Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00088/20.8BECBR-1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:RECONVENÇÃO;
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO;
Sumário:I- A lei processual vigente [administrativa e civil] é inequívoca na afirmação de que o pedido reconvencional tem que ser deduzido na contestação [cfr. artigo 83º, nº.1 do C.P.T.A. e nº.1 do artigo 583º do C.P.C., respetivamente].

II- Apresentando-se distintivo a insuscetibilidade de equiparação processual da contestação e da réplica [resposta] em matéria do exercício de direito de defesa, e relevando a natureza superveniente dos factos alegados apenas no domínio da possibilidade de apresentação de articulado[s] superveniente[s], não pode o Recorrente obter, por via da proteção que é conferida pelo princípio da igualdade de armas, uma solução para a sua pretensão de reconvir em sede de resposta ao pedido de ampliação do pedido, uma vez que a proteção do apontado princípio só funciona no contexto no contexto da paridade simétrica das posições das partes, o que não é o caso
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
1. Município ..., Réu nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Autora a [SCom01...], S.A., vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador editado em 26.02.2022, na parte em que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo Réu.
2. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
A. O Recorrente vem interpor Recurso do Despacho Saneador na parte que recusa o pedido reconvencional deduzido por aquele, através de articulado autónomo, na sequência do pedido de ampliação do objeto da instância apresentado pelo Recorrido.
B. O Despacho em crise assenta, essencialmente, em dois fundamentos: (i) que o articulado próprio para a dedução de reconvenção é a contestação, decorrendo do princípio da concentração da defesa que não pode a reconvenção ser apresentada em momento posterior à dedução de contestação, ainda que no prazo de que dispõe o Réu para contestar; e (ii) que os factos que fundamentaram o pedido reconvencional eram já conhecidos do Recorrido no momento em que apresentou a contestação.
C. O pedido em apreço constitui uma reação do Recorrente perante a superveniência dos factos que fundamentam aquele pedido e do consequente pedido do Réu de ampliação do objeto da instância. Sem estes elementos, o pedido reconvencional não teria sido deduzido - nem poderia sê-lo.
D. A apresentação da contestação precedeu o término do prazo de que beneficiava o Recorrido para cumprir voluntariamente as obrigações sobre as quais incide o pedido reconvencional e, por esse motivo, o pedido em causa não poderia constar de uma contestação-reconvenção.
E. O pedido de ampliação do objeto da instância, apresentado pelo Recorrido, constitui um facto superveniente em relação ao momento da apresentação da contestação e relevante para o pedido reconvencional: implicitamente, a Recorrida manifestou a intenção de proceder ao incumprimento das prestações a que estava obrigada.
F. Até a esse momento, o Recorrente carecia de legitimidade e interesse agir para deduzir, com a contestação, o pedido reconvencional em apreço, por não se verificar qualquer situação de incumprimento (“obrigação vencida”).
G. O Despacho Saneador, na parte em que não admite o pedido reconvencional, viola os princípios da gestão processual, da economia processual e da igualdade de armas.
H. Os mencionados princípios impõem a devida equiparação entre a contestação-reconvenção e o articulado autónomo apresentado pelo Recorrente, uma vez que ambos constituem uma reação perante pedidos distintos formulados pelo Recorrido e sustentados por causas de pedir também distintas (todos apresentados dentro do prazo inicial de que o Recorrente dispunha para deduzir Contestação).
I. Interpretação diversa constitui uma manifesta desigualdade entre Réu e Autor, porquanto se reconhece apenas a um deles o direito de peticionar a ampliação do objeto da instância, depois de apresentados os articulados iniciais, o que evidentemente não se pode admitir.
J. O entendimento seguido pelo Tribunal a quo, pautado por uma rígida e formalista interpretação da lei, propugna uma injustificada multiplicação de processos (…)”.
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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida [SCom01...], S.A., produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
1. Como resulta claro da análise dos elementos dos autos, e como bem decidiu o tribunal a quo no despacho recorrido “Não pode, pois, na verdade, o R. afirmar que foi a ampliação do pedido ou da instância à impugnação dos atos de execução do ato que aplicou a multa contratual que ditou a necessidade de apresentar um pedido reconvencional: o R. já sabia, ou não podia desconhecer, à data da contestação, que era titular (alegadamente) de um contra crédito perante a A. e cuja reclamação estava em totais condições de efetuar quando apresentou a sua contestação (já que, na petição inicial, foi impugnado, precisamente, o ato que aplicou a multa contratual e que era a origem do referido contra crédito).”.
2. O R., na data da apresentação da contestação, já era conhecedor dos factos que, no seu entender e sem conceder, poderiam consubstanciar a titularidade de um alegado crédito sobre a A., porquanto a aplicação da multa e a execução da caução já tinham ocorrido.
3. O momento relevante para se aferir da existência de um contra crédito, para efeitos de reconvenção, é a data da apresentação da contestação, uma vez que é neste momento processual que a mesma deverá ser deduzida, conforme o seguinte sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.° 8417/17.5T8LSB-A.L1-8 e datado de 13-09-2018, “- Reportando-se a danos igualmente decorrentes do acidente que constitui causa de pedir na acção, nada obsta a que, independentemente das razões que motivaram a sua não inclusão no pedido inicial, seja admitida a ampliação do pedido ali formulado. - Devendo a compensação ser exercida através de reconvenção, ou seja, em sede de contestação, não é admissível o pedido visando operá-la em momento processual ulterior”.
4. Se, conforme alega o R., o seu crédito ainda não se encontrava vencido aquando da apresentação da contestação, o que impossibilitaria a apresentação do pedido reconvencional com aquela, então a necessária consequência é a impossibilidade de formular o pedido reconvencional nos presentes autos.
5. Com efeito, não é o surgimento de um qualquer alegado crédito na esfera jurídica de um alegado credor, R. num determinado processo, que legitima este a apresentar pedido reconvencional nesse processo, independentemente da fase processual em que este se encontre.
6. Conforme resulta da lei, só um crédito alegadamente existente na data da apresentação da contestação pode motivar a apresentação de reconvenção, e não um crédito que se tenha alegadamente constituído após a apresentação da contestação, porquanto a lei não prevê a possibilidade de apresentação de tal pedido.
7. Não existe qualquer formalismo excessivo em entender-se que a reconvenção só pode ser apresentada com a contestação, porquanto é a própria lei que o diz, no artigo 583.°, n.° 1, do CPC.
8. Não existe qualquer impossibilidade, para o R., de recorrer ao tribunal para defender os seus alegados direitos, e, como tal, não existe qualquer denegação de justiça.
9. Não existem necessidades de economia processual dos autos que pudessem determinar a admissão do pedido reconvencional.
10. Nem tão pouco o facto de o pedido reconvencional ter sido formulado ainda dentro do prazo para apresentar contestação tem qualquer relevância, porquanto, conforme decidiu, e bem, o tribunal a quo “Como tem entendido a jurisprudência, “antes de efetuada a citação, ato que torna estáveis os elementos essenciais da causa, é admissível a apresentação de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir. A contestação, uma vez apresentada, não pode ser substituída por outra, estando o respetivo prazo ainda em curso. Quando se apresenta a contestação antes de esgotado o prazo, renuncia-se à parte deste que ainda restava” (cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2020, proc. n.° 1549/18.4T8AVR-A.P1, e de 15/05/2020, proc. n.° 2274/19.4T8VNG-A.P1, publicados em www.dgsi.pt - sublinhado nosso). E tal imperativo coloca-se, quer relativamente à contestação-defesa, quer relativamente à contestação-reconvenção, traduzindo o brocardo latino conventio et reconventio pari passu ambulant. (…)”.
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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir é a de determinar se o despacho saneador, ao rejeitar o pedido reconvencional formulado pelo Réu, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação dos princípios da gestão processual, da economia processual e da igualdade de armas.
9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
10. O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A. Em 31.01.2020, a sociedade anónima [SCom01...], S.A., intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra [cfr. fls. 4 e seguintes dos autos principais - suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B. Nela demandou o Município ... [idem];
C. E formulou o seguinte petitório: “(…)
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a ação ser julgada totalmente procedente por provada e:
(i) Prorrogado o prazo de execução da empreitada, pelo menos até ao dia 09-04-2018, sem prejuízo de outro mais longo que venha a ser determinado na presente ação;
(ii) Anulado o ato administrativo do R. (cf.doc. ...9) de aplicação de multa contratual à A., no valor de € 79.578,39;
Subsidiariamente ao pedido anterior,
(iii) Redução equitativa do montante da multa contratual aplicada pelo R.;
Cumulativamente aos pedidos anteriores
(iv)O R. condenado a pagar à A. quantia em reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada, a liquidar no processo, a par dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa aplicável às obrigações comerciais;
(v) O R. condenado a pagar à A. a quantia de € € 2.488,54 + IVA, correspondente ao montante não pago e referente às faturas n.º ...41, ...45 e ...46, bem como dos respetivos juros de mora desde 03-01-2019 até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa aplicável às obrigações comerciais
Subsidiariamente,
(vi) Ainda ser compensados, nos alegados créditos da A., os créditos do R., declarando-se os primeiros extintos e condenando-se a A. a pagar à R. o valor da diferença, a par dos respectivos juros de (…)” [idem].
D Em 16.04.2020, a Autora deduziu um articulado superveniente com pedido de ampliação da instância/pedido [cfr. fls. 572 e seguintes dos autos principais – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
E. Na mesma data, o Município ... contestou a presente ação, tendo suscitado matéria excetiva e deduzido um incidente de intervenção principal provocada [cfr. fls. 591 e seguintes dos autos principais – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
F. Em 27.04.2020, o Município ... exerceu o contraditório quanto ao articulado superveniente apresentado pela Autora, tendo deduzido a final um pedido reconvencional no valor de € 20.734,88 [cfr. fls. 835 e seguintes dos autos principais – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
G. Em 26.02.2022, o Tribunal a quo promanou despacho saneador, no âmbito do qual, de entre outras realidades, não admitiu a reconvenção deduzida pelo Réu no seu requerimento de 27.04.2020 [cfr. fls. 3803 e seguintes dos autos principais – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
H. Sobre tal despacho saneador, na parte em que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo Réu, sobreveio o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 3835 e seguintes dos autos principais – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
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III.2 - DO DIREITO
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11. A questão que se controversa e objeto do presente recurso jurisdicional, conforme se extrai inequivocamente do ponto II) do presente arestos, consiste em saber se o despacho saneador recorrido, ao não admitir o pedido reconvencional formulado pelo Réu no decurso do pleito, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação dos princípios da gestão processual, da economia processual e da igualdade de armas.
12. A resenha processual relevante é a seguinte:
13. A Autora intentou a presente ação administrativa, visando, em substância, a declaração judicial de ilegalidade, por anulabilidade, do ato administrativo do Réu de aplicação de multa contratual à A., no valor de € 79.578,39, ou, subsidiariamente, a condenação do Réu a pagar à A. quantia em reposição do equilíbrio financeiro do contrato de empreitada, a liquidar no processo, a par dos respectivos juros de mora até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa aplicável às obrigações comerciais.
14. O Município ... contestou a presente ação, tendo suscitado matéria excetiva e deduzido um incidente de intervenção principal provocada.
15. No decurso do pleito, a Autora deduziu um articulado superveniente com pedido de ampliação do pedido, ao que respondeu o Réu, tendo deduzido a final um pedido reconvencional no valor de € 20.734,88.
16. Em 26.02.2022, o Tribunal a quo promanou despacho saneador, no âmbito do qual, de entre outras realidades, não admitiu a reconvenção deduzida pelo Réu no seu requerimento de 27.04.2020.
17. A ponderação de direito que estribou a rejeição do pedido reconvencional formulado pelo Réu foi o seguinte: “(…)
Do pedido reconvencional:
Veio o R., após a apresentação da contestação e em articulado autónomo, deduzir pedido reconvencional, alegando que, por força da ampliação do pedido e da reclamação, pela A., de um pretenso crédito sobre o R. a propósito da execução da caução, não pode este também deixar de reclamar, a título reconvencional, o seu contra crédito. No que se refere à admissibilidade do pedido reconvencional assim deduzido, defende que:
- até ao momento, porque o objeto da ação se limitava à discussão sobre a legalidade do ato impugnado, era seu entendimento que deveria, em sede autónoma e própria, reclamar o seu crédito quanto ao valor da sanção contratual que ainda não conseguiu “executar” à A.;
- a partir do momento em que a A. amplia o objeto da ação à discussão sobre a validade dos atos de execução do ato impugnado e, nesse contexto e com esse fundamento, reclama um (alegado) crédito que detém sobre o R., impõe-se ao Tribunal, por força dos princípios da igualdade de armas entre as partes e pro actione, admitir que, em resposta a essa ampliação e por força da mesma, o R. possa reclamar o seu contra crédito, na medida em que este emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ampliação;
- não há intempestividade de tal pedido reconvencional por a contestação já ter sido apresentada, uma vez que o prazo legal para o efeito ainda se encontrava a decorrer, pelo que, para todos os efeitos, é totalmente admissível que o pedido reconvencional possa ser aditado à mesma.
Contrapõe a A., em suma, que a reconvenção devia ter sido apresentada com a contestação e não em articulado autónomo posterior, além de que o pedido reconvencional se destina a reagir à matéria da petição inicial e não a uma qualquer ampliação do pedido requerida pelo autor. Conclui que o pedido reconvencional poderia ter sido apresentado pelo R. logo com a contestação, sendo inadmissível a sua apresentação em momento posterior.
E julgamos que, salvo o devido respeito, a razão está do lado da A., senão vejamos.
Dispõe o art.° 83.°-A, n.° 1, do CPTA que, “quando na contestação seja deduzida reconvenção, esta deve ser expressamente identificada e deduzida em separado do restante articulado, e conter. a) exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e das razões de direito que servem de fundamento à reconvenção; b) formulação do pedido; c) declaração do valor da reconvenção”. Este regime vem decalcado do disposto no art.° 583.° do CPC, cujo n.° 1 estabelece que “a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, nos termos das alíneas d) e e) do n.° 1 do artigo 552.°” (sublinhado nosso).
Dos normativos acima citados resulta inequívoca a regra de que a reconvenção deve ser deduzida na contestação (ou isoladamente, se não for apresentada contestação).
Com efeito, de acordo com o art.° 83.°, n.os 3 e 5, do CPTA (idênticos ao art.° 573.° do CPC), “toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado, devendo os demandados nela tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor”, sendo que, “depois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”. Consagram os aludidos preceitos o princípio da concentração da defesa e a consequente preclusão dos meios de defesa, princípio cujos efeitos se estendem à faculdade legal de reconvir, porquanto, como se disse, a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido. Com a particularidade de que, diversamente do que em certas hipóteses é estabelecido para a contestação-defesa, a lei não admite qualquer possibilidade de dedução de contestação-reconvenção passado esse momento.
Como tem entendido a jurisprudência, “antes de efetuada a citação, ato que torna estáveis os elementos essenciais da causa, é admissível a apresentação de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir. A contestação, uma vez apresentada, não pode ser substituída por outra, estando o respetivo prazo ainda em curso. Quando se apresenta a contestação antes de esgotado o prazo, renuncia-se à parte deste que ainda restava” (cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24/09/2020, proc. n.° 1549/18.4T8AVR-A.P1, e de 15/05/2020, proc. n.° 2274/19.4T8VNG-A.P1, publicados em www.dgsi.pt - sublinhado nosso). E tal imperativo coloca-se, quer relativamente à contestação-defesa, quer relativamente à contestação-reconvenção, traduzindo o brocardo latino conventio et reconventio pari passu ambulant.
Por conseguinte, apresentada a contestação antes de esgotado o respetivo prazo, sem que aí tenha sido deduzido qualquer pedido reconvencional, encontra-se vedada ao réu a possibilidade de substituir, mais tarde, essa contestação (aditando, nomeadamente, um pedido reconvencional), estando o respetivo prazo ainda em curso, para efeitos de dedução de nova contestação, já que, com a apresentação da primeira contestação-defesa (sem reconvenção), ainda antes de decorrido todo o prazo para o efeito, deve entender-se que o réu renunciou à parte deste que ainda restava.
Ora, se assim é, então é forçoso concluir que a apresentação, pelo R., do pedido reconvencional em articulado autónomo, ainda que dentro do prazo para contestar, se revela um procedimento totalmente anómalo, que subverte o princípio da concentração da defesa e a subsequente preclusão dos meios de defesa, não devendo, por isso, tal reconvenção ser admitida, por extemporânea.
E os argumentos avançados pelo R. para justificar a admissibilidade do seu pedido reconvencional não convencem. Com efeito, a reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor e constituindo uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor, define-se, como não podia deixar de ser, pelo pedido e causa de pedir formulados na petição inicial, e não por referência a uma ampliação do pedido que venha a ser posteriormente efetuada pelo autor. Nem colhe o entendimento de que, por força dos princípios da igualdade de armas entre as partes e do pro actione, impunha-se ao Tribunal admitir que, em resposta a essa ampliação e por força da mesma, o R. pudesse vir reclamar o seu contra crédito, na medida em que este emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ampliação. Note-se, aliás, que todos os factos que servem de fundamento ao pedido reconvencional deduzido pelo R. já eram por si conhecidos aquando da sua citação para a ação (em 17/03/2020) e aquando da apresentação da contestação-defesa (em 16/04/2020), pelo que não se pode afirmar, com rigor, que a “necessidade” da reconvenção foi ditada pela ampliação do pedido efetuada pela contraparte. De facto, através da reconvenção, o R. pede que a A. seja condenada a pagar-lhe o valor de € 20.734,88, que corresponde ao diferencial entre o valor da sanção contratual aplicada — e que constitui o ato impugnado pela A. na ação — e o valor que o R. já recebeu mediante execução da caução prestada, o que sucedeu, e não é controvertido, em fevereiro de 2020 (antes até, portanto, da citação do R. para contestar a presente ação). Não pode, pois, na verdade, o R. afirmar que foi a ampliação do pedido ou da instância à impugnação dos atos de execução do ato que aplicou a multa contratual que ditou a necessidade de apresentar um pedido reconvencional: o R. já sabia, ou não podia desconhecer, à data da contestação, que era titular (alegadamente) de um contra crédito perante a A. e cuja reclamação estava em totais condições de efetuar quando apresentou a sua contestação (já que, na petição inicial, foi impugnado, precisamente, o ato que aplicou a multa contratual e que era a origem do referido contra crédito).
E também inexiste, de outra perspetiva, qualquer “superveniência” que pudesse ser eventualmente invocada para justificar a dedução do pedido reconvencional após a apresentação da contestação, em articulado autónomo, em subversão, como se disse, do princípio da concentração da defesa.
Assim, ante todo o exposto, é forçoso concluir pela inadmissibilidade do pedido reconvencional deduzido pelo R. no seu articulado autónomo de 27/04/2020.
Termos em que não se admite a reconvenção deduzida (…)”.
18. Com o assim decidido não se conforma o Recorrente, no mais fundamental, por manter a firme convicção de que “(…) Reconhecendo-se, perante o que pede o Recorrido na sua petição inicial, o direito de o Recorrente reagir através de uma contestação-reconvenção; com a ampliação do objeto da instância, a mesma faculdade tem de ser reconhecida ao Réu (ora Recorrente), principalmente considerando que o pedido reconvencional não podia ser deduzido legitimamente em sede de contestação e que o mesmo foi formulado ainda dentro do prazo inicial de que o Recorrente dispunha para apresentar a referida Contestação (…)”.
19. Motivação pelo qual considera que o “(…) Despacho Saneador, na parte em que não admite o pedido reconvencional, viola os princípios da gestão processual, da economia processual e da igualdade de armas
20. Mas, adiante-se, desde já, sem qualquer amparo de razão.
21. Na verdade, a lei processual vigente [administrativa e civil] é inequívoca na afirmação de que o pedido reconvencional tem que ser deduzido na contestação [cfr. artigo 83º, nº.1 do C.P.T.A. e nº.1 do artigo 583º do C.P.C., respetivamente].
22. O ponto de “partida e de saída” para a dedução de reconvenção é, portanto, o prazo de 30 dias previsto para a dedução de contestação.
23. Ora, se é certo que a letra da lei é o ponto de partida da tarefa de interpretação jurídica, não menos é certo que esse mesmo elemento hermenêutico constitui o limite do resultado interpretativo [artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil].
24. Logo, não há como reconhecer a possibilidade de formulação de um qualquer pedido reconvencional para além de tal momento processual.
25. Nem se diga que estamos perante um lapso do legislador: nada nas normas em apreço inculca a ocorrência de tal lapso e, ademais, deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados [artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil].
26. Naturalmente, poder-se-á equacionar – como perspetiva o Recorrente -, que, não obstante a limitação legislativa supra evidenciada, deve ser reconhecida à “outra parte” a possibilidade de reconvir aquando da formulação de um pedido de ampliação da instância, sob pena de violação, desde logo, do princípio da igualdade de armas.
27. Esta alegação, porém, não é minimamente persuasiva, carecendo, inclusive, de substrato legitimador.
28. Na verdade, conforme ensina José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil, vol. I, 2ªedição, pág. 10, e artigo 4º. do mesmo diploma: “(…) O princípio da igualdade das partes, “(…) implica a paridade simétrica das suas posições perante o Tribunal”; pretende-se “(…) garantir a ambas as partes, ao longo do processo, a identidade de faculdades e meios de defesa e a sua sujeição a ónus ou cominações idênticas”.
29. Ora, é nosso entendimento que a posição processual da Recorrente não pode ser visualizada em termos exatamente idênticos ao da “outra parte”.
30. Realmente, a “(…) citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (…) ” [cfr. artigo 219º, nº.1 do CPC].
31. Já a “(…) notificação serve para, em quaisquer outros casos chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto (…)” [cfr. artigo 219º, nº.1 do CPC].
32. Como refere Rodrigues Bastos [Notas, I, pág.432], “(…) a citação e a notificação têm um laço comum: ambas são actos judiciais destinados a dar conhecimento a alguém da ocorrência de um certo facto, mas a primeira destinando-se especificamente a prevenir o réu de que contra ele foi proposta uma acção, possibilitando-lhe a defesa e a chamar, pela primeira vez, à lide, qualquer pessoa interessada nela, tem muito maior importância e, por isso, depende de um formalismo mais complexo (…)”.
33. No caso vertente, perante a requerida ampliação do pedido por parte da Autora, impunha-se que a mesma fosse dada conhecimento ao Réu, porque se está perante uma modificação objetiva da instância.
34. Porém, a fórmula processual reservada para tal é a notificação e não citação, pela simples razão de que o Réu já tinha sido citado uma vez no âmbito do mesmo processo.
35. Esta diferenciação em matéria de fórmulas processuais para a transmissão de eventos é inequívoca na assunção por parte de representações processuais diferentes com amplitudes de defesa em nada comparáveis entre si.
36. Basta ver os prazos previstos para a dedução de contestação e de réplica ou resposta quanto à matéria da reconvenção [30 dias e 10 dias, respectivamente], o que reflete também bem a importância diferenciada atribuída pelo legislador a cada desses eventos processuais.
37. O que harmoniza, aliás, com a previsão legal de reconvir apenas em sede de contestação.
38. Donde se apresenta distintivo a dissemelhança do direito de defesa consagrado na “contestação” do que o previsto na “réplica - resposta”, o que serve para atingir a insuscetibilidade de equiparação processual dos mesmos.
39. E nada disto bule com a eventual natureza superveniente dos factos alegados, pois a tal propósito releva apenas a possibilidade de apresentação de articulado[s] superveniente[s] e não já o direito de reconvir, circunscrito, como se viu, ao momento da dedução da contestação.
40. Em face do exposto, não pode o Recorrente obter, por via da proteção que é conferida pelo princípio da igualdade de armas, uma solução para a sua pretensão, uma vez que a proteção do apontado princípio só funciona no contexto da paridade simétrica das posições das partes, o que julgamos não ser o caso dos autos.
41. Donde se conclui, sequentemente, que a solução jurídica encontrada pelo julgador a quo está de acordo, para além do dever de obediência à lei [aqui entendida em sentido lato] plasmado no nº. 2 do artigo 8º do Código Civil, com as regras hermenêuticas consagradas no artigo 9º do mesmo diploma legal.
42. Sendo assim, ressuma com evidência que a sentença recorrida, no trecho em análise, não enferma do erro de julgamento de direito em análise.
43. Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a decisão judicial recorrida.
44. Ao que se provirá no dispositivo.
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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso, e confirmar o despacho saneador na parte recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 14 de julho de 2023

Ricardo de Oliveira e Sousa
Nuno Maria e Sousa Coutinho
Maria da Conceição de Magalhães Santos Silvestre