Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00450/17.3BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/20/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM;
INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL;
Sumário:
I – Respeitando a “causa petendi” dos autos a faturação emitida pela Autora relativa a serviços de abastecimento de água e de saneamento e não paga pelo Réu, funciona in casu a exceção prevista no n.º 3 das cláusulas 9ª e 10ª do Contrato de Fornecimento e do contrato de recolha identificados nos autos, não sendo, por isso, o conhecimento do presente litígio de submeter ao tribunal arbitral.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
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I – RELATÓRIO
1. [SCom01...], S.A., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Réu o MUNICÍPIO ..., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que, em 29.11.2020, julgou verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, e, em consequência, declarou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela absolutamente incompetente para a apreciação da presente ação, tendo absolvido o Réu, aqui Recorrido, da instância.
2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 31/12/2020 (notificada à aqui Recorrente por notificação eletrónica elaborada e certificada em 04/01/2021), e que absolveu o Réu da instância ao julgar procedente a alegada exceção de incompetência absoluta, por preterição da cláusula arbitral, decidindo: “Nestes termos e com os fundamentos expostos, julga-se verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, declara-se este Tribunal Administrativo e Fiscal incompetente para conhecer do presente litígio e absolve-se o Réu da instância.”
2. Salvo o devido respeito, a decisão tomada pelo douto Tribunal a quo consubstancia-se num manifesto ERRO DE JULGAMENTO, porquanto:
3. O presente litígio, tal como fora articulado pela Autora, ora Recorrente, prende-se com a falta de pagamento por parte do Município Réu, ora Recorrido, de montantes faturados pela Sociedade Concessionária.
4. Os montantes faturados são devidos porquanto o MUNICÍPIO ..., na qualidade de utilizador originário, está contratualmente obrigado a pagar os serviços de saneamento e abastecimento de água que lhe são fornecidos, bem como os valores mínimos fixados no contrato de concessão e nos contratos de fornecimento - tudo conforme alegado na PI.
5. Ora, resulta das Cláusula 1ª e 3ª do contrato de fornecimento de água e das Cláusulas 1.a e 3? do contrato de recolha de efluentes, que a Sociedade Concessionária se obriga a fornecer água ao Município, destinada ao abastecimento público, e a recolher os efluentes provenientes do sistema próprio daquele, sendo a faturação de tais serviços apresentada mensalmente.
6. Pelo que, a aqui Recorrente forneceu ao Município Recorrido os serviços de abastecimento de água e de saneamento (recolha e tratamento de efluentes), tendo faturado e exigido cobrança dos preços que foram legalmente estabelecidos.
7. Por outro lado, os valores mínimos faturados são montantes devidos à Sociedade Concessionária pela prestação dos serviços públicos de abastecimento de água e de recolha de efluentes, apresentando-se como o “valor mínimo” estimado e contratado para a prestação daqueles mesmos serviços, sendo cobrados ao Município Utilizador quando este não atinge aquele valor mínimo contratado, por culpa que lhe seja imputável.
8. Pelo que, apenas se poderá concluir que os valores mínimos faturados são o “preço mínimo” fixado e cobrado ao Município Utilizador pela prestação daqueles serviços de abastecimento de água que foram contratados, sempre que o Município, por sua culpa, consuma um montante inferior ao que fora contratualmente fixado (i.e., quando a faturação do serviço não atinge os valores mínimos fixados por culpa que seja imputável ao Município Utilizador).
9. E cuja faturação e cobrança resulta, apenas, de uma simples operação de subsunção de uma situação de facto ao corpo normativo que enforma os contratos de fornecimento e o contrato de concessão, não sendo necessário proceder a qualquer interpretação do clausulado daqueles mesmos contratos - a sua cobrança resulta clara e evidente e em resultado de uma simples operação aritmética.
10. Não sendo despiciendo reiterar que, o Recorrido e o extinto Sistema, ao qual sucedeu a Recorrente em direitos e obrigações (Sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de ...), celebraram contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes, conforme documento ... junto à PI, que já previam, nos respetivos anexos, os valores mínimos a praticar pela Sociedade Concessionária, bem como no seu clausulado todas as regras atinentes à faturação dos serviços prestados.
11. Motivo pelo qual, a Recorrente, na qualidade de concessionária do Sistema de Abastecimento de Águas ..., tem o direito de faturar e cobrar os serviços de saneamento e abastecimento de água fornecidos, bem como os valores mínimos previstos no contrato de concessão para aquele mesmo Município Utilizador.
12. Assim, a presente ação administrativa de condenação, intentada pela Sociedade concessionária, é uma ação de cobrança de faturas (neste caso, faturas de serviços e de valores mínimos) que foram por esta emitidas e que não foram pagas pelo MUNICÍPIO ...;
13. Pelo que, o presente litígio, tal como foi configurado, preenche a exceção prevista na cláusula 9ª/3 e 10ª/3 dos contratos de fornecimento e de recolha de efluentes outorgados entre as partes, uma vez que a presente contenda está relacionada com a falta de pagamento de faturação emitida pela Sociedade Concessionária e não com a interpretação/execução do contrato de concessão.
14. Mais, tendo em consideração a teoria da impressão do destinatário, consagrada no art.° 236°, n.° 1 do CC, e que tão bem foi relembrada pelo douto Tribunal a quo na sentença proferida, sempre se deverá concluir pelo seguinte:
14.1. Nos termos do n.° 3 das cláusulas 9ª e 10ª dos contratos celebrados, todas as questões relacionadas com interpretação e execução dos contratos serão submetidas ao Tribunal Arbitral;
14.2. Com exceção das que respeitem à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele - como é o caso dos presentes autos!
15. E não pode a defesa apresentada pelo Recorrido, em sede de Contestação, ser pressuposto bastante para a subsunção do presente litígio à convenção arbitragem, porquanto as questões que possam estar relacionadas com a interpretação e execução do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento, apenas surgem enquanto “resposta” à cobrança judicial dos valores faturados pela Autora, ora Recorrente e apenas com o objetivo de obstarem ao pagamento dos concretos montantes aqui peticionados - não é o ora Recorrido, enquanto Município Utilizador, que se encontra a impugnar judicialmente o clausulado contratual, pois que este apenas levantou possíveis questões relacionadas com a interpretação/execução do contrato para obstar à pretensão da Autora.
16. Tanto que, a defesa apresentada pelo Recorrido, apesar de estar relacionada com a execução do contrato (como sempre iria estar, pois que a própria faturação é matéria de execução do contrato!), não se consubstancia numa verdadeira impugnação das cláusulas do mesmo, porquanto o Recorrido limita-se a referir que não paga os montantes faturados, por considerar que a Recorrente não cumpriu com as obrigações contratuais a que estava sujeita em virtude do contrato de concessão e do seu diploma constituinte, bem como de um alegado “acordo de repartição de custos”, celebrado paralelamente àqueles contratos - pelo que o Recorrido aceita o clausulado dos contratos celebrados, bem como o contrato de concessão para o qual aqueles contratos remetem, tanto que nunca os impugnou e sempre pagou parcialmente as faturas de serviços em litígio!
17. Pelo que, a questão decidenda dos presentes autos prende-se, exclusivamente, com a faturação da Sociedade Concessionária, ora Recorrente, ao aqui Recorrido, que se recusa a pagar os valores emitidos e faturados, por considerar que a Recorrente incumpre o “acordado”.
18. Motivo pelo qual, o douto Tribunal a quo sempre deveria ter julgado totalmente improcedente a exceção de incompetência absoluta arguida pelo Recorrido, porquanto é em relação à ação configurada pela Autora, ora Recorrente, mormente na sua exposição de facto e de direito extraída da PI, que a competência material do Tribunal deve ser aferida - Cfr. artigo 5.° do ETAF.
19. Discordando-se da tese interpretativa daquele douto Tribunal, quando afirma que, tratando-se de competência absoluta relacionada com o compromisso arbitral, a fixação do objeto da ação deverá ter em consideração todos os articulados apresentados pelas partes, não sendo de aplicar o artigo 5.° do ETAF (firmando tal interpretação nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.07.2015 (proc. n.° 1100/12.0TVPRT.G1) e de 08.03.2012 (proc. n.° 1387/11.5TBBCL-B.G1)).
20. Salvo devido respeito, considera a Recorrente que aqueles Acórdãos citados não apoiam a interpretação que é levada a cabo pelo Tribunal a quo na sentença proferida, pois que aqueles Acórdãos referem expressamente que na determinação da competência absoluta dever-se-á atender, principalmente, à Petição Inicial apresentada, pois é através da mesma que se delimita o objeto da ação, bem como a causa de pedir.
21. Pelo que, não pode a Recorrente conceder que tal normativo (artigo 5.° do ETAF) não possa ser aplicado aos presentes autos, porquanto a determinação da competência material é em tudo semelhante à determinação da competência absoluta aqui discutida (preterição, ou não, da cláusula arbitral), pois que é quanto ao objeto e à causa de pedir que a mesma deve ser fixada - tanto que é a Autora a responsável por iniciar a instância.
22. Pelo exposto, e porque o presente litígio apenas está relacionado com a faturação da Sociedade Concessionária (in casu, com a faturação de serviços prestados, valores mínimos e respetivos montantes a eles associados, como juros de mora), tudo conforme previsto no contrato de concessão e nos contratos de fornecimento e recolha de efluentes celebrados entre as partes, a presente ação sempre será da competência dos Tribunais Estaduais, por força do n.° 3 da clausula 9ª do contrato de fornecimento e do n.° 3 da cláusula 10ª do contrato de recolha - inexistindo, portanto, qualquer preterição do tribunal arbitral.
23. Assim, considera a Recorrente que a decisão aqui recorrida padece de um manifesto erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto existe uma errada interpretação dos fundamentos da presente ação administrativa (existindo um erro na determinação do objeto e causa de pedir dos presentes autos), bem como da cláusula 9.a do contrato de fornecimento e 10ª do contrato de recolha de efluentes (pelo que existe um erro na interpretação da própria cláusula arbitral e consequente subsunção jurídica do objeto e causa de pedir).
24. Por fim, cumpre apenas dizer que o douto Tribunal a quo considerou existir apenas uma aparência da aplicabilidade da cláusula arbitral, não sendo perentório acerca do caráter manifesto e insuscetível de controvérsia da inaplicabilidade da cláusula arbitral.
25. Motivo pelo qual a presente decisão viola o disposto no artigo 13.° e nos artigos 89.°, n.° 2 e 4, alínea a), do CPTA, no artigo 5.° do ETAF e nos artigos 96.° e 278.°/1/a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.° do CPTA (…)”.
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3. Notificado que foi para o efeito, o Recorrido não produziu contra-alegações,.
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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
8. Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance descritos no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, por violação do “(…) disposto no artigo 13.° e nos artigos 89.°, n.° 2 e 4, alínea a), do CPTA, no artigo 5.° do ETAF e nos artigos 96.° e 278.°/1/a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.° do CPTA (…)”.
9. É na resolução de tal questão que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico [e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)
1. Por contrato outorgado, em 26.10.2001, entre o Estado Português e a [SCom02...], S.A., foi por aquele atribuído a esta, pelo prazo de 30 anos e em regime de exclusividade, a concessão da exploração e gestão, abrangendo a conceção, construção de obras e equipamentos, bem como a exploração, reparação, renovação e manutenção, do sistema multimunicipal de abastecimento de água em alta e de saneamento de ..., para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes, de diversos municípios, entre os quais o MUNICÍPIO ... . - cfr. doc. junto com a p.i. (fls. 117 do processo eletrónico, doravante autos)
2. Em 26.10.2001, entre a [SCom02...], S.A. e o Réu foi outorgado um contrato de fornecimento de água, destinada ao abastecimento público, denominado “Contrato de Fornecimento entre o MUNICÍPIO ... e a [SCom02...], S.A.”, no qual se estipulou, entre o mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. doc. junto com a p.i. (fls. 99 dos autos).
3. Na mesma data, entre a [SCom02...], S.A. e o Réu foi outorgado um contrato de recolha de efluentes, denominado “Contrato de Recolha de Efluentes entre o MUNICÍPIO ... e a [SCom02...], S.A.”, no qual se estipulou, entre o mais, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” - cfr. doc. junto com a p.i. (fls. 99 dos autos).
4. Em 27.06.2007, entre a [SCom02...], S.A. e o Réu foi e o Réu foi outorgado um acordo escrito denominado “Acordo de Repartição de Custos para Recolha e Tratamento de Águas Residuais Domésticas dos Subsistemas de Águas Residuais de ... e ...”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
1. ENQUADRAMENTO
Na sequência do Contrato de Concessão ente o Estado Português e as [SCom02...], S.A. para a Exploração e Gestão do Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento de ..., e ainda do Contrato de Recolha de Efluentes celebrado entre o MUNICÍPIO ... e as [SCom02...], S.A. em 26 de outubro de 2001, esta última beneficiou, ampliou e posteriormente integrou as infraestruturas relativas aos Subsistemas de Águas Residuais de ... e de ....
No entanto, à data da integração existia um contrato entre a Câmara Municipal ... e a [SCom03...], SA cujo âmbito é a da exploração das referidas infraestruturas, entre outras, o qual se manterá até à data prevista nos termos contratuais.
Pretende-se com este acordo clarificar a partição dos custos do referido contrato, bem como o relacionamento entre a Câmara Municipal ... e as [SCom02...], no que concerne à gestão do mesmo. Tal partição, no entanto, não alterará o vínculo contratual entre o Município e a [SCom03...].
Ficou ainda decidido que caberia à empresa Multimunicipal [SCom02...] assegurar a extensão do contrato, por adenda ao contrato inicial estabelecido com a [SCom03...], garantindo os necessários serviços de operação, manutenção e conservação, relativos à nova linha de tratamento (ampliação) da ETAR de ..., da EE1 reabilitada, de seis novas estações elevatórias e ainda de 19,1 km's da rede de emissários da ETAR de .... (...)”- cfr. documento n° ... junto com a contestação “(…)”.

IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO
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1. Cumpre decidir, sendo que a única questão que se mostra controversa e objeto do presente recurso jurisdicional consiste em saber se a decisão judicial recorrida, ao declarar-se absolutamente incompetente para a apreciação da presente ação, incorreu em erro de julgamento, por violação do “(…) disposto no artigo 13.° e nos artigos 89.°, n.° 2 e 4, alínea a), do CPTA, no artigo 5.° do ETAF e nos artigos 96.° e 278.°/1/a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 1.° do CPTA (…)”.
2. A este propósito, e no que concerne ao direito, discorreu-se em 1ª instância o seguinte: “(…)
Assente a factualidade relevante, cumpre agora aquilatar da verificação da invocada exceção, aferindo, para o efeito, se, face à pretensão formulado nos autos e atenta a cláusula arbitral contida no contrato de fornecimento de água celebrado entre o Réu e a sociedade a que a Autora veio a suceder legalmente, por força do artigo 4.°, n.° 3, do Decreto-lei n.° 93/2015, de 29 de maio, este Tribunal Administrativo e Fiscal é competente para conhecer da presente ação.
A questão em apreço foi já objeto de apreciação neste Tribunal, designadamente na sentença proferida no âmbito da ação administrativa n.° 96/17.6BEMDL, a cuja fundamentação e sentido se adere, os quais se seguirão na prolação da presente decisão, com as devidas adaptações, por não se vislumbrar razão para adoção de entendimento diverso e, bem assim, com vista a assegurar a interpretação e aplicação uniformes do direito, em observância do disposto no artigo 8.°, n.° 3, do Código Civil e tendo presente o disposto no artigo 94.°, n.° 5 do CPTA.
Vejamos então.
A cláusula 9ª, n° 2 do contrato de fornecimento de água, reproduzida integralmente na cláusula 10ª, n° 2 do contrato de recolha de efluentes celebrado na mesma data, entre as mesmas partes, tem a seguinte redação:
“No caso de não ser possível uma solução negociada e amigável nos termos previstos no número anterior, cada uma das partes poderá a todo o momento recorrer a arbitragem, nos termos dos números seguintes.” (cfr. pontos 2 e 3 do probatório).
Por seu turno, no n.° 3 das referidas cláusulas, estipula-se que: “Ao tribunal arbitral poderão ser submetidas todas as questões relativas à interpretação ou execução dos contratos, com exceção das respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele” (cfr. pontos 2 e 3 do probatório).
Da conjugação de tais cláusulas resulta a atribuição ao tribunal arbitral da resolução de todas as questões relativas à interpretação ou execução dos contratos, com exceção das “questões respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”.
Assim, a resposta a dar à questão de competência suscitada pelo Réu passa por saber se, na situação dos autos, se está perante um litígio que incide sobre a interpretação ou execução do contrato de fornecimento de água e de recolha de efluentes ou perante um litígio respeitante a questões de faturação ou pagamento.
Antes do mais, cumpre sublinhar, à semelhança do exarado na sentença proferida no processo n.° 96/17.6BEMDL, que não se desconhece a existência de jurisprudência que considerou não ser de aplicar a cláusula arbitral no âmbito de ações intentadas pela mesma Autora, ao abrigo de contratos idênticos, e portanto com contornos equiparáveis, como sejam por exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03.12.2015, proc. n.° 0911/15, os Acórdãos do Tribunal Central Norte de 06.03.2015, proc. n.° 00036/12.9BEMDL, de 20.03.2015, proc. n.° 00442/11.6BEMDL, e de 04.12.2015, proc. n.° 00434/11.5BEMDL, todos disponíveis em www.dgsi.pt .
No entanto, e salvo o devido respeito por tal posição, não se sufraga aqui tal entendimento, nos termos que de seguida se enunciarão e que se consideram conformes à mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, plasmada no Ac. do STA de 13.12.2018, proc. n.° 0450/11.7BECTB, in www.dgsi.pt.
Com efeito, de acordo com tal jurisprudência, a que aqui se adere, uma cláusula arbitral apenas deve ser rejeitada pelos tribunais judiciais se for manifesto e incontroverso que o litígio não se situa no seu campo de aplicação, uma vez que é ao próprio tribunal arbitral que compete pronunciar-se, em primeira linha, sobre a sua própria competência.
Essa é, aliás, de resto, a solução que resulta do artigo 18.°, n.° 1, da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.° 63/2011, de 14 de dezembro (correspondente ao art. 21.°, n.° 1, da anterior Lei n.° 31/86, de 29 de agosto), segundo o qual:
“O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.”
Nesse exato sentido, refere-se no citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo o seguinte:
“I - De acordo com o princípio consagrado no artigo 18o, n.° 1, da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, os tribunais judiciais só deverão rejeitar a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção arbitral é inválida, ineficaz ou inexequível ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respetivo âmbito de aplicação;
II - Suscitadas dúvidas sobre o campo de aplicação da convenção arbitral, deverão as partes ser remetidas para o tribunal arbitral ao qual atribuíram competência para solucionar o litígio.” (assinalado nosso, Ac. do STA de 13.12.2018, proc. n.° 0450/11.7BECTB, in www.dgsi.pt.)
Veja-se, ainda, no mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2011, proferido no proc. n.° 5961/09.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt), no qual se se pode ler o seguinte:
“Importa começar por definir claramente os parâmetros dentro dos quais incumbirá ao Supremo exercer os seus poderes cognitivos quanto à apreciação da substância da exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário, deduzida pela R.- não podendo olvidar-se que, sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares - não poderá deixar de lhes estar reservada uma relevante parcela da jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência, emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção de arbitragem.
Tal implica que, ao apreciar a referida exceção dilatória, devam os tribunais judiciais atuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insuscetível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência).
(...)
Aderindo inteiramente a esta orientação, considera-se que ao STJ apenas cumprirá, ao apreciar a presente revista, determinar se é manifesto e insuscetível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa - devendo, pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, serem as partes remetidas para o tribunal arbitral a que atribuíram competência para solucionar o litígio.” (assinalado nosso, Ac. do STJ de 10.03.2011, proc. n.°5961/09.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Ora, no caso dos autos, a exclusão do litígio submetido a juízo do âmbito da cláusula arbitral não se afigura incontroversa e manifesta, como se impunha para que se pudesse concluir pela improcedência da invocada exceção de incompetência absoluta, como se demonstrará.
De facto, interpretando a cláusula arbitral em apreço de acordo com a teoria da impressão do destinatário consagrada no artigo 236.°, n.° 1, do Código Civil, com vista ao enquadramento do presente litígio no escopo de aplicação de tal cláusula - que, recorde-se, atribui ao tribunal arbitral todas as questões relativas à interpretação ou execução dos contratos, excecionando apenas da respetiva aplicação “as questões respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele” - é de se entender que a esmagadora maioria das questões atinentes à interpretação ou execução dos contratos em causa nos autos terá, necessariamente, reflexo na faturação a emitir por força e ao abrigo dos mesmos e, como tal, apenas se pretenderá subtrair à arbitragem questões de estrita faturação ou pagamento, certamente pelo facto de constituírem questões pontuais eventualmente de menor complexidade, como sejam por exemplo, questões relativas ao apuramento pontual e aritmético de determinados valores faturados ou atinentes, sem mais, ao pagamento de tais valores.
Não se vislumbra, destarte, que possam considerar-se excluídas de tal cláusula, de forma genérica e em abstrato, todas as questões de interpretação e de execução com incidência sobre a faturação, ou dito de outro modo, todas as questões de faturação ainda que tenham subjacentes ou contendam com matéria relativa à interpretação ou execução do contrato, sob pena de se esvaziar totalmente o sentido útil da cláusula arbitral.
Isto posto, importa determinar a natureza da questão em litígio a fim de verificar se a mesma é ou não subsumível ao âmbito de aplicação da cláusula arbitral, para o que haverá que atender aos articulados apresentados pelas partes, em particular à causa de pedir e ao pedido (cfr. neste sentido os Acs. do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.07.2015, proc. n.° 1100/12.0TVPRT.G1, e de 08.03.2012, proc. n.°1387/11.5TBBCL-B.G1, in www.dgsi.pt).
De referir, previamente, que, estando em causa a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral e não já a aferição de competência em razão da matéria, da hierarquia, do valor, do território e da competência internacional, o tribunal não se encontra adstrito apenas à análise da petição inicial conforme decorreria da aplicação das normas relativas à fixação da competência previstas no artigo 5.°, n.° 1, do ETAF e no art. 38.°, n.° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.
Na verdade, o artigo 5.°, n.° 1, do ETAF, ao determinar que a fixação da “competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal” ocorre no momento da propositura da ação, refere-se à competência em razão da matéria, cujo âmbito tal diploma visa delimitar, não devendo ser convocado para a determinação da competência em virtude da cláusula arbitral, uma vez que, nesta última situação - ao contrário do que sucede nas demais situações em que possa existir dissidência entre as partes quanto ao tribunal competente -, existe o direito subjetivo da outra parte a um determinado foro, emergente da cláusula arbitral subscrita por ambas as partes, que não pode ficar dependente da configuração dada unilateralmente pelo autor à ação.
Afastada, nessa medida, a aplicação dos referidos preceitos legais, os contornos do litígio devem ser então apurados nos termos em que resultam dos principais articulados apresentados pelas partes.
Ora, compulsada a contestação do Réu, constata-se que a dissidência entre as partes, contrariamente ao que parece resultar, à primeira vista, da petição inicial, não reside numa mera questão de faturação stricto sensu, suscitando, concomitantemente, questões relacionadas com a própria execução do contrato e respetivos termos, que lhe subjazem, para cujo conhecimento as cláusulas analisadas atribuem competência ao tribunal arbitral.
Na verdade, ao peticionado pagamento opõe o Réu o entendimento segundo o qual a generalidade das faturas em causa foi emitida pela Autora de forma indevida, unilateral e ilegal, tendo em conta, para além do regime dos contratos de fornecimento e de recolha, o acordo de repartição de custos celebrado entre o Réu e a Entidade a que a Autora sucedeu legalmente, cujos termos alega não terem sido observados, designadamente na cobrança de uma nova parcela de débito referente a uma contabilização cumulativa de caudais pluviais e numa atualização de tarifa não acordada ou contratada.
Sustenta, nessa medida, entre o mais, que as faturas cujo pagamento se pretende contemplam valores que não foram objeto de acordo entre as partes e não se encontram suportados nos contratos ou no acordo de repartição de custos celebrados.
Como assoma evidente, pese embora a pretensão da Autora esteja enquadrada como uma mera condenação ao pagamento de faturas pelo fornecimento de água e pela prestação de serviços de recolha de águas residuais, a verdade é que a resolução do litígio pressupõe, forçosamente, a interpretação dos contratos subjacentes e a aferição dos respetivos termos de execução.
A apreciação da causa não resume, portanto, a - nem se esgota no - apuramento da correção da faturação e do pagamento (ou não) dos valores cobrados, envolvendo, simultaneamente, a análise dos pressupostos que estiveram na base da sua emissão e a interpretação que deve ser feita dos contratos e de todas as declarações negociais entretanto assumidas pelas partes relativamente aos termos dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes outorgados.
A matéria em litígio, afigura-se, assim, efetivamente, passível de consubstanciar questão atinente à interpretação e execução do contrato e não estritamente atinente à faturação emitida pela Autora, em termos meramente aritméticos, ou ao pagamento de faturas por parte do Réu, ou ausência de, sem mais.
E assim sendo, não é possível concluir-se que a exclusão da cláusula arbitral da questão em litígio in casu é manifesta e insuscetível de controvérsia, devendo, por conseguinte, proceder a invocada incompetência por preterição da cláusula arbitral.
Face ao exposto, impõe-se julgar este tribunal incompetente para conhecer a presente ação, por preterição de tribunal arbitral, com a consequente absolvição do Réu da instância, nos termos conjugados do artigo 89.°, n.°s 2 e 4, al. a), do CPTA, e dos artigos 96.°, b), 278.°, n.° 1, a), 576.°, n.° 2, 577.°, al. a), do CPC (…)”.
3. Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se, desde já, que o assim decidido não é de manter.
4. Na verdade, sobre a questão decidenda convocada no presente recurso jurisdicional, e que prende ora a nossa atenção, pronunciou-se já profusamente este Tribunal Central Administrativo Norte, de entre outros, nos processos n.ºs. 52/13.3BEMDL, 442/11.6BEMDL, 0036/12.9BEMDL, 28/16.9BEMDL, 429/15.0BEMDL, 430/15.3BEMDL, 579/18.0BECBR, 17/15.0BEMDL, 491/19.6BEMDL, 500/19.9BEMDL, e 354/17.0BEMDL, ocorrendo uma uniformidade de jurisprudência.
5. A questão ou uma das questões levadas a conhecimento no âmbito dos referidos processos foi a é exatamente a mesma que é agora colocada pela Recorrente em relação ao presente recurso jurisdicional, ou seja, a questão de saber se de saber se a sentença recorrida errou no julgamento ao considerar que não está em causa nos autos a resolução de um conflito respeitante a questão de faturação, mas antes um conflito inerente à interpretação e execução de contratos celebrados entre as partes identificados nos autos, e que assim, tal litígio não integra a exceção prevista nas cláusulas compromissórias da convenção arbitral ínsitas nos contratos, carecendo o T.A.F de Mirandela de competência para o conhecimento da presente ação.
6. Assim, tendo presente o princípio da economia de meios, passaremos a transcrever as partes mais significativas da argumentação expendida no aresto tirado no processo n.º 491/19.6BEMDL, que adotamos como modelo, procedendo às devidas e necessárias adaptações ao caso dos autos: “ (…)
“3.2. Adiante-se que a sentença recorrida errou no julgamento que efetuou, ao considerar que não está em causa nos autos a resolução de um conflito respeitante a questão de faturação, mas antes um conflito inerente à interpretação e execução de contratos celebrados entre as partes identificados nos autos, e que assim, tal litígio não integra a exceção prevista nas cláusulas compromissórias da convenção arbitral ínsitas nos contratos, carecendo o TAF de Mirandela de competência para o conhecimento da presente ação.
Como resulta do atrás referido, entendemos que o artigo 5.º do ETAF é igualmente aplicável para efeitos de determinação da competência absoluta discutida nos autos (preterição, ou não, da cláusula arbitral) e, assim, por referência ao momento da propositura da ação, não se vislumbrando razões para, nestes casos, tal competência não ser aferida e fixada, como as demais, em atenção ao objeto e à causa de pedir configurados na Petição inicial.
Posto o que, para aferir da competência para julgar a presente ação, o TAF de Mirandela devia ter apenas em consideração o pedido e a causa de pedir constantes da Petição inicial apresentada pela ora Recorrente, e não, como aconteceu, em função dos elementos de facto e de direito que o Réu, em sede de defesa, carreou para os autos.
Neste seguimento, olhando ao pedido e à causa de pedir da presente ação, a pretensão sub judice prende-se com questão relativa à invocada falta de pagamento pelo Réu de parte do montante de faturas emitidas pela Autora por serviços prestados àquele no âmbito dos contratos de fornecimento de água e recolha de efluentes celebrados entre as partes, identificadas na Petição inicial e juntas aos autos.
Com efeito, conforme resulta da Petição inicial a Autora, aqui Recorrente, alega, em suma, que é a entidade gestora do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento ..., constituída pelo Decreto-Lei n.º 93/2015, de 29 de maio, tendo sucedido nos direitos e obrigações das sociedades extintas, a partir do dia 30 de junho de 2015, no que ora interessa das “[SCom02...], S.A.”, sem necessidade de qualquer formalidade – cfr. n.ºs 3 e 4, do artigo 4.º do referido diploma legal – de cujo sistema municipal de abastecimento de água e de saneamento foi utilizador originário o MUNICÍPIO ...; sendo que por força do n.º 4 da Cláusula 36.ª do Contrato de Concessão celebrado entre a Autora e o Estado Português, os contratos de fornecimento celebrados entre os utilizadores municipais e as concessionárias extintas, às quais a sociedade [SCom01...] sucedeu, manter-se-ão em vigor, até que sejam substituídos por outros – o que ainda não sucedeu no que respeita ao MUNICÍPIO ... – transmitindo-se a posição contratual daquelas concessionárias para a ora concessionária.
Assim, e no âmbito do cumprimento e execução de todos os contratos referidos, assim como dos dispositivos legais identificados, a Autora forneceu ao Réu os serviços de abastecimento de água e de saneamento – recolha e tratamento de efluentes, tendo faturado e cobrado os preços que foram legalmente estabelecidos.
Mais propriamente durante o ano de 2017 e 2018, a Autora forneceu ao Réu, serviços de abastecimento de água para consumo público, saneamento – recolha e tratamento de efluentes, sendo que, pelo fornecimento destes serviços, emitiu e enviou ao Réu, que as recebeu, 20 faturas referentes aos serviços prestados que identifica e junta, tendo este apenas pago parcialmente o valor das mesmas, recusando-se a pagar, apesar de interpelada para o efeito, os montantes identificados que perfazem um total de € 312.586,45 (trezentos e doze mil, quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos), o qual é devido, acrescido dos respetivos juros à taxa comercial legal em vigor, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Pelo que peticiona que relativamente às faturas de serviços, emitidas e não pagas, seja o Réu condenado a pagar à Autora “a quantia de € 312.586,45 (trezentos e doze mil, quinhentos e oitenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos, que à presente data perfazem o total de € 29.115,74 (vinte e nove mil, cento e quinze euros e setenta e quatro cêntimos), e dos vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como em custas e procuradoria.”
Termos em que, o que o Recorrente pretende com a propositura da presente ação é o reconhecimento da existência de faturação não paga e, em consequência, a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia em causa, nada mais sendo pedido.
Donde, diversamente do que foi decidido pelo Tribunal a quo, a ação dos autos respeita a “faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele”, cabendo a mesma na exceção prevista nas cláusulas 9.º e 10.ª, respetivamente do contrato de fornecimento de água e do contrato de recolha de efluentes identificados nos autos, com a consequência do respetivo julgamento se encontrar subtraído à jurisdição do tribunal arbitral.
No mesmo sentido, versando situações fáctico-jurídicas de contornos idênticos e, em alguns casos, similares já se pronunciaram diversas vezes os Tribunais Superiores desta jurisdição – cf. Acórdãos do STA, de 03.12.2015, P.º 0911/15, de 14.01.2016, P.º 0914/15, do TCAN de 15.05.2014, P.º 52/13.5BEMDL, de 06.03.2015, P.º 36/12.9BEMDL, de 20.03.2015, P.º 442/11.6BEMDL, de 22.05.2015, P.º 1849/12.7BEBRG, de 04.12.2015, P.º 434/11.5BEMDL e de 05.02.2016, P.º 438/11.8BEMDL, in base de dados da DGSP; e Acórdãos do TCAN, de 31.10.2019, P.º. 578/18.0BECBR e de 27.11.2020. P.º 28/16.9BEMDL não disponíveis in base de dados da DGSP.
Podendo ler-se no Acórdão do STA, de 03.12.2015, proferido no P.º 0911/15, que: “É exato que os números «supra» transcritos das cláusulas 9.ª e 10.ª apontavam para que «todas as questões relativas à interpretação ou execução» dos ditos contratos pudessem ser submetidas «ao tribunal arbitral». Todavia, os n.ºs 3 das cláusulas excetuavam, desse todo, as questões «respeitantes à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele» hipótese em que o «foro competente» seria o judicial”.
Acresce que, ainda que Tribunal a quo pudesse concluir, por reporte à contestação, que os presentes autos não respeitam a questão de faturação de per se, suscitando questões que se prendem com a interpretação e execução dos contratos, designadamente, com a forma de cálculo das tarifas e aplicação de custos adicionais não acordados, seria o mesmo competente para o conhecimento da ação.
É que, o facto da questão de saber se são devidas as quantias faturadas pela Recorrente, cujo pagamento foi peticionado, poder implicar a interpretação dos contratos ao abrigo do qual as faturas foram emitidas e a análise do modo como os mesmos devem ser executados “(…) não significa, (…), que a questão submetida ao Tribunal deixe de ser, indubitavelmente, uma questão de faturas na medida em que é precisamente esse pagamento que a Recorrente pretende obter com a instauração da presente ação». – cfr. Acórdão do TCAN de 31.10.2019.
E como vimos, a Recorrente, com a ação que instaurou, pretende apenas o pagamento da quantia peticionada na sequência do alegado incumprimento de pagamento de parte das faturas elencadas na Petição inicial, vencidas e emitidas ao Município Réu, acrescidas dos respetivos juros de mora.
Pelo que, face ao pedido e à causa de pedir constantes da Petição inicial, diversamente do que entendeu o Tribunal a quo, a presente ação é enquadrável na exceção à sujeição a arbitragem contida nas cláusulas 9.º e 10.ª, respetivamente do contrato de fornecimento de água e do contrato de recolha de efluentes, identificados nos autos, sendo os tribunais administrativos competentes para o seu conhecimento (…)”.
7. Examinando o teor do aresto ora transcrito, verifica-se, sem qualquer margem para dúvida, que o mesmo versa sobre a questão trazida a estes autos.
8. Na verdade, escrutinado o libelo inicial, facilmente se apreende que a “causa petendi” dos autos respeita à faturação emitida pela Autora e não paga pelo Réu, tendo aquela instaurado a presente ação com vista a obter o seu pagamento.
9. Não se vislumbra, nem descortina, qualquer argumento de natureza jurídica ou prática para inverter a direção seguida no referido processo, assomando a mesma, a nosso ver, como a mais concordante e consentânea com o bloco legal aplicável ao caso versado nos autos.
10. Nesta esteira, ponderada a doutrina ali evidenciada, inteiramente transponível para o caso em apreço, ressalvadas as particularidades do caso concreto, e, não se vê razão para dela divergir, dada a bondade da solução adotada, cujo sentido perfilhamos por completo, entendemos ser forçosa a conclusão que funciona in casu a exceção prevista no n.º 3 das cláusulas 9ª e 10ª do Contrato de Fornecimento e do Contrato de Recolha identificados nos autos, não sendo, por isso, o conhecimento do presente litígio de submeter ao tribunal arbitral.
11. Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta é merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige.
12. Consequentemente, impõe-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo revogar-se a sentença recorrida e ordenar-se a baixa dos autos ao T.A.F. de Mirandela para os seus ulteriores termos.
13. Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, revogar a decisão judicial recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela para prosseguimento dos mesmos, se a tal nada mais obstar.
Custas pelo Recorrido.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 20 de outubro de 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Antero Pires Salvador
Helena Maria Mesquita Ribeiro