa ...”, e da manutenção do “Apartamento em ...”, bem como os custos contabilizados relativos à habitação particular dos administradores sita na Rua ... – r/c – ..., por não se mostrarem associados à sua actividade, não foram necessários à realização dos proveitos e nessa medida, não são susceptíveis de serem enquadráveis como custo fiscal nos exercícios de 2005 e 2006, nos termos do artigo 23º do CIRC. (...) Face ao exposto, considera-se que o sujeito passivo, no exercício do direito de audição, não apresenta fundamentos bastantes para alterar as correcções propostas no Projecto de Relatório, e que, por isso, entendemos ser de manter no presente Relatório Final.” (cfr. relatório da inspeção de fls. 27 a 99 do p.a.) 7. Em 06.10.2008, a Impugnante enviou uma comunicação à Direção de Finanças ..., em que indicava, quanto aos imóveis designados por “Casa ...”, o seguinte destino/utilização: “património com vista a arrendamento”, e, quanto aos imóveis designados por “Empreendimento Colina ...”, o seguinte destino/utilização: “para arrendamento ou venda” (cfr. carta a fls. 115 a 117 do p.a.). 8. Em 28.04.2009, o relatório de inspeção referido em 5 foi enviado à Impugnante através do ofício n.º ...505 (cfr. ofício e registo do envio postal a fls. 100 e ss do p.a.). 9. Em 04.05.2009, foram emitidas, em nome da Impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IRC correspondentes aos seguintes exercícios: a) liquidação n.º ...10, no montante de € 21.448,06; b) liquidação n.º ...33, no montante de € 23.774,54. (cfr. folhas notas de liquidação a fls. 25 e 27 dos presentes autos físicos). 10. A presente impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 25.08.2009, mediante entrega presencial (cfr. p.i. a fls. 3 e ss dos presentes autos físicos). * Na sentença recorrida considerou-se que não resultavam provados os seguintes factos: 1. Até ao ano de 2006, a Impugnante pretendia rentabilizar os prédios urbanos com os números matriciais ...29 a ..34, que compõem o designado “Empreendimento Colina ...”, sitas no lugar de ... ..., através do arrendamento dos mesmos. 2. A Impugnante pretendia rentabilizar os prédios urbanos com os números matriciais ..57, ..01, ..18, ..20, ..62, ..63 e os prédios rústicos com os números matriciais ..87 e ..99, que compõe o empreendimento designado por “Casa Sra. do Monte”, através do arrendamento dos mesmos. Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir. * No que diz respeito à motivação factual, escreveu-se na sentença recorrida que: «Conforme especificado nos diversos pontos da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e ainda da posição assumida pelas partes em juízo, nos seus articulados. * Concretizando, toda factualidade dada como provada nos (pontos 1 a 10) resultou documentalmente provada, tendo a decisão da matéria de facto sido efetuada com base nos documentos e informações oficiais indicados no elenco de factos provados, à frente de cada facto. * No que respeita à factualidade dada por não provada, a única prova produzida a este respeito foi o depoimento de uma testemunha, o Sr. AA, contabilista da Impugnante desde o ano de 1985. Quanto a este depoimento, há que referir desde logo a razão de ciência, que, como é sabido, consiste na fonte de onde advém o conhecimento da testemunha ou o modo como tomou conhecimento dos factos. Em virtude da sua profissão, não é expectável nem natural que a testemunha em causa tenha estado envolvida diretamente no desenvolvimento da atividade da Impugnante, nem na tomada de decisões quotidianas. É verdade que esta testemunha afirmou que o empreendimento “Colina ...” foi construído com a ideia de se rentabilizar através do aluguer, e que tal nunca se conseguiu, até que se revelou necessário vender. Contudo, a mesma testemunha não foi capaz de concretizar pormenores quanto a esta questão. Não sabia, por exemplo, indicar o preço aproximado porque tencionavam proceder ao arrendamento, nem conhecia as formas nem os meios através do qual o arrendamento havia sido tentado. O mesmo se diga quanto ao depoimento produzido a propósito da “Casa ...”. A testemunha refere que a Impugnante tencionava fazer um turismo de habitação, mas que nunca deu o passo de criar uma estrutura administrativa e de serviços que permitissem rentabilizar tal empreendimento. Não foi, porém, mais uma vez, capaz de concretizar ações concretas, como fossem quaisquer diligências com vista ao licenciamento ou à promoção e publicitação do empreendimento. A isto acresce que a prova testemunhal deve ser conjugada com a demais prova produzida, nos termos do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT. Ora, no caso dos presentes autos não foi produzida qualquer outra prova, designadamente documental, quanto ao propósito comercial dos empreendimentos imobiliários referidos nos pontos 1 e 2 dos factos não provados. E a verdade é que, ainda que esteja em causa um facto psicológico, a verificar-se nos representantes legais da Impugnante, está em causa demonstração de um intuito comercial malogrado. Assim sendo, seria perfeitamente expectável que existissem documentos que atestassem a tentativa de prossecução dos alegados propósitos, como fossem anúncios publicitários, atas de reuniões, correspondência, projetos comerciais, pedidos de licenciamento, entre tantos outros possíveis documentos. Mas a verdade é que, pelo menos desde a data dos exercícios inspecionados até à data da inspeção, em 2009 (cfr. ponto 2 do probatório), nenhum destes empreendimentos foi parcial ou totalmente arrendado, inexistindo qualquer prova documental que demonstre a existência de um tal propósito. Saliente-se ainda o facto de resultar do relatório da inspeção que, no que respeita às moradias do Empreendimento da “Colina ...”, à data da inspeção as moradias em causa se encontravam para venda (ponto 6 do probatório). Por outro lado, vem alegado na própria p.i. que, a partir do ano de 2006, foi ponderada a venda de tais moradias.» -/- III – Questões a decidir. No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, no que tange aos erros de julgamento de facto e direito apontados à sentença recorrida, nomeadamente quando nesta se terá considerado que dois imóveis inscritos como ativo imobilizado na contabilidade da Recorrente deveriam antes ter sido considerados como existências, em alegada violação do regime do POC e do CIRC. Cabe, também, aferir da admissibilidade da junção em sede de recurso de um documento com este apresentado. -/- IV – Da apreciação do presente recurso. Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora Recorrente e direcionada contra as liquidações adicionais de IRC relativas aos exercícios de 2005 e de 2006, assim como contra as correspetivas liquidações de juros compensatórios. As liquidações supra referidas tiveram por base a realização de uma ação de inspeção concretizada pelos serviços da AT que culminou na aplicação de correções técnicas relativas ao apuramento da matéria coletável para efeitos de IRC. IV.1 – Da junção de um documento em sede recursiva. Nos presentes autos, a Recorrente apresenta em anexo ao seu recurso um documento intitulado «Contrato de arrendamento habitacional com prazo certo», datado de 01.08.2014. Assim, como se refere no acórdão desta instância, datado de 15.04.2021, proferido no processo n.º 01753/18.5BEBRG (in www.dgsi.pt): “[…] A junção de prova documental deve ocorrer preferencialmente na 1ª instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes de o tribunal proceder à sua integração jurídica Neste sentido cfr. António Santos Abrantes Geraldes in: “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014-2ª Edição, pag.191. Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva). Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se tenha revelado de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. Como bem se refere na obra supra citada “a jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”. Ora, de acordo com disposto no art. 651º do CPC “As partes apenas podem juntar documentos às alegações de recurso nas situações excepcionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”. Por seu turno o art. 425º do CPC dispõe que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Destarte, tendo em conta que a instrução da causa deve ocorrer na 1ª instância, tendo em vista a decisão que aí deve ser proferida, é excepcional a faculdade de apresentação de documentos depois da admissão de recurso. […]”. Ora, há também que ter presente que os documentos são meios de prova e servem para demonstrar a realidade de determinados factos. Assim, desde logo, a junção em sede de recurso de um documento deve ter como balizas de admissibilidade as circunstâncias que são referidas no acórdão supra citado. Mas há um outro limite, que chamaríamos de imanente e que se encontra na instrumentalidade do documento em relação aos factos que pretende provar. Na presente situação, a Recorrente não nos indica qual a factualidade a que tal documento ora junto se refere, sendo que da leitura deste sequer se concluiu que o mesmo se destinará à prova de qualquer facto jurídico superveniente que tenha sido concretamente invocado. Por isso, é de todo impertinente a junção aos autos do documento supra referido, uma vez que o mesmo não se destina à prova de qualquer factualidade que tenha sido alguma vez invocada, pelo que se indefere a sua junção. IV.2 - Do erro de julgamento de facto. Nas conclusões do presente recurso, que devem ser lidas em conjugação com a motivação do mesmo, a Apelante aparenta insurgir-se quanto à matéria de facto considerada na sentença recorrida. Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se a Recorrente cumpre os ónus processuais vertidos no art.º 640.º do atual CPC ex vi art.º 281.º do CPPT. Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.: “[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos; e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”. O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”. Na presente situação, quer nas conclusões do presente recurso, quer na sua motivação, a Recorrente não cumpre o disposto na alínea a) do n. 1 do art.º 640.º do CPC, na medida em que não identifica concretamente quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados. Por isso, terá que ser rejeitado o recurso na parte relativa ao invocado erro de julgamento de facto. IV.3 – Do invocado erro de julgamento no que concerne à inscrição contabilística dos prédios. No presente recurso, a Recorrente invoca que a sentença recorrida errou quando considerou que os imóveis que constituíam os denominados «Empreendimentos Colina ...» e «Casa ...», deveriam ter sido contabilizados como existências, tal como referido pelos serviços inspetivos da AT. Para o efeito, defende a Recorrente que à luz do POC e das demais normas contabilísticas que invoca, os citados imóveis haviam sido bem inscritos na sua contabilidade como imobilizado corpóreo. No entanto, devemos previamente alertar que a questão da qualificação contabilística relativa ao conjunto imobiliário designado por «Casa da ...», não foi colocada nos termos em que a Recorrente aqui e agora o faz. Com efeito, relativamente a este conjunto de imóveis, o que a Apelante alegou em sede do seu articulado inicial foi que os custos relativos aos mesmos deveriam ter sido considerados como enquadráveis no que ia então disposto no art.º 23.º do CIRC, ao invés do que veio a ser considerado pelos serviços da AT. Por isso, da aludida alegação e do próprio relatório inspetivo que serve de alicerce às liquidações aqui em causa, não resulta que tenha sido posta em causa a sua qualificação como existências ou como imobilizado. Assim, neste aspeto a ora Recorrente elabora em erro no que tange ao enquadramento normativo ora invocado e relativamente ao citado conjunto imobiliário, sendo que tal questão como aqui vai enunciada, não consta da alegação inicial daquela ou, tão pouco, consta do decidido na sentença recorrida. Assim, há apenas que analisar a supra apontada questão no que concerne ao «Empreendimento Colina ...». Assim, quanto a este, a decisão jurisdicional ora em apreço, considerou que: “[…] Nos termos do art. 28.º do CIRC, “São aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do ativo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do ativo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.” A aplicabilidade deste preceito irá depender de os bens em causa – os imóveis que constituem o “Empreendimento Colina ...” – serem ou não elementos do ativo imobilizado. Há que ter presente que a determinação do lucro tributável, para efeitos fiscais, é determinada com base na contabilidade, com eventuais correções da legislação fiscal. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do CIRC, “O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades (...) é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.” Vejamos então o que diz o Plano Oficial de Contas, tal como aprovado pelo Decreto-lei 410/89, de 21 de novembro, a este respeito. São consideradas imobilizações corpóreas, a contabilizar na conta 42 (422), “Edifícios e outras construções”. As imobilizações corpóreas integram “(...) os elementos tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua atividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano.” (in notas explicativas da conta 42 do Plano Oficial de Contas). Os elementos que não tenham tal caráter “(...) pela possibilidade de permanecerem na empresa por prazos mais ou menos longos, servindo quer como meios de produção, quer como fonte de rendimento ou condições de trabalho (...)”, devem ser considerados existências (cfr. ANTÓNIO BORGES, AZEVEDO RODRIGUES E ROGÉRIO RODRIGUES – Elementos de Contabilidade Geral. 14ª Ed. Lisboa: Editora Rei dos Livros, 1995, p. 466. É certo que, no caso dos Autos, após a sua construção, os imóveis em causa mantiveram-se por mais de um exercício na propriedade da Impugnante, desde a data da sua construção, em 2004 (cfr. ponto 6 do probatório). Todavia, a expressão utilizada pelo POC quanto ao caracter de permanência superior a um ano, há de ser aferida no sentido de que a empresa pretende manter o bem por mais do que um exercício económico (neste sentido, veja-se o Ac. do TCAS de 21.05.2015, proc. n.º 05032/11, disponível em www.dgsi.pt). Segundo as palavras deste tribunal superior, “[c]om efeito, o que é determinante para a classificação de um elemento do património da empresa como parte integrante do activo imobilizado é a sua função dentro da empresa.” (assinalado nosso) Ora, uma vez que não se questiona a veracidade da contabilidade e da escrita organizada pela Impugnante, mas simplesmente a qualificação das verbas em causa à luz das regras contabilísticas, é sobre a Impugnante que deve recair o encargo da prova, por ser um facto constitutivo de um seu direito, nos termos do art. 74.º, n.º 1, da LGT. Na verdade, como bem realça o Tribunal Central Administrativo, “(...) o encargo da prova deve recair sobre quem, alegando o facto correspondente, com mais facilidade, pode documentar e esclarecer as operações e a sua conexão com os proveitos” (cfr. Ac. do TCAS de 02.02.2010, proc. n.º 03669/09, in www.dgsi.pt). Contudo, conforme resulta da motivação da matéria de facto, a Impugnante não logrou provar que a sua intenção, ao construir e manter os imóveis era, nos exercícios de 2004 e 2005, proceder ao arrendamento dos mesmos. Sempre se diga, a este respeito, que o facto de a empresa ter como objeto social a gestão de imóveis (cfr. ponto 1 do probatório) nada implica a este respeito, como alega a Impugnante, pois um tal objeto social não exclui a possibilidade de venda. Até porque, conforme resulta do relatório de inspeção, a Impugnante encontrava-se, à data da inspeção, a tentar a respetiva venda (cfr. ponto 6 do probatório). Finalmente, também não é argumento válido no sentido da existência de um erro nos pressupostos fácticos das liquidações adicionais, o facto de a Impugnante não se ter prevalecido da isenção de IMI prevista nas alíneas d) e e) do art. 9.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Desde logo, nada foi provado pela Impugnante quanto ao pagamento do IMI. Ao que acresce que, em todo o caso, o tratamento fiscal que a Impugnante deu aos imóveis em causa em sede de outro imposto, não implica uma qualquer prova quanto aos pressupostos dos factos relevantes para o imposto de rendimento das pessoas coletivas. À luz do que vem exposto, deverá considerar-se improcedente o vício de violação de lei que invocado pela Impugnante, por violação do art. 28.º do CIRC. […]”. Ora, adiantamos desde já que concordamos na íntegra com os fundamentos expressos na sentença supra referidos. Efetivamente, como já vem sendo entendido pela jurisprudência supra citada, em consonância, aliás, com o acórdão do STA de 19.02.1986, proferido no recurso n.º 002999, o cerne fundamental para a qualificação de um bem como constituindo o imobilizado corpóreo ou uma existência, reside na destinação concreta que o sujeito passivo lhe deu. Isto pressupõe, claro está, que a matéria coletável em sede de IRC é apurada, essencialmente, de acordo com as regras contabilísticas em vigor e dentro das especificidades normativas constantes do CIRC que daquelas se possam diferenciar (cf. art.º 3.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos). No caso dos autos, ficou demonstrado que os imóveis que integram o supra mencionado empreendimento se encontravam à venda, sendo de realçar que a Recorrente (Impugnante) não conseguiu demonstrar a sua tese de que os mesmos se destinavam ao arrendamento, tal como resulta dos factos dados como não provados sob os números 1 e 2. Por isso, quanto a esta questão não vemos que a sentença recorrida enferme de erro de julgamento. Por outro lado, a Recorrente invoca ainda que atenta a prova colhida, se deveria operar a regra contida no n.º 1 do art.º 100.º do CPPT, que dispõe que: “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.”. Porém, a possibilidade de recurso ao disposto na presente norma por parte do Julgador, pressupõe que perante a prova produzida, no espírito daquele subsista uma fundamentada dúvida relativa à existência e quantificação do ato tributário. Ora, na presente situação, perante os factos dados como provados e não provados, não se vislumbra que aja qualquer margem de dúvida que possa justificar a eventual aplicação do n.º 1 do art.º 100.º do CPPT. Assim sendo, ter-se-á que concluir que a sentença recorrida não enferma dos erros de julgamento acima mencionados. IV.4 – Do erro de julgamento quanto ao vício de falta de fundamentação. Na conclusão 14.ª do presente recurso, que deve ser lida conjuntamente com a motivação neste expressa (cf. o respetivo n.º 9), a ora Apelante insurge-se contra o decidido na sentença recorrida no que diz respeito ao vício da falta de fundamentação. Sob a aludida questão, na decisão jurisdicional ora em apreço, apreciou-se e decidiu-se que: “[…] Cumpre agora aferir da procedência do vício de forma alegado pela Impugnante, atinente à insuficiente fundamentação dos atos de liquidação adicional, na parte em que a AT afirma que a utilização das propriedades designadas por “Casa Sra. do Monte” é para fins particulares, como segunda habitação. A Impugnante alega que esta fundamentação é meramente conclusiva, não tendo a AT fundamentado devidamente em que factos estribou tal conclusão. Vejamos se assiste razão ao Impugnante nesta matéria. Nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CPPT, a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração e concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. Acresce que, por força do art. 60º, n.º 7, da LGT, sempre que os contribuintes suscitem elementos novos na audição, estes devem obrigatoriamente ser tidos em conta na fundamentação da decisão. Ambos estes preceitos vêm reforçar o regime que já decorreria da aplicação do art. 152.º do CPA (correspondente ao antigo art. 124.º do CPA), genericamente aplicável aos procedimentos administrativos, e constituem a consagração do direito à fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, direito fundamental este que vem consagrado no art. 268º, n.º 3, da CRP. Recorrendo às palavras de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, “Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõe a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.” (in CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamin Silva e LOPES DE SOUSA, Jorge - Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, 3ª Ed., Lisboa: Vislis Editores, 2003, p. 476). Quanto à suficiência da fundamentação, como vem sendo justa e reiteradamente afirmado na jurisprudência dos tribunais superiores, “A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.” (assinalado nosso, Ac. do STA de 18.12.2002, proc. n.º 048366) Vejam-se ainda, a título meramente exemplificativo, os Acs. do STA de 03.06.1993, proc. n.º 031545, de 22.06.2004, proc. n.º 02068/02, e de 05.05.2010, proc. n.º 01081/09, todos disponíveis em www.dgsi.pt. À luz do que vem dito, aquilo que cumpre aferir é se a AT, no relatório de inspeção, fundamentou devidamente as liquidações adicionais relativas à “Casa Sra. do Monte” (cfr. ponto 6 do probatório), por forma a que a Impugnante, destinatária do ato, pudesse perceber o raciocínio cognitivo e valorativo prosseguido pelo respetivo autor. Desde já se diga que sim. A correção em causa baseia-se, quer no facto de não ter sido declarado qualquer rendimento do património, quer no facto de a casa ter sido utilizada com fins particulares. É certo que a AT não indica, no relatório, as exatas diligências em que assentou o juízo de que o imóvel seria utilizado como segunda habitação dos administradores do sujeito passivo. Tal concretização não era, porém, necessária para o cumprimento do dever de fundamentação, que a lei apenas exige que corresponda a uma “sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram” (cfr. art. 77.º, n.º 1, do CPPT). A fundamentação dos atos de liquidação adicional não é, pois, insuficiente, à luz da lei aplicável, devendo também o alegado vício de forma por falta de fundamentação ser julgado improcedente. […]” Na situação sub judice, se atentarmos no teor do relatório de inspeção em que assentam as liquidações impugnadas, ao invés do que é invocado pela ora Recorrente, entendemos que não se verifica o vício de falta de fundamentação na vertente aqui invocada, tal como foi julgado na sentença recorrida. Com efeito, o relatório inspetivo aqui em causa, alicerce das liquidações aqui em causa, faz expressa alusão à factualidade que constitui desconsideração como custo contabilístico supra referido e detetado, indicando as normas violadas e o porquê destas se terem por infringidas, pelo que não padece de falta de fundamentação formal. Com efeito, tal alusão é feita de tal modo que um destinatário comum perante a fundamentação concreta constante do aludido relatório de inspeção, consegue aperceber-se do seu sentido decisório, assim como do percurso cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT e que àquele conduziu, estando habilitado para poder contradizer a versão prolatada pela AT (mais especificamente que os imóveis em questão eram usados como segunda habitação dos administradores da Recorrente). Por isso, ao contrário do que é referido pela Recorrente, não se verifica o erro de julgamento de direito invocado e relativo à questão da suposta falta de fundamentação formal das liquidações impugnadas. -/- Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário: I – Ao Recorrente que impugne a matéria de facto em sede recursiva impõe-se que cumpra os ónus processuais vertidos no art.º 640.º do atual CPC, aplicável por força do disposto no art.º 281.º do CPPT, sob pena de rejeição do mesmo na parte afetada. II - O cerne fundamental para a qualificação de um bem como constituindo o imobilizado corpóreo ou uma existência, reside na destinação concreta que o sujeito passivo lhe deu. III – A aplicação da regra contida no n.º 1 do art.º 100.º do CPPT pressupõe que o Julgador, perante a prova produzida, se depare perante uma fundada dúvida relativa à existência e quantificação do ato tributário. III – Não padece de erro de julgamento a sentença que teve por inverificado o vício de falta de fundamentação formal dos atos impugnados, quando da fundamentação concreta constante do relatório de inspeção que os sustenta, se consegue obter o respetivo sentido decisório, assim como se alcança o percurso cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT e que àquele conduziu. -/- V – Dispositivo Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente (por vencida). Porto, 14 de março de 2023 Carlos A. M. de Castro Fernandes Tiago A. Lopes de Miranda Cristina da Nova |