Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00459/22.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/01/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR, INDEFERIMENTO, AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS E DE PERICULUM IN MORA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
N..., S.A., pessoa coletiva número ..., com sede na Avenida ... ..., apresentou processo cautelar, indicando como requerido o Município de ..., pessoa coletiva número ..., com sede no ..., ..., o que declarou fazer no seguimento do despacho de 24.02.2022 proferido pelo Sr. Presidente da respetiva câmara municipal, que levou ao seu conhecimento o teor das informações proferidas pelos serviços municipais quanto a um requerimento que havia apresentado no sentido de pedir a dispensa de mera comunicação prévia, nos termos do art.º 5.º-A do DL n.º 14-A/2020, de 13.04.
Terminou o requerimento inicial pedindo a adoção das seguintes providências:
“…, e, em consequência:
1. Suspender o ato administrativo praticado através do Despacho de 2022/02/24;
2. Condenar a requerida a praticar o ato devido que se consubstancia na autorização provisória da requerente prosseguir as atividades industriais relacionadas com o combate à pandemia por aplicação do art.º 5.º-A, n.º 1, al. b) do decreto-lei 14-E/2020 de 13 de abril e decreto-lei 36/2020 de 15 de julho;
3. Deverá a requerida ser condenada em custas e demais encargos com o processo.”

Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgado improcedente o processo cautelar e, em consequência, não decretadas as providências requeridas.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Requerente formulou as seguintes conclusões:

a) O presente recurso tem por objeto a apreciação da douta sentença que julgou totalmente improcedente o processo cautelar e, em consequência não decretou as providências requeridas, discordando-se na interpretação que faz dos factos julgados como indiciariamente provados e a respetiva fundamentação de direito.

b) Na presente providência, a recorrente solicitou à recorrida a dispensa da aplicação do regime previsto no art.° 5°-A do DL n.º 14-A/2020, de 13/04, solicitando comunicação escrita sobre o deferimento das atividades das CAE´s 13920 e 13993 enquanto vigorasse o referido diploma, respondendo a recorrente através do despacho de 24/02/2022, dando conhecimento dos pareceres das suas Divisões Jurídica e Urbanística e informando também o se reproduz: (...) não se vê inconveniente na atividade das CAE´s 13920 e 13993, cumpridas as disposições do RJUE pendentes.

c) O despacho proferido configura um verdadeiro acto administrativo, que condiciona a aplicação de uma legislação excecional e viola a legislação dos licenciamentos industriais (Sistema da Indústria Responsável (SIR), aprovado em anexo ao DL n.º 169/2012 de 1 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo DL 73/2015 de 11 de maio e Declaração de Retificação n.º 29/2015 de 15 de junho)

d) E, impondo o cumprimento prévio das disposições do RJUE pendentes, condicionando a recorrida as actividades industriais em causa às disposições do RJUE – cfr. doc 1 - parecer da Divisão Urbanística: condição prévia ao licenciamento industrial - bem sabendo que a recorrente se encontrava em pleno processo de regularização obras, a recorrida pretendeu efetivamente condicionar a aplicação da legislação excepcional à recorrente.

e) Do pedido formulado pela recorrente a 16/12/2021 até à data em que recebeu a resposta da recorrida e depois desta, essa resposta impositiva inviabilizou o encerramento dos projetos que a recorrente mantinha com o IAPMEI, que impunham que o licenciamento industrial das CAE´s 13920 e 13993 fosse justificado documentalmente para que fosse prosseguido e validado o fecho dos projectos. – cfr. facto 15 indiciariamente provado. – que a recorrente tinha a receber a quantia de 1.460.000,00€, prejuízo que se pretendeu acautelar com a providência.

f) Nessa medida, insurgiu-se a recorrente contra a decisão proferida pela recorrida, interpondo providência cautelar pedindo a adoção das seguintes providências: 1. suspender o ato administrativo praticado através do Despacho de 2022/02/24; 2. condenar a requerida a praticar o ato devido que se consubstancia na autorização provisória da requerente prosseguir as atividades industriais relacionadas com o combate à pandemia por aplicação do art.° 5.°-A, n.º 1, al. b) do decreto-lei 14-E/2020 de 13 de abril e decreto lei 36/2020 de 15 de julho; 3. deverá a requerida ser condenada em custas e demais encargos com o processo.

g) Por seu lado a recorrida opôs-se por considerar que a dispensa da comunicação prévia para o exercício da atividade industrial decorre da lei, de forma automática, sem necessidade de qualquer ato administrativo. Considerou ainda que, do despacho proferido pela recorrida não resulta qualquer impedimento para o exercício da atividade, porquanto não considera tratar-se de uma decisão e que a recorrente prosseguiu normalmente a sua atividade, sem qualquer prejuízo.

h) Este acto administrativo prejudicou a recorrente, pois ainda que se considerasse automática a aplicação do art.° 5.°-A, n.º 1, al. b) do decreto-lei 14-E/2020 de 13 de abril e decreto lei 36/2020 de 15 de julho (tema que a recorrente considera dúbia) e, nessa medida, não fosse necessário que a recorrente impulsionasse a aplicação da identificada legislação, sempre teria a recorrida de cumprir as obrigações decorrentes do Dl- n.º 169/2012 de 1 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo Dl- n.º 73/2015 de 11 de maio, uma vez que as restantes obrigações decorrentes destes artigos não foram alterados.

i) O Tribunal a quo julgou indiciariamente provados os factos constantes de 1° a 16°, que se escusa de repetir nestas conclusões.

j) No que respeita à Fundamentação de direito, o tribunal a quo considerou, para o que interessa no presente recurso, que “(...) o despacho em causa nada decide sobre o assunto. Limita-se a comunicar à requerente as informações dos serviços municipais (da Divisão Jurídica e da Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística), sem declarar que há, ou não, lugar à dispensa da comunicação prévia. E não o faz porque as próprias informações assim o dizem, i. e., que o Município nada tem de decidir. O parecer da Divisão Jurídica apenas refere que a atividade em causa tem enquadramento na norma citada, mas sem propor qualquer dispensa de comunicação prévia. O mesmo sucede com a informação da Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística, que, nesse caso, até o fez constar do ponto 4 do seu parecer: “assim, para além de se entender que a CM... não tem de comunicar por escrito aquilo que decorre diretamente da lei (sem prejuízo do eventual envio do parecer da DJ), no caso do NUEI identificado foi já tomada posição por esta DLGU, nomeadamente quanto ao RJUE cujo cumprimento é condição prévia ao licenciamento industrial.” “(...) Basicamente, aquilo que o despacho faz é transmitir à Requerente o entendimento dos serviços municipais: que a atividade se enquadra na norma em causa, pelo que pode ser exercida; e que existem violações do RJUE ainda pendentes. Nada mais.”

k) A recorrente discorda da posição assumida pelo tribunal a quo, porquanto entende que o acto praticado pela recorrida não é meramente informativo, é tomada uma decisão pelo Sr. Presidente da Câmara acerca do teor desses pareceres, no sentido de, tal como se reproduz: Informa-se ainda que não se vê inconveniente na atividade das CAE'S (13920 e 13993), cumpridas as disposições do RJUE pendentes.

l) Bem sabia a recorrida que a recorrente se encontrava em plena regularização das obras onde aquelas atividades (CAE´s 13920 e 13993) se desenvolviam e com a emissão do despacho de 24/02/2022, a recorrida fez depender a exploração das atividades das CAE'S (13920 e 13993) às regras do RJUE e, nessa medida, obstaculizou o desenvolvimento/ encerramento dos processos que corriam no IAPMEI.

m) Mas, decidiu o tribunal a quo que (...) o Município nem sequer pode proferir essa decisão, porque a tanto não o autoriza o princípio da legalidade – não existe, na lei, qualquer previsão de “dispensa da mera comunicação prévia”, porque a mesma decorre ex lege. Logo, o despacho nada decide e, por isso, não é impugnável.

n) A recorrente não pretende nem nunca pretendeu descontinuar o processo de regularização de obras que mantem em curso, mas pretendeu que, ainda que o tribunal a quo considerasse que a aplicação da legislação relativa ao licenciamento industrial de atividades ligadas ao combate à pandemia fosse ex legis, (opinião de que não comunga a recorrente), a recorrida bem sabia que estava obrigada a oficializar resposta ao pedido formulado pela recorrente, pois existia a obrigatoriedade de a decisão/apreciação da recorrida ser transposta para a plataforma dos licenciamentos industriais, obrigação que era do conhecimento da recorrida, enquanto entidade coordenadora de licenciamentos industriais tipologia 3 e que se mantinha e mantem em vigor.

o) A plataforma tecnológica dos licenciamentos (SIR) é o sistema de informação que suporta os procedimentos de licenciamento industrial estabelecidos no Sistema da Indústria Responsável (SIR), aprovado em anexo ao DL n.º 169/2012 de 1 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo DL 73/2015 de 11 de maio e Declaração de Retificação n.º 29/2015 de 15 de junho.

p) Nesta plataforma faz-se a tramitação dos procedimentos, sendo o sistema utilizado pelas entidades públicas intervenientes no licenciamento industrial (entidades coordenadoras e consultadas), para consultarem os pedidos, emitirem pareceres e decisões, notificarem os requerentes, entre outros. Pretendeu o legislador centralizar a informação por forma a que todas as entidades envolvidas – coordenadoras e consultadas – acedessem a toda a informação relativa a determinado estabelecimento industrial, bem como o seu estado.

q) Encontrando-se agregadas nessa plataforma todas as licenças, autorizações, pareceres, quaisquer outros atos permissivos ou não permissivos, no quadro dos regimes jurídicos abrangidos pelo SIR sendo uma da plataforma de partilha, tratamento e acompanhamento.

r) É, portanto, na plataforma dos licenciamentos industriais que as informações sobre os licenciamentos (que estão associados a um estabelecimento industrial, sendo estes inequivocamente identificados pelo seu Número Único de Estabelecimento Industrial (NUEI)), que todas as informações relativas a esse estabelecimento deverão constar e ser atualizadas, devendo, nessa medida, a entidade coordenadora, in casu, a aqui recorrida, incluir toda a informação sobre o estabelecimento industrial atualizando toda a informação relativa ao estabelecimento industrial em causa.

s) E quando o tribunal a quo, decide o que se reproduz (...) o Município nem sequer pode proferir essa decisão, porque a tanto não o autoriza o princípio da legalidade – não existe, na lei, qualquer previsão de “dispensa da mera comunicação prévia”, porque a mesma decorre ex lege. Logo, o despacho nada decide e, por isso, não é impugnável. incorre num desacerto na sua apreciação, porquanto a recorrida estava legalmente obrigada a após o pedido da recorrente, responder e atualizar o estado do estabelecimento da recorrente na plataforma dos licenciamentos, (cfr. legislação SIR)

t) mesmo que se considerasse que a aplicação do regime excepcional em causa seria de aplicação automática (questão que a recorrente discorda), não deixou de ser obrigatório por lei, que a recorrida registasse, formalizasse a resposta ao pedido da recorrente na plataforma SIR atualizando o estado do estabelecimento, se considerava que se aplicava (ou não) tal legislação.

u) Sendo o estado do estabelecimento um tópico importante, registado na plataforma SIR, que traduz a situação actual e geral em que o estabelecimento industrial se encontra, tia a recorrida a obrigação de concretizar, inserir e veicular a informação no meio próprio, introduzindo as alterações ao estabelecimento da recorrente nessa plataforma.

v) Após o pedido da recorrente e entendendo a recorrida não haver entraves à aplicação dos Decretos Lei em causa, ainda que os considerasse de aplicação automática, deveria ter atualizado o estado do estabelecimento da recorrente na plataforma SIR, com a autorização de exploração, o que não fez.

w) O IAPMEI que gere a plataforma e que mantém acesso aos processos de licenciamento, designadamente o da recorrente - cfr. art.º 6º, n.º 9 do DL 73/2015 de 11 de maio: 9 - Os processos relativos à instalação e exploração de estabelecimento industrial ou de ZER devem estar disponíveis para consulta pelos interessados na respetiva área reservada da empresa no «Balcão do empreendedor», podendo a entidade coordenadora, bem como as entidades consultadas e as entidades com competências de fiscalização, aceder a esta informação através deste sistema, - não verificou qualquer movimentação de atualização do estado do estabelecimento industrial da recorrente desde o pedido formulado por esta.

x) Aos olhos do IAPMEI, não existia conhecimento pela entidade coordenadora da recorrente para a exploração das CAE'S 13920 e 13993.

y) Resulta, pois, que este bloqueio e todo o hiato temporal decorrido desde a formulação do pedido pela recorrente a 16/12/2021, no qual nenhuma atualização do seu estado houve, impediu a recorrente de receber os incentivos que ainda tinha por arrecadar dos programas de incentivos em vigência - projeto do IAPMEI, n.º 048006_COVID 19, impedindo o recebimento pela recorrente do valor de 160.000,00€ e o projeto ...91, com um investimento de linhas de produção, no valor de 17.272.500,00€ no valor aproximado a 1.300.000,00€, por as actividades das CAE'S 13920 e 13993 não terem o licenciamento industrial formalmente atualizado.

z) Apesar de o IAPMEI ser conhecedor e não encontrar inconveniente na aplicação dos Decretos Lei em causa. (cfr. facto indiciariamente provado 7 e 8), era à entidade coordenadora que cabia esse enquadramento e sendo esse enquadramento feito pela recorrida, favorável à recorrente, o passo seguinte seria atualizar na plataforma dos licenciamentos industriais o estado do estabelecimento, dispondo de cinco dias para o efeito. - cfr. art.° 6°, n.º 10 do DL 73/2015 de 11 de maio: 10 - Quando os elementos a que se refere o número anterior não estiverem disponíveis para consulta no «Balcão do empreendedor», o interessado, bem como as entidades aí referidas, podem solicitar à entidade coordenadora que os insira, devendo esta fazê-lo nos cinco dias subsequentes à receção do pedido.

aa) Porém, a recorrida não o fez, mantendo o estado do licenciamento industrial da recorrente por validar, contrariando o disposto no n.º 1 do art.° 8° do DL 73/2015 de 11 de maio, sob a epígrafe Condições técnicas padronizadas, que se transcreve: 1 - As entidades públicas que intervenham nos procedimentos previstos no SIR devem, de forma progressiva e incremental, adotar condições técnicas padronizadas designadas por tipos de atividade ou operação que constitua objeto de licença, autorização, aprovação, comunicação prévia com prazo, registo, parecer ou outro ato permissivo nas respetivas áreas de atuação, salvo se a especificidade do respetivo regime jurídico, da atividade ou operação em causa não for compatível com a padronização das condições de instalação ou exploração, designadamente nos casos em que a legislação aplicável imponha a realização de consulta pública. (sublinhado nosso)

bb) Era obrigação da recorrida actualizar o estado para exploração autorizada para assim o IAPMEI, consultando a plataforma dos licenciamentos industriais prosseguir com os projectos da recorrente para encerramento, o que não aconteceu – o que decorria do pedido do IAPMEI – facto indiciariamente provado 15 – solicitando a justificação documental.

cc) Neste âmbito, decorre da lei as obrigações de cada entidade coordenadora está obrigada a cumprir, distinguindo-se entre si de acordo com a tipologia do estabelecimento. A este propósito o disposto no art.° 13° do DL 73/2015 de 11 de maio, sob a epígrafe Entidade coordenadora, n.º 1 - A entidade coordenadora é a única entidade interlocutora do industrial em todos os contactos considerados necessários à boa instrução e apreciação dos procedimentos previstos no SIR, competindo-lhe a condução, monitorização e dinamização dos mesmos. n.º 4 - Compete, nomeadamente, à entidade coordenadora: f) Diligenciar no sentido de conciliar os vários interesses em presença e eliminar eventuais bloqueios evidenciados no procedimento e garantir o seu desenvolvimento em condições normalizadas e otimizadas; m) Elaborar, atualizar e disponibilizar no «Balcão do empreendedor» toda a informação relativa à tramitação necessária à emissão de títulos digitais exigíveis para a instalação e exploração de estabelecimento industrial, bem como a que respeite às demais licenças, autorizações, aprovações, registos, comunicações prévias com prazo, meras comunicações prévias, pareceres e outros atos permissivos ou não permissivos de que dependa a instalação ou exploração de estabelecimento industrial; n) Zelar pela inserção no «Balcão do empreendedor» de todas as licenças, autorizações, aprovações, registos, pareceres e outros atos permissivos ou não permissivos de que dependa a instalação ou exploração da atividade industrial, por parte das entidades públicas responsáveis pelos respetivos procedimentos. (sublinhado nosso)

dd) Inversamente ao decidido, cabia sim à recorrida atualizar o estado do estabelecimento da recorrente, atualizando a exploração industrial das atividades com as CAE'S 13920 e 13993 através da plataforma dos licenciamentos industriais.

ee) E, ainda que se considerasse que o despacho da recorrida não condicionou o exercício das atividades em causa ao RJUE, certo é que não atuou conforme o exigido legalmente.

ff) No que diz respeito à fundamentação de Direito, em que o tribunal a quo decide que não decorre da legislação em vigor qualquer ato administrativo que autorize a recorrente a prosseguir a actividade, damos nota de que a recorrente não pediu autorização para a prossecução da actividade, mas sim a condenação da recorrida a praticar o acto devido que se consubstanciaria na autorização provisória da requerente prosseguir as actividades industriais das CAE'S 13920 e 13993.

gg) E não bastava à recorrida informar do enquadramento das actividades sendo obrigada a formalizar o acto, atualizando a informação desse enquadramento autorizativo porque a lei assim o exige. – cfr. art.° 13° do DL 73/2015 de 11 de maio

hh) Com efeito, não o tendo feito, mantem-se o periculum in mora para a recorrente pois impede o fecho dos dois projetos que mantem com o IAPMEI, deixando de receber, no tempo que projectou receber, o valor de 1.460.000,00€ o que representa um tombo financeiro para a recorrente.

ii) Este retardamento no encerramento dos projectos do IAPMEI que consubstancia a falta de uma injecção de 1.460.000,00€ na contabilidade da recorrente configura uma clara situação que produz prejuízos de difícil reparação para a recorrente por cada dia que passa.

jj) Com efeito quando o tribunal a quo decide pela inexistência de previsão legal que imponha à recorrida praticar acto com o conteúdo pretendido pela recorrente e que se decida pela aplicação automática da art.° 5° - A, n.º 1, al. b) do decreto-lei 14-E/2020 de 13 de abril e decreto-lei 36/2020 de 15 de julho, e nessa medida, a entidade coordenadora nada tinha de fazer perante o pedido da recorrente,

kk) é entendimento da recorrente que todas as outras obrigações decorrentes da legislação dos licenciamentos industriais se mantiveram.

ll) E bem sabia a recorrida que após ter recebido o pedido da recorrente em 16/12/2021, independentemente de os diplomas relativos às atividades industriais de fabricação de determinados produtos de combate à pandemia consentirem, sem mais (como entende o tribunal a quo), o exercício das actividades de combate à pandemia, sempre teria a recorrida enquanto entidade coordenadora a obrigação de sinalizar a autorização de exploração das CAE´s 13920 e 13993, ou seja, de praticar o acto devido que consubstancia a autorização da recorrente prosseguir aquelas actividades, através da publicitação na plataforma dos licenciamentos industriais (SIR). (Decreto-Lei n.º 169/2012, de 1 de agosto, posteriormente alterado pelo Decreto-Lei n.º 73/2015 de 11 de maio)

mm) Só assim era possível que o IAPMEI (e outras entidades) conhecesse o estado do estabelecimento da recorrente, que à data do pedido da recorrente (16/12/2021) se encontrava “a validar” e que assim ficou não tendo sido atualizado para “estabelecimento/exploração autorizada”, mesmo depois do despacho de 24/02/2022.

nn) Conclui-se que a prática desse acto está prevista na lei e que o pedido de condenação à prática do ato devido estando legalmente previsto preenche, in casu, o fumus boni iuris.

oo) Igualmente a recorrente discorda do tribunal a quo quando conclui que dos factos indiciariamente provados o IAPMEI não solicitou a prática de qualquer acto à recorrida, tendo somente pedido o enquadramento/avaliação da actividade da recorrente.

pp) relembrando o que consta do facto indiciariamente provado 15. Respondendo a essa mensagem, a funcionária do IAPMEI comunicou à aqui Requerente, também por correio eletrónico, este de 13.01.2022, o seguinte: “(...) A avaliação/enquadramento cabe à entidade coordenadora do Licenciamento. Agradeço que esta questão seja justificada documentalmente para que possa ser validada. (...)”; Cf. documento n.º ...0 junto com o RI;

qq) O IAPMEI apela a duas questões, uma a avaliação/enquadramento da entidade coordenadora, outra a justificação documental para validação.

rr) Quanto ao primeiro, a recorrida condicionou ao RJUE a aplicação do regime excepcional, inviabilizando o pedido. E também a recorrida não cumpriu com o segundo ponto.

ss) Segundo o art.° 13°, n.º 1 do DL n.º 169/2012 de 1 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo DL 73/2015 de 11 de maio, A entidade coordenadora é a única entidade interlocutora do industrial em todos os contactos considerados necessários à boa instrução e apreciação dos procedimentos previstos no SIR, competindo-lhe a condução, monitorização e dinamização dos mesmos.

tt) A entidade coordenadora é a entidade à qual compete a direcção plena dos procedimentos de instalação e exploração de estabelecimentos industriais, que no enquadramento do tipo 3, tipologia incumbe à Câmara Municipal - art.° 13° do Sistema da Indústria Responsável (SIR) aprovado em anexo ao DL n.º 169/2012 de 1 de agosto, conjugado com o Anexo III do referido sistema, na redação que lhe foi conferida pelo DL 73/2015 de 11 de maio e Declaração de Retificação n.º 29/2015 de 15 de junho.

uu) Se o enquadramento do tipo 3 a coordenação dos procedimentos de licenciamento incumbe à Camara Municipal, bem sabia a recorrida que o IAPMEI não a poderia substituir a coordenar os procedimentos de licenciamento, fossem eles quais fossem.

vv) Se a recorrida entendia que o art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13/04 era automaticamente aplicável à recorrente e que não estava obrigada a comunicar, estava, todavia, obrigada a actualizar o estado do estabelecimento, na plataforma dos licenciamentos industriais colocando a informação que aí constava – autorizando a exploração.

ww) Dessa forma, cumprindo a recorrida com a identificada lei, o IAPMEI teria consultado a plataforma dos licenciamentos, que estaria actualizada e teria avançado com o encerramento dos projectos da recorrente. O que não aconteceu, existindo periculum in mora, ou seja, a recorrente ficou impedida de receber os pagamentos relativos aos projetos do IAPMEI.

xx) A procedência da procedência da providencia cautelar em causa depende do preenchimento de três requisitos: 1º - existência de periculum in mora; 2º - que haja um fumus boni juris; 3º - que haja proporcionalidade e adequação da providência.

yy) A situação de facto consumada – decisão de condicionar a aplicação do regime legal excecional e simplificado de licenciamento industrial, a falta de atualização do estado do estabelecimento da recorrente -, leva à produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses económicos da recorrente,

zz) mas também para o fim a que se destinou a criação da legislação em causa, não olvidando que todas as restantes obrigações decorrentes da legislação sobre o licenciamento industrial se mantiveram em vigor, designadamente a obrigação da recorrida formalizar, registar e manter actualizada a plataforma dos licenciamentos.

aaa) Se efetivamente a recorrida aplicou automaticamente a legislação COVID, sendo o despacho em crise uma mera informação, ainda assim era obrigação registar, atualizar e comunicar – pelo menos na plataforma SIR - como autorizada a exploração industrial para as CAE´s em causa.

bbb) A situação leva a que a recorrente se veja impedida de receber os investimentos ligados a esses projetos do IAPMEI, por causa da decisão e omissão de registo da recorrida, o que configura reais prejuízos de difícil reparação, que consubstanciam “aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente” (Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, ob. cit., pág. 705).

ccc) A situação financeira da recorrente estava demasiado fragilizada e o retardamento do recebimento de verbas como 1.460.000,00€ comprometia a sua solvibilidade, o que in casu, configuram prejuízos de difícil reparação os valores que em cada um dos projetos, a recorrente tem direito a receber, um no valor de 160.000,00€, outro no valor aproximado a 1.300.000,00€, perfazendo a quantia total de 1.460.000,00€.

ddd) No que se refere ao fumus boni juris escreve Isabel Fonseca que “a condição do fumus boni iuris, que de um modo geral está sempre prevista como condição de decretação da tutela cautelar nos diversos sistemas de direito comparado, afere-se pela provável existência do direito ameaçado ou pela apreciação das probabilidades de êxito da pretensão do requerente na causa principal” (O Debate Universitário, pág.343).”

eee) In casu, verifica-se o preenchimento deste requisito, pois o despacho de 2022/02/24 coarta a recorrente de usar o instrumento excecional e simplificado condicionando-o e de ver atualizado o estado do seu estabelecimento, através da comunicação de autorização da exploração dessas duas novas atividades, violando a lei.

fff) Ainda, no que se refere ao terceiro requisito, a recorrente entende que existe a proporcionalidade e adequação no deferimento da presente providência.

ggg) No presente caso, a aplicação do regime excecional e simplificado não determinará quaisquer danos ao interesse público, como também a comunicação e registo de que a exploração industrial da recorrente se encontrava autorizada – comunicação que não ocorreu por se considerar a aplicação automática do art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13/04, esquecendo a recorrida e o tribunal a quo que toda a legislação que rege os licenciamentos industriais – à excepção do art.º 39º do SIR – se encontrava válida e em vigor (Sistema da Indústria Responsável (SIR), aprovado em anexo ao DL n.º 169/2012 de 1 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo DL 73/2015 de 11 de maio e Declaração de Retificação n.º 29/2015 de 15 de junho)

hhh) A decisão proferida pelo tribunal a quo viola quadro legislativo do Sistema da Indústria Responsável (SIR) aprovado em anexo ao DL n.º 169/2012 de 1 de agosto, na redação que lhe foi conferida pelo de 11 de maio e Declaração de Retificação n.º 29/2015 de 15 de junho concretamente os art.ºs 6º, 7º, 8º, 9º e 13º, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue a providência procedente, por provada.

Nestes termos e nos melhores do direito aplicáveis, requer-se se dignem admitir o presente recurso, devendo ao mesmo ser concedido provimento, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que improcedeu a providência cautelar requerida pela recorrente, que deverá ser substituída por outra que a julgue totalmente procedente.

Assim, farão justiça.

O Requerido juntou contra-alegações, concluindo:

I. O acto de 24.02.2022 não configura qualquer acto administrativo impugnável.

II. No que se refere às alterações de CAE dos estabelecimentos industriais de tipo 3, a lei não consagrou qualquer regime simplificado, mas uma dispensa de qualquer procedimento de controlo prévio, dispensa que é automática e que opera ope legis.

III. O recorrido não tem qualquer poder de exercício discricionário de dispensar ou não a comunicação prévia, como resulta expressamente da norma do artigo 5º-A/1/b) do DL. 14-E/2020, de 13 de Abril, na redacção do DL 36/2020, de 15 de Julho.

IV. Face a essa dispensa legal, não tinha de haver, como não houve, qualquer decisão qua tale proferida pelo recorrido Município, nem foi praticado qualquer acto administrativo.

V. O Presidente da Câmara Municipal limitou-se a emitir uma mera informação ou recomendação, e não qualquer decisão, levando ao conhecimento da recorrente as informações da DJ e da DLGU emitidas no Processo AVL2021/00709 e a informá-la de que não se via inconveniente na actividade das CAE´S 13920 e 13993, cumpridas as disposições do RJUE pendentes.

VI. O “acto” suspendendo não visou produzir qualquer efeito jurídico externo na situação concreta da recorrente nem apresenta qualquer definição jurídica unilateral da Administração, sendo que face à dispensa de procedimento de controlo prévio, não era necessária a prática de qualquer acto para que imediatamente se tornasse lícita a alteração das CAE’S operada.

VII. Não existe qualquer segmento de conteúdo decisório no citado “acto”, nem o mesmo produziu qualquer efeito jurídico externo na esfera da recorrente, não ordenou o encerramento do estabelecimento, não ordenou a cessação de utilização dos edifícios, não ordenou a interrupção do fabrico de qualquer produto, não ordenou fosse o que fosse.

VIII. Sendo o mesmo totalmente inimpugnável, tal circunstância obsta a que se dê por verificado o requisito de fumus boni iuris, porquanto da mesma resulta a manifesta falta de possibilidade de êxito da acção principal.

IX. O recorrido não condicionou o suposto “licenciamento industrial” (que não existiu) das duas novas atividades da recorrente ao cumprimento do RJUE.

X. Com alterações de CAE’s ou sem elas, com estabelecimento de tipo 3 ou de qualquer outro tipo, com dispensas de controlo prévio quanto a tais alterações específicas, nenhum industrial, nenhuma empresa nem nenhum outro administrado está dispensado do cumprimento das normas do RJUE, que não dizem respeito ao licenciamento industrial, mas ao licenciamento e outros procedimentos de controlo prévio das mais variadas operações urbanísticas.

XI. Só pode haver licenciamento industrial num edifício que disponha de autorização de utilização, nos termos dos artigos 620 a 640 e 740 do RJUE.

XII. O recorrido não bloqueou qualquer decisão do IAPMEI, I.P., entidade que não tem qualquer poder ou tutela sobre o recorrido e também ele está sujeito à observância das disposições da lei, pelo que independentemente de qualquer que tenha sido o seu entendimento, nem tal entidade, nem quem quer que seja pode sobrepor-se à lei e criar procedimentos não tipificados nem minimamente previstos na lei.

XIII. Não se verifica o requisito do fumus boni iuris, sendo certo que a pretensão a deduzir e o direito dito ameaçado não existem, sendo o recorrido totalmente alheio à matéria.

XIV. Bastaria a existência da inimpugnabilidade do acto objeto da acção, enquanto circunstância que efectivamente obsta ao conhecimento do mérito, para, só por si, determinar a não verificação do requisito em apreço.

XV. Afigura-se manifesta a improcedência da pretensão formulada no processo principal, uma vez que todo o procedimento e os actos que o integram foram desenvolvidos em plena conformidade com o quadro legal, regulamentar e constitucional aplicável, não se verificando qualquer um dos vícios suscitados pela recorrente, o que a mesma não logrou demonstrar de forma minimamente sustentável, ainda que de acordo com um mero juízo de verosimilhança.

XVI. Sendo a lei que lhe confere a dispensa do recurso à mera comunicação prévia e não prevendo a obrigatoriedade de qualquer outro procedimento, é óbvio que o direito da recorrente resulta da própria lei, não existindo a aparência de qualquer direito da recorrente que dependa do Município recorrido, de qualquer actividade administrativa deste ou da prática de qualquer acto por este.

XVII. Não havia qualquer obrigatoriedade de praticar o alegado “acto devido”, sendo que o recorrido não tinha obrigação nem competência para emitir um acto que decorre automaticamente da lei.

XVIII. A recorrente não logrou demonstrar a existência de prejuízos de difícil reparação, cuja alegação é claramente vaga, genérica e conclusiva, não se estando perante qualquer perigo ou receio de constituição de qualquer situação de facto consumado, nem sequer perante quaisquer prejuízos de difícil reparação imputáveis a qualquer acto do recorrido.

XIX. Se ela tem quaisquer prejuízos, nomeadamente por efeito do pretenso bloqueio de recebimento de valores a que se julga com direito perante o IAPMEI, I.P, eles pertencerão, porventura, ao âmbito das suas relações com o IAPMEI, I.P ou com outra qualquer entidade, e jamais com o recorrido, que é totalmente alheio a tal matéria.

XX. A recorrente não logrou comprovar a verificação do requisito do periculum in mora, designadamente, através da alegação e prova sustentada e plenamente concretizada de quais os específicos, reais e concretos prejuízos de difícil ou impossível reparação em relação aos quais se verificaria um fundado receio de verificação na respectiva esfera jurídica, limitando-se a replicar os conceitos indeterminados constantes da lei, sem qualquer espécie de concretização ou substanciação dos mesmos.

XXI. A alegação e prova do referido requisito, através de circunstâncias factuais reais e plenamente detalhadas, concretizadas e demonstradas de forma efectiva e cabal, configura um ónus que a jurisprudência tem entendido que é imprescindível que seja cumprido por quem requer a concessão de uma providência cautelar.

XXII. Há também uma total omissão de concretização a propósito da superioridade dos supostos interesses da recorrente.

XXIII. Não obstante, também nunca haveria que proceder aqui a qualquer ponderação dos interesses públicos e privados em presença, desde logo porque nada há para ponderar.

XXIV. A improcedência do presente processo cautelar não causará o mais leve prejuízo à recorrente, na medida em que através dele ela pretende obter algo que já entrou na sua esfera jurídica, inexistindo qualquer necessidade de intervenção do Município recorrido com qualquer acto, seja em que sentido for.

XXV. Não se preenchendo nenhum dos requisitos expressamente consagrados no art. 1200 do CPTA, cuja verificação é cumulativa, o presente processo cautelar não pode senão deixar de improceder.

XXVI. A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo, nem incorre na violação que a recorrente lhe imputa, traduzida na suposta violação do “quadro legislativo do SIR”, nomeadamente dos respectivos arts. 60 a 90 e 130, devendo manter-se, na íntegra.

PEDIDO:

TERMOS EM QUE E NOS DO SUPRIMENTO, DEVE SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRENTE N..., S.A., COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COMO É, ALIÁS, DE

JUSTIÇA.

O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:

1. A Requerente tem como objeto social a fabricação e comercialização de produtos de cuidado de higiene e incontinência – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

2. E é detentora do título de instalação e exploração industrial n.º 1413/2013 – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

3. Esse título referia-se a estabelecimento qualificado como de tipo 2, que incluía o CAE 17220, e passou, entretanto, a ser considerado como de tipo 3, sendo considerada entidade coordenadora o Município de ... – cf. documento n.º ... junto com o requerimento inicial;
4. No dia 11.05.2020, a Requerente adquiriu uma máquina de produção de máscaras cirúrgicas, e a 30.05.2020 uma máquina de fabricação de meltblown, matéria-prima usada para fabricar aquelas máscaras – cf. documento n.º ... junto com o requerimento inicial;

5. A propósito da escolha dos CAE´s, a Requerente solicitou ao INE – Instituto Nacional de Estatística, a identificação dos CAE´S para as novas atividades que iria iniciar – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

6. Em resposta, aquele INE respondeu: “O fabrico de não tecido e de máscaras cirúrgicas, enquadram-se, respetivamente, nas seguintes subclasses da CAE Ver. 3: 13993 e 13920” – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

7. A Requerente solicitou ainda ao IAPMEI parecer sobre a aplicação do regime simplificado e excecional do licenciamento industrial nessas novas atividades, ainda que não fosse aquele o organismo coordenar do respetivo licenciamento industrial – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

8. Veio o IAPMEI comunicar e admitir, para as atividades em causa (produção de meltblown e de máscaras cirúrgicas), a dispensa de licenciamento industrial – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

9. Para aquisição de equipamento para compor uma linha de produção de meltblown, no valor de € 3.400.000,00, e uma linha de produção de máscaras cirúrgicas, no valor de € 600.000,00, a Requerente candidatou-se a um projeto promovido pelo IAPMEI – facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

10. Em 05.11.2021, a Requerente, através de colaboradora, remeteu ao IAPMEI mensagem de correio eletrónico em que declara “requerer a aplicação automática do disposto na al. b), do n.º 1 do art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020.” – cf. documento n.º ... junto com o RI;

11. Em resposta, o IAPMEI remeteu à Requerente mensagem de correio eletrónico em 11.11.2021, do seguinte teor:
“(...)
Analisado o teor do seu email abaixo copiado, o qual mereceu a nossa melhor atenção, cumpre-nos informar:
Considerando que v/ empresa já se encontra licenciada para o CAE 17220, efetivamente estão dispensados de qualquer formalidade, atenta a publicação do Decreto-Lei 36/2020, de 15 de julho, uma vez que estamos em presença de um estabelecimento industrial classificado na tipologia 3.
No entanto, alertamos que as regras simplificadas previstas no supracitado DL apenas irão vigorar durante o período de pandemia, e apenas para os estabelecimentos da tipologia acima referida.
Os industriais que pretendam continuar com a atividade que agora pretendem desenvolver, no caso e conforme referido em documento anexo, a atividade enquadrada no CAE 13920, após esse momento, devem submeter um pedido de alteração ou efetuar a mera comunicação prévia, nos termos previstos no artigo 39.º do SIR, através dos serviços disponibilizados na Nova Plataforma Tecnológica do SIR, nos 30 dias decorridos após a cessação das vigência do diploma.
(...)”;

Cf. documento n.º ... junto com o RI;

12. Em 16.12.2021, a Requerente apresentou junto dos serviços do Município Requerido um requerimento, do seguinte teor:
“(...)
Pedido de aplicação do procedimento simplificado de Licenciamento da actividade industrial, ao abrigo do disposto do Decreto-Lei n.º 36/2020 de 15 de julho e Decreto-Lei n.° 14-E/2020 de 13 de abril
1. APLICAÇÃO DA AL. B), DO N. 1 DO Art.º 5-A DO DECRETO-LEI N.º 14-E/2020 DE 13 DE ABRIL:
A N..., S.A, mantém válida e em vigor o Título de Exploração Industrial n.º 1413/2013 (2), encontrando-se incluído o CAE 17220, enquadrando-se como estabelecimento tipo 3. A entidade coordenadora é a Câmara Municipal ..., existindo o NUEI ...58, associado a este licenciamento.
A N..., S.A, com instalações na Zona Industrial de ..., 2ª Fase, em ..., com o NIPC ..., representada pelo administrador único AA (código de certidão permanente ...16), contribuinte fiscal n.º ..., portador do cartão de cidadão n° ..., vem, ao abrigo do art.º 5-A do Decreto Lei n.º 14-E/2020 expor e requerer o seguinte:
O estabelecimento em causa, que configura estabelecimento tipo 3, adquiriu equipamentos de combate à Covid-19, designadamente máquina de produção de matéria prima (tecido não tecido - meltblown), com CAE 13993, para fabricação do filtro das máscaras cirúrgicas e máquina de produção de máscaras cirúrgicas com CAE 13920).
Os referidos equipamentos enquadram-se no procedimento simplificado de licenciamento industrial de estabelecimentos industriais de fabrico de equipamento de protecção individual sufragado pelo identificado Decreto-Lei n.º 36/2020 de 15 de julho e DL n.º 14-E/2020, ou seja, no regime excepcional para o fabrico de equipamento de protecção individual, no contexto da declarada pandemia da doença Covid-19, que serve para suprir as necessidades prementes do mercado.
O regime procedimental enquadra as alterações previstas no art.º 39° do Sistema da Indústria Responsável (SIR), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 169/2012, de 01 de agosto na sua redação actual e da Portaria n 279/2015 de 14 de setembro.
Estando em causa um estabelecimento tipologia 3 procede-se à aplicação automática da al. b), do n.º 1 do art.º 5-A do DL n.º 14-E/2020, que se reproduz "Os estabelecimentos de tipo 3 ficam dispensados da mera comunicação prévia de alteração a que se refere o n. ° 4 do artigo 39.º do SIR."
A respeito deste pedido, pronunciou-se o IAPMEI decidindo para estas duas actividade a dispensa de MCP ao abrigo do identificado DL 36/2020. (cfr. Doc 1 - partes assinaladas a cor amarela) Pelo exposto, decorre daquela imposição legal a dispensa da mera comunicação prévia de alteração, o que se requer.
Mais se requer que a decisão de dispensa de mera comunicação prévia de alteração seja dirigida à aqui requerente por escrito, sendo-lhe comunicado o deferimento das atividades industriais em causa (CAE´S 13920 e 13993), a título provisório, ou seja, enquanto vigorar a legislação citada.
(...)”;

Facto não controvertido, atento o art.º 11.º da oposição;

13. Em 06.01.2022, a aqui Requerente, através de colaboradora, remeteu ao IAPMEI mensagem de correio eletrónico do seguinte teor:
“(...)
No seguimento da nossa conversa telefónica, relativamente à questão do licenciamento industrial, das actividades com os CAEs ligados à fabricação de produtos de combate à Covid 19 (projeto ...06), entendemos que o diploma que simplifica os procedimentos de licenciamento, o DL 36/2020 de 15 de Julho, é explícito o suficiente para que se opere automaticamente a dispensa da mera comunicação prévia de alteração a que se refere o art.º 39 do SIR. Ou seja, a al. b), do n.º 1 do referido decreto produz os seus efeitos sem necessidade de qualquer formalismo.
No entanto e por mera cautela solicitamos junto da entidade coordenadora, a Câmara ..., em Dezembro de 2021 a formalização desta decisão.
Contactamos hoje a Câmara Municipal, para averiguarmos o estado do pedido realizado, foi-nos comunicado pela jurista do Gabinete Jurídico que a formalização de dispensa da mera comunicação prévia de alteração seria comunicada na próxima semana, mais transmitindo que seria um simples formalismo já que a lei impõe a sua aplicação.
Espero que com esta exposição consiga prosseguir com o encerramento do projeto ...06. (...)”;

Cf. documento n.º ...0 junto com o RI;

14. Sendo que, em 13.01.2022, e em resposta a uma mensagem do IAPMEI do mesmo dia, em que este solicitava que a Requerente explicasse o que queria dizer com “entende que tem a situação resolvida”, a mesma colaboradora remeteu àquela entidade mensagem de correio eletrónico com os seguintes dizeres:
“(...)
Boa tarde Engª BB,
Sim, a N... entende que neste particular caso, sendo estabelecimento tipologia 3, tem a situação resolvida, pois encontra-se dispensada do licenciamento, por imposição do DL 36/2020 de 15 de julho.
(...)”;

Cf. documento n.º ...0 junto com o RI;

15. Respondendo a essa mensagem, a funcionária do IAPMEI comunicou à aqui Requerente, também por correio eletrónico, este de 13.01.2022, o seguinte:
“(...)
A avaliação/enquadramento cabe à entidade coordenadora do Licenciamento.
Agradeço que esta questão seja justificada documentalmente para que possa ser validada.
(...)”;

Cf. documento n.º ...0 junto com o RI;

16. Por ofício de 24.02.2022, subscrito pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal ..., foi comunicado à aqui Requerente, com referência ao requerimento referido no ponto 12, o seguinte:
“(...)
Relativamente ao assunto e requerimento acima referenciado, cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exa. por meu despacho de 2022/02/24 o teor das informações da DJ-Divisão Jurídica e da DLGU - Divisão de Licenciamento de Gestão Urbanística, adiante transcritas e dadas no âmbito do mesmo.
Informa-se ainda que não se vê inconveniente na atividade das CAE´S (13920 e 13993), cumpridas as disposições do RJUE pendentes.
INFORMAÇÃO DA DJ - DIVISÃO JURIDICA
"A Requerente, N..., S.A, requer a dispensa de mera comunicação prévia de alteração, para o exercício das atividades industriais com os CAE 13920 e 13993, enquanto vigorar o regime jurídico previsto na al. b) do n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 14-E/2020, na redação dada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2020, de 15.07.
A norma em causa dispõe o seguinte:
«Artigo 5.º-A
Licenciamento industrial
(...)
De acordo com o pedido, a Requerente configura estabelecimento de tipo 3 e adquiriu equipamentos para fabrico de materiais para combate à covid - 19, designadamente:
- máquina de produção de matéria prima (tecido não tecido - meltblown), com CAE 13993, para fabricação do filtro das máscaras cirúrgicas;
- máquina de produção de máscaras cirúrgicas, com CAE 13920.
Atendendo ao exposto, com base na informação fornecida pela Requerente, é do nosso parecer que as atividades referidas têm enquadramento no disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 5.º-A do Decreto-Lei n.º 14-E/2020, na redação dada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 36/2020, de 15.07, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do mesmo artigo.
Contudo, estando em causa um licenciamento industrial, propõe-se a remessa do processo à DLGU."
INFORMAÇÃO DA DLGU - DIVISÃO DE LICENCIAMENTO E GESTÃO URBANISTICA Parecer Interno
" Na sequência do parecer da Divisão Jurídica (DJ) de 13/01/2022, no sentido de que as CAE´S (classificações das atividades económicas) identificadas pelo industrial têm enquadramento no disposto na alínea b) do nº 1 do art.º 5º-A do DL. 14-E/2020 na redação dada pelo artigo 3º do DL. 36/2020 de 15/07, sem prejuízo do disposto do nº 5 do mesmo artigo. o pedido é remetido a esta DLGU (Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística) por estar em causa um "licenciamento industrial", pretendendo-se com o requerimento apresentado "que a decisão de dispensa de mera comunicação prévia de alteração seja dirigida por escrito "comunicando o
"deferimento das atividades industriais em causa (CAE´S 13920 e 13993) a título provisório ou seja, enquanto vigorar a legislação citada".
Sobre tal pretensão, analisando os antecedentes processuais relativos a este estabelecimento industrial informa-se:
1 - A CM... é entidade coordenadora de estabelecimentos industriais de tipo 3.
2 - No caso em apreço, está em causa um estabelecimento industrial com título de instalação e exploração nº 1413/2013 (2) emitido pelo IAPMEI que referiu expressamente que o exercício da atividade estava subordinado ao cumprimento de diversas condições incluindo a "emissão de título de autorização de utilização da Câmara Municipal" (CM...).
3 - No caso em apreço e quanto ao NUEI ...58 a CM... considerou que a mera comunicação prévia submetida por iniciativa do industrial não estava devidamente instruída, não só pela ausência de planta devidamente cotada e legendada demonstrativa do layout do estabelecimento industrial como, principalmente, pelo facto do edifício não possuir titulo de utilização válido nos termos do RJUE (regime jurídico de urbanização e edificação) face a obras não licenciadas, nomeadamente de ampliação e ligação física entre dois prédios (PO 962/99 e 619/02) pelo que, ainda que se invocasse os alvarás de utilização anteriores, foram alteradas posteriormente as condições de licenciamento subjacentes a tais títulos, pela execução das referidas obras.
4 - Assim, para além de se entender que a CM... não tem de comunicar por escrito aquilo que decorre diretamente da lei (sem prejuízo do eventual envio do parecer da DJ), no caso do NUEI identificado foi já tomada posição por esta DLGU, nomeadamente quanto ao RJUE cujo cumprimento é condição prévia ao licenciamento industrial.
5 - Não pode deixar de se referir que, tendo por base o entendimento da dispensa de MCP de alteração ao abrigo do regime legal invocado, não se alcança a razão da formalidade ter sido submetida no portal SIR (NUEI ...58).
Devolve-se a tarefa à DJ para validação submissão a despacho do Sr. Presidente da CM....".

Cf. documento n.º ... junto com o RI.
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador, na parte que ora releva:
Vem instaurado o presente processo cautelar no seguimento do despacho de 24.02.2022 proferido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal ..., mediante o qual, no entender da requerente, se sujeitou o exercício da atividade industrial ao cumprimento do RJUE – isto tendo por base as atividades que se referem no art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04.
Sujeição, esta, que a Requerente entende por ilegal, dado que contraria a letra e o espírito daquela norma, pelo que não pode ser imposta tal condição. No seu entender, com o regime legal em causa, o legislador pretendeu permitir, sem mais, e com dispensa de qualquer condição, o exercício das atividades industriais ali referidas, dada a necessidade de mobilizar o tecido empresarial para a produção de equipamentos necessários à situação pandémica.
Discorda o Requerido, considerando, desde logo, que o despacho em causa não configura qualquer decisão, já que se limita a dar conhecimento à Requerente das informações que foram elaboradas pelos serviços municipais. De todo o modo, diz, a Requerente confunde procedimentos, e se, realmente, o IAPMEI lhe exigiu a formalização da dispensa de comunicação prévia, então essa é uma questão que se coloca entre ambos, e à qual é alheio. De todo o modo, nunca impediu a Requerente de exercer a sua atividade.
Cumpre decidir.
Com a revisão do CPTA introduzida pela DL n.º 214-G/2015, de 02.10, os critérios de decisão tendo em vista a adoção de providências cautelares foram profundamente alterados.
Desde logo, porque foi abandonada a distinção estrutural em que assentava a anterior redação do art.º 120.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPTA, sendo hoje irrelevante determinar a natureza da providência a decretar (se de natureza antecipatória ou conservatória).
Depois, porque desapareceu igualmente o critério de decisão baseado na manifesta evidência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, consagrada na al. a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, na redação anterior à reforma ocorrida em 2015.
Assim, e tendo presente as breves notas que acabam de apontar-se, sob a epígrafe “critérios de decisão”, estabelece-se atualmente no art.º 120.º, n.º 1, do CPTA:
“1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”
Retiram-se deste preceito dois pressupostos cumulativos, de cujo preenchimento depende o decretamento de providências cautelares: (i) em primeiro lugar, o periculum in mora, consubstanciado no risco de a demora na resolução definitiva do litígio conduzir a uma situação de facto consumado ou de causar ao requerente prejuízos de difícil reparação; (ii) depois, o fumus boni iuris, aqui consubstanciado pela probabilidade de o requerente vir a obter a procedência da pretensão por si formulada no processo principal.
A estes dois requisitos soma-se um terceiro, previsto no n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, e que diz respeito à necessidade de ponderar os interesses públicos e privados em presença. Assim se lê na norma referida: “nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
Deste modo, são três os requisitos de que depende o decretamento das providências requeridas. E sublinhe-se desde já que tais requisitos têm natureza cumulativa.
Aquilo que importa saber no caso concreto é, então, se estão reunidos quanto às providências requeridas.
**
Desde logo, há então a considerar a alegada inimpugnabilidade do despacho de 24.02.2022, cujo conhecimento remetemos para esta fase. E, por ser uma questão prévia a tudo o resto, dela cumpre conhecer desde já.
Ora, em matéria de impugnabilidade do ato administrativo, o art.º 51.º, n.º 1, do CPTA estabelece o seguinte: “1 – Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.”
Ou seja, a sílaba tónica em matéria de impugnabilidade do ato administrativo reside, hoje, no carácter decisório do mesmo. Impugnam-se decisões proferidas pela Administração (ou por outras entidades que, não se incluindo na Administração, atuem nos termos mencionados na norma).
E precisamente nesse ponto se separam as partes: enquanto o Requerido considera que o despacho nada decide, limitando-se a comunicar o teor das informações elaboradas pelos serviços municipais, a Requerente, na resposta às exceções, veio considerar que estamos em presença da decisão que recaiu sobre o requerimento por si apresentado.
Vejamos.
Antes de mais, e de acordo com o facto indiciariamente provado em 12, temos que a aqui Requerente solicitou ao Município o seguinte:
“Pelo exposto, decorre daquela imposição legal a dispensa da mera comunicação prévia de alteração, o que se requer.
Mais se requer que a decisão de dispensa de mera comunicação prévia de alteração seja dirigida à aqui requerente por escrito, sendo-lhe comunicado o deferimento das atividades industriais em causa (CAE´S 13920 e 13993), a título provisório, ou seja, enquanto vigorar a legislação citada.”
Portanto, em primeiro lugar, foi requerida a dispensa da mera comunicação prévia de alteração, apesar de a própria Requerente fazer constar daquele seu requerimento que a mesma era automática, à luz do art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04. E, de seguida, foi requerido que essa decisão (de dispensa de mera comunicação prévia de alteração) fosse dirigida por escrito, comunicando o deferimento das atividades industriais a que se referem os CAE 13920 e 13993 a título provisório, ou seja, enquanto vigorar a legislação citada.
Ora, o despacho em causa nada decide sobre o assunto. Limita-se a comunicar à requerente as informações dos serviços municipais (da Divisão Jurídica e da Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística), sem declarar que há, ou não, lugar à dispensa da comunicação prévia.
E não o faz porque as próprias informações assim o dizem, i. e., que o Município nada tem de decidir. O parecer da Divisão Jurídica apenas refere que a atividade em causa tem enquadramento na norma citada, mas sem propor qualquer dispensa de comunicação prévia. O mesmo sucede com a informação da Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística, que, nesse caso, até o fez constar do ponto 4 do seu parecer: “assim, para além de se entender que a CM... não tem de comunicar por escrito aquilo que decorre diretamente da lei (sem prejuízo do eventual envio do parecer da DJ), no caso do NUEI identificado foi já tomada posição por esta DLGU, nomeadamente quanto ao RJUE cujo cumprimento é condição prévia ao licenciamento industrial.”
Basicamente, aquilo que o despacho faz é transmitir à Requerente o entendimento dos serviços municipais: que a atividade se enquadra na norma em causa, pelo que pode ser exercida; e que existem violações do RJUE ainda pendentes. Nada mais.
Como, de resto, veremos de seguida, o Município nem sequer pode proferir essa decisão, porque a tanto não o autoriza o princípio da legalidade – não existe, na lei, qualquer previsão de “dispensa da mera comunicação prévia”, porque a mesma decorre ex lege. Logo, o despacho nada decide e, por isso, não é impugnável.
Em todo o caso, sempre se dirá o seguinte.
A exceção em causa, previsivelmente procedente, só afetará o pedido de anulação ou declaração de nulidade do ato, mas não o pedido de condenação à prática de ato devido. Ou seja, apenas poderá afetar a providência que é requerida sob a alínea a). Porque, em relação ao eventual pedido de condenação do Requerido a deferir o requerimento (i. e., a considerar dispensada a mera comunicação prévia, e independentemente de poder ser ou não procedente, como só depois se verá), a exceção não se aplica [veja-se acórdão do STA de 15.10.2020, proferido no processo n.º 01301/13.3BEBRG].
Assim sendo, e em suma, pode desde já dizer-se que, quanto à providência requerida sob a alínea a), sendo provavelmente procedente a exceção de inimpugnabilidade do despacho de 24.02.2022, não se verifica o fumus boni iuris.
O que é suficiente para determinar a não concessão dessa providência.
*
Sem prescindir do referido, e ainda no que respeita à providência requerida sob a alínea a), importa também considerar outra circunstância –esta já relativa ao periculum in mora.
Com efeito, o despacho em causa – se considerada a configuração proposta pela Requerente, embora esse não seja o nosso entendimento – não deixa de configurar um ato de conteúdo negativo, v.g., um ato que recusou a produção do efeito jurídico que era pretendido.
Concretamente, a Requerente pretendia, com o requerimento que apresentou – facto indiciariamente provado em 12 – que o Município declarasse que estava dispensada do procedimento de mera comunicação prévia, ao abrigo do disposto no art.º 5.º-A do DL n.º 14-A/2020, de 13.04. Esse efeito jurídico não foi produzido (desde logo porque, como consideramos, nenhuma decisão foi proferida) dado que não foi emitida a decisão com aquele conteúdo, isto é, com o reconhecimento de que a Requerente estava dispensada da referida comunicação prévia.
Ora, se o Tribunal declarasse suspenso este despacho, a Requerente ficaria exatamente na mesma, i. e., o efeito que visava produzir continuaria a não existir. O status quo não se alteraria: continuaria a não haver decisão de deferimento do pretendido.
Perante isto, tem considerado a jurisprudência que, nestes casos, a providência de suspensão dos efeitos do ato administrativo deve ser rejeitada, precisamente porque o Requerente ficaria no mesmo estado em que se encontrava. Neste sentido, cf. o acórdão do TCA Sul de 09.11.2017, proferido no processo n.º 778/17.2BELRA.
Significa, isto, que no caso concreto desta providência nunca existiria periculum in mora, dado que, como observado, com ou sem o decretamento da providência em causa, a Requerente ficaria na mesma, i. e., sem a pretendida decisão por parte do Município.
E daí que, também por este motivo, a providência requerida sob a alínea a) deva ser rejeitada.
*
Mas, independentemente, até, do juízo que possa ser feito sobre a natureza não impugnável do ato administrativo, ou ainda quanto à inutilidade do decretamento da suspensão dos efeitos do despacho em causa quanto ao acautelar dos interesses em causa, sempre se dirá que a Requerente não está, de todo, e por força deste ato, impedida de prosseguir a atividade em causa.
Com efeito, constata-se que aquilo que a Requerente, apesar de, no requerimento inicial, alegar que necessita da decisão por causa de uma exigência do IAPMEI, peticiona na segunda providência é que se condene (consideremos, que se “intime”, porque é mais adequado à tutela cautelar) o Município a praticar o que considera ser o “ato devido”, que se consubstancia na autorização provisória da requerente prosseguir as atividades industriais de produção de máscaras cirúrgicas (e da matéria-prima respetiva).
Todavia, se lermos a legislação aplicável, esse ato devido não existe, e dele não depende a prossecução de qualquer atividade por parte da aqui Requerente – o que leva à falta do periculum in mora, porque pode ser prosseguida a atividade, sem necessidade daquele “ato devido”; mas também do fumus boni iuris, porque o regime aplicável não prevê a prática de um ato com aquele conteúdo.
Senão, vejamos.
Se atentarmos no que dispõe o art.º 5.º-A, n.º 1, do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, este diz o seguinte:
“1 - As alterações de estabelecimentos industriais, na aceção do artigo 39.º do Sistema da Indústria Responsável (SIR), aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 169/2012, de 1 de agosto, na sua redação atual, com vista ao fabrico de DM, de EPI, de álcool etílico e ou de produtos biocidas desinfetantes para prevenção do contágio de SARS-CoV-2 obedece às seguintes regras:
a) Os casos previstos nos n.os 1 e 3 do artigo 39.º do SIR ficam apenas sujeitos a um pedido de alteração dirigido, através de correio eletrónico, ao IAPMEI - Agência para Competitividade e Inovação, I. P. (IAPMEI, I. P.), que convoca conferência procedimental na qual participam a Agência Portuguesa do Ambiente, I. P., e outras entidades competentes em função dos regimes ambientais aplicáveis, e que se realiza no prazo máximo de cinco dias úteis;
b) Os estabelecimentos de tipo 3 ficam dispensados da mera comunicação prévia de alteração a que se refere o n.º 4 do artigo 39.º do SIR.”
Sendo o estabelecimento da Requerente de tipo 3, aplica-se-lhe, então, esta alínea b), segundo a qual fica dispensada da mera comunicação prévia de alteração a que se refere o n.º 4 do artigo 39.º do SIR – Sistema da Indústria Responsável, aprovado pelo DL n.º 169/2012, de 18.04. De acordo com essa norma do SIR, “fica sujeita a procedimento de mera comunicação prévia a alteração a estabelecimento industrial de tipo 3 que não se encontre abrangida pelo disposto nos n.os 1 e 3, que implique a alteração da atividade económica, classificada de acordo com a respetiva CAE, exercida no estabelecimento.”
Para que o entendimento sobre o assunto fique completo, é preciso considerar, também, o disposto no art.º 33.º do SIR, e em particular o seu n.º 3, que esclarece aquilo em que consiste o procedimento de mera comunicação prévia: “o procedimento de mera comunicação prévia consiste na inserção, no «Balcão do empreendedor», dos dados necessários à caracterização do estabelecimento industrial e respetiva atividade, bem como do título de utilização de recursos hídricos e do título de emissões para o ar inscritos no TUA, quando legalmente exigível, acompanhado de aceitação de termo de responsabilidade do cumprimento das exigências legais aplicáveis à atividade industrial, nos termos definidos na portaria a que se refere n n.º 1 do artigo 21.” Além disso, e sob a epígrafe “início de exploração”, o art.º 34.º do SIR diz o seguinte:
“1 - A exploração de estabelecimento industrial de tipo 3 só pode ter início após a emissão do título digital referido no artigo anterior e do pagamento da taxa correspondente, quando a mesma seja devida nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 81.º
2 - A exploração dos estabelecimentos de tipo 3 está sujeita a todas as exigências legais em vigor e aplicáveis ao imóvel onde está situado, bem como aos condicionamentos legais e regulamentares aplicáveis à atividade industrial, designadamente em matéria de ambiente, segurança e saúde no trabalho, segurança alimentar e segurança contra incêndio em edifícios.”
Ora, lendo o teor do citado art.º 5.º-A, n.º 1, al. b), do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, logo se concluirá que ficou dispensado todo o procedimento de comunicação prévia. Simplesmente, o procedimento não existe (claro, nas situações de alteração, de acordo com o art.º 39.º, n.º 4, do SIR, pois é disso que aqui se trata).
O que significa que, aliás como o Requerido defende, a Requerente nada tinha que requerer ou solicitar, porque estava dispensada da comunicação prévia, no que respeita às atividades referidas.
Portanto, entre acusações de mútua confusão e, até, excessos de linguagem desnecessários, diremos que a razão pende, a este respeito, para o Requerido.
Veja-se: a Requerente foi pedir ao Requerido a dispensa da mera comunicação prévia da alteração – cf. facto indiciariamente provado em 12. Só que o regime legal não implica, de maneira alguma, uma decisão de dispensa de mera comunicação prévia da alteração. É que, como a própria Requerente defende, a dispensa da comunicação prévia é “automática” [cf. art.º 37.º do RI], sendo “consentida a atividade industrial referente a fabrico de dispositivos médicos para uso humano e de equipamentos de proteção individual.”
Ou seja, não há lugar a qualquer comunicação prévia (nem é necessário pedir a sua dispensa à entidade coordenadora) desde que estejam cumpridos os requisitos a que se refere o art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, ou seja:
i. Estar em causa o fabrico de DM, de EPI, de álcool etílico e ou de produtos biocidas desinfetantes para prevenção do contágio de Sars-Cov 2;
ii. Tratar-se de estabelecimento qualificado como de tipo 3.
Não se exige que a entidade coordenadora declare que o estabelecimento fica dispensado da aplicação do art.º 39.º, n.º 4, do SIR.
Torna-se, com efeito, difícil compreender aquilo que, afinal, é o entendimento da Requerente. Mesmo que não se possa falar de ineptidão, a verdade é que a Requerente tanto se insurge contra uma alegada decisão administrativa que não lhe concede a dispensa de mera comunicação prévia como, depois, vem afirmar que “a identificada legislação refere “ficam dispensados”, sendo evidente que, se a pretensão do legislador fosse que esta dispensa da mera comunicação dos estabelecimentos de tipologia 3 estivesse acoplada a uma decisão formal e escrita emitida pela entidade coordenadora, ter-se-ia dado ao trabalho de, tal como fez para os estabelecimentos de tipologia 1, especificar o procedimento.” Mas, então, se a Requerente entende assim, a que propósito vai pedir à entidade coordenadora – o aqui Requerido – a tal decisão formal e escrita? Quando é a própria Requerente que diz que o regime legal é claro quanto a esse aspeto de não exigir essa decisão? Só porque o IAPMEI assim o entende? E, de seguida, em resposta às exceções, vem infirmar o que disse, porque, afinal, a lei só diz “ficam dispensados” e não “ficam automaticamente dispensados”? Torna-se, com efeito, difícil acompanhar a linha argumentativa seguida.
Enfim, a verdade é apenas esta: não é, para o estabelecimento de tipologia 3 que fabrica aqueles produtos, necessária qualquer decisão do Município (i. e., da entidade coordenadora) atestando a dispensa da comunicação prévia. Se a entidade exerce aquela atividade, e o estabelecimento é de tipologia 3, então, automaticamente, ope legis, pode exercer a atividade em causa (limitada ao período pandémico). Nem é uma simples questão de necessitar daquela decisão da entidade coordenadora: simplesmente, nem sequer está previsto na lei que tal decisão exista.
Portanto, aquilo que a Requerente foi pedir ao Município não existe sequer; é um nada jurídico, porque aquele nada tem de declarar ou decidir – o efeito decorre ope legis, sem necessidade de ato administrativo constitutivo, declarativo, certificativo, etc... Nem sequer a lei confere ao Município esse poder, i. e., de praticar ato administrativo com esse conteúdo, pelo que nem a tanto fica habilitado, por força do princípio da legalidade.
E dizemo-lo em conjunto com todos, inclusive com a Requerente: “A lei determina a dispensa automática” – cf. o art.º 60.º do RI.
Mas, ainda assim, não esquecemos que o RI, e os factos indiciariamente provados, revelam um litígio (ou potencial litígio) entre a Requerente e o IAPMEI, que terá pedido a “certificação documental” da dispensa. Basicamente, o IAPMEI pediu o que não existe. Se é que pediu o que a Requerente afirma.
Na verdade, estará em causa a mensagem de correio eletrónico que se encontra referida no ponto 15 dos factos indiciariamente provados. O que, desde logo, permite dizer o seguinte: o IAPMEI não tomou qualquer decisão sobre o assunto, tratando-se de uma mera troca de emails. Depois, não vemos onde é que os serviços do IAPMEI pedem a certificação da dispensa, já que na mensagem em causa apenas se lê: A avaliação/enquadramento cabe à entidade coordenadora do Licenciamento. Ou seja, quanto muito, precisaria a Requerente de uma certificação, por parte do Município, no sentido de exercer atividades que se enquadram no art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04.
O que, cumpre dizê-lo, até conseguiu, atendendo ao teor do parecer jurídico em causa, que atesta exatamente que as atividades referidas pela Requerente se enquadram naquele regime legal.
Aliás, não será despiciendo dizer que a Requerente nem sequer alega que tenha remetido ao IAPMEI aquilo que o Município lhe comunicou, dado que, tanto quanto se colhe, o parecer da Divisão Jurídica corresponde ao que o IAPMEI queria, ou seja, a “avaliação/enquadramento” da atividade.
De todo o modo, e ainda a este respeito, também se anota o seguinte.
Mesmo no caso de a necessidade da decisão decorrer de uma exigência do IAPMEI (e os factos indiciariamente provados, como visto, não o permitem concluir, pelo contrário), a ilegalidade, a existir, foi perpetrada por este Instituto, e não pelo Município. E, portanto, era e é contra o IAPMEI que a Requerente se deve insurgir, porque é essa entidade quem, erradamente (tanto quanto se considera, nos termos expostos) está a pedir uma certificação documental que não existe.
E dizemos “a existir”, porque, sublinhamos, lidas as mensagens do IAPMEI também não vemos em que medida esta entidade exigiu à aqui Requerente qualquer decisão da entidade coordenadora quanto à dispensa do procedimento de mera comunicação prévia. Pelo contrário, como afirma o Requerido, das mensagens que o IAPMEI remeteu à aqui Requerente resulta exatamente o oposto, ou seja, que também aquela entidade considerava que não havia lugar a qualquer ato que declarasse ou atestasse a dispensa do procedimento em causa [veja-se o email que consta do facto indiciariamente provado 11]. Disse-o o IAPMEI porque, como visto, é a única solução possível. Qualquer decisão do IAPMEI a este respeito do encerramento do projeto não poderá ficar dependente de uma decisão do Município aqui Requerido que a Lei não prevê (a “dispensa” de comunicação prévia); e se tal for imposto, então o litígio é com aquele Instituto, e não com o Requerido.
Seja como for, veja-se que a segunda providência cautelar solicitada consiste em a Requerente obter da requerida autorização provisória para prosseguir as atividades industriais.
Ora, nos termos expostos, aquilo que é pedido, nestes termos, não existe. Ou seja, o que resulta da legislação é que a Requerente pode exercer a sua atividade sem mais (cumpridos que estejam os requisitos legais), não necessitando de qualquer autorização da parte do Município de ....
A Requerente pode prosseguir a sua atividade.
Apesar de o Município referir que a Requerente não tem autorização de utilização válida para o edifício que utiliza na sua atividade [o que a Requerente admitiu no requerimento de resposta às exceções, adiantando que está em curso o processo de regularização da situação], não há sequer alegação de que o Município tenha tomado qualquer medida no sentido de cessar a atividade da Requerente. Muito pelo contrário, na oposição assume que tal nunca aconteceu e que não acontecerá, conquanto a Requerente se encontre a regularizar a situação.
Portanto, e em suma:
- Decorre da legislação vigente que não é preciso qualquer ato administrativo que autorize a Requerente a prosseguir atividade: pode fazê-lo. Não existe, nesta perspetiva, qualquer periculum in mora para o prosseguimento da atividade;
- Também não existe norma que permita ao Município praticar ato com o conteúdo que é pretendido pela Requerente (“dispensa de mera comunicação prévia”), nem a prática desse ato está prevista na lei, pelo que o pedido de condenação à prática do ato devido parece condenado ao fracasso, por falta de previsão legal, prejudicando, assim, o fumus boni iuris;
- Dos factos indiciariamente provados não resulta que o IAPMEI tenha pedido a prática, pelo Município, de qualquer ato daquela natureza, apenas solicitando o enquadramento/avaliação da atividade da Requerente, i. e., que o fosse aferido se, efetivamente, se enquadra nas previstas no art.º 5.º-A do DL n.º 14¬E/2020, de 13.04, o que prejudica o periculum in mora;
- O próprio IAPMEI comunicou à Requerente que considerava a dispensa automática, o que prejudica o periculum in mora;
- Não está sequer alegado que o IAPMEI, perante o parecer/informação dos serviços do Município, tenha recusado ou indeferido o encerramento dos projetos da Requerente, pelo que não se revela existir qualquer periculum in mora a este respeito do não pagamento das ajudas;
- Mesmo que assim fosse, o litígio seria entre a Requerente e o IAPMEI, porque, nos termos da legislação aplicável, qualquer exigência no sentido de exigir uma decisão administrativa formal de dispensa de mera comunicação prévia seria ilegal, por não prevista.
De tudo se colhendo que não estão preenchidos os pressupostos para decretar a providência em causa – em especial, diga-se, pela falta de qualquer “ato devido” com o conteúdo pretendido (independentemente de ser ou não exigido pelo IAPMEI, que não é), bem como porque nada impede a Requerente de prosseguir a sua atividade.
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Aqui chegados, já forçosamente se concluiria pelo não preenchimento dos pressupostos inerentes ao decretamento das providências cautelares requeridas.
Ainda assim, e tendo como pressuposto a consideração da Requerente de que estamos perante uma decisão administrativa, logo impugnável, sempre se dirá que também parece não ter razão quanto ao fundo da questão.
Aprofundando.
Toda a tese da Requerente está construída no pressuposto de que, à luz daquele art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, aditado pelo DL n.º 36/2020, de 15.07, todos e quaisquer requisitos legais estavam dispensados, incluindo os urbanísticos, pelo que não era possível sujeitar a atividade industrial ao cumprimento do RJUE (no caso porque, segundo a informação do Município, a Requerente, por ter executado obras de ampliação ilegais, não tem autorização de utilização válida, encontrando-se a regularizar a situação).
Mas não parece ser esse o melhor entendimento.
Note-se que o art.º 5.º-A, n.º 1, al. b), do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, somente dispensa os estabelecimentos de tipo 3 (como no caso da Requerente) da mera comunicação prévia a que se refere o n.º 4 do artigo 39.º do SIR, ou seja, quanto à alteração a estabelecimento industrial de tipo 3 que não se encontre abrangida pelo disposto nos n.ºs 1 e 3 do próprio artigo, e que implique a alteração da atividade económica exercida no estabelecimento, de acordo com a classificação CAE.
Basicamente, um estabelecimento que altere a sua atividade económica, de acordo com o CAE. Todavia, de modo algum se retira da leitura deste artigo 39.º do SIR que fica dispensado o cumprimento das disposições do RJUE. Aliás, pelo contrário, tratando-se de uma simples alteração à atividade económica, manifestada pela alteração ao CAE, é de supor que, no procedimento inicial, o estabelecimento reunia todas as condições legais, incluindo as urbanísticas. Porque, como a própria Requerente refere, o cumprimento das obrigações urbanísticas é aferido no licenciamento inicial da atividade.
Ora, aquilo que o art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, dispensa é a mera comunicação prévia para efeitos de licenciamento industrial, mas não suspendeu a aplicação do RJUE. Aliás, que tenhamos conhecimento, a aplicação do RJUE nunca esteve suspensa, nomeadamente no sentido de permitir exercer atividades em edifícios sem a competente autorização de utilização, mesmo que por razões inerentes à pandemia Sars-Cov-2.
Aliás, o DL n.º 14-E/2020, de 13.04, apenas se pronuncia sobre licenciamento industrial, e não sobre matéria urbanística. O que a lei pressupõe é que, tratando-se de uma alteração ao licenciamento industrial, e apenas quanto à atividade económica exercida, não existe qualquer impedimento urbanístico, porque o mesmo já terá ficado resolvido aquando do licenciamento propriamente dito. São realidades que não se confundem.
Também não podemos partilhar de qualquer contradição entre as informações municipais, muito menos caracterizando o despacho que as manda comunicar como “absurdo e anedótico”. Para tanto, basta considerar que no parecer da Divisão Jurídica apenas se cuidou de aferir sobre o enquadramento da atividade no citado artigo 5.º-A; e no parecer da Divisão de Licenciamento trata-se de outra questão, diversa, de cumprimento do RJUE. Não se vê nisto qualquer contradição.
Mas revela uma certa dificuldade de entendimento da Requerente sobre o assunto. Veja-se: se o Município assim o entendesse (de acordo com a Lei, bem entendido), como a Requerente nem tem autorização de utilização válida, poderia determinar a cessação da atividade, nos termos do RJUE; não o fez, e, segundo o que se alega (de ambas as partes), esteve bem, porque a Requerente está a diligenciar por regularizar a situação. E, como o Município não impediu a Requerente de (urbanisticamente) utilizar o seu edifício, pode usá-lo para exercer qualquer atividade industrial licenciada, e ainda aquela cuja mera comunicação prévia foi dispensada. De novo, nisto não se vê qualquer confusão. Nem sequer vemos o que teria o IAPMEI que ver com procedimentos urbanísticos deste tipo.
Por isso mesmo, aquilo que a Divisão de Licenciamentos diz é algo que se nos apresenta como simples: sim, a Requerente poderia exercer a atividade dos CAE em causa (porque tal já estava assumido pela Divisão Jurídica), mas não estava dispensada de cumprir o RJUE [como, ao que parece, está a suceder, dado que ambas as partes referem a pendência de procedimento de legalização].
Finalmente, de referir que o RJUE não tem por base a atividade económica manifestada pelo CAE. Normalmente, os edifícios são classificados pela sua finalidade geral (por exemplo, habitação, comércio, serviços, garagem, indústria, etc..., dependendo dos regulamentos), e urbanisticamente fica autorizada a sua utilização para esse fim. Com o que não se confunde a licença para exercer a atividade concretamente pretendida. E o que o art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, dispensou foi o procedimento para o exercício da atividade, não qualquer norma do RJUE.
Incompreensível a pergunta que consta dos itens 100 e 101 do requerimento inicial: não existe fundamento para negar à Requerente o seu direito a ver aplicado o regime excecional por dois motivos: primeiro, porque como se diz nas informações em causa, o exercício da atividade com dispensa do procedimento de mera comunicação prévia decorre da lei; e, segundo, porque apesar de a Requerente não estar a cumprir o RJUE, nem por isso o Município deixou de lhe reconhecer qualquer direito (aliás, até fez questão de dizer que o requerimento apresentado era inútil, porque aquele direito decorria diretamente da lei).
Diz-se, ainda, que o despacho é nulo, sem sequer se identificar qual a norma expressa que comina com essa modalidade de invalidade a alegada violação daquele art.º 5.º-A, como exige o art.º 161.º, n.º 1, do CPA. Alude-se, genericamente, à violação do boa-fé procedimental, sem se concretizar qual a origem de tal violação. Enfim, também daqui nada de útil se retira.
Destarte, também por aqui não se antevê que a alegação da Requerente tenha sucesso, falecendo o requisito do fumus boni iuris.
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Atendendo a quanto, até ao momento, se expôs, resulta que não se preenchem, in casu, os requisitos para decretar qualquer das providências requeridas – concretamente, quanto ao periculum in mora e ao fumus boni iuris.
Como referido, o preenchimento dos pressupostos legais acima enunciados é cumulativo, pelo que o não preenchimento de um deles implica a improcedência dos pedidos cautelares, o que, in casu, sucede. Nesta medida, o Tribunal considera prejudicado o conhecimento do demais alegado, nomeadamente no que à ponderação de interesses diz respeito.
O que, em conformidade, se decide.
X
Está posta em crise esta decisão que desatendeu a pretensão da Requerente, ora recorrente.
Vejamos,
A sentença, como se vê, julgou totalmente improcedente o processo cautelar instaurado, considerando não verificados os requisitos de atribuição da providência requerida e, em consequência, negou a sua concessão.
O probatório não vem questionado.
Começa a Recorrente por se insurgir contra a classificação efectuada do acto impugnado nos autos, sustentando que o mesmo configuraria um “verdadeiro acto administrativo, que a prejudicou e fez com que o encerramento dos projectos com o IAPMEI ficassem em espera”.
Porém, sem razão, como se explanará.
O acto de 24.02.2022 não configura qualquer acto administrativo impugnável, pela simples razão de que nem sequer deveria haver qualquer procedimento e nada ele decidiu.
Na verdade, como consta do parecer jurídico emitido em 13.01.2022 no procedimento AVL2021/00709 e que faz parte integrante do “acto suspendendo”, a lei dispensou os estabelecimentos industriais de tipo 3 de qualquer procedimento no caso de meras alterações de CAE’s. - cfr. doc. 1 junto com o r.i., o qual consta também do P. AVL2021/00709.
Anteriormente, a citada alteração - alteração a estabelecimento industrial de tipo 3 que não se encontrasse abrangida pelo disposto nos n°s. 1 e 3 e que implicasse a alteração da actividade económica, classificada de acordo com a respectiva CAE exercida no estabelecimento -, estava sujeita a procedimento de mera comunicação prévia, nos termos do artigo 39°/4 do SIR - Sistema da Indústria Responsável, aprovado em Anexo ao DL. 169/2012, de 1 de agosto, na sua redacção anterior.
Ora, o artigo 5°-A/1/b) do DL. 14-E/2020, de 13 de Abril, na redacção dada pelo artº 3.° do DL 36/2020, de 15 de julho, veio estabelecer que “Os estabelecimentos de tipo 3 ficam dispensados da mera comunicação prévia de alteração a que se refere o nº. 4 do artigo 39º do SIR”.
Foi, assim, o legislador que dispensou expressamente o recurso ao procedimento da comunicação prévia que o artigo 39º/4 do SIR exigia.
Não é, pois, o Município, a Câmara Municipal ou o seu Presidente que têm de dispensar qualquer estabelecimento de tipo 3, como é o caso do estabelecimento da Requerente, da apresentação de comunicação prévia.
O Recorrido não tem qualquer competência para o fazer, não tem qualquer poder de exercício discricionário de dispensar ou não a comunicação prévia, como resulta expressamente daquela norma do artigo 5º-A/1/b) do DL. 14-E/2020, de 13 de abril, na redacção do DL 36/2020, de 15 de julho.
A dispensa é automática e resulta da própria lei.
E sendo assim, nenhum pedido tinha a ora Recorrente de apresentar ao aqui Recorrido para “aplicação do regime simplificado”.
Em boa verdade, em relação aos estabelecimentos industriais de tipo 3 no que se refere às alterações de CAE, a lei não consagrou qualquer regime simplificado. O que a lei consagrou foi, ao invés, uma dispensa de qualquer procedimento de controlo prévio.
A lei não simplificou fosse o que fosse, não aligeirou, não aliviou, não facilitou, não suprimiu fases ou passos de qualquer procedimento. Pura e simplesmente suprimiu o procedimento a que anteriormente e para o caso, estava previsto na lei, dispensando aqueles do recurso a qualquer procedimento de controlo prévio a levar a efeito pela Câmara Municipal.
Daí não se entender a que título é que a Recorrente, muito embora sustente que a dispensa de comunicação prévia é automática, pretende, depois, que o Recorrido tenha de decidir favoravelmente um “pedido de aplicação do regime simplificado de licenciamento industrial”, conforme consta do articulado inicial pela mesma apresentado.
A Recorrente navega na confusão que já se encontrava espelhada no r.i., pois indistintamente tanto alega tratar-se de um “pedido de aplicação do regime simplificado de licenciamento industrial”, como de uma “dispensa automática”, como de um “licenciamento industrial”.
O facto incontornável é este: não havendo lugar a procedimento de controlo em face da dispensa legal do mesmo referida supra, é evidente que não tinha de haver, como não houve, qualquer decisão qua tale.
Com efeito, não foi praticado qualquer acto administrativo.
O Presidente da Câmara Municipal/Recorrida limitou-se a levar ao conhecimento da Requerente as informações da DJ e da DLGU emitidas no processo AVL2021/00709 e a informá-la de que não se via inconveniente na actividade das CAE´S 13920 e 13993 cumpridas as disposições do RJUE pendentes (“... cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exª. por meu despacho de 2022/02/24 o teor das informações da DJ - Divisão Jurídica e da DLGU - Divisão de Licenciamento de Gestão Urbanística, adiante transcritas e dadas no âmbito do mesmo. Informa-se ainda que não se vê inconveniente na atividade das CAES (13920 e 13993), cumpridas as disposições do RJUE pendentes”). - cfr. doc. 1 junto com o r.i.
Trata-se de uma mera informação ou recomendação, e não de uma qualquer decisão.
Muito menos, como sustenta a Recorrente, de qualquer imposição de uma condição “ao cumprimento do RJUE”.
Efectivamente, nos termos do artigo 148° do CPA, “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
E nos termos do artigo 51°/1 do CPTA,
“Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos”.
Ora, o “acto” suspendendo, não visou produzir qualquer efeito jurídico externo na situação concreta da aqui Recorrente, nem o poderia fazer, posto que, como se viu, havia, no caso uma completa dispensa de procedimento de controlo prévio, não sendo necessária a prática de qualquer acto por parte do Recorrido para que imediatamente se tornasse lícita a alteração das CAE’S operada.
Não existe qualquer segmento de conteúdo decisório no citado “acto”, nem o mesmo produziu qualquer efeito jurídico externo na esfera da Requerente, nomeadamente, não ordenou o encerramento do estabelecimento, não ordenou a cessação de utilização dos edifícios, não ordenou a interrupção do fabrico de qualquer produto, não ordenou fosse o que fosse. Ou seja: o alegado “acto” não apresenta qualquer definição jurídica unilateral da Administração, no caso do Recorrido, antes apresentando um carácter meramente informativo.
Não passa o mesmo de mera informação ou, quando muito, de mera recomendação que a Recorrente deveria ter em devida conta. Sendo que, por outro lado, não alterou, não modificou, não constituiu nem extinguiu qualquer relação jurídico-administrativa entre o Recorrido e a Recorrente.
A Recorrente continuou a funcionar como vinha funcionando e como se encontra a funcionar, continuou a utilizar os seus edifícios e a fabricar os produtos referidos no r.i. sem qualquer restrição imposta pelo Município, não obstante aquilo que se dirá adiante sobre o cumprimento das disposições do RJUE.
Impõe-se, assim, concluir que o presente processo fica sem objecto, uma vez que se por um lado o “acto” suspendendo é insusceptível de impugnação e não produziu, nem poderia produzir qualquer efeito jurídico externo, atento o seu carácter meramente informativo, por outro lado, nem se compreende aquilo que a Recorrente pretendeu ao pedir a “dispensa de mera comunicação prévia” de algo que ... já estava automaticamente dispensado pela própria lei. Isto é, mesmo que qualquer decisão tivesse sido proferida no procedimento aberto por iniciativa da Recorrente, ela jamais poderia produzir qualquer efeito no que se refere à dispensa da mera comunicação prévia da alteração pretendida, posto que tal dispensa estava já previamente consumada ou consolidada por determinação da própria lei.
Aliás, tanto é assim que, a informação da DJ constante do acto suspendendo conclui referindo que “...as actividades referidas têm enquadramento no disposto na al. b) do n.° 1 do art. 5.°-A do Decreto-Lei n.° 14-E/2020, na redacção dada pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 36/2020, de 15.07, sem prejuízo do disposto no n.° 5 do mesmo artigo”, ou seja, conclui que o estabelecimento da Recorrente se encontra dispensado de comunicação prévia da alteração pretendida. - cfr. doc. 1 junto com o r.i.
E bem assim a informação da DLGU constante do acto suspendendo conclui referindo que “... Não pode deixar de se referir que, tendo por base o entendimento da dispensa de MCP (mera alteração prévia) de alteração ao abrigo do regime legal invocado, não se alcança a razão da formalidade ter sido submetida no portal SIR (NUEI ...58)”, ou seja, conclui não se perceber o porquê da apresentação do pedido pela Requerente nos serviços da CM..., quando a lei o dispensa expressamente. - cfr. doc. 1 junto com o r.i.
Logo é manifestamente inimpugnável o acto sindicado no r.i., atenta a falta de caracter decisório do mesmo.
Como sentenciado: “Antes de mais, e de acordo com o facto indiciariamente provado em 12, temos que a aqui Requerente solicitou ao Município o seguinte: “Pelo exposto, decorre daquela imposição legal a dispensa da mera comunicação prévia de alteração, o que se requer. Mais se requer que a decisão de dispensa de mera comunicação prévia de alteração seja dirigida à aqui requerente por escrito, sendo-lhe comunicado o deferimento das atividades industriais em causa (CAE's 13920 e 13993), a título provisório, ou seja, enquanto vigorar a legislação citada.” Portanto, em primeiro lugar, foi requerida a dispensa da mera comunicação prévia de alteração, apesar de a própria Requerente fazer constar daquele seu requerimento que a mesma era automática, à luz do art.° 5.°-A do DL n.° 14-E/2020, de 13.04. E, de seguida, foi requerido que essa decisão (de dispensa de mera comunicação prévia de alteração) fosse dirigida por escrito, comunicando o deferimento das atividades industriais a que se referem os CAE 13920 e 13993 a título provisório, ou seja, enquanto vigorar a legislação citada.
Ora, o despacho em causa nada decide sobre o assunto. Limita-se a comunicar à Requerente as informações dos serviços municipais (da Divisão Jurídica e da Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística), sem declarar que há, ou não, lugar à dispensa da comunicação prévia. E não o faz porque as próprias informações assim o dizem, i. e., que o Município nada tem de decidir. O parecer da Divisão Jurídica apenas refere que a atividade em causa tem enquadramento na norma citada, mas sem propor qualquer dispensa de comunicação prévia. O mesmo sucede com a informação da Divisão de Licenciamento e Gestão Urbanística, que, nesse caso, até o fez constar do ponto 4 do seu parecer: “assim, para além de se entender que a CM... não tem de comunicar por escrito aquilo que decorre diretamente da lei (sem prejuízo do eventual envio do parecer da DJ), no caso do NUEI identificado foi já tomada posição por esta DLGU, nomeadamente quanto ao RJUE cujo cumprimento é condição prévia ao licenciamento industrial.”
Basicamente, aquilo que o despacho faz é transmitir à Requerente o entendimento dos serviços municipais: que a atividade se enquadra na norma em causa, pelo que pode ser exercida; e que existem violações do RJUE ainda pendentes. Nada mais. Como, de resto, veremos de seguida, o Município nem sequer pode proferir essa decisão, porque a tanto não o autoriza o princípio da legalidade - não existe, na lei, qualquer previsão de “dispensa da mera comunicação prévia”, porque a mesma decorre ex lege. Logo, o despacho nada decide e, por isso, não é impugnável.”.
Por sua vez, a verificação da aludida excepção impede que se dê por verificado o requisito de fumus boni iuris, porquanto da mesma resulta a manifesta falta de possibilidade de êxito da acção principal.
Não merece, pois, qualquer reparo a sentença recorrida, na parte em que assim decidiu, pronunciando-se nos seguintes termos: “Assim sendo, e em suma, pode desde já dizer-se que, quanto à providência requerida sob a alínea a), sendo provavelmente procedente a exceção de inimpugnabilidade do despacho de 24.02.2022, não se verifica o fumus boni iuris. O que é suficiente para determinar a não concessão dessa providência”.
Com efeito, tal circunstância, por si só, sempre condenaria o presente processo ao insucesso, uma vez que os requisitos de atribuição da mesma são cumulativos.
Contudo, continua a Recorrente a insistir na versão já invocada no r.i., fazendo referência a um outro procedimento que de todo não é aplicável ao caso e que nada tem a ver com aquilo que está em causa, alegando que “... à revelia da lei, a requerida condiciona a conformidade das actividades das CAE´s 13920 e 13993 ao cumprimento do RJUE”.
Muito embora, como se disse, não exista o “pedido de aplicação do regime simplificado do licenciamento industrial”, certo é que o Recorrido não condicionou o “licenciamento industrial das duas novas atividades da requerente ao cumprimento do RJUE”.
Em primeiro lugar, porque nem sequer se trata de qualquer licenciamento industrial, nem foi pedido qualquer licenciamento, nem foi dado início pela Recorrente a qualquer procedimento de controlo prévio tipificado na lei, desde logo por ter sido a lei a dispensar ou a consagrar a isenção de qualquer controlo prévio de alterações das CAE’s.
Em segundo lugar, porque não foi estabelecido qualquer condicionamento pelo Recorrido.
Em terceiro lugar, porque, com alterações de CAE’s ou sem elas, com estabelecimento de tipo 3 ou de qualquer outro tipo, com dispensas de controlo prévio quanto a tais alterações específicas, nenhum industrial, nenhuma empresa nem nenhum outro administrado está dispensado do cumprimento das normas do RJUE, que não dizem respeito ao licenciamento industrial, mas ao licenciamento e outros procedimentos de controlo prévio das mais variadas operações urbanísticas.
O Senhor Presidente da Câmara não decidiu fosse o que fosse, muito menos relativamente à “aplicação do regime simplificado do licenciamento industrial”, ao contrário do alegado.
É que, em primeiro lugar, o licenciamento industrial e a legislação a ele referente não revogaram o RJUE. Exatamente ao contrário, só pode haver licenciamento industrial num edifício que disponha de autorização de utilização, nos termos dos artigos 62º a 64º e 74º do RJUE.
Não é por acaso que um dos documentos imprescindíveis para submeter na plataforma SIR um pedido de licenciamento industrial e que tem necessariamente de instruir tal pedido, é a autorização de utilização do respetivo edifício. - cfr. Portaria n.º 279/2015 de 14.09.
Mesmo nos casos em que não existe necessidade de submeter qualquer pedido de alteração, como é o caso dos autos, o industrial ou a empresa não podem deixar de cumprir as regras consagradas no RJUE e de estarem munidos de título de autorização de utilização dos edifícios.
E não há “regime simplificado” nenhum ou qualquer outro que dispense o uso de um edifício, seja para que actividade for, da correspondente autorização de utilização.
Trata-se de vertentes diferentes do mesmo problema e de licenciamentos ou controlo de diferentes aspetos. Ou seja: enquanto um respeita ao funcionamento e exercício de uma atividade industrial, o outro respeita ao uso dos edifícios de acordo com as suas características e condições constantes do licenciamento ou comunicação prévia de obras.
E por isso é que se diz na informação da DLGU constante do “acto” suspendendo que o cumprimento do RJUE é condição prévia ao licenciamento industrial.
Aliás, o próprio IAPMEI, I. no seu site refere também a este propósito que: “
“Para estabelecimentos industriais do Tipo 3:
Se a instalação, ampliação ou alteração deste tipo de estabelecimento envolver a realização de operação urbanística sujeita a controlo prévio, deve ser dado integral cumprimento aos procedimentos aplicáveis nos termos do RJUE previamente ao início do procedimento de licenciamento da atividade industrial”. cfr. https://www.iapmei.pt/PRODUTOS-E-SERVICOS/Industria-e-Sustentabilidade/Licenciamento Industrial/Articulacao-com-o-RJUE.aspx
E, como tal, o cumprimento do RJUE não está dispensado em qualquer caso, designadamente no âmbito da aplicação do regime excepcional previsto no DL 36/2020 de 15.07.
Sendo assim, nenhuma questão se coloca no caso concreto em relação ao licenciamento da actividade industrial da Recorrente, mas antes em relação à utilização dos edifícios nos quais se encontra a exercer tal actividade.
Com efeito, o parecer da DLGU, o qual conclui não se perceber o porquê da apresentação do pedido pela Requerente nos serviços da CM..., quando a lei o dispensa expressamente, referiu-se, ainda assim, a um outro ângulo do problema, qual seja o da execução de obras ilegais a que a Requerente procedeu, ligando sem prévio licenciamento dois edifícios e ampliando-os igualmente sem licenciamento prévio e à consequente falta de autorização de utilização em face dessas obras clandestinas, ou seja, sem licenciamento municipal prévio. - cfr. doc. 1 junto com o r.i.
E isso implica que a Recorrente esteja a utilizar ilegalmente os dois edifícios que ampliou e que ligou.
Tanto assim é que estão pendentes dois processos de legalização das obras levadas a efeito pela Requerente sem licença municipal e que aguardam a apresentação dos respectivos projectos de engenharia das especialidades, a que se seguirá, após aprovação da legalização, a emissão da competente autorização de utilização.
É que a autorização de utilização é necessária em qualquer caso, seja de que estabelecimento for, seja de que tipo for e seja relativo a que actividade industrial for, na medida em que, como é perfeitamente óbvio, o disposto nos artigos 62° a 64° e 74° do RJUE não dispensa ninguém nem nenhum estabelecimento da autorização de utilização, não apenas quando haja alteração do uso, com obras ou sem obras, como quando haja obras sujeitas a procedimento de controlo prévio, como são as obras de ampliação de edifícios existentes e a ligação de dois edifícios anteriormente autónomos a que a Requerente terá procedido ilegalmente.
A este respeito discorreu o Tribunal a quo: “Ora, aquilo que o art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04, dispensa é a mera comunicação prévia para efeitos de licenciamento industrial, mas não suspendeu a aplicação do RJUE. Aliás, que tenhamos conhecimento, a aplicação do RJUE nunca esteve suspensa, nomeadamente no sentido de permitir exercer atividades em edifícios sem a competente autorização de utilização, mesmo que por razões inerentes à pandemia Sars-Cov-2.
(...)
Por isso mesmo, aquilo que a Divisão de Licenciamentos diz é algo que se nos apresenta como simples: sim, a Requerente poderia exercer a atividade dos CAE em causa (porque tal já estava assumido pela Divisão Jurídica), mas não estava dispensada de cumprir o RJUE [como, ao que parece, está a suceder, dado que ambas as partes referem a pendência de procedimento de legalização].
Finalmente, de referir que o RJUE não tem por base a atividade económica manifestada pelo CAE. Normalmente, os edifícios são classificados pela sua finalidade geral (por exemplo, habitação, comércio, serviços, garagem, indústria, etc..., dependendo dos regulamentos), e urbanisticamente fica autorizada a sua utilização para esse fim. Com o que não se confunde a licença para exercer a atividade concretamente pretendida. E o que o art.° 5.°-A do DL n.° 14-E/2020, de 13.04, dispensou foi o procedimento para o exercício da atividade, não qualquer norma do RJUE”.
Acresce que, ao contrário do que invoca a Recorrente, o Recorrido não bloqueia, nem bloqueou, qualquer decisão do IAPMEI, I.P. nem tem nada a ver com os interesses da Recorrente junto do IAPMEI. Muito menos a impediu de “fechar projectos” ou de “avançar com o recebimento de quase um milhão e meio de euros”, como a mesma alega nas respectivas alegações de recurso.
Relativamente à alteração das CAE’S, o Recorrido não tem de emitir qualquer acto de controlo ou qualquer aprovação de qualquer “aplicação do regime simplificado do licenciamento industrial”, pelas razões acima apontadas.
Os projectos que a Requerente tenha ou não tenha com o IAPMEI, I.P, se eles são encerrados, suspensos, anulados, etc., são inteiramente alheios ao Requerido.
É a lei que a dispensa do cumprimento de qualquer formalidade, nomeadamente do recurso ao procedimento de mera comunicação prévia, no caso concreto, pelo que o Recorrido se limitou a cumprir a lei.
Se a lei dispensou os estabelecimentos industriais de tipo 3 de qualquer procedimento no caso de meras alterações de CAE’s e não tinha o Município de emitir qualquer espécie de autorização, conforme já se disse, obviamente que não havia qualquer obrigação de publicitar um acto que não praticou, nem tinha de praticar.
Cai, pois, por terra, a argumentação invocada pela Recorrente a este respeito.
E quanto à alegada “justificação documental” solicitada pelo IAPMEI, naturalmente que para o Recorrido aquilo que a referida entidade tenha eventualmente pedido à Recorrente ou não é perfeitamente indiferente.
Como é evidente, o Recorrido Município tem de observar a lei em toda a sua actuação, não estando condicionado nem obrigado a praticar qualquer acto apenas porque qualquer entidade externa peça qualquer documento, no caso à Recorrente (se é que o pediu, desconhecendo-se se o pediu e o que terá pedido) - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Como referido na sentença: “Enfim, a verdade é apenas esta: não é, para o estabelecimento de tipologia 3 que fabrica aqueles produtos, necessária qualquer decisão do Município (i. e., da entidade coordenadora) atestando a dispensa da comunicação prévia. Se a entidade exerce aquela atividade, e o estabelecimento é de tipologia 3, então, automaticamente, ope legis, pode exercer a atividade em causa (limitada ao período pandémico). Nem é uma simples questão de necessitar daquela decisão da entidade coordenadora: simplesmente, nem sequer está previsto na lei que tal decisão exista. Portanto, aquilo que a Requerente foi pedir ao Município não existe sequer; é um nada jurídico, porque aquele nada tem de declarar ou decidir - o efeito decorre ope legis, sem necessidade de ato administrativo constitutivo, declarativo, certificativo, etc... Nem sequer a lei confere ao Município esse poder, i. e., de praticar ato administrativo com esse conteúdo, pelo que nem a tanto fica habilitado, por força do princípio da legalidade. E dizemo-lo em conjunto com todos, inclusive com a Requerente: “A lei determina a dispensa automática” - cf. o art.º 60.º do RI. Mas, ainda assim, não esquecemos que o RI, e os factos indiciariamente provados, revelam um litígio (ou potencial litígio) entre a Requerente e o IAPMEI, que terá pedido a “certificação documental” da dispensa. Basicamente, o IAPMEI pediu o que não existe. Se é que pediu o que a Requerente afirma. Na verdade, estará em causa a mensagem de correio eletrónico que se encontra referida no ponto 15 dos factos indiciariamente provados. O que, desde logo, permite dizer o seguinte: o IAPMEI não tomou qualquer decisão sobre o assunto, tratando-se de uma mera troca de emails. Depois, não vemos onde é que os serviços do IAPMEI pedem a certificação da dispensa, já que na mensagem em causa apenas se lê: A avaliação/enquadramento cabe à entidade coordenadora do Licenciamento. Ou seja, quanto muito, precisaria a Requerente de uma certificação, por parte do Município, no sentido de exercer atividades que se enquadram no art.º 5.º-A do DL n.º 14-E/2020, de 13.04. O que, cumpre dizê-lo, até conseguiu, atendendo ao teor do parecer jurídico em causa, que atesta exatamente que as atividades referidas pela Requerente se enquadram naquele regime legal. Aliás, não será despiciendo dizer que a Requerente nem sequer alega que tenha remetido ao IAPMEI aquilo que o Município lhe comunicou, dado que, tanto quanto se colhe, o parecer da Divisão Jurídica corresponde ao que o IAPMEI queria, ou seja, a “avaliação/enquadramento” da atividade. De todo o modo, e ainda a este respeito, também se anota o seguinte. Mesmo no caso de a necessidade da decisão decorrer de uma exigência do IAPMEI (e os factos indiciariamente provados, como visto, não o permitem concluir, pelo contrário), a ilegalidade, a existir, foi perpetrada por este Instituto, e não pelo Município. E, portanto, era e é contra o IAPMEI que a Requerente se deve insurgir, porque é essa entidade quem, erradamente (tanto quanto se considera, nos termos expostos) está a pedir uma certificação documental que não existe. E dizemos “a existir”, porque, sublinhamos, lidas as mensagens do IAPMEI também não vemos em que medida esta entidade exigiu à aqui Requerente qualquer decisão da entidade coordenadora quanto à dispensa do procedimento de mera comunicação prévia. Pelo contrário, como afirma o Requerido, das mensagens que o IAPMEI remeteu à aqui Requerente resulta exatamente o oposto, ou seja, que também aquela entidade considerava que não havia lugar a qualquer ato que declarasse ou atestasse a dispensa do procedimento em causa [veja-se o email que consta do facto indiciariamente provado 11]. Disse-o o IAPMEI porque, como visto, é a única solução possível. Qualquer decisão do IAPMEI a este respeito do encerramento do projeto não poderá ficar dependente de uma decisão do Município aqui Requerido que a Lei não prevê (a “dispensa” de comunicação prévia); e se tal for imposto, então o litígio é com aquele Instituto, e não com o Requerido”.
Assim sendo, é manifesto que não se verificam quaisquer pressupostos do decretamento das providências requeridas, como bem decidiu o Tribunal recorrido.
Ao contrário do alegado pela Recorrente, é manifesto que não se verifica o requisito do fumus boni iuris.
Em primeiro lugar, bastaria a existência da inimpugnabilidade do acto objecto da acção, enquanto circunstância que efectivamente obsta ao conhecimento do mérito, para, só por si, determinar a não verificação do requisito em apreço.
Por outro lado, afigura-se manifesta a improcedência da pretensão formulada no processo principal, uma vez que todo o procedimento e os actos que o integram foram desenvolvidos em plena conformidade com o quadro legal, regulamentar e constitucional aplicável, como resulta, desde logo, de toda a documentação junta aos autos e que integra o p.a. e não se verificam quaisquer um dos vícios suscitados pela Recorrente no r.i., o que a mesma, de resto, não logrou demonstrar ainda que de acordo com um mero juízo de verosimilhança.
Insiste-se, sendo a lei que lhe confere a dispensa do recurso à mera comunicação prévia e não prevendo a obrigatoriedade de qualquer outro procedimento, é óbvio que o direito da Recorrente resulta da própria lei, não tendo o Recorrido que autorizar, reconhecer, admitir ou praticar seja o que for relativamente à alteração de CAE’s a que a Recorrente procedeu e como ela própria invoca em vários itens do seu articulado.
Assim, a falta de fundamento da pretensão subjacente às providências requeridas é óbvia, ostensiva, palmar, como bem dá conta o Recorrido.
Em conclusão:
-Sob a epígrafe “critérios de decisão”, estabelece-se atualmente no art.º 120.º, n.º 1, do CPTA:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
-Retiram-se deste preceito dois pressupostos cumulativos, de cujo preenchimento depende o decretamento da providência requerida: (i) em primeiro lugar, o periculum in mora, consubstanciado no risco de a demora na resolução definitiva do litígio conduzir a uma situação de facto consumado ou de causar ao requerente prejuízos de difícil reparação; (ii) depois, o fumus boni iuris, aqui consubstanciado pela probabilidade de o requerente vir a obter a procedência da pretensão por si formulada no processo principal.
-A estes dois requisitos soma-se o previsto no n.º 2 do mesmo artigo 120.º, e que diz respeito à necessidade de ponderar os interesses públicos e privados em presença. Assim se lê na norma referida: “Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”.
-Sublinhe-se que tais requisitos têm natureza cumulativa.
-Aqui chegados, e uma vez que atualmente a pedra de toque do contencioso cautelar reside na aferição do requisito do fumus boni iuris, o Tribunal a quo começou por conhecê-lo e enfrentá-lo de forma correcta.
-Não existe, pois, a aparência de qualquer direito da Recorrente que dependa do Município Recorrido, de qualquer actividade administrativa deste ou da prática de qualquer acto por este.
-Com efeito, foi a Recorrente que deu início a um procedimento que pura e simplesmente não existe e que não necessita de qualquer pronúncia administrativa por parte do ora Recorrido para que se verifique a já citada dispensa da mera comunicação prévia.
-O que a Recorrente pretende pedir ao Recorrido é algo que já entrou na sua esfera jurídica e constitui um direito subjectivo seu;
-Afastado que está o requisito do fumus boni iuris, torna-se despicienda a análise do demais.
-A doutrina e a jurisprudência são uniformes no sentido de que basta a não verificação de apenas um dos pressupostos para a mesma estar necessariamente condenada ao insucesso e ao Tribunal vedada a respectiva concessão - v. os Acs. do STA de 17/2/2013, P. 0661/13, de 11/12/2013, P. 0964/13 e de 30/1/2013, P. 01081/12, entre tantos outros: “I - Para que um pedido de suspensão de eficácia possa ser deferido é fundamental que se verifiquem todos os requisitos previstos no art. 120° do CPTA ” ; “ I - Muito sumariamente, podemos afirmar que os requisitos para a procedência do pedido de suspensão de eficácia são três: 1° - existência de periculum in mora; 2° - que haja um fumus boni juris; 3° - que haja proporcionalidade e adequação da providência. II - Para que esta providência possa ser deferida a verificação destes requisitos tem que ser cumulativa.”.
-Não obstante não podemos deixar de corroborar o entendimento do Tribunal a quo: “Sem prescindir do referido, e ainda no que respeita à providência requerida sob a alínea a), importa também considerar outra circunstância - esta já relativa ao periculum in mora. Com efeito, o despacho em causa - se considerada a configuração proposta pela Requerente, embora esse não seja o nosso entendimento - não deixa de configurar um ato de conteúdo negativo, v.g., um ato que recusou a produção do efeito jurídico que era pretendido. Concretamente, a Requerente pretendia, com o requerimento que apresentou - facto indiciariamente provado em 12 - que o Município declarasse que estava dispensada do procedimento de mera comunicação prévia, ao abrigo do disposto no art.° 5.°-A do DL n.° 14-A/2020, de 13.04. Esse efeito jurídico não foi produzido (desde logo porque, como consideramos, nenhuma decisão foi proferida) dado que não foi emitida a decisão com aquele conteúdo, isto é, com o reconhecimento de que a Requerente estava dispensada da referida comunicação prévia. Ora, se o Tribunal declarasse suspenso este despacho, a Requerente ficaria exatamente na mesma, i. e., o efeito que visava produzir continuaria a não existir. O status quo não se alteraria: continuaria a não haver decisão de deferimento do pretendido. Perante isto, tem considerado a jurisprudência que, nestes casos, a providência de suspensão dos efeitos do ato administrativo deve ser rejeitada, precisamente porque o Requerente ficaria no mesmo estado em que se encontrava. Neste sentido, cf. o acórdão do TCA Sul de 09.11.2017, proferido no processo n.° 778/17.2BELRA. Significa, isto, que no caso concreto desta providência nunca existiria periculum in mora, dado que, como observado, com ou sem o decretamento da providência em causa, a Requerente ficaria na mesma, i. e., sem a pretendida decisão por parte do Município. E daí que, também por este motivo, a providência requerida sob a alínea a) deva ser rejeitada”.
-A improcedência do presente processo cautelar, ao contrário daquilo que a Recorrente alega, não lhe causará o mais leve prejuízo, na medida em que, através dele ela pretende obter algo que já entrou na sua esfera jurídica, e que é a dispensa para os estabelecimentos de tipo 3 da mera comunicação prévia de alteração a que se refere o n°. 4 do artigo 39° do SIR, o que implica que as citadas alterações já se tenham consumado de forma completa, que a mesma possa livremente fabricar os produtos referidos no r.i. e que não tenha qualquer necessidade de intervenção do Município recorrido com qualquer acto, seja em que sentido for, para obter semelhante dispensa ou para exercer a actividade dos referidos CAE’S.
-“Portanto, e em suma: Decorre da legislação vigente que não é preciso qualquer ato administrativo que autorize a Requerente a prosseguir atividade: pode fazê-lo. Não existe, nesta perspetiva, qualquer periculum in mora para o prosseguimento da atividade; - Também não existe norma que permita ao Município praticar ato com o conteúdo que é pretendido pela Requerente (“dispensa de mera comunicação prévia”), nem a prática desse ato está prevista na lei, pelo que o pedido de condenação à prática do ato devido parece condenado ao fracasso, por falta de previsão legal, prejudicando, assim, o fumus boni iuris; - Dos factos indiciariamente provados não resulta que o IAPMEI tenha pedido a prática, pelo Município, de qualquer ato daquela natureza, apenas solicitando o enquadramento/avaliação da atividade da Requerente, i. e., que fosse aferido se, efetivamente, se enquadra nas previstas no art.° 5.°-A do DL n.° 14- E/2020, de 13.04, o que prejudica o periculum in mora; - O próprio IAPMEI comunicou à Requerente que considerava a dispensa automática, o que prejudica o periculum in mora; - Não está sequer alegado que o IAPMEI, perante o parecer/informação dos serviços do Município, tenha recusado ou indeferido o encerramento dos projetos da Requerente, pelo que não se revela existir qualquer periculum in mora a este respeito do não pagamento das ajudas; - Mesmo que assim fosse, o litígio seria entre a Requerente e o IAPMEI, porque, nos termos da legislação aplicável, qualquer exigência no sentido de exigir uma decisão administrativa formal de dispensa de mera comunicação prévia seria ilegal, por não prevista. De tudo se colhendo que não estão preenchidos os pressupostos para decretar a providência em causa - em especial, diga-se, pela falta de qualquer “ato devido” com o conteúdo pretendido (independentemente de ser ou não exigido pelo IAPMEI, que não é), bem como porque nada impede a Requerente de prosseguir a sua atividade.”
-Atento o exposto, e não se verificando quaisquer dos requisitos expressamente consagrados no artº 120° do CPTA, o presente processo cautelar não pode senão deixar de improceder.
Falecem, pois, as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 01/7/2022


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Alexandra Alendouro