Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00933/11.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/25/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PENA DISCIPLINAR, NULIDADE NO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Sumário:Suscitada em juízo a violação do direito a contraditório sobre documentos que o instrutor do processo disciplinar ali juntou, mas sem que tal violação tivesse sido suscitada no procedimento disciplinar, considera-se suprida a eventual nulidade, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 37º do ED/2008, por não ter sido reclamada pelo arguido até à decisão final.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recorrente: J. e outros
Recorrido: Ministério da Cultura (Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas)
Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a acção administrativa que visava, designadamente, impugnar acto punitivo que aplicou à originária Autora a pena disciplinar de "despedimento por facto imputável ao trabalhador" e ordenou a restituição nos Cofres do Estado de quantia de € 35.012,38, acrescida de juros.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
“1. O art. 9.º, al. d) e os n.º 5 e 6 do art. 10.º do Estatuto Disciplinar fazem a destrinça entre a pena de demissão e a pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador, sendo que a pena de demissão aplica-se aos trabalhadores nomeados definitivamente, ao passo que a de despedimento se aplica aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.
2. Com a alteração do quadro legal, a relação de emprego público da primitiva Autora transitou da modalidade de nomeação definitiva para a de contrato de trabalho por tempo indeterminado; essa transição não se operou no que diz respeito aos modos de cessação do vínculo funcional, por força da exclusão prevista no art. 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
3. O vínculo funcional da primitiva Autora só poderia cessar por qualquer dos modos de cessação previstos para o vínculo de nomeação definitiva, por força do disposto na norma acima referida.
4. Não está em causa a questão de saber se o modo de cessação da relação de emprego público teria, ou não, de procurar-se no Estatuto Disciplinar, mas antes a de saber se, dentre as penas previstas nesse Estatuto, deveria ter-lhe sido aplicada a sanção de despedimento (prevista nos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar) ou de demissão (prevista nos art. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 do mesmo diploma).
5. E a resposta a tal questão só poderia ser uma: se o art. 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, impunha a manutenção do regime de cessação do vínculo funcional previsto para o vínculo de nomeação definitiva, a sanção disciplinar a aplicar à primitiva Autora nunca poderia ser a de despedimento, já que esta não era aplicável àquela modalidade de emprego público.
6. Ao julgar improcedente o vício acima referido, concluindo pela improcedência da acção, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e dos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 e 6 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, bem como a norma do art. 163.º, n.º 1 do Cód. Proced. Administrativo.
7. Daí que se imponha julgar procedente a presente apelação, com a consequente revogação da douta sentença recorrida, na parte em que absolveu o Réu dos pedidos, a qual deverá ser substituída por Douto Acórdão que julgue integralmente procedentes os pedidos formulados na p.i.
8. O recurso hierárquico previsto no n.º 3 do art. 37.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, é facultativo, e não necessário.
9. Estando em causa um recurso hierárquico facultativo, não releva o facto de a primitiva Autora não ter lançado mão desse meio de impugnação administrativa, afigurando-se que tal questão é totalmente irrelevante para a tomada de posição quanto à verificação, ou não, da nulidade prevista no art. 37.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar.
10. A falta de inquirição da primitiva Autora, bem como da quase totalidade do rol de testemunhas por ela indicado é, por si só, susceptível de configurar um grave atentado ao direito de defesa em processo disciplinar.
11. Basta dizer que algumas das testemunhas eram colegas de serviço da Autora (incluindo-se nesse rol quatro colegas de serviço (M., M.., M... e I., como se pode constatar pelo domicílio profissional das testemunhas, indicado na parte final da defesa apresentada no p.d.) para se constatar que a sua inquirição na presença do mandatário da Arguida, a fim de serem questionadas sobre factualidade exclusivamente invocada em sede de defesa, era um formalismo essencial para assegurar o necessário contraditório e, por inerência, a descoberta da verdade.
12. As últimas duas testemunhas, por sua vez, eram prestadores de serviços que fizeram trabalhos para o Arquivo e que foram pagos sem emissão de recibo, o que permitiria justificar o paradeiro de parte dos valores cuja apropriação era imputada à primitiva Autora.
13. Isso mesmo foi alegado, de forma expressa e inequívoca, nos arts. 105.º a 122.º da p.i., onde foram indicadas as razões de facto que levaram ao pedido de inquirição dessas testemunhas.
14. Ao indeferir as diligências probatórias acima referidas, o Senhor Instrutor omitiu diligências necessárias para a descoberta da verdade e para o regular exercício do direito de defesa, o que inquina o acto final do processo disciplinar com vício de anulabilidade.
15. Nessa medida, ao julgar improcedente a acção, a douta sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 37.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, e do art. 163.º, n.º 1 do Cód. Proced. Administrativo, pelo que deve ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue integralmente procedentes os pedidos formulados na p.i.
16. Na parte final da sua defesa apresentada no processo disciplinar, a primitiva Autora requereu a junção aos autos de prova documental.
17. Essa prova foi deferida pelo Senhor Instrutor, o qual, contudo, não determinou a notificação à primitiva Autora da sua junção nem do teor dos documentos juntos.
18. A agravar, a documentação junta serviu de base à prolação de decisão de despedimento, sem que a primitiva Autora tenha tido possibilidade de se pronunciar sobre a mesma e de exercer o contraditório – remete-se para fls. 7 e do relatório final.
19. Uma tal omissão inquina o processo disciplinar com vício de nulidade, por força do disposto no art. 37.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar.
20. Só com o relatório final é que a Recorrente tomou conhecimento da junção aos autos de tais documentos, o que significa que não lhe foi possível invocar a nulidade decorrente de tal omissão de notificação antes da prolação da decisão final, precisamente por só ter tomado conhecimento da mesma com a notificação desta decisão.
21. Apesar do que se vem de expor, o Tribunal recorrido julgou que o acto impugnado não estava inquinado com vício de anulabilidade, decorrente da nulidade do processo disciplinar.
22. Ao fazê-lo, julgando improcedente a acção, a douta sentença recorrida violou, entre outras, as disposições dos arts. 37.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, e do art. 163.º, n.º 1 do Cód. Proced. Administrativo, pelo que deve ser revogada e substituída por Douto Acórdão que julgue integralmente procedentes os pedidos formulados na p.i.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, com a consequente revogação da douta sentença recorrida e prolação, em sua substituição, de Douto Acórdão que esteja em conformidade com as conclusões acima formuladas, com o que se fará Justiça!”.
O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:
“a) A presente acção foi Intentada pela Autora com o propósito de impugnar o Despacho de 16 de Fevereiro de 2011, proferido pelo Senhor Director Geral dos Arquivos no âmbito de processo disciplinar que cessou a relação funcional de emprego público da Autora com a Ré
b) Entre os anos de 2005 a 2009, Inclusive, foram entregues à Autora para efeitos de registo, guarda em cofre e depósito na conta de receitas próprias da Ré, activos financeiros no valor de 132A90,45 € (cento e trinta e dois mil quatrocentos e noventa euros e quarenta e cinco cêntimos), dos quais 35.012,38 € (trinta e cinco mil e doze euros e trinta e oito cên­timos) Em sede de procedimento criminal, como se viu, foi apurado que a Autora deveria ter depositado o valor de 121.065,45€ (cento e vinte e um mil e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) sendo que depositou 85.064,41€ (oitenta e cinco mil e sessenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), tendo-se, ilegitimamente, apropriado de 36.001,04€ (trinta e seis mil e um euros e quatro cêntimos).
não deram entrada nos cofres da Ré.
c) Razão pela qual, e tal como proposto no relatório final do processo disciplinar, para efei­tos de cumprimento do disposto no artigo 8º do ED, foi dado conhecimento ao Ministério Público para promover o competente procedimento criminal,
d) No âmbito do qual foi proferida sentença em 27 de Janeiro de 2014, transitada em julga­do, pela qual a Autora foi condenada pela prática de crime de peculato, conforme resulta do ponto 27 da matéria de facto provada fixada na sentença ora recorrida.
e) Resultando claro que a, legal e justa, pena expulsiva aplicada no seguimento do procedi­mento disciplinar posto em causa na presente acção e que fez cessar o vínculo de emprego público que ligava a Autora à Ré, ocorreu com base na ilícita apropriação por parte desta de dinheiros públicos, em valor considerável,
f) Conduta que não poderia ter sido punida de qualquer outra forma (na inexistência como se comprovou de quaisquer circunstâncias atenuantes).
g) Pelo que. a outra conclusão não se poderia ter chegado que não a encontrada pelo Tribu­nal a quo de improcedência da acção apresentada pela Autora, pois caso contrário entre outras situações absurdas. seria sob pretensão da Autora a Ré condenada a entregar o que lhe foi inicialmente e ilegitimamente subtraído.
h) Em sede de recurso defendem os Autores em virtude da Autora ter inicialmente constituí­do o seu vínculo de emprego público em função de nomeação, ao invés de contrato por tempo indeterminado, a pena expulsiva que lhe poderia ser aplicada por aplicação do artigo 10º do ED poderia ter sido apenas a de demissão e não a de despedimento por facto imputável ao trabalhador.
i) Ora, o n.º 5 do artigo 10.º do ED dispõe que "A pena de demissão consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador nomeado. cessando a relação jurídica de emprego público."(sublinhado nosso), enquanto que,
j) O n.º 6 do artigo 10.º do ED dispõe que "A pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador contratado. cessando a relação Jurídica de emprego público."(sublinhado nosso).
k) Assim, temos que a cominação independentemente de estar em causa a demissão de um trabalhador nomeado, ou de um despedimento por facto imputável ao trabalhador, consiste, igualmente, no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador, cessando a relação jurídica de emprego público, independentemente do modo de formulação do respectivo vínculo.
I) Mais acresce, que ainda que existisse um vício que implicasse a anulabilidade do ato impugnado na presente acção, o que não se concede, seria sempre de ter em atenção o disposto no n.º 5 do artigo 163.º do CPA,
m) Isto é, tendo em conta que a "apreciação do caso concreto permite identificar apenas uma solução como legalmente possível" - o afastamento definitivo do órgão ou serviço da trabalhadora, cessando a relação jurídica de emprego público, em função da grave e altamente censurável conduta desta, conforme provada nos autos e supra relatada,
n) O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via" - novamente o afastamento definitivo do órgão ou serviço da trabalhadora, cessando a relação jurídica de emprego público, e
o) "se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.” - na medida em que, em função da grave e altamente censurável conduta da trabalhadora. o fim teria. necessariamente de ser sempre o afastamento definitivo do órgão ou serviço desta, cessando a relação jurídica de emprego público.
p) Há que concluir que, ainda que existisse um vício anulável o mesmo não produziria efeito por força do disposto no n.º 3 do artigo 165.º.
q) No que toca ao alegadamente ilícito indeferimento de diligências probatórias requeridas pela então arguida em sede de resposta à acusação proferida no processo disciplinar,
r) Há que reconhecer que as mesmas não foram deferidas, legal e justificada mente, na medida em que se demonstravam manifestamente desnecessárias e dilatórias, Já que já se demonstravam provados à saciedade os factos necessários à descoberta da verdade material, aliás como veio a ficar provado não só nos presentes autos, mas igualmente no procedimento criminal baseado na mesma factualidade, e que resultariam necessariamente na aplicação de uma pena de expulsão.
s) Repetidamente, ainda que existisse um vício que implicasse a anulabilidade do ato impugnado na presente acção, o que novamente não se concede, seria, à semelhança do que aconteceu com o argumento anterior, sempre de ter em atenção o disposto no n.º 5 do artigo 163.º do CPA, na medida em que,
t) Tendo em conta que a "apreciação do caso concreto permite identificar apenas uma solução como legalmente possível” - o afastamento definitivo do órgão ou serviço da trabalhadora, cessando a relação jurídica de emprego público, em função da grave e altamente censurável conduta desta. conforme provada nos autos e supra relatada.
u) "O fim visado pela exigência procedimental ou formal preterida tenha sido alcançado por outra via” - novamente o afastamento definitivo do órgão ou serviço da trabalhadora, cessando a relação jurídica de emprego público, e
v) Que "Se comprovou sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.” - na medida em que, em função da grave e altamente censurável conduta da trabalhadora, o fim teria, necessariamente de ser sempre o afastamento definitivo do órgão ou serviço desta, cessando a relação jurídica de emprego público.
w) Há que concluir que, ainda que existisse um vício anulável referente ao indeferimento de diligências probatórias, que se consideraram correctamente desnecessárias e meramente dilatórias e que não contribuiriam para melhor conhecer a verdade material dos factos, o mesmo não produziria efeito por força do disposto no n.º 3 do artigo 165.º.
x) Pelo que, não poderão relevar os argumentos ora aduzido pelos Autores, mantendo-se como tal a sentença recorrida nos seus exactos termos, Indeferindo a pretensão dos Autores, e
y) Evitando o absurdo que seria in extremis ressarcir os Autores dos "prejuízos" havidos com a reposição da justiça, isto é, com a devolução dos montantes de que a primitiva Autora se apropriou ilegitimamente, no exercício das suas funções e sob a confiança do seu empregador.
Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deve ser negado provimento ao recurso de apelação apresentado pelos autores e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida.
Só assim se fará a devida, e necessária, JUSTIÇA.”.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso [(artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, nos aspectos adiante pontualmente indicados.
Sublinha-se que os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm, como vimos, o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso, a qual apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal «a quo» ou, no adequado contexto impugnatório, que aí devessem ser oficiosamente conhecidas.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão do TAF a quo sobre aquela matéria (artigo 663º, nº 6, do CPC).
II.2 – O DIREITO
Tendo presente os termos da causa e os argumentos das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir no plano da impugnação da decisão sob recurso, tendo presente que «jura novit curia», o mesmo é dizer, de harmonia com o princípio do conhecimento oficioso do direito, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe o nº 3 do artigo 5º do CPC.
Alegam os Recorrentes que “São duas as razões da discordância dos Recorrentes:
a) violação do disposto no art. 10.º, n.º 6 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, na parte que se se considerou válida a aplicação à primitiva Autora de sanção disciplinar de despedimento;
b) violação do disposto no art. 37.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, ao concluir que o p.d. não padece de vício de nulidade.”.
Vejamos, à luz das conclusões da alegação de recurso.
Conclusões 1ª a 7ª versam sobre a 1ª questão que os Recorrentes elencam, no entendimento de que “concluindo pela improcedência da acção, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e dos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 e 6 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, bem como a norma do art. 163.º, n.º 1 do Cód. Proced. Administrativo”.
Isto porque, estava em causa“…saber se, dentre as penas previstas nesse Estatuto, deveria ter-lhe sido aplicada a sanção de despedimento (prevista nos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar) ou de demissão (prevista nos art. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 do mesmo diploma)”.
No entendimento dos Recorrentes, a relação de emprego público da primitiva Autora transitou da modalidade de nomeação definitiva para a de contrato de trabalho por tempo indeterminado, donde “se o art. 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, impunha a manutenção do regime de cessação do vínculo funcional previsto para o vínculo de nomeação definitiva, a sanção disciplinar a aplicar à primitiva Autora nunca poderia ser a de despedimento, já que esta não era aplicável àquela modalidade de emprego público”.
Com tal fundamento, alegam que “Ao julgar improcedente o vício acima referido, concluindo pela improcedência da acção, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, e dos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 e 6 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, bem como a norma do art. 163.º, n.º 1 do Cód. Proced. Administrativo”.
Apreciando.
Note-se, em primeiro lugar, que nesta questão a pena disciplinar aplicada à primitiva Autora, enquanto cessação da relação jurídica de emprego público, não vem posta em crise impugnatória.
A questão em crise é esta: “Não está em causa a questão de saber se o modo de cessação da relação de emprego público teria, ou não, de procurar-se no Estatuto Disciplinar, mas antes a de saber se, dentre as penas previstas nesse Estatuto, deveria ter-lhe sido aplicada a sanção de despedimento (prevista nos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar) ou de demissão (prevista nos art. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 do mesmo diploma)”(nosso sublinhado).
Ora,
— Considerando que a alínea d) do nº 1 do artigo 9º do Estatuto Disciplinar (ED/2008) aprovado pela Lei nº 58/2008, à data aplicável, prevê como pena aplicável aos trabalhadores pelas infracções que cometam, entre as demais, a de «demissão ou despedimento por facto imputável ao trabalhador»;
— Considerando que o artigo 10º do ED/2008 caracteriza, pelo seu nº 5: «A pena de demissão consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador nomeado, cessando a relação jurídica de emprego público» (nosso sublinhado e ênfase gráfica);
— Considerando que o artigo 10º do ED/2008 caracteriza, pelo seu nº 6: «A pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador contratado, cessando a relação jurídica de emprego público» (nosso sublinhado e ênfase gráfica);
Conclui-se que esta nomenclatura apenas diverge formalmente quanto à designação técnica — «demissão», num caso, «despedimento», no outro —, sendo que a lei caracteriza jus-substantivamente ambas as penas como consistindo no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador (qual seja, o nomeado ou o contratado), cessando a relação jurídica de emprego público;
Isto significa que, houvesse no caso — e não há — lugar a uma irregularidade na convocação da norma legal aplicável, na certeza de que, quer se considere a pena de despedimento do contratado, quer a de demissão do nomeado, o regime substantivo é, em ambas as situações, o de afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador e a cessação da relação jurídica de emprego público, então, seria imperativo concluir que, não sendo qualquer outra a pena a aplicar — o que não vem posto em crise, pois os próprios Recorrentes defendem que em causa está a questão de“…saber se, dentre as penas previstas nesse Estatuto, deveria ter-lhe sido aplicada a sanção de despedimento (prevista nos arts. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 6 do Estatuto Disciplinar) ou de demissão (prevista nos art. 9.º, al. d) e 10.º, n.º 5 do mesmo diploma)” —, sempre deveria uma tal hipotética irregularidade ser considerada irrelevante, por efeito do princípio «utile per inutile non vitiatur», não produzindo o eventual efeito anulatório, pois, em face do teor do acto disciplinarmente punitivo, do teor da decisão sob recurso e dos fundamentos do recurso nesta matéria, sempre seria de concluir, sem margem para qualquer dúvida, que, despida da hipotética irregularidade, o acto impugnado sempre seria praticado com o mesmo conteúdo, o qual, aliás, já o é actualmente, em face da identidade substantiva de ambas as penas consideradas pelos próprios Recorrentes.
No mais, a questão mostra-se cabalmente respondida na sentença sob recurso, sem vislumbre de alegadas razões, pelos Recorrentes, que ponham em causa os concretos fundamentos que a sentença recorrida arregimentou no seu conhecimento.
Lê-se na sentença recorrida, quanto a esta questão:
«Da violação do artigo 10.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar:
Alega a Autora que até à entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a Autora encontrava-se em situação de nomeação definitiva e com a entrada em vigor deste diploma legal, terá transitado para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, exceto no que respeita, entre outros, ao regime da cessação da relação jurídica de emprego público, cfr. art. 88.º, n.º 4 da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro; E os n.ºs 5 e 6 do art.º 10.º do Estatuto Disciplinar faziam a destrinça entre a pena de demissão e a pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador (aplicada in casu):
- a primeira aplica-se aos trabalhadores nomeados definitivamente;
- a segunda aplica-se aos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho.
E, assim, a aplicação da pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador carece de fundamento legal e deve ser rejeitada, já que, quando muito, poder-lhe-ia ter sido aplicada pena de demissão: art. 10.º, n.º 5 do Estatuto Disciplinar e art.º 88.º, n.º 4 da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, mostrando-se, assim, violada a disposição do artigo 10.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar.
Por sua vez, a Entidade demandada alega o seguinte:
Que a norma contida no n.º 4, do artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, visa exclusivamente à proteção na eventualidade de desemprego (regulado pela Lei n° 4/2009, de 29 de janeiro, e legislação suplementar) e não à natureza da pena disciplinar a aplicar ao arguido.
E que a aplicação da pena de demissão ou da pena de despedimento são ambas penas expulsivas que visam a cessação da relação jurídica do emprego público por se entender inviabilizada a manutenção da relação de trabalho, designadamente, no caso das condutas previstas para ambas as penas no artigo 18.° do ED e a pena de demissão ou a pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador, apenas diferem quanto à designação dos seus destinatários - trabalhador nomeado ou trabalhador contratado, respetivamente, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.° do ED - em nada se diferenciando quanto aos efeitos jurídicos, concluindo pela improcedência da arguida nulidade.
O artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, sob a epígrafe “Transição de modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado”, estabelece:
1 - Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções nas condições referidas no artigo 10.º mantêm a nomeação definitiva.
2 - Os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções nas condições referidas no artigo 10.º transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de nomeação definitiva.
3 - Os actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º mantêm o contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei.
4 - Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º mantêm os regimes de cessação da relação jurídica de emprego público e de reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade especial próprios da nomeação definitiva e transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei”.
Como referem Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, in “Os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores da Administração Pública, Coimbra Editora, 2ª Edição 2010, pág. 243, em anotação ao mencionado artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, “Por outro lado, os trabalhadores que perdem a qualidade de nomeados para assumirem a qualidade de contratados por tempo indeterminado é assegurado o direito a um estatuto reforçado de estabilidade, traduzido no direito à manutenção do posto de trabalho sempre que ocorra alguma causa objetiva de extinção da relação jurídica de emprego público, nomeadamente decorrente da reorganização dos serviços que implique a cessação das necessidades de pessoal.
Consequentemente, os trabalhadores que estavam nomeados definitivamente e na data da entrada em vigor do presente artigo transitaram para o regime do contrato de trabalho em funções públicas vêem assegurado que a sua relação de emprego só poderá cessar através de alguma das formas previstas nas alíneas b) a f) do n.º 1 do artigo 32.º da Lei n.º 12-A/2008 – exoneração, mútuo acordo, pena disciplinar expulsiva, morte ou aposentação…”
De resto, o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, sendo contemporânea a sua entrada em vigor com a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro (artº 7.º), consagra no seu artigo 1.º, o seguinte:
“1 - O presente Estatuto é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções.
2 - O presente Estatuto é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo.
3 - Exceptuam-se do disposto nos números anteriores os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial.”
Por conseguinte, o vínculo laboral da Autora não é afastado pela norma do n.º 2 do artigo 88.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, para efeitos de aplicação de penas disciplinares, incluindo a de demissão, que resulta do n.º 6 do artigo 10.º do Estatuto Disciplinar, que estabelece: “A pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador contratado, cessando a relação jurídica de emprego público.”
Assim, improcede também este vício.».
Fim da transcrição.
À primitiva Autora foi aplicada a pena disciplinar de “despedimento por facto imputável ao trabalhador”(facto 21 do acervo de factos provados).
A primitiva Autora incorria na situação da norma do nº 4 do artigo 88º da referida Lei nº 12-A/2008, que dispunha: «4 - Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente que exercem funções em condições diferentes das referidas no artigo 10.º mantêm os regimes de cessação da relação jurídica de emprego público e de reorganização de serviços e colocação de pessoal em situação de mobilidade especial próprios da nomeação definitiva e transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, com o conteúdo decorrente da presente lei» (nosso sublinhado).
O que significa, acompanhando a posição assumida na decisão recorrida, que, aos trabalhadores que perderam a qualidade de nomeados passando à qualidade de contratados por tempo indeterminado, foi assegurado o direito a um estatuto reforçado de estabilidade, traduzido no direito à manutenção do posto de trabalho sempre que ocorra alguma causa objetiva de extinção da relação jurídica de emprego público, nomeadamente decorrente da reorganização dos serviços que implique a cessação das necessidades de pessoal.
O que tem a ver com causas objectivas de extinção da relação jurídica de emprego público, assegurando no plano do contrato de trabalho um estatuto reforçado em face da situação de origem, a de trabalhadores nomeados definitivamente.
No mais, o legislador assegurou que a relação de emprego só poderia cessar por alguma das formas previstas nas alíneas b) a f) do nº 1 do artigo 32º da referida Lei nº 12-A/2008, ou seja, por exoneração, mútuo acordo, pena disciplinar expulsiva — como foi o caso presente —, morte ou aposentação.
Isto é o que se encontra assegurado, «com o conteúdo decorrente da presente lei» (nº 4 do artigo 88º da referida Lei nº 12-A/2008), aos trabalhadores que estavam nomeados definitivamente e que transitaram para a modalidade de contrato por tempo indeterminado, como é o caso da primitiva Autora.
O regime da cessão da relação jurídica de emprego público por efeito da aplicação de atinente pena disciplinar encontra-se no ED/2008, de resto, de contemporânea entrada em vigor com a Lei n.º 12-A/2008, consagra no seu artigo 1º:
«1 - O presente Estatuto é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções.
2 - O presente Estatuto é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos actuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas colectivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objectivo.
3 - Exceptuam-se do disposto nos números anteriores os trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial.».
Nesta sequência, tendo sido instaurado procedimento disciplinar à primitiva Autora, vinculada que estava por contrato de trabalho, e impondo-se no procedimento disciplinar aplicar-lhe uma pena que implicava a cessação da relação jurídica de emprego público, restava fazê-lo ao abrigo do nº 6 do artigo 10º do ED/2008, que estabelece: «A pena de despedimento por facto imputável ao trabalhador consiste no afastamento definitivo do órgão ou serviço do trabalhador contratado, cessando a relação jurídica de emprego público.».
Improcedem totalmente os fundamentos do recurso nesta questão.
Quanto à 2ª questão, a da “violação do disposto no art. 37.º, n.º 1 da Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, ao concluir que o p.d. não padece de vício de nulidade.”, vejamos.
Lê-se na sentença sob recurso, quanto a esta questão:
«Quanto à violação do artigo 37.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar.
Consagra esta norma o seguinte: “É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.”
E alega a Autora que a violação de tal norma é sustentada no facto de o Instrutor não ter dado lugar às diligências que requereu em sede de resposta à nota de acusação, nomeadamente a inquirição de testemunhas.
Por sua vez a Entidade demandada alega que as diligências requeridas não tiveram lugar porque o Instrutor não as considerou pertinentes ou úteis, o que está devidamente fundamentado em Despacho, que, aliás, consta do ponto 19 do probatório.
E essa faculdade assiste ao Instrutor, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 53.º do Estatuto Disciplinar, segundo o qual, “As diligências requeridas pelo arguido podem ser recusadas em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias.
E, efetivamente, a Autora na sua petição inicial não ataca os fundamentos que constam de tal Despacho.
Nem tão pouco alega ter usado a faculdade prevista no n.º 3, do artigo 37.º do Estatuto Disciplinar, segundo o qual “Do despacho que indefira o requerimento de quaisquer diligências probatórias cabe recurso hierárquico ou tutelar para o respectivo membro do Governo, a interpor no prazo de cinco dias.”
Pelo exposto, não se verifica a alegada nulidade por violação do disposto no artigo 37.º, n.º1, do Estatuto Disciplinar.
Quanto à violação do direito ao contraditório sobre documentos que o Instrutor junto ao processo disciplinar, apesar de a Autora não concretizar especificadamente tal omissão, a verdade é que essa nulidade, a ocorrer, deveria ter sido reclamada até à decisão final, o que não resulta demonstrado nos autos.
É o que resulta da conjugação das disposições contidas nos n.ºs 1 e 2, do artigo 37.º, do Estatuto Disciplinar, segundo as quais:
“1 - É insuprível a nulidade resultante da falta de audiência do arguido em artigos de acusação, bem como a que resulte de omissão de quaisquer diligências essenciais para a descoberta da verdade.
2 - As restantes nulidades consideram-se supridas quando não sejam reclamadas pelo arguido até à decisão final.”
Pelo exposto, improcedem os vícios alegados.» (nossos sublinhados).
Fim da transcrição.
Os Recorrentes arguem duas vertentes:
(i) A primeira, atinente à nulidade que entendem verificar-se pela preterição de diligências que requereu em sede de resposta à nota de acusação, nomeadamente a inquirição de testemunhas;
(ii) A segunda concerne à alegada violação do direito ao contraditório sobre documentos que o Instrutor junto ao processo disciplinar.
Vejamos a primeira — conclusões 8ª a 15ª.
Resulta da sentença recorrida — veja-se a parte acima transcrita e, nela, as partes por nós sublinhadas — terem sido dois os fundamentos do julgamento de não verificação da alegada nulidade por violação do disposto no artigo 37º, nº 1, do Estatuto Disciplinar:
1ª — «a Autora na sua petição inicial não ataca os fundamentos que constam de tal Despacho».
2ª — «Nem tão pouco alega ter usado a faculdade prevista no n.º 3, do artigo 37.º do Estatuto Disciplinar, segundo o qual “Do despacho que indefira o requerimento de quaisquer diligências probatórias cabe recurso hierárquico ou tutelar para o respectivo membro do Governo, a interpor no prazo de cinco dias».
Quanto ao primeiro argumento, decisivo e, no seu acerto, suficiente para se concluir pela improcedência do alegado vício, vejamos.
Tal como comprovado — facto 19 do probatório — as diligências requeridas não tiveram lugar porque, no uso de faculdade que assiste ao instrutor, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 53º do Estatuto Disciplinar, o instrutor não as considerou pertinentes ou úteis, o que está devidamente fundamentado.
Pelo que, a forma de afastar tal decisão é destruir os seus fundamentos, para o que é essencial, desde logo, afrontá-los impugnatoriamente.
O que não foi efectuado nos autos, designadamente na petição inicial, e impossibilita o Tribunal de sindicar os fundamentos de tal recusa.
Os Recorrentes, quanto a este aspecto, alegam que foram indicadas nos artigos 105º a 122º da petição inicial as razões de facto que levaram ao pedido de inquirição dessas testemunhas.
Mas uma coisa são as razões de facto que levaram ao pedido de inquirição dessas testemunhas e outra são os fundamentos da recusa de inquirição das testemunhas pelo instrutor do processo.
A apreciação das razões que levaram ao pedido de inquirição dessas testemunhas não conduz necessariamente ao conhecimento das razões que fundaram a recusa de inquirição e, portanto, daí nunca poderia resultar uma decisão de sindicância de tal decisão.
Quedou-se o Tribunal sem objecto de sindicância, irrelevando agora, por outro lado, o conhecimento da não alegação do uso da faculdade prevista no nº 3 do artigo 37º do Estatuto Disciplinar.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta questão.
Quanto à 2ª questão (i) concernente à alegada violação do direito ao contraditório sobre documentos que o Instrutor junto ao processo disciplinar — conclusões 16ª a final —, alegam os Recorrentes que “Uma tal omissão inquina o processo disciplinar com vício de nulidade, por força do disposto no art. 37.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar”.
Vejamos.
Embora sem concretizar especificamente tal omissão, a Autora, na petição inicial, suscitou em juízo esta questão da violação do direito ao contraditório sobre documentos que o instrutor juntou do processo disciplinar.
Mas não a arguiu no próprio procedimento disciplinar.
O que significa, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 37º do ED/2008, que não tendo sido reclamadas pelo arguido até à decisão final é nulidade que, a existir, se considera suprida.
Isto mesmo decidiu a sentença sob recurso, sem que os Recorrentes opusessem argumentos dirigidos a tais fundamentos que, assim, permanecem incólumes e, de resto, correctos, em face dos factos provados e da juridicidade aplicável.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta parte, igualmente.

Em suma, à luz do alegado e sopesando os fundamentos do recurso, não se descortina qualquer erro substancial que contenda com a bondade e legalidade do considerado e decidido pelo Tribunal «a quo», pelo que é nosso entendimento que o recurso não pode proceder, o que se decide.

III. DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conferência, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes (artigo 527º do CPC).

Notifique e D.N..

Porto, 25 de Fevereiro de 2022

Helder Vieira, o Relator
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães
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i) Em sede de procedimento criminal, como se viu, foi apurado que a Autora deveria ter depositado o valor de 121.065,45€ (cento e vinte e um mil e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos) sendo que depositou 85.064,41€ (oitenta e cinco mil e sessenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), tendo-se, ilegitimamente, apropriado de 36.001,04€ (trinta e seis mil e um euros e quatro cêntimos).