Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01384/08.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/15/2009
Relator:Francisco Rothes
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR - ART. 120.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO CPTA - FUMUS NON MALUS IURIS
Sumário:I - A falta de notificação da contestação onde foi arguida a nulidade por erro na forma do processo só constituirá nulidade processual passível de ser arguida pelo requerente da providência cautelar se tiver sido julgado procedente o invocado erro na forma do processo (cf. art. 207.º do CPC).
II - A falta de notificação ao requerente da apensação do processo administrativo não constitui nulidade processual, a menos que este processo tenha sido utilizado como meio de prova e se demonstre que não foi dada ao requerente a possibilidade de exercer o seu direito de sobre ele se pronunciar.
III - Na providência cautelar, o juiz pode decidir sem a realização de qualquer diligência instrutória (cf. art. 118.º, n.º 3, do CPTA) e nem a falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente nem a falta de despacho a dispensá-la constituem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, motivo por que tais faltas não constituem nulidade.
IV - Sem prejuízo do que ficou dito, sempre a opção do juiz, de dispensar a produção da prova, poderá ser sindicada em sede de recurso da decisão final, onde, não só as partes podem invocar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cf. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, na redacção aplicável, e art. 2.º, alínea e), do CPPT).
V - O requisito de fumus bonus iuris previsto na alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, para as providências cautelares conservatórias, surge numa formulação negativa e menos exigente, como um fumus non malus iuris, ou seja, basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito».
VI - Na apreciação daquele requisito e para o considerar inverificado, não basta ao juiz afirmar que na sentença proferida na acção principal, que foi julgada previamente mas ainda não transitou em julgado, os fundamentos foram considerados improcedentes, antes devendo, ainda que de forma sintética e numa análise perfunctória, expor os motivos por que entende ser manifesto que a pretensão deduzida pelo requerente na acção principal não pode proceder à luz de qualquer de fundamentos nela invocados.
VII - Para os referidos efeitos, não é de considerar manifestamente improcedente o recurso judicial do despacho do DGI que determinou o acesso à informação bancária, se o contribuinte invoca como fundamentos diversos vícios de forma e de violação de lei, sendo que, pelo menos relativamente ao conhecimento destes últimos, não se afigura prescindível a produção de prova.
VIII - No caso de ter sido determinado administrativamente o acesso directo à informação bancária do contribuinte e porque o recurso judicial desse acto não tem efeito suspensivo, a não concessão da suspensão da eficácia do acto acarreta a consumação do mesmo, pelo que se há-de considerar verificado o periculum in mora tal como o define a alínea b) do art. 120.º. n.º 1, do CPTA.
IX - Na ponderação dos interesse público e privado de que o n.º 2 do art. 120.º do CPTA faz também depender a concessão da providência cautelar conservatória deve levar-se em conta que a não concessão da requerida suspensão de eficácia, acarretando a imediata consumação do acto, lesa imediata e irreversivelmente o direito do contribuinte ao segredo sobre a sua informação bancária, ainda que lhe venha ser dada razão na acção principal (recurso judicial daquele acto), enquanto a concessão da suspensão da eficácia, ainda que no recurso judicial venha a ser negada razão ao contribuinte, apenas terá como consequência diferir por pouco tempo (dada a natureza urgente que a lei concede ao recurso judicial daquele acto) o acesso da AT à informação bancária do contribuinte.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:1. RELATÓRIO

1.1 O DIRECTOR-GERAL DOS IMPOSTOS (adiante Entidade requerente, Recorrido ou, abreviadamente, DGI) determinou o acesso directo da Administração tributária (AT) à informação bancária de NUNO ALEXANDRE (adiante Contribuinte, Requerido ou Recorrente) relativa aos anos de 2005, 2006 e 2007.
Isto, em resumo, depois de a AT, na sequência de uma acção de fiscalização, ter considerado verificados fortes indícios do cometimento de crimes de fraude fiscal através da utilização de facturas falsas.

1.2 O Contribuinte recorreu dessa decisão para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, bem como interpôs a presente providência cautelar pedindo ao Juiz daquele Tribunal a suspensão da eficácia do referido despacho do DGI.
Para tanto, alegou, em resumo, que aquele despacho enferma de diversos vícios de forma e de violação de lei que determinarão a sua anulação e que estão verificados os demais requisitos para a concessão da tutela cautelar, designadamente o periculum in mora, não havendo supremacia do interesse público sobre o privado.

1.3 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedente a providência requerida.
Isto, depois de julgar improcedente o erro na forma do processo invocado pelo DGI na contestação, porque considerou, em síntese, que, face à manifesta improcedência da pretensão deduzida pelo Requerente na acção principal, que foi já decidida em 1.ª instância, «a presente providência deverá ser recusada, sem necessidade de aferição da verificação dos demais requisitos do decretamento» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, são transcrições.).

1.4 Inconformado com essa sentença, o Requerente dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte, apresentando com o requerimento de interposição do recurso as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
1ª Nos presentes autos considera o Recorrente que se verificam algumas nulidades processuais, só por si conhecidas com a notificação da douta sentença ora recorrida.
2ª A primeira nulidade decorre do facto de o Recorrente só ter sido notificado da douta oposição oferecida pelo Director-Geral dos Impostos com a notificação da sentença, o que o impediu de exercer o seu direito ao contraditório quanto à questão prévia na mesma suscitada, sem prejuízo de só neste momento ter tido conhecimento dos argumentos invocados.
3ª A segunda nulidade decorre da falta de notificação do processo administrativo ou, pelo menos, de que o mesmo foi junto aos autos e assim já seria possível a sua consulta, o que impossibilitou o Recorrente de conhecer todos os elementos de prova que suportaram o acto recorrido, e, assim, eventualmente apontar-lhe mais ilegalidades.
4ª A terceira nulidade decorre do facto de o Recorrente ter arrolado três testemunhas (o que vem sendo permitido pela jurisprudência – cfr., por exemplo, o ac. do STA de 07.11.2007, no proc. nº 0590/07), não tendo, contudo, podido produzir esta prova, sem que exista nos autos prévio despacho interlocutório a justificar tal decisão.
5ª As nulidades invocadas, para além de violarem expressamente normas legais (artigo 3º/nº 3 do CPC e 118º do CPTA), violam o princípio do contraditório, e devem ser arguidas com o recurso da sentença que as revelou, conforme jurisprudência dominante.
6ª A declaração de nulidade de qualquer uma das nulidades ora arguidas implica a anulação de todo o processado posterior, incluindo a sentença proferida, nos termos do artigo 201º/nº2 do CPC.
7ª Sem prescindir quanto às invocadas nulidades processuais, considera ainda o Recorrente que ocorre erro de julgamento na medida em que se considerou que a sua pretensão não tem qualquer fundamento.
[(() A numeração das conclusões passa da para a .)] O requisito em causa, previsto no artigo 120º/nº 1 b) do CPTA, corresponde ao conceito do “fumus non mal iuris”, que significa que basta que a pretensão não seja evidentemente improcedente para que o mesmo se dê como verificado.
10ª No limite, só com a produção integral da prova é que se poderia julgar no sentido decidido pela douta sentença recorrida.
11ª Ao decidir de modo contrário a este entendimento, violou a sentença recorrida o disposto no artigo 120º/nº 1 b) do CPTA.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se todos os actos praticados até à prolação da douta sentença recorrida, por efeito das nulidades invocadas ou, se assim não se entender, deve a mesma ser revogada, em face da violação de lei invocada, e substituída por outra que ordene a remessa dos autos à primeira instância para realização das diligências de prova requeridas, só assim se fazendo JUSTIÇA!».

1.5 O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.6 O DGI contra alegou, sustentando que nem o processo enferma de qualquer das nulidades arguidas pelo Recorrente nem a sentença incorreu no erro de julgamento que lhe vem assacado.

1.7 Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Norte, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que os autos aguardem a informação solicitada ao Supremo Tribunal Administrativo, sobre o estado do processo principal.

1.8 Cumpre apreciar e decidir, com dispensa de vistos dos Juízes adjuntos, atenta a natureza urgente do processo.

1.9 No presente recurso, as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber
─ se o processo enferma das nulidades arguidas pelo Recorrente, designadamente, por não ter sido notificado da arguição do erro na forma do processo efectuada na contestação, por não ter sido notificado do processo administrativo ou, pelo menos, da junção do mesmo aos autos e por não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas sem que tenha sido proferido despacho a dispensar a produção da prova testemunhal (cf. conclusões a )
─ se a sentença recorrida fez correcto julgamento ao julgar improcedente a providência de suspensão da eficácia do despacho do DGI que ordenou o acesso administrativo à informação bancária com fundamento na manifesta improcedência da pretensão deduzida no recurso que o Requerente deduziu contra esse acto (cf. conclusões a 11ª).


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
2.1.1 Na sentença recorrida o julgamento de facto foi efectuado nos seguintes termos:

«2.1. Matéria de facto provada

a) Em 29 de Julho de 2008, a Divisão de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças, elaborou um relatório de inspecção tendo por objecto a actividade do aqui Recorrente tendente a instruir um pedido de acesso a informações e documentos bancários cujo teor consta de fls. 16 a 17 do processo administrativo apenso.
b) Considerando verificarem-se os condicionalismos legais para o efeito, o Director de Finanças Adjunto de Braga, ordenou a remessa do dito relatório ao Director-Geral dos Impostos para que este autorizasse o acesso às informações e documentos bancários de que é titular o Recorrente.
c) Em 18 de Agosto de 2008, o Senhor Director Geral dos Impostos lavrou a seguinte decisão: “1. Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga, bem como com o pareceres e despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art. 63º-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº 4 do citado normativo, autorizo funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que seja titular o sujeito passivo Nuno Alexandre , com o NIF , com referência aos anos de 2005, 2006 e 2007. 2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Braga para efeitos do prosseguimento do procedimento de levantamento do segredo bancário”.
d) Desta decisão foi notificado o Recorrente através do ofício datado de 17 de Setembro de 2008 cujo teor consta de fls. 17 e 18 dos presentes autos e aqui se dá por reproduzido.
e) O presente recurso foi apresentado em 29 de Setembro de 2008.
2.2. Matéria de facto não provada

Não há factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados.

2.3. Motivação da decisão de facto

A decisão sobre a matéria de facto baseou-se na prova documental produzida junta aos autos».

2.1.2 Os factos dados como assentes pela 1.ª instância não nos merecem qualquer reparo, nem vêm postos em causa.
Em todo o caso, para uma melhor compreensão da situação de facto e respectivo enquadramento jurídico, entendemos pertinente aditar-lhes algumas circunstâncias processuais relativas à acção principal, que reputamos de interesse para a decisão a proferir, e que, aliás, também o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga referiu na sentença. Aproveitaremos também para corrigir um lapso que detectámos na alínea e), à qual daremos nova redacção. Assim, e ao abrigo da faculdade que nos é conferida pelo art. 712.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT, ora reformulamos a alínea e) e aditamos mais três alíneas, nos seguintes termos:
e) A petição inicial por que foi deduzida a presente providência cautelar foi apresentada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 7 de Outubro de 2008 (cf. fls. 1 e 2 dos presentes autos);
f) O Requerente, ora Recorrente, interpôs recurso contra o despacho dito em c) em 29 de Setembro de 2008 (cf. a alínea e) da sentença);
g) Esse recurso foi julgado improcedente por sentença do Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferida em data anterior à da decisão no presente processo (cf. a sentença proferida nestes autos);
h) Nessa sentença ficou dito, para além do mais o seguinte:

«Face à factualidade indiciária recolhida pela inspecção tributária e plasmada na informação que serviu de base e foi incorporada como fundamentação na decisão do Senhor Director-Geral e que consta da matéria de facto provada, afigura-se-nos estarem concretamente mencionados, ponto por ponto, os motivos que justificam o levantamento do sigilo bancário.
Por outro lado, pode dizer-se, num plano de análise indiciária, que estamos perante indícios inequívocos da prática pelo Recorrente de facto tipificado como crime em matéria tributária, mais concretamente o crime de fraude fiscal (cfr. art. 103º e 104º do RGIT) e que os elementos que aquele declarou à administração tributária não são verdadeiros – cfr. art. 63º-B, nº 1 als. a) e b) da LGT.
Assim, pode concluir-se:

- A decisão do Sr. Director-Geral dos Impostos de levantamento do sigilo bancário encontra-se fundamentada em termos exaustivos, com a concreta indicação dos motivos que justificam a necessidade de levantar o sigilo bancário;

- A administração tributária recolheu indícios de que o Recorrente terá incorrido na prática do crime de fraude fiscal e de que as declarações fiscais que efectuou não são verazes;

- A derrogação do sigilo bancário deverá, por isso, manter-se, carecendo de qualquer fundamento a pretensão deduzida pelo ora Requerente de ver revogado o despacho que autorizou tal derrogação»

(cf. a sentença proferida nestes autos, onde é feita a transcrição parcial da sentença proferida na acção principal).

2.1.3 As circunstâncias processuais que ora deixámos arroladas estão documentadas nos próprios autos ou referidas na sentença recorrida e não mereceram impugnação.
*
2.2 DE FACTO E DE DIREITO
2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
A AT, na sequência de uma fiscalização a Nuno Alexandre , entendeu existirem indícios suficientes da prática por este contribuinte do crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º e 104.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e que os elementos que aquele comunicou em cumprimento das suas obrigações declarativas não são verdadeiros, motivos por que o Director-Geral dos Impostos decretou o acesso administrativo à informação bancária do Contribuinte relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007, ao abrigo do disposto no art. 63.º-B, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei Geral Tributária (LGT) (() Disposição legal aditada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que, na redacção aplicável, que é a dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005), estipula:
«1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária;
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.
[...]».).

O Contribuinte recorreu desse despacho nos termos do disposto no art. 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (() Disposição legal aditada ao CPPT pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, e que estipula:
«1- O contribuinte que pretenda recorrer da decisão da administração tributária que determina o acesso directo à informação bancária que lhe diga respeito deve justificar sumariamente as razões da sua discordância em requerimento apresentado no tribunal tributário de 1.ª instância da área do seu domicílio fiscal.
2 - A petição referida no número anterior deve ser apresentada no prazo de 10 dias a contar da data em que foi notificado da decisão, independentemente da lei atribuir à mesma efeito suspensivo ou devolutivo.
3 - A petição referida no número anterior não obedece a formalidade especial, não tem de ser subscrita por advogado e deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova, que devem revestir natureza exclusivamente documental.
4 - O director-geral dos Impostos ou o director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo são notificados para, querendo, deduzirem oposição no prazo de 10 dias, a qual deve ser acompanhada dos respectivos elementos de prova.
[...]».) e, autonomamente e mediante a invocação do disposto nos arts. 112.º, n.º 2, alínea a) (() Disposição legal que diz:
«[…]
2 - Além das providências especificadas no Código de Processo Civil, com as adaptações que se justifiquem, nos casos em que se revelem adequadas, as providências cautelares a adoptar podem consistir designadamente na:
a) Suspensão da eficácia de um acto administrativo ou de uma norma;
[...]».), e 120.º, n.º 1, alínea b) (() Disposição legal que diz:
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
[...]
b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
[...]».), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pediu a suspensão da eficácia do mesmo.

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou improcedentes quer a acção principal quer esta providência cautelar, sendo que, relativamente a esta, o fez com o fundamento de que, sendo manifesta a improcedência daquele recurso, também a providência cautelar devia ser julgada improcedente, nos termos do disposto no art. 120.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, não havendo sequer que apreciar os demais requisitos para a concessão da tutela cautelar.

O Requerente não se conformou com a sentença e dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo Norte. Nos termos das alegações de recurso e respectivas conclusões, invoca, antes do mais, a verificação de três nulidades processuais, de que diz ter tomado conhecimento apenas com a notificação da sentença (cf. conclusões de recurso a ); depois, assaca à sentença o erro de julgamento por «incorrecta interpretação do disposto no artigo 120º/nº 1 b) do CPTA na parte respeitante ao requisito do “non fumus mal iuris”» (cf. conclusões de recurso a 11ª).

Daí que, como deixámos dito em 1.9, as questões a apreciar e decidir sejam as de saber:
─ se o processo enferma das nulidades processuais arguidas pelo Recorrente, designadamente,
· por não ter sido notificado da arguição do erro na forma do processo efectuada na contestação,
· por não ter sido notificado do processo administrativo ou, pelo menos, da junção do mesmo aos autos e
· por não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas sem que tenha sido proferido despacho a dispensar a produção da prova testemunhal;
─ se é correcto o julgamento efectuado na decisão que, com fundamento na manifesta improcedência da pretensão deduzida no recurso (acção principal) que o Requerente deduziu contra o despacho do DGI que ordenou o acesso administrativo à informação bancária, indeferiu o pedido de suspensão da eficácia desse acto.

2.2.2 DAS NULIDADES PROCESSUAIS
2.2.2.1 das nulidades processuais e da forma de arguição das nulidades
Começou o Recorrente por arguir diversas nulidades processuais (por falta de notificação da arguição do erro na forma do processo efectuada na contestação, por falta de notificação do processo administrativo ou, pelo menos, da junção do mesmo aos autos e por falta de inquirição das testemunhas arroladas sem que tenha sido proferido despacho a dispensar a produção da prova testemunhal).
As nulidades processuais «são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais» (() Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 176.).
Porque as nulidades invocadas não constam do elenco de nulidades insanáveis que o legislador arrolou no art. 98.º do CPPT, só poderão, eventualmente, ser havidas como nulidades secundárias, nos termos do CPC, aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT. Assim, é à luz do regime do art. 201.º e segs. do CPC que deveremos aferir se estamos perante irregularidades processuais susceptíveis de serem qualificadas como nulidades (secundárias) (() Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, 5.ª edição, I volume, anotação 3. ao art. 98.º, pág. 685, e anotação 4. ao art. 125.º, pág. 905.).
Nos termos do art. 201.º, n.º 1, do CPC, «a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa».
O que significa, desde logo que, as nulidades, enquanto violações da lei processual, têm que revestir uma de três formas: «a) prática de um acto proibido; b) omissão de um acto prescrito na lei; c) realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas (art. 201.º, 1)» (() Cf. ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 387.).
Salvo o devido respeito, a matéria aduzida pelo Recorrente para integrar as nulidades que invocou não integra forma alguma das que ficaram apontadas, designadamente as omissões de actos prescritos na lei a que as alegações de recurso e respectivas conclusões parecem reconduzi-las.
Adiante consideraremos uma por uma. Por ora, uma breve nota sobre a questão de saber se tais nulidades deveriam ser arguidas mediante reclamação dirigida ao Tribunal a quo ou no presente recurso.
A questão está longe de ser incontroversa:
– sustentam alguns que a nulidade processual deverá, nos termos do disposto no art. 205.º, n.º 1, do CPC, ser arguida mediante reclamação perante o tribunal a quo, dentro do prazo fixado pelo art. 153.º do CPC, sendo as únicas excepções as previstas no n.º 3 do referido art. 205.º (quando a expedição do processo, em recurso jurisdicional, se verifica antes de findar o prazo de arguição da nulidade perante o tribunal recorrido, e a existência de um despacho judicial autorizando a prática ou a omissão do acto ou da formalidade) (() Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 2. ao art. 98.º, pág. 684, e anotação 3. ao art. 125º, págs. 904/905, e os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Abril de 1997, proferido no recurso com o n.º 41.547, da 1.ª Secção;
- de 1 de Julho de 1998, proferido no recurso com o n.º 22.379, publicado no Apêndice ao Diário da República de 28 de Dezembro de 2001, págs. 2401 a 2404.);
– defendem outros que as nulidades processuais ocorridas antes de proferida a sentença, mas por esta sancionadas, ainda que de modo implícito, se apenas conhecidas pelo interessado com a notificação da sentença, devem ser arguidas no recurso interposto desta, desde que seja recorrível, pois é aquele o meio processual adequado para reagir e de conhecer aquelas nulidades, não a reclamação (() Neste sentido, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Outubro de 1994, proferido no recurso com o n.º 18.409, publicado no Apêndice ao Diário da República de 20 de Janeiro de 1997, págs. 2360 a 2363;
- de 24 de Abril de 1996, proferido no recurso com o n.º 19.917, publicado no Apêndice ao Diário da República de 18 de Maio de 1998, págs. 1283 a 1291;
- de 9 de Abril de 1997, proferido no recurso com o n.º 21.070, publicado no Apêndice ao Diário da República de 9 de Outubro de 2000, págs. 890 a 896.
Neste sentido, também o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, nos seguintes acórdãos, com texto integral em http://www.dgsi.pt:
- de 2 de Outubro de 2001, proferido no recurso com o n.º 42.385;
- de 20 de Março de 2002, proferido no recurso com o n.º 38.441.).

Aderimos a esta segunda posição, por se nos afigurar a que melhor interpretação faz da lei.
Vejamos:
A nulidade secundária em que o tribunal incorrer, nos termos do art. 202.º do CPC, em princípio, só pode ser conhecida mediante reclamação a deduzir no prazo de dez dias (prazo geral estabelecido no artigo 153.º do mesmo diploma).
De acordo com o artigo 205.º, n.º 1, do CPC, o prazo de dez dias conta-se do conhecimento da nulidade, o que significa que, no caso de a nulidade não estar sanada quando é proferida a sentença, esta acaba por lhe dar cobertura, embora de forma implícita. Como se disse no já referido acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Abril de 1997, «a nulidade acabou por ficar implicitamente coberta ou sancionada pela sentença, dado que a nulidade cometida se situa a seu montante e o dever omitido se encontra funcionalizado à sua prolação». Assim, e sendo o meio próprio de atacar a sentença o recurso – numa concretização do brocardo “das nulidades reclama-se, das decisões recorre-se” – há que concluir que nada obsta ao conhecimento das nulidade arguidas em sede de recurso (() Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 182/183, e ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 510.).
Dito isto, cumpre agora verificar da verificação das arguidas nulidades processuais.

2.2.2.2 da nulidade por falta de notificação da contestação
A primeira nulidade arguida pelo Recorrente foi por «só ter sido notificado da douta oposição oferecida pelo Director-Geral dos Impostos com a notificação da sentença, o que o impediu de exercer o seu direito ao contraditório quanto à questão prévia na mesma suscitada, sem prejuízo de só neste momento ter tido conhecimento dos argumentos invocados» (cf. conclusão do recurso).
É certo que o DGI, na oposição que deduziu à providência cautelar requerida, invocou a nulidade por erro na forma do processo e que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga conheceu da mesma, para a indeferir, sem ouvir o Requerente, ora Recorrente.
É também certo que, apesar de o CPTA não prever que a contestação à providência cautelar seja notificada ao requerente e o disposto nos arts. 118.º, n.º 3 (() Disposição legal que dispõe:
«Juntas as contestações ou decorrido o respectivo prazo, o processo é concluso ao juiz, que pode ordenar as diligências de prova que considere necessárias».), e 119.º, n.º 1 (() Norma que diz:
«O juiz ou relator profere decisão no prazo de cinco dias contado da data da apresentação da última contestação ou do decurso do respectivo prazo, ou da produção de prova, quando esta tenha tido lugar».), daquele Código, levar a crer que não há lugar à apresentação de qualquer articulado após as oposições, quando nestas seja deduzida excepção, o princípio do contraditório (() Princípio que se encontra consagrado no art. 3.º, n.º 3, do CPC – «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» – e que é subsidiariamente aplicável ao processo judicial administrativo ex vi do art. 1.º do CPTA.) impõe que se conceda ao requerente a possibilidade de responder mediante a apresentação de um articulado suplementar (() Neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO MENDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 595.). O que implicará a notificação da contestação ao requerente.
No entanto, nos termos do art. 207.º do CPC, a arguição de qualquer nulidade pode ser indeferida sem prévia audição da parte contrária. O que bem se compreende face aos princípios da celeridade e da utilidade que presidem a toda a actividade processual.
Ou seja, o facto de o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal, considerando que a nulidade por erro na forma do processo arguida pelo DGI na contestação não podia proceder, ter decidido a questão sem sobre a mesma ouvir o Requerente, não constitui nulidade alguma pois a lei não impõe tal audição quando, como no caso, o erro na forma do processo seja indeferido.
Assim, a nulidade não pode proceder.
Aliás, o Recorrente não tem qualquer interesse digno de tutela judiciária quanto à questão do erro na forma do processo, que foi decidida em sentido que lhe é favorável, o que, por si só, sempre determinaria que o recurso não pudesse ser provido quanto a esta questão, por falta de interesse do Recorrente na apreciação da mesma.

2.2.2.3 da nulidade por falta de notificação do processo administrativo
Sustenta também o Recorrente que se verifica uma nulidade processual decorrente da «falta de notificação do processo administrativo ou, pelo menos, de que o mesmo foi junto aos autos», o que o impossibilitou de «de conhecer todos os elementos de prova que suportaram o acto recorrido, e, assim, eventualmente apontar-lhe mais ilegalidades» (cf. conclusão do recurso).
Dando de barato que o Recorrente não tenha tido conhecimento do referido processo administrativo, desconhecimento que os elementos constantes dos autos não nos permitem afirmar ou infirmar, certo é que o mesmo não foi utilizado como meio de prova nesta providência cautelar.
Salvo o devido respeito, o Recorrente parece confundir a prova produzida no procedimento administrativo com a prova produzida no presente processo judicial. Na verdade, se não lhe foi dado oportunamente conhecimento da prova produzida no procedimento, designadamente da informação do Serviço de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga que serviu de fundamentação ao despacho do DGI, poderia o Contribuinte, caso assim o entendesse, ter accionado o disposto no art. 37.º do CPPT, assim logrando o conhecimento dessa informação e o diferimento do prazo para reagir contenciosamente contra aquele despacho. Nessa eventualidade e mediante a utilização daquela faculdade, ficaria habilitado a, eventualmente, assacar outras ilegalidades ao acto recorrido cuja eficácia pretende ver suspendida mediante a presente providência cautelar, como pretende na motivação do recurso.
O que não pode é o Recorrente, com tal fundamento, pretender que, neste processo judicial em que requereu a suspensão da eficácia do despacho do DGI, se verifica uma nulidade processual por falta de notificação do referido processo administrativo. Nem que, se tivesse sido notificado neste processo judicial daquele processo administrativo poderia ter assacado outros vícios ao acto impugnado.
A nulidade processual decorrente da falta de notificação ao Requerente do processo administrativo só poderia verificar-se caso aquele processo tivesse sido utilizado como meio de prova dos factos dados como assentes na sentença recorrida ou neste acórdão. Nessa eventualidade, sim, e desde que o mesmo não tivesse sido oportunamente notificado ao Requerente no processo principal, verificar-se-ia uma violação do princípio do contraditório, pois não lhe teria sido concedida a faculdade de se pronunciar no âmbito de um processo judicial sobre um meio de prova produzido nos autos.
Mas, como resulta da leitura dos factos que foram dados como assentes, aquele processo não foi aqui utilizado como meio de prova de qualquer facto; foi apenas referido como estando na base e servindo de fundamentação do acto recorrido, o que é realidade bem diferente.
Aliás, o próprio Recorrente reconduz a nulidade arguida, não ao presente processo judicial, mas antes ao procedimento administrativo, como resulta da alegação por ele aduzida, designadamente quando afirma que a falta da notificação daquele processo administrativo integra nulidade «na medida em que foi subtraído ao Recorrente o direito a conhecer todos os elementos de prova que conduziram ao acto recorrido» (itálico nosso).
Improcede, pois, a invocada nulidade.

2.2.2.4 da nulidade por falta de inquirição das testemunhas e por falta de despacho a dispensar essa inquirição
Invocou ainda o Recorrente a nulidade decorrente da falta de inquirição das testemunhas que arrolou «sem que exista nos autos prévio despacho interlocutório a justificar tal decisão» (cf. conclusão do recurso).
Salvo o devido respeito, também tal nulidade improcede. Vejamos:
Compete ao juiz aferir da necessidade ou não de produzir prova, como resulta inequivocamente do disposto no n.º 3 do art. 118.º do CPTA (() Ver nota 13.). Assim, quando, após a contestação ou o decurso do prazo para a mesma, o juiz, sem mais, após vista ao Ministério Público, profere decisão, é porque entendeu dispensável a produção de prova. Nesse caso, como é manifesto, a falta de inquirição das testemunhas oferecidas pelo requerente ou pela entidade requerida não constitui omissão de um acto que a lei prescreva. A lei não prescreve que deve haver sempre a inquirição das testemunhas, ou qualquer outra diligência instrutória, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade da realização de diligências de prova e, entre estas, escolher as que reputa adequadas.
Ora, no caso, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga entendeu estar habilitado a proferir decisão após a apresentação da contestação apresentada pela Entidade requerida, como decidiu, depois de dar vista ao Ministério Público, motivo por que não se verifica a arguida nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente.
Mas, será que deveria o Juiz daquele Tribunal ter proferido despacho a dar conta de que entendia desnecessária a produção da prova testemunhal oferecida pelo Requerente e, assim, da sua opção pelo imediato conhecimento do pedido (despacho esse que haveria de ser notificado às partes), sob pena de nulidade?
Afigura-se-nos que não.
Desde logo, a lei não prevê decisão alguma a dispensar a produção da prova oferecida pelas partes. O que a lei refere, como dissemos já, é que o juiz, após verificar as contestações ou o após o decurso do prazo para a apresentação delas, pode entender decidir sem que haja lugar à produção da prova. A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz exprima o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido oferecida pelo requerente, pela entidade requerida ou pelos contra-interessados, se os houver, quer o faça ex officio, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir decisão de imediato, é porque entende desnecessária a produção de prova.
Ora, se a lei não prescreve tal despacho, não vemos como sustentar que a omissão do mesmo constitui um desvio ao formalismo processual que deveria ter sido seguido e, consequentemente, como sustentar que se verifica uma nulidade. Recorde-se que a nulidade processual consiste num desvio entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efectivamente seguido nos autos.
Aliás, qual seria a utilidade desse despacho? Se o juiz entende conhecer imediatamente do pedido, não vemos por que há-de proferir despacho a anunciar que o vai fazer e só depois conhecer do pedido, ao invés de fazê-lo de imediato. Tal despacho não teria utilidade alguma, nem sequer a de dar a conhecer às partes que não houve lugar à produção de prova. É que estas, logo que notificadas da decisão, facilmente se podem aperceber de que não houve quaisquer diligências instrutórias, quer porque delas não foram notificadas, quer porque na sentença, maxime na parte destinada à apreciação crítica dos elementos de prova que o juiz utilizou para formar a sua convicção, não existirá qualquer referência àquelas diligências.
Nem se diga que as partes não podem aperceber-se através da notificação da sentença de que não houve lugar à fase da instrução, que poderia ter ocorrido à sua revelia ou que poderia ter tido ocorrido sem que lhe seja feita referência alguma para fundamentar o julgamento da matéria de facto. Na verdade, se em relação a esta última circunstância, é certo que a mesma, só por si, nada revela relativamente à prática ou não de diligências instrutórias (se bem que, normalmente, o juiz deva proceder à análise crítica de toda a prova produzida), já a primeira circunstância – ter havido lugar à instrução à revelia das partes, que não teriam sido notificadas para assistir às diligências instrutórias ou aos seus resultados – é uma situação manifestamente patológica, que não pode erigir-se em critério de normalidade para aferir da regularidade da tramitação processual; a regra é que seja observado o formalismo processual prescrito na lei: normal é que, se existir instrução, as partes sejam notificadas para as diligências instrutórias, designadamente para a inquirição das testemunhas.
Mas, se porventura ocorresse tão grave atropelo no processo – esse sim, nulidade (() Na verdade, caso houvesse lugar à realização de diligências instrutórias, designadamente à inquirição de testemunhas, a falta de notificação das partes para estarem presentes na diligência constituiria nulidade, porque desvio ao formalismo processual prescrito na lei e susceptível de influir no exame e decisão da causa.) –, nem por isso as partes ficariam desprotegidas pela ausência de despacho a dispensar a realização de diligências instrutórias e respectiva notificação.
Na verdade, essa nulidade sempre poderia ser arguida no recurso a interpor da decisão, bem como deveria ser conhecida oficiosamente pelo tribunal ad quem.
Nem se diga que esse despacho (a anunciar o conhecimento imediato do pedido) teria como vantagem a possibilidade de as partes poderem suscitar desde logo a sua reapreciação por instância superior, mediante recurso, assim obviando à prossecução do processo e à prolação de sentença que, a verificar-se a nulidade, viriam a ser anulados por força da mesma. É que, embora admitamos que, a ser proferido despacho que dispense a produção da prova, este será passível de recurso, tal recurso sempre seria a subir com o que fosse interposto da decisão final (cf. art. 285.º do CPPT), motivo por que nem sequer se pode invocar que a prolação desse despacho teria o mérito de, através da possibilidade do recurso do mesmo, obstar à prossecução do processo e à prática de actos que poderiam vir a ser anulados.
Note-se, finalmente, que o facto de sustentarmos a desnecessidade de despacho expresso a dispensar a inquirição das testemunhas arroladas não significa que o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova não esteja sujeito a controlo. Na verdade, sempre essa decisão do juiz poderá ser sindicada em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só as partes podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cf. art. 712.º, n.º 4, do CPC, na redacção aplicável, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, e art. 2.º, alínea e), do CPPT).
Por tudo isto, entendemos que o facto de não terem sido inquiridas as testemunhas arroladas pelo Requerente nem ter sido proferido despacho a dispensar a inquirição das mesmas não constitui nulidade.

2.2.3 DO ERRO DE JULGAMENTO – O REQUISITO DO FUMUS NON MALUS IURIS
Julgadas que foram improcedentes as nulidades processuais invocadas, passemos agora a sindicar o julgamento efectuado pela 1.ª instância.
Como deixámos já dito, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga julgou a providência requerida improcedente face ao disposto na alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPPT, porque entendeu ser manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida pelo Requerente na acção principal, ou seja, no recurso que deduziu, ao abrigo do disposto no art. 146.º-B do CPPT, contra o despacho do DGI que decretou o acesso administrativo à sua informação bancária, motivo por que considerou prejudicada a apreciação dos demais requisitos para a concessão da providência.
Discorda o Requerente, sustentando, em síntese, que o Juiz fez errada interpretação da alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, relativamente ao requisito que considerou em falta e que determinou o sentido da decisão, pois o mesmo corresponde ao fumus non malus iuris, «que significa que basta que a pretensão não seja evidentemente improcedente para que o mesmo se dê como verificado», sendo que «[n]o limite, só com a produção integral da prova é que se poderia julgar no sentido decidido pela douta sentença recorrida» (cf. e 10ª conclusões do recurso).
A questão a dirimir é, pois, a de saber se o Juiz ponderou correctamente os critérios de decisão das providências cautelares, designadamente o fumus non malus iuris previsto na alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, onde se estabelece, como requisito para a concessão das providências conservatórias, que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular» no processo principal.
Recordemos o que diz o art. 120.º do CPTA, no seu n.º 1:

«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adoptadas:
a) Quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente;
b) Quando, estando em causa a adopção de uma providência conservatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito;
c) Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente».

Como é sabido, as providências cautelares destinam-se a obter uma regulação provisória dos interesses envolvidos num dado litígio, podendo traduzir-se na manutenção, a título provisório, de uma situação já existente, até que seja definida a título definitivo no processo principal (providências conservatórias), ou na antecipação, a título provisório, de uma situação jurídica nova, cuja constituição se visa alcançar, a título definitivo, no processo principal (providências antecipatórias).
Quer num caso quer no outro, essa regulação provisória deve ter natureza instrumental, ou seja, deve traduzir-se na adopção de providências cautelares que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, evitando o chamado periculum in mora, de tal forma que não poderá conceber-se a tutela cautelar sem esta vinculação objectiva, e subsidiária, relativamente à tutela jurisdicional definitiva a obter no processo principal (arts. 112.º, n.º1, e 113.º, n.º1, do CPTA). É sabido ainda, que no âmbito das providências cautelares, atenta a sua natureza instrumental e urgente, impõe-se ao julgador uma apreciação sumária e perfunctória das questões que lhe são colocadas, e que serão abordadas com outra profundidade na acção principal, sob pena de se confundirem as finalidades de um e outro processos.
O deferimento de uma pretensão cautelar exige sempre o fumus boni iuris, ou aparência de bom direito, sendo este requisito decisivo, até, em caso de evidência da procedência da pretensão deduzida no processo principal, nomeadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal (art. 120.º, n.º 1, alínea a), do CPTA). Em sede cautelar, cabe ao julgador, pois, o poder e o dever de avaliar, ainda que em termos sumários, como é próprio da natureza urgente da acção cautelar, a probabilidade da procedência da acção principal, sendo que, se considerar manifestamente ilegal o acto em causa, deve conceder a providência sem mais indagações. Para o efeito, todavia, não lhe compete estar a apurar com profundidade se os vícios imputados ao acto impugnado ocorrem ou não, tem é de apreciar se eles são ostensivos, evidentes (() Com interesse, vide José Carlos Vieira de Andrade, Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 8.ª edição, pág, 343 e seguintes, e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2003, pág. 261.).
Não se verificando o intenso fumus boni iuris exigido pela alínea a) do n.º1 do art. 120.º do CPTA,
a alínea b) deste mesmo artigo permite que a providência conservatória seja concedida caso haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora) e não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito (fumus non malus iuris), e
a sua alínea c) permite que a providência antecipatória seja concedida quando se verifique semelhante periculum in mora e seja provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris).
Os requisitos do fumus non malus iuris (alínea b)) e do fumus boni iuris (alínea c)) estão desprovidos da carga de evidência exigida pela alínea a), que impõe ao julgador um juízo de certeza sobre o bom ou o mau direito, bastando aqui que seja formulado um juízo de aparência de bom direito; dito de forma mais rigorosa, que seja, no primeiro caso, formulado um juízo negativo sobre a manifesta falta de fundamento da pretensão principal, e, no segundo, um juízo positivo sobre a probabilidade da sua procedência (() Neste sentido, vide JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., págs. 349 a 353.). O que bem se compreende, porque, tratando-se, no primeiro caso, de uma providência conservatória, a mesma destina-se a manter o status quo, pelo que se justifica uma menor exigência quanto à aparência do bom direito do que nas providências antecipatórias previstas na alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito e que visam alterar o status quo; daí que, nestas últimas, o fumus boni iuris surja na sua formulação positiva, ou seja, só podem ser concedidas quando seja de admitir «que a pretensão formulada ou a formular [no processo principal] pode vir a ser julgada procedente».
Sendo os requisitos exigidos quer pela alínea b) quer pela alínea c) do n.º1 do art. 120.º do CPTA de verificação cumulativa, a não verificação em concreto de um deles, seja o fumus boni iuris seja o periculum in mora, impõe, necessariamente, a recusa da pretensão cautelar solicitada.
Dito isto, e avançando, diremos que o Juiz do Tribunal a quo fez correcta interpretação da alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, no que respeita ao requisito em causa, ou seja, ao fumus boni iuris, tendo deixado referido na decisão da providência que, porque a mesma tem carácter conservatório, «o decretamento da mesma depende de não ser manifesta a falta de fundamento da pretensão principal», isto é, reconduzindo-o ao referido fumus non malus iuris. O que significa que o Juiz interpretou correctamente a lei, pois deu conta de que, na situação em causa, de providência conservatória, esta devia ser decretada se não fosse «manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo [principal] ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito». Ou seja, o Juiz deu conta, e bem, de que o fumus boni iuris surgia aqui na sua formulação negativa, mais suave ou menos exigente.
Mas será que fez também correcta aplicação do preceito no que respeita ao mesmo requisito? É aqui que reside a principal discordância do Recorrente com a decisão, pois entende que a decisão se baseou numa inexistente presunção da legalidade da actuação da Administração e que sempre deveria ter sido admitida a produção da prova testemunhal por ele arrolada como forma de demonstrar a ilegalidade da actuação administrativa. Vejamos:
O Requerente, ora Recorrente, só tinha de alegar, como fez, que ia instaurar ou tinha já instaurado recurso judicial contra o acto cuja eficácia aqui pretende ver suspensa, indicando sumariamente as razões dessa sua pretensão.
Na decisão recorrida, o Juiz considerou ser manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada no processo principal. Alicerçou essa conclusão na sentença proferida nesse processo, que antecedeu a proferida na presente providência cautelar. Ou seja, porque na sentença proferida no processo principal o Juiz considerou “carecida” de qualquer fundamento a pretensão aí deduzida, entendeu recusar a providência cautelar pedida no presente processo com fundamento na manifesta falta de fundamento da pretensão deduzida na acção principal.
Prima facie, a posição assumida pelo Juiz do Tribunal a quo dir-se-ia acertada. Caso na acção principal – o recurso judicial contra o despacho do DGI que determinou o acesso administrativo à informação bancária do Recorrente – que foi decidida antes da providência cautelar, apesar da sentença ainda não ter transitado em julgado (() Se a decisão proferida no processo principal já tivesse transitado em julgado, o presente processo teria perdido a utilidade.), o Juiz houvesse considerado que a pretensão do Recorrente era manifestamente infundada, dir-se-ia que a decisão proferida nesta sede não enfermaria de qualquer erro de julgamento quando considerou inverificado o requisito de que não fosse manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida na acção principal. Na verdade, caso tivesse sido esse o juízo efectuado na acção principal, estaria justificado idêntico juízo nesta sede cautelar. Mal se compreenderia, então, que o Juiz fizesse juízo diverso em sede cautelar. Isto, porque ninguém sustentará que em sede cautelar, onde, atenta a natureza instrumental e urgente do processo, a apreciação das questões colocadas deve ser sumária e perfunctória, possa contrariar-se um juízo efectuado na acção principal, em que tais questões foram abordadas com maior profundidade e ponderação. A não ser assim, estar-se-ia a subverter as finalidades de um e outro processo, trocando-as.
Mas, salvo o devido respeito, não será assim.
Desde logo, apesar de não constar do processo (() Que foi desapensado do processo principal.) cópia da sentença proferida no recurso judicial do despacho do DGI, a verdade é que, a fazer fé na sentença ora recorrida (que transcreve parte daquela), o juízo naquela efectuado não terá sido de manifesta falta de fundamento, caso em que, por certo, o Juiz não teria sequer entrada na ponderação em concreto dos fundamentos invocados. Ou seja, o que o Juiz considerou, ao afirmar que «[a] derrogação do sigilo bancário deverá, por isso, manter-se, carecendo de qualquer fundamento a pretensão deduzida pelo ora Requerente de ver revogado o despacho que autorizou tal derrogação», foi que os fundamentos invocados pelo Requerente não procediam e não que era manifesta a falta de fundamento da pretensão deduzida, o que é realidade bem diferente.
Seja como for, na análise do requisito do fumus non malus iuris, nunca bastaria ao Juiz do Tribunal a quo em sede da tutela cautelar remeter, sem mais, para o juízo efectuado na decisão proferida na acção principal, a menos que reproduzisse a argumentação que ali lhe permitiu tal juízo. Na verdade, sempre se lhe exigiria, ainda que de forma sintética e numa análise meramente perfunctória, que se pronunciasse sobre a questão da “manifesta improcedência”, que, no mínimo, referisse por que entendia ser manifesta a improcedência dos vícios de forma e de violação de lei invocados como fundamentos do pedido formulado no processo principal, de anulação do despacho do DGI que determinou o acesso directo à informação bancária do Contribuinte.
A nosso ver, o juízo a formular relativamente ao requisito de que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo é de natureza idêntica ao juízo a formular para o indeferimento liminar de uma qualquer pretensão, quando a lei o admita. Ou seja, aquele requisito só deverá dar-se como não verificado quando a falta de fundamento da pretensão formulada seja tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando a pretensão não tenha razão de ser alguma e a prossecução do processo seja desperdício manifesto da actividade judicial.
Ora, esse juízo não foi efectuado na decisão recorrida e, segundo os elementos constantes dos autos, nem o poderia ter sido. É que, atentos os fundamentos invocados no recurso judicial interposto ao abrigo do art. 146.º-B do CPPT, e que ficaram expostos no requerimento por que foi solicitada a providência cautelar (cf. itens 40.º a 138.º do requerimento inicial), é de considerar como não evidente a improcedência da pretensão de fundo do Requerente. O juízo sobre a procedência dos invocados vícios formais e substantivos exigirá uma tarefa de determinação e aplicação da lei, bem como de determinação dos factos, com a implícita ponderação dos respectivos meios de prova disponíveis, tarefa essa, que pela sua extensão e complexidade se nos afigura de todo incompatível com a consideração de que é manifesta a sua improcedência.
Assim, porque não foram invocadas pela Entidade requerida, nem são manifestas, no juízo de prognose que aqui é possível formular, a falta de fundamento da pretensão do Requerente ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento do seu mérito, há que ter por verificado o referido requisito fumus boni iuris, na sua formulação negativa (() Porque estamos perante factos negativos, sempre recairia sobre a Entidade requerida o ónus da prova da existência desses elementos (cf. art. 344.º do Código Civil).).
O recurso será, pois, provido, revogando-se a sentença recorrida, que decidiu em sentido diverso.

2.2.4 DOS DEMAIS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR: DO PERICULUM IN MORA E DA PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO
Decidido que ficou estar verificado o requisito negativo da falta de manifesta improcedência da pretensão deduzida na acção principal, cumpre, agora, atento o disposto no art. 715.º, n.º 2, do CPC, conhecer dos demais requisitos para a concessão da tutela cautelar e cujo conhecimento o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga considerou prejudicado. Assim, conheceremos de seguida, quer do periculum in mora previsto na alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, quer da ponderação de interesses a que alude o n.º 2 do mesmo artigo.
Porque quer o Requerente quer a Entidade requerida já alegaram aprofundadamente sobre tais requisitos, dispensámos o cumprimento do disposto no n.º 3 do art. 715.º do CPC.

2.2.4.1 do periculum in mora
Como resulta da redacção da alínea b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, já citada, e do que deixámos já dito, a concessão da providência conservatória depende também da verificação do periculum in mora, do «fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal».
Ou seja, só deve ser concedida tutela cautelar quando esta se mostre necessária para obviar à constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação.
A nosso ver, é manifesto que, a não ser concedida a providência cautelar requerida, ainda que o Requerente venha a ter êxito no recurso judicial da decisão (pendente de recurso jurisdicional no Supremo Tribunal Administrativo), já estará consumada a lesão que ele pretende evitar com a presente providência cautelar (() Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, 5.ª edição, I volume, anotação 15. ao art. 147.º, págs. 1095/1096. ). Ou seja, já a AT terá acedido à sua informação bancária. Note-se que, após a redacção que foi dada ao n.º 5 do art. 63.º-B da LGT pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Lei de Orçamento do Estado para 2005), o recurso judicial da decisão de acesso à informação bancária nos casos do n.º 1 do mesmo artigo deixou de ter efeito suspensivo (e só por isso se justifica a presente providência, pois, antes, o efeito suspensivo do recurso tornava-a dispensável).
Poderá argumentar-se, como a Entidade requerida, que os interesses do Requerente estão suficientemente assegurados, quer pelo disposto no n.º 6 do art. 63.º-B, da LGT (() Diz o n.º 6 do art. 63.º-B da LGT, na redacção da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro:
«Nos casos de deferimento do recurso previsto no número anterior, os elementos de prova entretanto obtidos não podem ser utilizados para qualquer efeito em desfavor do contribuinte».), pois, caso o contribuinte logre sucesso no recurso judicial contra a decisão administrativa de acesso à sua informação bancária, a AT não poderá utilizar em desfavor do contribuinte a informação entretanto obtida, quer pelo dever de confidencialidade que recai sobre os funcionários da AT, nos termos do disposto no art. 22.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (() Dispõe o n.º 1 do referido artigo:
«O procedimento da inspecção tributária é sigiloso, devendo os funcionários que nele intervenham guardar rigoroso sigilo sobre os factos relativos à situação tributária do sujeito passivo ou de quaisquer entidades e outros elementos de natureza pessoal ou confidencial de que tenham conhecimento no exercício ou por causa das suas funções».). Note-se que o dever de confidencialidade está também previsto no art. 64.º da LGT (() Dispõe o n.º 1 do art. 64.º da LGT:
«Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributaria dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado».).
Salvo o devido respeito, tal garantia afigura-se-nos insuficiente, na medida em que, quebrado que seja o sigilo bancário, só num mundo ideal se pode esperar que quem teve acesso à informação dela não se aproveite, ainda que de forma não explícita, inconscientemente e para a prossecução do interesse público.
Aliás, o próprio legislador parece também não ter considerado suficientes as garantias gerais de confidencialidade, na medida em que no art. 64.º-A da LGT entendeu ser necessário definir regras especiais de reserva de informação no âmbito dos processos de derrogação do sigilo bancário, a fixar pelo Ministro das Finanças e que, tanto quanto sabemos, continuam por regulamentar.
O facto de a lei prevenir a produção de efeitos desfavoráveis ao contribuinte ao nível da derrogação do sigilo bancário até que esteja decidido a recurso judicial e de prever o dever de confidencialidade para os funcionários da AT não se nos afigura garantir de forma suficiente a lesão do interesse do contribuinte, que se consumará com o acesso à sua informação bancária.
Poderá ainda argumentar-se, como o faz a Entidade requerida, que o despacho recorrido já foi parcialmente executado, sendo que «a maior parte das instituições bancárias já responderam aos ofícios que a inspecção tributária lhes havia remetido», segundo alega, antes de saber da existência presente providência cautelar. Desde logo, está por demonstrar, que assim seja, sendo que o único elemento que se refere à execução do despacho cuja eficácia o Requerente visa suspender é a cópia de um e-mail junto a fls. 2 do processo administrativo em apenso, trocado entre funcionários da AT e onde se refere, na parte relevante, tão-só, que «Depois da notificação efectuada ao Banco de Portugal, e até à data, recebemos comunicações de imensos bancos sendo que as respostas, na sua generalidade, são de inexistência de contas», que «Recebemos duas comunicações de dois bancos mas sem valores relevantes ou contas saldadas há algum tempo» e que, quanto ao banco onde está a conta referida na contabilidade do Contribuinte, «Até à data não nos enviaram quaisquer elementos tendo já sido efectuado um ofício de insistência com o respectivo Banco».
Ou seja, contrariamente ao que alega a Entidade requerida, o despacho suspendendo não se encontra já executado (e, ainda que o estivesse, o Requerente não podia sabê-lo quando requereu a providência), motivo por que o Requerente mantém interesse na suspensão da respectiva eficácia.
Consideramos, pois, verificado o requisito do periculum in mora.

2.2.4.2 da ponderação dos interesses públicos e privados em jogo
Como requisito para a concessão da providência cautelar, o n.º 2 do art. 120.º do CPTA (() Diz o n.º 2 do art. 120.º do CPTA:
«Nas situações previstas na alínea b) e alínea c) do número anterior, a adopção da providência ou das providências será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências».) exige também que da ponderação dos interesse público e privado resulte que os danos resultantes da concessão da providência não sejam superiores aos que possam resultar da sua recusa.
No caso sub judice, a verificar-se a imediata execução do despacho cuja eficácia o Requerente pretende ver provisoriamente suspensa com a presente providência, consumar-se-ia a lesão que ele pretende evitar.
Por outro lado, a conceder-se a suspensão da eficácia do despacho, se o Contribuinte não lograr vencimento no recurso que interpôs contra esse despacho, a AT apenas verá diferido no tempo o acesso à informação bancária do Contribuinte. É certo que, como argumenta a Entidade requerida, esse diferimento do acesso à informação poderá «impedir a realização de uma liquidação atempada, atentas as regras da caducidade». Mas, essa consequência não pode a Entidade requerida pretender valorá-la favoravelmente aos interesses públicos, pois apenas poderá ser imputada a uma actuação menos diligente por parte da Administração, sobretudo se tivermos presente que o art. 46.º, n.º 1, da LGT (() Estipula o n.º 1 do art. 46.º da LGT:
«O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação».), prevê a suspensão do prazo da caducidade do direito à liquidação durante o período que o legislador entendeu ajustado para o decurso da acção inspectiva.
Acresce que, devendo a ponderação de interesse fazer-se em concreto, não podemos esquecer que o recurso judicial que o ora Recorrente interpôs contra o despacho do DGI que determinou o acesso directo à informação bancária foi já decidido em 1.ª instância e que, por certo, estará para muito breve a decisão do recurso jurisdicional que foi interposto daquela decisão e que pende no Supremo Tribunal Administrativo (cf. a informação que solicitamos a esse Supremo Tribunal). Ou seja, a verificar-se naquele recurso que o ora Requerente não tem razão e que a AT andou bem ao determinar o acesso à informação bancária dele, a dilação nesse acesso por certo não excederá alguns dias, sobretudo tendo em conta a natureza urgente daquele recurso (cf. art. 146.º-D, n.º 1, do CPPT).
Por tudo isto, afigura-se-nos que também se encontra verificado este requisito (decorrente da ponderação dos interesses em jogo) da concessão da providência cautelar requerida.
Assim, verificados que estão todos os requisitos da concessão da tutela cautelar, a deferindo ao respectivo requerimento, ordenaremos a suspensão da eficácia do despacho do DGI que determinou o acesso directo à informação bancária do Contribuinte.

2.2.5 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A falta de notificação da contestação onde foi arguida a nulidade por erro na forma do processo só constituirá nulidade processual passível de ser arguida pelo requerente da providência cautelar se tiver sido julgado procedente o invocado erro na forma do processo (cf. art. 207.º do CPC).
II - A falta de notificação ao requerente da apensação do processo administrativo não constitui nulidade processual, a menos que este processo tenha sido utilizado como meio de prova e se demonstre que não foi dada ao requerente a possibilidade de exercer o seu direito de sobre ele se pronunciar.
III - Na providência cautelar, o juiz pode decidir sem a realização de qualquer diligência instrutória (cf. art. 118.º, n.º 3, do CPTA) e nem a falta de inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente nem a falta de despacho a dispensá-la constituem desvios ao formalismo processual prescrito na lei, motivo por que tais faltas não constituem nulidade.
IV - Sem prejuízo do que ficou dito, sempre a opção do juiz, de dispensar a produção da prova, poderá ser sindicada em sede de recurso da decisão final, onde, não só as partes podem invocar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, anular a sentença oficiosamente (cf. art. 712.º, n.º 4, do CPC, por força dos arts. 792.º e 749.º, do mesmo Código, na redacção aplicável, e art. 2.º, alínea e), do CPPT).
V - O requisito de fumus bonus iuris previsto na alínea b) do art. 120.º, n.º 1, do CPTA, para as providências cautelares conservatórias, surge numa formulação negativa e menos exigente, como um fumus non malus iuris, ou seja, basta que «não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular nesse processo ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito».
VI - Na apreciação daquele requisito e para o considerar inverificado, não basta ao juiz afirmar que na sentença proferida na acção principal, que foi julgada previamente mas ainda não transitou em julgado, os fundamentos foram considerados improcedentes, antes devendo, ainda que de forma sintética e numa análise perfunctória, expor os motivos por que entende ser manifesto que a pretensão deduzida pelo requerente na acção principal não pode proceder à luz de qualquer de fundamentos nela invocados.
VII - Para os referidos efeitos, não é de considerar manifestamente improcedente o recurso judicial do despacho do DGI que determinou o acesso à informação bancária, se o contribuinte invoca como fundamentos diversos vícios de forma e de violação de lei, sendo que, pelo menos relativamente ao conhecimento destes últimos, não se afigura prescindível a produção de prova.
VIII - No caso de ter sido determinado administrativamente o acesso directo à informação bancária do contribuinte e porque o recurso judicial desse acto não tem efeito suspensivo, a não concessão da suspensão da eficácia do acto acarreta a consumação do mesmo, pelo que se há-de considerar verificado o periculum in mora tal como o define a alínea b) do art. 120.º. n.º 1, do CPTA.
IX - Na ponderação dos interesse público e privado de que o n.º 2 do art. 120.º do CPTA faz também depender a concessão da providência cautelar conservatória deve levar-se em conta que a não concessão da requerida suspensão de eficácia, acarretando a imediata consumação do acto, lesa imediata e irreversivelmente o direito do contribuinte ao segredo sobre a sua informação bancária, ainda que lhe venha ser dada razão na acção principal (recurso judicial daquele acto), enquanto a concessão da suspensão da eficácia, ainda que no recurso judicial venha a ser negada razão ao contribuinte, apenas terá como consequência diferir por pouco tempo (dada a natureza urgente que a lei concede ao recurso judicial daquele acto) o acesso da AT à informação bancária do contribuinte.


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3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, decidindo em substituição, deferir a pretensão cautelar requerida e suspender a eficácia do despacho do DGI identificado na alínea c) do ponto 2.1.1.

Custas pelo Recorrido, em ambas as instâncias.


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Porto, 15 de Janeiro de 2009

(Francisco Rothes)

(Fernanda Brandão)

(Moisés Rodrigues)