Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00032/08.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA DEDUTÍVEL;
CORRECÇÕES TÉCNICAS;
Sumário:
I – O objecto do julgamento em matéria de facto, isto é, aquilo que na sentença deve ser julgado provado ou não provado são os factos concretos, alegados pelas partes em ordem à procedência ou improcedência da acção, respectivamente, (cf. artigos 5º, 607º e 608º do CPC), ou ainda outros factos instrumentais ou complementares destes, cuja notícia tenha resultado da instrução da causa, nas condições do citado artigo 5º.

II - A falta de discriminação como provados ou não provados, com a respectiva fundamentação, de quaisquer factos atendíveis para a discussão da causa em alguma solução plausível desta constitui nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT, por falta parcial da fundamentação de facto da decisão, nulidade que pode ser parcial, se não afectar o sentido do dispositivo e suprível nos termos dos artigos 662º nº 1 e ou 665º nº 1 do CPC.

III - Como tem sido reiterado pela jurisprudência nacional e do TJUE, a ratio legis das exigências do Regime do IVA quanto aos requisitos formais da factura reside no assegurar da neutralidade fiscal do IVA, pelo que as mesmas exigências não deverão sobrepor-se a este fim, quando o mesmo esteja em concreto assegurado. Tal é o que sucede quando um erro na menção do NIF de um dos sujeitos passivos do imposto não impede a identificação efectiva daquele e a fiscalização do cumprimento dos seus deveres, ou dos deveres do outro interveniente, como sujeitos passivos de IVA intervenientes numa operação tributável.

IV – O contribuinte goza, também em matéria de dedução de IVA, da presunção, disposta no artigo 75º nº 1 da LGT, da veracidade das suas declarações fiscais, pelo que, para efeito de recusar a dedução que o sujeito passivo opere nos termos do artigo 19º do CIVA, tem, a AT, o ónus de provar, ao menos, factos de que decorram indícios fundados de que a contabilização do IVA em causa não corresponde à realidade, isto é, de que de que os bens em cuja aquisição o sujeito passivo suportou o IVA a deduzir se destinaram e foram utilizados na manutenção da actividade tributada, só então passando o sujeito passivo a ter, por força da conjugação da alínea a) do artigo 75º com o nº 1 do artito74º da LGT, o ónus de provar esses destino e utilização.

V – A própria descrição difusa, quer em termos cronológicos, quer em termos semânticos, do objecto das facturas desconsideradas pela AT concorre para a intensidade dos indícios de que as mesmas serviram apenas para titular custos e IVA a deduzir. A Impugnante, nem mesmo na PI alegou concretamente de que serviços verdadeiramente de tratava, antes se refugiou na generalidade e na indefinição que em si já eram suspeitas, pelo que tão pouco logrou provar a realidade das operações facturadas.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
«AA», NIF ...10, residente no Lugar ..., 44 ... ... e outros apresentaram o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 8/2/2017, pela qual foi julgada improcedente a sua impugnação das liquidações oficiosas de IVA dos anos de 2004 a 2005, no montante global de € 3 372,70 €.

As alegações de recurso dos Recorrentes terminam com as seguintes conclusões:
«EM CONCLUSÃO:
1) A sentença não deu como provado o depoimento das testemunhas apresentadas pelos recorrentes, quando o devia ter feito, cf. Art.° 115°, 118° e 119° do CPPT e Art.° 392° do C. Civil.
2) Existe erro de apreciação na sentença, quando diz que as facturas em causa não obedeceram aos requisitos exigidos no Art.° 35° do CIVA, concretamente não constava o NIF correcto do fornecedor dos bens (pág. 14), quando de facto, não constava o NIF correcto da adquirente.
3) Pelo que a sentença erra e deve ser substituída por outra.
4) Contudo, pelo Ofício-Circulado n.° 30030, de 15.12.2000, da DSIVA, foi transmitido que quanto ao NIF do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, quando este se trata de um empresário em nome individual, a fazer constar das facturas ou documentos equivalentes, o mesmo deverá ser, desde já, o da pessoa singular atribuído pelo Ministério das Finanças, sugerindo-se que estes alertem desse facto os respectivos fornecedores de bens ou prestadores de serviços.
5) Não obstante, a alínea a), do n.° 5, do Art.° 35° do CIVA (actual Art.° 36°), impõe a obrigação das facturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira, cf. Acórdão do STA, Proc. 076/11, de 14.12.2011,2a Secção.
6) Ademais, o Art.° 72° do CIVA, na redacção dada à data dos factos (Actual Art.° 79°) não menciona o número de identificação fiscal entre os elementos da factura cuja falta ou inexactidão responsabiliza o adquirente, em solidariedade com o transmitente, pelo pagamento do imposto.
7) No caso dos autos, apenas se constata que o fornecedor mencionou o número da adquirente, empresária em nome individual atribuído pelo Registo Nacional de Pessoas Colectivas, nos termos do DL n.° 42/89, de 03/02 (o número começado por 8) e não o número atribuído pela AT, nos termos do DL n.° 463/79, de 30/11 (o número começado por 1), mas não impede a eliminação da dedução do IVA.
8) Por outro lado, deve ser dado como provado que os bens constantes das facturas emitidas pelo fornecedor “[SCom01...], Lda.”, foram efectivamente transmitidas por este à recorrente, cf. Anexos 1 e 2 do relatório da inspecção.
9) Não obstante, a AT ao concluir pelo não cumprimento dos requisitos formais previstos no n.° 5, do Art.° 35°, do CIVA, só pelo simples facto de nas facturas constar um NIF inválido da recorrente, não pode recusar o direito à dedução do IVA se a AT tiver ao seu dispor elementos que permitem comprovar o preenchimento dos requisitos substanciais das operações a que as facturas se reportam.
10) Neste sentido, o recente Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-516/14, de 15.09.2016, no qual se dá prioridade à substância e não à forma.
11) Pelo que existe vício de violação aos Art.° 19° e 35°, ambos do CIVA.
12) Deve ser dado como provado que os filhos e o marido da recorrente utilizavam os computadores portáteis, ao serviço da recorrente, para o norte do território nacional para encontros de negócios e angariação de clientes, conforme ficou demonstrado pela prova testemunhal.
13) Acresce, a demonstrar tal factualidade, que existem documentos (carteira de clientes) que provam que os filhos e o marido da recorrente se deslocaram para encontros de negócios e angariação de clientes fora do estabelecimento.
14 O que num nexo de causa-efeitos deduz, a utilização dos computadores portáteis, ao serviço da recorrente, para o norte do território nacional para encontros de negócios e angariação de clientes.
15) Pelo que nesta parte, o IVA suportado na aquisição dos computadores em causa devem ser dadas como provadas, cf. Art.° 115° do CPPT.
16) Bem como devia ter dado como provado, que a sociedade utilizava os recursos da sociedade “[SCom02...]” no exercício da sua actividade empresarial, nomeadamente instalações, água e electricidade e a gerente.
17) Pelo que nesta parte, os gastos e o respectivo IVA, com os serviços prestados devem ser dados como provados, cf. Art.° 115° do CPPT.
18) Assim, a dedução do IVA cabe na alçada do Art.° 20° do CIVA, pelo que nas liquidações recorridas existe vício de violação da lei.
19) Estando em causa liquidações de IVA que têm por fundamento a não dedução do IVA suportado pela recorrente, compete à AT fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação.
20) Tendo o juízo da AT assentado na consideração de que as operações e o valor mencionado nas facturas em causa não correspondem à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas e que os computadores portáteis adquiridos não se encontram afetos à atividade da recorrente e ainda de que não existiram subcontratos.
21 A recorrente demonstrou de modo sério e seguro, pelas testemunhas apresentadas, que os documentos sociais são verídicos.
22) Pelo que deve ser decretada, sem mais, a anulação das liquidações recorridas.
Nestes termos;
Deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aprecie os vícios e erros alegados, com efeitos na anulação das liquidações recorridas e com todas as consequências legais, para que assim se faça JUSTIÇA.


Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível aos seguintes excertos:
«(…)
(…) nesta sede recursiva, os Recorrentes vêm imputar à douta sentença em crise erro de julgamento, (i) quer no que tange à matéria de facto apurada por errada selecção e valoração da prova produzida (ii) quer, ainda, no que concerne à ilegalidade das liquidações por as facturas emitidas pela sociedade [SCom01...], Lda.. não terem sido passadas na forma legal, com violação do disposto nos artigos 19°, n° 2 e 35°, n°5, ambos do CIVA,
Por indevida dedução de IVA na aquisição de dois computadores portáteis, por não se encontrarem afectos à respectiva actividade, com violação do artigo 20°, n° 1, alínea a), do CIVA, 
Por as facturas emitidas pela sociedade [SCom02...], Lda. não titularem operações reais e por falta de fundamentação.
Ora, constitui entendimento uniforme e pacífico da doutrina e da jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo Recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tenha sido versada, com a única ressalva dos casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282°, n° s 5 a 7 do CPPT e 635°, n° 4 do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 41/2013, de 26 de Julho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281° do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
Entendem os Recorrentes, quanto à decisão da matéria de facto que o tribunal a quo efectuou uma errada selecção e apreciação de todos os elementos de prova, ao desconsiderar a prova testemunhal e documental por si oferecida, a qual, no seu entendimento, era suficiente para que fossem considerados provados os factos constantes das Conclusões 1 a 21 das Alegações de Recurso, insertas a fls. 155 a 157 do processo fiscal
Vejamos se lhes assiste razão.
Quanto à factualidade há que referir que, por um lado, é um dado adquirido e insofismável que a trave-mestra da valoração da prova testemunhal assenta nos princípios da livre apreciação, da oralidade e da imediação e daí que, em bom rigor, o tribunal ad quem não possa sindicá-la na globalidade.
Além disso, conforme foi firmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, “O recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida), Mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre «os pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida " (cf. Acórdão do STJ, de 10 de Janeiro de 2007, no processo n° 06P3518, disponível, tal como os que infra se citarão, em www.dgsi.pt; sublinhado nosso).
Ora, no caso vertente, a convicção extraída da prova testemunhal indicada pelos Recorrentes não se nos afigura irrazoável, infundamentada ou arbitrária, de molde a justificar ou, talvez, impor, a censura deste tribunal ad quem.
Poderá argumentar-se que tal prova é bastante e supre qualquer deficiência revelada pela prova documental, tanto mais que no processo judicial tributário são permitidos todos os meios de prova - vigorando plenamente o princípio da livre admissibilidade dos meios de prova (cf. art.° 115.°, n.° 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)) - e que no caso não se exige qualquer especial meio de prova, designadamente a prova documental.
No entanto, no que concerne a esta prova, hã que realçar que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei, que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cf., neste sentido os Acórdãos do TCAS de 16/04/2013, 7/05/2013 e 2/07/2013, proferidos nos processos n°s 6280/12, 6418/13 e 6545/13).
In casu, basta a tentar no conteúdo do item “Motivação da decisão sobre a matéria de facto”, no qual, a Mma Juíza de Direito a quo, para fundamentar o probatório quanto aos factos provados, analisa o depoimento das testemunhas inquiridas, o qual, em conjugação com os documentos juntos pelas partes enformou a sua convicção quanto aos mesmos (cf. fls. 11 e 12 da sentença, 109 e 109/vº, do processo fiscal).
E, salvo o devido respeito por melhor opinião, a declaração emitida com indicação do número de identificação fiscal (NIF) correcto, não pode substituir-se aos documentos exigidos pela lei para aceitação como custo em termos fiscais e exercício do direito à dedução em sede de IVA uma vez que se trata de um documento emitido a posteriori e que não faz parte da contabilidade dos Impugnantes, ora Recorrentes, sendo certo que as facturas em causa não remetem para qualquer outro documento, o que condiciona, desde logo, a aceitabilidade da dita declaração, por não ser possível aferir da sua existência efectiva, à data em que foram emitidas as facturas.
Nesta conformidade, deve manter-se inalterada a matéria de facto fixada no probatório e, consequentemente, o recurso improceder quanto a este segmento decisório.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
I- A primeira questão suscitada pelos Impugnantes, ora Recorrentes, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduz-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao considerar que as facturas emitidas pela sociedade [SCom01...], Lda., não obedeciam aos requisitos de forma legalmente exigidos e que, como tal, não conferiam direito à dedução do respectivo IVA.
Ora, em sede de IVA exige-se, como decorrência do próprio mecanismo do imposto e fins visados, que a factura respeite determinados requisitos, expressos no artigo 35.°, n.° 5, do CIVA.
Como refere José Guilherme Xavier de Basto, à factura é outorgado um carácter quase sacramental que, para efeitos de IVA, assume a natureza de um título de crédito.
Afirma este Autor, impressivamente, que: “Em regime de IVA, como se sabe, cada factura mencionando imposto constitui um cheque sobre o Tesouro, pois atribui ao destinatário que seja sujeito passivo o direito de deduzir o IVA nela contido” (cf. A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 164, p. 140).
Como referido no acórdão do TCAS de 28.05.2013, proc. n.° 5786/12: “Atento o mecanismo específico de apuramento do imposto pelo sujeito passivo, constante dos arts 19. ° e segs do CIVA, por expressa disposição do seu n. °2, só confere direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal (...), o que constitui, para esse sujeito passivo, um verdadeiro requisito substancial em ordem a poder exercer o direito à dedução nos seus inputs produtivos, como constitui jurisprudência corrente. Entre esses requisitos legais para as facturas, figuram os constantes no n. °5 do art. ° 35. ° do mesmo CIVA, entre eles avultando a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados - sua alínea b) (...)”.
Também o acórdão do TCAS de 19.05.2009, proc. N.° 3026/09 refere: “a lei estabeleceu, determinadas exigências relativas à emissão de facturas com o objectivo claro de evitar a fuga e evasão fiscais e daí ter estabelecido requisitos vários e pormenorizados quanto ao preenchimento das facturas que devem ser cumpridos pelos operadores económicos sob pena de não ser possível a dedução do IVA liquidado em tais documentos.
Desta forma se acautela o interesse da Fazenda Pública e se previne a fraude fiscal".
Ora, as facturas em causa, como resulta da matéria provada (cf. ponto 4 do probatório) possuem um NIF inválido, uma vez que o número aí mencionado (...51), deixou de ser válido a partir de 31/03/2001.
E o artigo 19°, n° 2, alínea a), do CIVA preceitua que “Só confere direito à dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal”.
Por sua vez o artigo 35°, n° 5, alínea a), do CIVA, estipula:
“As facturas ou documentos equivalentes devem ser datados, numerados sequencialmente e conter os seguintes elementos: a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador desserviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos do imposto”.
Assim sendo não se mostram, pois, cumpridas as exigências formais contidas na alínea a) do citado n.° 5 do art. 35.° do CIVA, pois não está discriminado o número de identificação fiscal do sujeito passivo do imposto.
Donde, como se concluiu na sentença recorrida, não está preenchido o requisito substancial em ordem ao exercício do direito de dedução do IVA nela mencionado, como pretendido pelos Recorrentes.
Sendo que, como assinalado no citado acórdão do TCAS de 19.05.2005: “a exigência da observância desses requisitos nos referidos documentos «facturas» tem como escopo permitir à Administração tributária o controlo da situação tributária, e não apenas obter prova dos factos a controlar, motivo por que as facturas, emitidas de acordo com os termos da lei, constituem formalidade ad substantiam, insusceptível de substituição por um qualquer outro meio de prova.’’
Ora, assim sendo, não respeitando as facturas identificadas no probatório os requisitos legais de forma prescritos no art. 35.°, n.° 5, alínea a), do CIVA, não conferem direito à dedução do IVA nelas mencionado.
Pelo que, também quanto a este segmento decisório, o recurso deve improceder.

II- Alegam ainda os Recorrentes que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que deduziram indevidamente IVA suportado na aquisição de dois computadores portáteis adquiridos, respectivamente. nos anos de 2004 e 2005.
Entendeu a AT, no relatório de inspecção tributária, que pela análise da documentação contabilística e fiscal, se concluiu que tais computadores não se encontram afectos à actividade dos Impugnantes, ora Recorrentes.
E, no nosso entendimento, com razão.
Na verdade, no próprio dia em que teve início a acção inspectiva, constatou-se que os Impugnantes não possuíam computadores portáteis no seu estabelecimento comercial, mas apenas três computadores de secretária, afectos, respectivamente, à actividade de seguros (2) e de papelaria (1).
Pelo que, tratando-se de bens não afectos ao activo imobilizado da actividade dos Impugnantes, ora Recorrentes, inexiste fundamento legal para a dedução de IVA, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 20°, n° 1, alínea a), do CIVA, só poderá deduzir-se imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
Consequentemente, o recurso não merece provimento, também quanto a este segmento decisório.

III- Quanto à desconsideração do direito à dedução de IVA incorporado nas facturas contabilizadas pelos Recorrentes e emitidas por [SCom02...], Lda. há que referir o seguinte:
Como é sabido, a exigência de observação da forma legal prescrita no CIVA para conferir o direito à dedução do imposto justifica-se dentro da lógica interna do regime de um imposto plurifásico, que incide sobre cada fase da transacção dos bens ou serviços, por ser necessário ao cumprimento rigoroso das regras legais, por forma a facilitar o controlo da fiscalização e evitar a fuga à tributação.
E é dentro dessa lógica de combate à evasão fiscal que o artigo 19°. n° 3 do CIVA estipula que não pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente.
Por isso, o artigo 87°, n° 1 do CIVA atribui à Autoridade Tributária o poder-dever de proceder à rectificação das declarações dos sujeitos passivos, quando fundamentadamente considere que nelas figura uma dedução superior à devida, liquidando adicionalmente a diferença.
E, se assim é, ou seja, se a Autoridade Tributária, no exercício dessa competência, actua no uso de poderes vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de provar a verificação dos pressupostos legais que a determinaram a efectuar as respectivas correcções às declarações do sujeito passivo,
Cumprindo-lhe demonstrar a factualidade que a leva a considerar determinada operação como simulada, como é o caso dos autos, ou que o preço das facturas é simulado, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de provar que as operações existiram ou que o preço constante das facturas não é simulado.
É o que resulta expressamente do teor do artigo 74°, n° 1 da LGT e tem sido entendimento maioritário da jurisprudência (cf., entre outros, o Acórdão do STA, de 17/04/2002, proferido no recurso n° 026635 e Acórdão do TC AN, de 27/01/2004, proferido no processo n°6646/02).
Ora como resulta da matéria de facto dada como provada, a Autoridade Tributária considerou que as facturas dos diversos períodos dos anos de 2004 e 2005, não correspondem a qualquer transacção real, de acordo com os indícios aí fixados., uma vez que a empresa emitente das respectivas facturas não possui pessoal afecto à actividade.
Assim sendo, demonstrou cabalmente os pressupostos da sua actuação, cumprindo, nos termos expostos, o ónus da prova que, neste ponto, lhe competia.
Já os Recorrentes, como resulta do cotejo da prova documental e dos demais elementos constantes dos autos, não lograram fazer prova de que as facturas emitidas pela empresa acima indicada titulam verdadeiras prestações de serviços realizados pelo respectivo emitente.
Consequentemente, as correcções efectuadas pela Administração Tributária à matéria tributável não padecem de ilegalidade, pelo que bem andou a douta sentença recorrida ao manter as liquidações impugnadas.,
Devendo igualmente o recurso improceder, também quanto a este segmento decisório.

FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES
Invocam finalmente os Recorrentes que as liquidações em causa não se encontram devidamente fundamentados, pelo que não entenderam as operações efectuadas para o apuramento da matéria tributável.
Ora, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos constitui princípio constitucional com assento no artigo 268° da CRP.
E uma das manifestações, em sede de lei ordinária está plasmada no artigo 125° do CPA, que impõe que a fundamentação seja expressa, através de sucinta exposição de fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo, todavia, consistir em mera declaração ou concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto.
Sucede que, “no domínio fiscal, dispõe o artigo 77º da LGT que a decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ...incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária...acrescentando-se no seu n° 2 que a fundamentação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições de apuramento da matéria tributável e do tributo
“Para cumprir a função legal, a fundamentação deve ser suficiente, clara e congruente: E suficiente quando abarca todos os elementos escolhidos pela administração por forma a permitir a reconstituição do “iter” lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final: E clara quando é inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal que na situação concreta tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão: E é congruente quando exprime consonância com os pressupostos normativos do acto e os motivos do mesmo ” (cf. o Acórdão do TCAS, tirado em 21 de Novembro de 2006, no âmbito do processo 264/04,
Acresce que na formulação do Acórdão do TCAN, datado de 24/05/2007, proferido no processo n° 00366/02, consultável no mesmo site, “a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao Tribunal em face de cada caso ajuizar da sua suficiência, mediante a adopção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal, face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos autos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro
“A fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação " (sic).
Ora na douta sentença recorrida conclui-se que os actos de liquidação estão alicerçados em fundamentos que demonstrem o itinerário funcional (não psicológico), cognoscitivo e valorativo de molde a obter os concretos fundamentos das conclusões retiradas pela Administração Tributária e que levaram à emissão das liquidações impugnadas.
E, na verdade, afigura-se-nos que, no relatório da acção inspectiva, a administração tributária refere expressamente os fundamentos de facto e de direito que estão na base da decisão de proceder às liquidações aqui em causa e menciona expressamente os normativos ao abrigo do qual concluiu pela necessidade da efectivação de correcções à matéria tributável dos Impugnantes, ora Recorrentes.
Consequentemente, não se verifica deficiente fundamentação do acto tributário, sendo este perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal.
E tanto basta para concluirmos pela improcedência do recurso, quanto a este segmento decisório.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi artigo 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim, não serão apreciadas as questões de facto ou de direito suscitadas no corpo das alegações que não sejam inteligivelmente abrangidas pela síntese das conclusões – e que não sejam de conhecimento oficioso. Designadamente, não integram o objecto do recurso as concretas alegações de causas de nulidade da sentença (que não a que abaixo discutiremos, que o recorrente alegou mas não qualificou como tal) feitas no corpo das alegações, mas não concretamente reflectidas nas conclusões.
Posto isto, as questões suscitadas no recurso são, pela ordem em que emergem das conclusões do recurso, as seguintes:

1ª questão
A sentença recorrida errou em matéria de facto quando não deu como provado o depoimento das testemunhas?

2ª Questão
A sentença recorrida errou em matéria de direito quando julgou que as facturas em causa não obedeciam aos requisitos legais pois o NIF incorrecto que nelas constava era o do adquirente destinatário da factura e não o do emissor da mesma e, de todo o modo, não é exigível ao tomador da factura controlar a veracidade da identificação do emissor, além de que o artigo 72º do CIVA de então não menciona o NIF como elemento da factura cuja falta ou inexactidão responsabilize o destinatário da factura pelo IVA?

3ª Questão
A sentença recorrida errou em matéria de facto:
- por não ter dado como provado que os bens constantes das facturas emitidas pelo fornecedor “[SCom01...], Lda.”, foram efectivamente transmitidas por este à recorrente, cf. Anexos 1 e 2 do relatório da inspecção; e
- Por não ter dado como provado que os filhos e o marido da recorrente utilizavam os computadores portáteis, ao serviço da recorrente, para o norte do território nacional para encontros de negócios e angariação de clientes, conforme ficou demonstrado pela prova testemunhal e pela prova documental constituída pela carteira de clientes;
- Por não ter dado como provado que a impugnante utilizava os recursos da sociedade “[SCom02...]” no exercício da sua actividade empresarial, nomeadamente instalações, água e electricidade e a gerente;
Daqui resultando o erro de direito de violação do artigo 20º do CIVA?

4ª Questão
Em qualquer caso a sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando os artigos 19º e 36º nº 5 do CIVA, uma vez que o incumprimento dos requisitos das facturas não inibia o sujeito passivo de provar os elementos substanciais das operações facturadas, com vista à dedução do IVA nestas constante?

5ª Questão
Mesmo prescindindo da prova dos factos objecto da terceira questão, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito na medida em que julgou haver fundados indícios de que as operações facturas não haviam acontecido, isto é, de que se tratava de contratos simulados, e de que os computadores portáteis adquiridos não estavam afectos à actividade da empresa, já que a recorrente demonstrou, mediante as testemunhas apresentadas, que os “documentos sociais” são verídicos?



III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é a seguinte:
« IV. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
IV.1. Factos provados:
Com interesse para a decisão a proferir considero provados os seguintes factos:
1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° OI .......412, de 17.04.2006, a Divisão de Inspecção Tributária II, da Direcção de Finanças ... levou a cabo uma acção de inspecção aos Impugnantes, de âmbito parcial - IRS/IVA, relativa aos exercícios económicos dos anos 2004 e 2005, que teve início em 19.04.2007 e fim em 30.05.2007. - Cfr. fls. 20 e ss. do processo administrativo apenso, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Pelo ofício n.° ...98, datado de 14.06.2007, remetido através de correio registado, foi enviado aos Impugnantes o projecto de relatório de inspecção tributária. - Cfr. fls. 29 e 37 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3. Os Impugnantes não exerceram o direito de audição. - Cfr. fls. 37 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4. No âmbito da acção de inspecção foi elaborado o relatório de inspecção tributária, sancionado hierarquicamente por despacho do Director de Finanças Adjunto em 29.06.2007, para o qual se remete por uma questão de brevidade e do qual se extrai, o seguinte:
" (...) C. Outras Situações Cl -Enquadramento Tributário
Sujeito Passivo B: «AA»
- Serviço de Finanças do domicílio fiscal: .../Código: ...31
- Actividades: O sujeito passivo encontra-se colectado com a actividade principal de "Actividades Auxiliares de Seguros e Pensões- CAE:67200" e como actividade secundária "Comércio a Retalho de Artigos de Papelaria, Jornais e revistas - CAE:52742".
- Data de Início da Actividade: 29/06/2001
- Enquadramento para efeitos de IRS: Regime de Contabilidade Organizada;
- Enquadramento para efeitos de IVA: Regime Normal Trimestral
O sujeito passivo exerce uma actividade mista, dado exercer uma actividade isenta de imposto sobre o valor acrescentado "Actividades Auxiliares de Seguros e Pensões" e uma actividade sujeita a imposto sobre o valor acrescentado "Comércio a Retalho de Artigos de Papelaria".
(...)
Como vamos ter oportunidade de ver no ponto III do relatório, os custos declarados com subcontratos não são aceites em termos fiscais assim como o IVA deduzido relativamente aos mesmos. Os únicos custos sujeitos a IVA e aceites pela Administração Fiscal são os referentes à prestação de serviços de contabilidade. Os únicos custos sujeitos a IVA e aceites pela Administração Fiscal são os referentes à prestação de serviços de contabilidade. O IVA suportado com os custos suportados com a contabilidade foi deduzido na totalidade, e o mesmo é aceite pela Administração Fiscal, dado se constatar que o referido custo existe essencialmente pelo exercício da actividade sujeita a IVA.
No dia 05/01/1995, o sujeito passivo «AA» constituiu com «BB» - NIF: ...50 e «CC» - NIF: ...44 a sociedade [SCom02...] em que o objecto social é o Comércio a Retalho de Artigos de Papelaria, Jornais e Revistas. Ao que apurámos a empresa [SCom02...] pertence actualmente aos sócios «AA» e ao seu filho «DD».
O sujeito passivo «AA» e a firma [SCom02...] desenvolvem a actividade no mesmo local.
Agregado familiar:
A composição do agregado familiar é a seguinte:
sujeito passivo A- «EE» - NIF ...03
sujeito passivo B - «AA» - NIF ...10
filho (dependente) - «DD»
filho (dependente) - «FF»
filho (dependente) - «GG» Balça
III-Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
3.1 IVA deduzido indevidamente
No exercido de 2004, o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA no montante global de €1.888,24, de documentos de aquisição de mercadorias, bens e serviços e mobilizado, conforme se demonstra pela relação de documentos apresentada em Anexo 1.
No exercício de 2005, o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA no montante global de € 1.239,82 de documentos de aquisição de mercadorias, bens e serviços e mobilizado, conforme se demonstra pela relação de documentos apresentada em Anexo 2.
Não é devido o IVA deduzido no montante de €757,13 no exercício de 2004 e no montante de €343,01 no exercício de 2005 nos documentos de aquisição de mercadorias à firma [SCom01...] Lda NIPC: ...44, dado se constatar que possuem um NIF inválido, pois o número mencionado é o ...51, que deixou de ser válido a partir do dia 31 de Março de 2001, conforme o disposto na informação n° ...1 do ofício circulado 30030, de 15/12/2000 da Direcção de Serviços de IVA. Ao deduzir IVA de documentos com o NIF: ...51, o sujeito passivo infringe o disposto no n° 2 do Art° 19 do CIVA, pois só confere direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal nos termos da alínea c) do n° 5 do Artº 35 do CIVA.
Verificámos também a dedução indevida do IVA suportado na aquisição de um computador portátil no exercício de 2004 no montante de ...€159,51 e na aquisição de um computador portátil no exercício de 2005 no montante de €302,40, uma vez que os mesmos não se encontram afectos à actividade.
Para a obtenção de proveitos, o sujeito passivo dispõe de três computadores de secretária, dois afectos à actividade de seguros e um afecto à actividade de papelaria.
O sujeito ao deduzir IVA da aquisição de dois computadores portáteis que não se encontram afectos à actividade, infringe o disposto na alínea a) do n° 1 do Artº 20 do IVA, pois só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
Também não é aceite o IVA deduzido nos montantes de €971,60 e de €594,41 nas facturas emitidas pela firma "[SCom02...] Lda - NIPC: ...05" nos exercícios de 2004 e 2005 com a designação de prestação de serviços, porque estas facturas titulam uma operação fictícia.
Ao deduzir IVA de operações fictícias, o sujeito passivo infringe o disposto no n° 3 do Artº 19 do CIVA, pois não poderá deduzir-se o imposto que resulte de operação simulada, que em nada contribuam para o bom funcionamento e desenvolvimento da actividade.
(...)
3.3 Contabilização indevida de custos no exercício de 2004
3.3.1 Subcontratos
No exercício de 2004, o sujeito passivo apresentou custos com subcontratos no montante de € 13.308,40. Estes custos estão suportados através de uma factura (factura n.° ...) emitida pela firma [SCom02...] Lda - NIPC: ...05 em 31/12/04 no montante de 12.000,00 + 2.280,00 (IVA) - 14.280,00 com a seguinte designação "Prestação de serviços efectuados durante o ano de 2004, referente à cobrança de seguros e venda de revistas".
Por motivo de aplicação do pró-rata, o sujeito passivo só deduziu IVA no montante de €971,60, razão pela qual considerou como custo com subcontratos o montante de €13.308,40.
Esta factura titula uma operação fictícia, pois na realidade o sujeito passivo não subcontratou serviços, até porque a firma [SCom02...] não possuí pessoal afecto à actividade, logo não poderia ter efectuado quaisquer serviços.
Assim sendo, o referido custo não é aceite em termos fiscais, pois, de acordo com o Artº 23 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Em anexo 3 - cópia da factura n° ..55 A emitida pela firma [SCom02...].
3.3.2 Amortizações
No exercício de 2004, o sujeito passivo apresentou um custo com amortizações no montante de €209,88. Este custo não é aceite em termos fiscais, dado se reportar à amortização de um computador portátil que o sujeito passivo adquiriu em 2004 para uso próprio, pois constatámos no dia do início da acção inspectiva que o sujeito passivo não possuía computadores portáteis no seu estabelecimento comercial, e que os mesmos não se justificariam na actividade, dada a existência de três computadores de secretária, dois afectos à actividade de seguros e um afecto à actividade de papelaria.
Assim sendo, o referido custo não é aceite em termos fiscais, pois de acordo com o Artº 23 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Em anexo 4 - cópia da factura n° ...62 referente à aquisição de computador portátil.
(...)
3.3 Contabilização indevida de custos no exercício de 2005 3.3.1
Subcontratos
No exercido de 2005, o sujeito passivo apresentou custos com subcontratos no montante de €7.875,59. Estes custos estão suportados através de uma factura (factura n.° ..61 A) emitida pela firma [SCom02...] Lda - NIPC: ...05 em 31/12/05 no montante de 7.000,00 + 1.470,00 (IVA) = 8.470,00 com a seguinte designação "Prestação de serviços efectuados durante o ano de 2005, referente à cobrança de seguros e venda de revistas". Por motivo de aplicação do pró-rata, o sujeito passivo só deduziu IVA no montante de €594,41, razão pela qual considerou como custo com subcontratos o montante de €7.875,59.
Esta factura titula uma operação fictícia, pois na realidade o sujeito passivo não subcontratou serviços, até porque a firma [SCom02...] não possuí pessoal afecto à actividade, logo não poderia ter efectuado quaisquer serviços.
Assim sendo, o referido custo não é aceite em termos fiscais, pois, de acordo com o Art° 23 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Em anexo 3 - cópia da factura n° ..55 A emitida pela firma [SCom02...].
3.5.2 Amortizações
No exercício de 2005, o sujeito passivo apresentou um custo com amortizações no montante de €569,88. Este custo não é aceite em termos fiscais, dado se reportar à amortização de dois computadores portáteis que não se encontram afectos à actividade, um adquirido em 2004 e o outro em 2005.
Assim sendo, o referido custo não ê aceite em termos fiscais, pois de acordo com o Art. 23 do CIRC consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. Em anexo 6 - mapa de amortizações do exercício de 2005.
Em anexo 7 - cópia da factura n° ...42 referente à aquisição de um computador portátil no ano de 2005.
(..- Cfr. fls. 20 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. A Impugnante foi notificada do relatório de inspecção tributária através de ofício n.° ...90 de 02.07.2007, enviado por correio registado com aviso de recepção. - Cfr. fls. 38/40 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Na sequência da inspecção tributária foram emitidas as liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas aos exercícios económicos de 2004, e 2005, ora, impugnadas, no valor global de € 3.372,70 euros, com data limite para pagamento voluntário em 30.09.2007. - Cfr.fls. 15/26 do processo físico.
7. A Impugnante e a sociedade [SCom02...] Lda. exercem a sua actividade no mesmo local.
IV.2. Factos não provados:
Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa.
IV.3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos provados resultou da análise crítica e conjugada do teor dos documentos não impugnados juntos aos autos, conforme referido em cada ponto do probatório e também da posição assumida pelas partes, na parte dos factos alegados não impugnados e corroborados pelos documentos juntos.
A prova testemunhal produzida em sede da diligência de inquirição de testemunhas foi apreciada livremente e também com o recurso às regras da experiência comum [artigos 396.° do CC e 607.°, n.° 5 do CPC aplicável ex vi artigo 2.°, alínea e) do CPPT],
Do depoimento das testemunhas apresentadas pelos Impugnantes resultou que não conseguiram demonstrar, por um lado, que os serviços constantes das facturas foram efectivamente prestados pela sociedade emitente e, por outro, que os computadores portáteis eram utilizados em proveito da actividade.
Depreende-se que os laços familiares e profissionais existentes entre as testemunhas e os Impugnantes levaram a que os seus depoimentos não fossem totalmente imparciais e isentos.
O filho dos Impugnantes, «DD», respondeu que a Impugnante exerce a sua actividade de seguros nas instalações da [SCom02...] utilizando os recursos existentes, nomeadamente água e electricidade e que a prestação de serviço contende com essas despesas.
Mais afirmou que, os computadores portáteis eram usados no exterior, nas deslocações aos clientes, permitindo aceder à base de dados e efectuar simulações de seguros. Declarou que juntamente com o seu irmão e seu pai ajudava na actividade profissional da mãe.
Por último, importa referir que não soube esclarecer se a sociedade [SCom02...] tinha ou não funcionários.
«FF», também filho dos Impugnantes, afirmou que a actividade seguradora utilizava a electricidade, água e espaço da papelaria. Referiu ainda que a mãe tinha uma funcionária a trabalhar com ela.
No tocante aos computadores, afirmou que já em 2004/2005, com 16/17 anos ajudava a mãe angariando clientes no ..., onde se encontrava a estudar e que os computadores portáteis eram necessários para fazer seguros e emitir contratos na hora.
A testemunha «HH», contabilista da Impugnante, afirmou que a actividade da Impugnante não era exercida em instalações próprias mas nas instalações da [SCom02...]. Referiu a existência de uma funcionária, todavia não soube esclarecer se a funcionária trabalhava para a Impugnante ou para a [SCom02...].
Afirmou, também, que os filhos da Impugnante sempre andaram envolvidos na actividade de seguros e que os computadores portáteis não estavam limitados a uma pessoa, eram usados por quem precisava deles.
Por último, a testemunha «II», inspectora tributária, que levou a cabo o procedimento inspectivo, depôs de uma forma clara, coerente e credível e no essencial, relatou o que constava do relatório de inspecção tributária que faz parte do procedimento administrativo apenso,
Referiu que a Impugnante exercia a actividade de seguros e comércio de artigos de papelaria e também era sócia gerente de uma empresa que exercia a actividade de comércio a retalho de artigos de papelaria, jornais e revistas, no mesmo local.
Afirmou que, nos anos em causa, segundo as declarações apresentadas, a [SCom02...] não tinha custos com pessoal, ou seja, não tinha pessoal.
Mais respondeu que, em termos individuais, a Impugnante tinha todo o interesse em contabilizar os custos para reduzir o rendimento e que nunca lhe foi apresentada a versão segundo a qual a prestação de serviços dizia respeito a água, electricidade e renda.
No tocante aos computadores portáteis, nunca foi afirmado pela Impugnante que os mesmos eram usados para a actividade pelos filhos.
A matéria de facto não provada redundou na ausência de elementos de prova que confirmassem a sua veracidade.»

Debrucemo-nos agora sobre as questões acima enunciadas.

1ª questão
A sentença recorrida errou em matéria de facto quando não deu como provado o depoimento das testemunhas?
Esta questão só pode relevar de uma confissão conceptual ou, em alternativa, de linguagem.
O objecto do julgamento em matéria de facto, isto é, aquilo que na sentença deve ser julgado provado ou não provado são os factos concretos, alegados pelas partes em ordem à procedência ou improcedência da acção, respectivamente, (cf. artigos 5º, 607º e 608º do CPC), ou ainda outros factos instrumentais ou complementares destes, cuja notícia tenha resultado da instrução da causa, nas condições do citado artigo 5º. Os depoimentos das testemunhas não são mais do que meios de prova desses factos que, eles sim, constituem a questão de facto objecto do julgamento.
Portanto, ao não julgar como provados os “depoimentos das testemunhas”, o Mº Juiz a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento.

2ª Questão
A sentença recorrida errou em matéria de direito quando julgou que as facturas de [SCom01...], Lda., NIPC ...44 não obedeciam aos requisitos legais, pois o NIF incorrecto que nelas constava era o do adquirente destinatário da factura e não o do emissor da mesma e, de todo o modo, não é exigível ao tomador da factura controlar a veracidade da identificação do emissor, além de que o artigo 72º do CIVA de então não mencionava o NIF como elemento da factura, cuja falta ou inexactidão responsabilizasse o destinatário da factura pelo IVA?

Esta questão refere-se às facturas de aquisição de mercadorias à firma [SCom01...] Lda NIPC: ...44, a dedução de cujo IVA, no montante de €757,13 no exercício de 2004 e no montante de €343,01 no exercício de 2005, não foi aceite pela AT, que alegou, para o efeito, que o NIF da emissora (e vendedora) não estava correcto.
Segundo a Inspecção, “o número mencionado é o ...51, que deixou de ser válido a partir do dia 31 de Março de 2001, conforme o disposto na informação n° ...1 do ofício circulado 30030, de 15/12/2000 da Direcção de Serviços de IVA.”
Porém, a Inspecção não verificou, nem ousa afirmar, que se trata de um NIF falso, desconforme com a realidade, ou inexistente.
Como tem sido reiterado pela jurisprudência nacional e do TJUE, a ratio legis das exigências do Regime do IVA quanto aos requisitos formais da factura reside no assegurar da total neutralidade fiscal do IVA, pelo que as mesmas exigências não deverão sobrepor-se a este fim, quando o mesmo esteja em concreto assegurado.
Tal é o que sucede quando o sujeito passivo logra provar a realidade da operação facturada e o efectivo suporte do IVA facturado. Mas não só: também há-de ser esse o caso quando um erro na menção do NIF de um dos sujeitos passivos do imposto (emissor e destinatário da factura) não impede a identificação efectiva daquele e a fiscalização do cumprimento dos seus deveres, ou dos deveres do outro interveniente, como sujeitos passivos de IVA intervenientes numa operação tributável real.
Ora, in casu a AT não põe em causa a realidade das operações facturadas: arrima-se formalisticamente apenas na invalidade de um número de identificação de um dos sujeitos passivos do IVA envolvidos nas operações facturadas, invalidade que resulta apena de a sua menção já não ser aceite pelo Fisco, de acordo com um seu ofício circulado. Sem mais indicações, não se vê que resulte dessas obsolescência e desconformidade qualquer impossibilidade de se identificarem a operação tributada e os sujeito passivos do IVA in casu.
Assim sendo, não estavam reunidos os pressupostos de direito para ser desconsiderada a dedução do IVA mencionado nas sobreditas facturas.
Neste sentido pode ver-se, por todos, o ac. do STA de 16/12/2020, no processo 01432/10.1BELRA de cujo sumário se transcreve os parágrafos relevantes:
II - Se em momento algum a A. T. coloca em causa a materialidade das operações tituladas nas facturas (data, realização, serviço prestado, preço…), a circunstância de haver números de identificação inválidos ou de serem mesmos inexistentes, não é suficiente, por si só, para se deixar de considerar o emitente de tais documentos como sujeito passivo para efeitos da dedução de I.V.A..
III - O direito à dedução de I.V.A. não pode ser recusado por falta de requisitos formais, incluindo aquela circunstância, de acordo com a jurisprudência do T.J.U.E. (acórdãos Mahagében e Dávid, de 21-6-2012, processos C-80/11 e C-142/11, Petroma, de 8-3-2013, proc. C-271/12, e PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14), bem como do S.T.A. (acórdãos de 14-12-2011, proferido no proc. 076/11 e de 22-1-2020, no proc. 0595/04.0BEVIS), segundo a qual a alínea a) do nº 5 do artº 35º (actual) 36.º do CIVA impõe a obrigação das facturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira.
Assim sendo, é positiva a resposta a esta questão; e daqui decorre que o acto impugnando há de ser anulado na medida correspondente à não aceitação da dedução do IVA suportado nas facturas emitidas pela firma [SCom01...] Lda NIPC: ...44, (€757,13 no exercício de 2004 e €343,01 no exercício de 2005).

Questão
A sentença recorrida errou em matéria de facto:
a) por não ter dado como provado que os bens constantes das facturas emitidas pelo fornecedor “[SCom01...], Lda.”, foram efectivamente transmitidas por este à recorrente, cf. Anexos 1 e 2 do relatório da inspecção; e
b) Por não ter dado como provado que os filhos e o marido da recorrente utilizavam os computadores portáteis, ao serviço da recorrente, no o norte do território nacional, para encontros de negócios e angariação de clientes, conforme ficou demonstrado pela prova testemunhal e pela prova documental constituída pela carteira de clientes;
c) Por não ter dado como provado, que a sociedade utilizava os recursos da sociedade “[SCom02...]” no exercício da sua actividade empresarial, nomeadamente instalações, água e electricidade e a gerente.
Daqui resultando o erro de direito de violação do artigo 20º do CIVA?

A alínea a) da questão está prejudicada pela resposta dada à questão 2ª e suas consequências. Com efeito, uma vez considerado que a AT recusou a dedução do IVA mencionado nas facturas sobreditas apenas por haver erro no NIF de um dos sujeitos passivos, sem pôr em causa a veracidade das operações, e que, por isso, a sentença recorrida errou de direito ao confirmar o acto tributário na ordem jurídica, pelo que o acto tributário impugnado tem de ser anulado nessa parte, já não tem sentido discutir se houve erro de julgamento de facto por não ter sido dada como provada a veracidade das operações facturadas.
Quanto às outras alíneas:
A sentença recorrida não deu como não provados os factos sobreditos. Antes e simplesmente não os especificou como factos provados nem não provados.
O texto da sentença é claro no sentido de que a Mª Juiz a qua entendeu não ter de pronunciar-se sobre tais factos como provados ou não provados, pois quanto a factos não provados a mesma declarou não os haver com relevância para a boa decisão da causa.
Assim sendo, o que juridicamente se alega e importa apreciar é se o Tribunal recorrido se devia pronunciar – e, nesse caso, afirmativamente – sobre a prova daqueles ou algum daqueles factos, bem como, consequentemente, (qual) a sanção do direito para a omissão. Só no caso de se concluir que eram devidas as pronúncias é que terá sentido este tribunal julgar (reunidas as condições para tal, conforme artigo 662º nº 1 do CPC) sobre se ficaram provados.
Vejamos:
Dispõe o artigo 123º nº 2 do CPPT que a sentença discriminará a matéria de facto provada e a não provada.
O que é e não é a matéria de facto que tem de ser discriminada como provada ou não provada diz-no-lo o artigo 5º nº 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT: o Juiz deve atender, na sentença, aos factos alegados nos articulados, aos instrumentais desses, que resultem da instrução da causa e aos que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a possibilita de se pronunciar sobre os mesmos.
Resulta, ainda, dos nº 2 e 3 do artigo 607º do CPC, aplicável no processo tributário, nos termos do artigo 2º do CPPT, porque o artigo 123º do CPPT não regula exaustivamente a estrutura da sentença, que a discriminação dos factos provados e não provados (atendíveis) integra a fundamentação da sentença em matéria de facto.
Assim sendo, a omissão de pronúncia sobre factos alegados e relevantes para a discussão da causa, em alguma das perspectivas em confronto, viola a conjugação dos artigos 123º nº 2 do CCPT e 5º nº 2 e 607º nºs 2 e 3 do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.
Qual é sanção do direito para esta violação?
Não ignoramos o entendimento segundo o qual se trataria de um erro de julgamento de facto, por não se terem seleccionado todos os factos necessários, mas não nos revemos nessa qualificação, desde logo porque a quem omite o acto de julgar não se pode apontar erro de julgamento.
Dir-se-ia tratar-se, então, de uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre uma ou mais questões de facto sobre que se imporia pronúncia, nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alª d) do CPC, segundo o qual a sentença é nula “quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar”. Com efeito trata-se do silêncio do juiz sobre questões de facto colocadas pelas partes. Porém, o conceito de “questão” instalado na jurisprudência e na doutrina mais secundada prejudica este entendimento, pois entende-se por questão não qualquer facto individual a julgar provado ou assente, mas apenas um complexo fáctico-jurídico de que possa depender a decisão da causa.
Uma vez que a discriminação de todos os facto atendíveis nos termos do nº 2 do artigo 5º do CPC integra, conforme artigo 607º nº 4 do CPC e 123º nº 2 do CPPT, a fundamentação da sentença, então, a omissão sobre a prova ou não prova de facto atendíveis, mormente esses que indubitavelmente o eram porque alegados pelas partes e relevantes para uma eventual decisão da causa a seu contento, resulta numa violação do dever de fundamentar a sentença em matéria de facto e é sancionada como nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT segundo o qual é “causa de nulidade da sentença a não especificação doa fundamentos de facto e de direito da decisão”. Assim, omitir a pronúncia sobre facos relevantes, isto é, de cuja prova e não prova pode depender, ao menos num entendimento plausível, a decisão da causa resulta numa falta de especificação de ao menos parte dos fundamentos de facto da decisão.
Eis por que temos vindo a entender que a falta de especificação como provados ou não provados, com a respectiva fundamentação, de factos atendíveis para a discussão da causa em alguma solução plausível desta constitui nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT, por falta parcial da fundamentação de facto da decisão.
Posto isto, importa apreciar se os factos integrantes das alíneas b e c desta questão 3ª estavam alegados nos articulados das partes, designadamente na Petição Inicial.
Lida a Petição, verificamos que os factos a que alude a alínea b) da questão correspondem aos artigos 16º a 18º:
“16. - Porque, os portáteis são precisos para a actividade de seguros e estão a ser utilizados pelo marido da impugnante e pelos seus filhos, quando se deslocam para o norte do território nacional, principalmente desde ... ao ...,
17 - Pois, trata-se de uma actividade ambulante, porta a porta, em que no local têm de ser simuladas as variadas propostas, para os clientes,
18. - A carteira prova que os clientes existem desde ..., passando por ... até ao ..., etc. (Doc. 14 Anexo).”
Já os factos a que alude a alínea c), esses, não têm réplica na Petição. Aliás, a causa de pedir da impugnação no tocante a estas facturas da [SCom02...] vem enunciada nos artigos 26º a 34º e 36º a 38º em termos que jamais definem que serviços foram esses que vinham facturados, pelo que de modo algum se pode entender deles que se tratava de recursos de água energia e trabalho prestados pela gerente da [SCom02...] à Impugnante.
Assim, e em face do acima exposto em geral, concluímos, em concreto, o seguinte:
A Sentença recorrida não continha que nem devia conter qualquer pronúncia sobre a prova dos factos referidos na alínea c) da presente questão, mas devia ter-se pronunciado sobre a prova do facto a que alude a alínea b), pelo que nesta específica parte a sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT, por falta de discriminação como provado ou não provado, de um facto sobre cuja prova se impunha pronunciar-se.

Consequências desta nulidade.
Dispõe, o artigo 665º nº 1 do CPC que “ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer da apelação.
Por sua vez, o artigo 662º nº 1 do CPC dispõe que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A prova documental produzida e invocada na PI – no sentido da dispersão territorial dos clientes da Impugnante – e os depoimentos das pessoas inquiridas – no sentido da utilização indiferenciada dos portáteis pelos vários colaboradores – se é certo que confere utilidade em abstracto à aquisição de computadores portáteis, por outro lado não permite ter por provado que os mesmos eram utilizados pelos marido e filhos da Impugnante na angariação de clientes no exterior do estabelecimento.
Por outro lado, a firmação de que os portáteis são precisos para a actividade de mediação de seguros é conclusiva, releva de um juízo em matéria de facto, pelo que não pode ser julgada provada.
Assim sendo, nos termos dos sobreditos normativos, altera-se a decisão recorrida em matéria de facto, nos seguintes termos:
Factos não provados:
1 - A mediação de seguros pela impugnante era uma actividade ambulante, porta a porta, em que no local tinham de ser simuladas as variadas propostas, para os clientes.
2 - Os portáteis são precisos para a actividade de seguros e eram (em 2004 e 2005) utilizados pelo marido da impugnante e pelos seus filhos, quando se deslocavam para o norte do território nacional, principalmente desde ... ao ..., na angariação de clientes.

4ª Questão
Em qualquer caso a sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando os artigos 19º e 35º nº 5 do CIVA uma vez que o incumprimento dos requisitos das facturas emitidas pela firma [SCom01...] não inibia o sujeito passivo de provar a os elementos substanciais das operações facturadas, com vista à dedução do IVA nestas constante?

Esta questão está prejudicada, uma vez que da apreciação da 2ª questão resulta procedência do recurso e da impugnação no que respeita à desconsideração da dedução das facturas da firma [SCom01...], por tal ter sido decidido tão só com fundamento no erro do NIF de um dos sujeitos passivos.

5ª Questão
Mesmo prescindindo da prova dos factos objecto da terceira questão, a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito, na medida em que releva do julgamento de que a AT recolheu fundados indícios de que as operações facturadas pela [SCom02...] não haviam acontecido, isto é, de que se tratava de contratos simulados e de que os computadores portáteis adquiridos não estavam afectos à actividade da empresa, já que a recorrente demonstrou, mediante as testemunhas apresentadas, que os “documentos sociais” são verídicos?

Quanto ao IVA suportado na aquisição de dois computadores portáteis, o discurso da sentença é o seguinte:
«Preceitua a alínea a), do n.° 1, do artigo 20.° do CIVA, que só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.
Ora, a Impugnante não conseguiu provar que a aquisição dos computadores serviram para realizar a sua actividade de seguros, apesar de argumentar que os computadores portáteis se encontravam no ... a serem usados pelos seus filhos e pelo seu marido quando se deslocava ao norte, na actividade de seguros.
Na verdade, o que ficou demonstrado nos autos foi que os filhos da Impugnante não eram seus trabalhadores, encontrando-se, na altura, a estudar no ..., sendo certo que o filho mais novo tinha apenas 16/17 anos.
Não é verosímil, ao contrário do alegado pelos Impugnantes, que um jovem de 16/17 anos tenha a tarefa de angariação de clientes, tendo, para o efeito, de se deslocar a vários locais na zona do .... Aliás, não tem idade para ter licença de condução de veículos automóveis, o que tomava aquela tarefa ainda mais impossível.
Por outro lado, se ele e o irmão se encontravam a estudar, não é crível a este Tribunal, que ao mesmo tempo, praticassem a actividade de angariar clientela para a sua mãe e a proceder à elaboração de seguros.
Muito menos, parece credível, o marido da Impugnante utilizar os computadores se, segunda alega, os mesmos se encontram no ... com os seus filhos.
Nesta senda, muito bem andou a AT, ao considerar indevida a dedução do IVA.»
A sentença recorrida laborou, sem o sustentar de jure, no pressuposto de que era do contribuinte o ónus de provar a utilização dos dois portáteis na actividade tributada.
Dir-se-ia que mesmo assim andou bem, pois se a dedução do IVA é o objecto de um direito do sujeito passivo (nos termos do artigo 19º e 20º do CIVA) então, conforme artigo 74º nº 1 da LGT, é a ele que cumpre provar o facto de que emerge esse direito (in casu a utilização dos portáteis na actividade da Impugnante).
Porém, esta regra tem de harmonizar-se com o artigo 75º nº 1 do mesmo diploma, que conferia presunção de verdade à declaração de autoliquidação do IVA entregue pela Impugnante.
Ante a inexistência de qualquer desconformidade da contabilidade da Impugnante, em termos formais, com o legalmente exigível, temos de concluir que a Impugnante gozava da presunção de verdade do objecto e dos pressupostos das suas declarações periódicas de autoliquidação.
Aqui torna-se necessário ter presente mais uma norma em matéria de ónus da prova no procedimento e no processo tributário. Trata-se da alª a) do nº 2 do mesmo artigo 75º da LGT, de cujo dispositivo decorre que a presunção conferida no nº 1 cede lugar à regra geral que é o nº 1 do artigo 74º quando a AT tiver logrado provar factos de que decorra “a contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem” ou impedem “o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Assim sendo, se pretendia não reconhecer o direito à dedução, era da AT o ónus de invocar e provar factos de que decorressem indícios fundados de que, no que à aquisição dos portáteis concerne, a contabilidade não espelhava a realidade, isto é, de que os portáteis não se haviam destinado e não eram utilizados na actividade tributada em IVA, objecto do sujeito passivo Impugnante. Só então passaria a ser ónus da Impugnante provar a utilização dos aparelhos no desenvolvimento da sua actividade tributada em IVA.
Ora a AT, para fundamentar a recusa das deduções, limitou-se a afirmar, dogmaticamente, que os portáteis não eram necessários para a actividade tributada.
Mesmo que vamos a outras paragens do Relatório procurar fundamentação para a recusa, tudo o que encontramos é a alegação, a propósito da recusa do custo da amortização da aquisição deles, de que no estabelecimento já havia três computadores de secretária, daí se concluindo que os portáteis não seriam necessários para a obtenção de proveitos ou a manutenção da fonte produtiva, o que de modo nenhum é uma necessidade, além de que releva de um juízo da AT sobre as opções de gestão do contribuinte, atribuição que não lhe cabe.
Note-se que da fundamentação da recusa da dedução do IVA dos portáteis não faz parte qualquer alegação de que os aparelhos se encontravam na posse e a serem utilizados por dois dos filhos da Impugnante, estudantes no ..., facto que, diga-se, até consideraríamos susceptível de abalar a presunção conferida ao sujeito passivo pelo nº 1 do artigo 75º da LGT: tudo isso são alegações feitas posteriormente ao procedimento, em sede judicial e, aliás, pela Impugnante, ou seja, isso não integram a fundamentação do acto impugnado.
Entendemos, pelo exposto, que a AT não se satisfez o ónus de invocar e provar factos susceptíveis de abalar a presunção de veracidade de que gozavam as declarações de autoliquidação e contabilidade do sujeito passivo por força do nº 1 do artigo 75º da LGT, no que às destinação e utilização dos portáteis dizia respeito, pelo que não impendia sobre o sujeito passivo, ora Recorrente, o ónus de demonstrar a utilidade e a utilização dos aparelhos na actividade tributada.
Daqui decorre, em nosso julgamento, que a sentença recorrida errou de direito no que ao IVA dos portáteis concerne, quando assentou a confirmação do acto impugnado no juízo de que “a Impugnante não conseguiu provar que a aquisição dos computadores serviram (sic) para realizar a sua actividade de seguros”.
Mal andou, antes e por sua vez, a AT, ao assentar a não aceitação da dedução do IVA tão só na afirmação dogmática de que os portáteis não eram utilizados na actividade tributada da Impugnante, ou mesmo na mera alegação, em abono da não aceitação das amortizações dos portáteis, de que já existiam no escritório outros tantos PCs de secretária. Nesta parte não secundamos o ac. emitido por este TCAN no processo 1632/07.1BEVIS, no qual era impugnado o IRS adicional resultante da mesma inspecção. A ponderação, que julgamos ser a legalmente devida, dos ónus da prova, é que a tanto conduz. Compre notar, porém, o seguinte:
No nosso caso, a fundamentação da recusa, pela AT, da dedução do IVA, bem como a da sua confirmação pela sentença aqui recorrida, residiu em não ter, a Impugnante, provado a utilização dos portáteis na sua actividade (não na prova do facto contrário, ou de factos seu indício). Já no acórdão proferido naquele outro processo a confirmação da não aceitação dos custos com os PCs portáteis, assentou, além do mais, no juízo de que “resulta da factualidade apurada [que] os portáteis em crise, adquiridos pelos Recorrentes, estavam nas mãos dos filhos (ao tempo com 16 e 21 anos de idade), que se encontravam a estudar no ..., não estavam a ser utilizados pelos Recorrentes na sua actividade mas, como dissemos, pelos filhos que não eram seus trabalhadores”.

E quanto ao IVA suportado (alegadamente) nas facturas de “Prestação de serviços” emitidas pela [SCom02...], quid juris?
Efectivamente, o fundamento de facto expressamente invocado para o acto impugnado, nesta parte, é a natureza fictícia, isto é, simulatória, das facturas. As operações seriam inexistentes porque a prestadora dos serviços facturados não tinha quaisquer meios próprios, nem materiais nem humanos, pelo que não poderia ter prestado por si quaisquer serviços à impugnante, designadamente os mencionados: “referentes à cobrança de seguros e venda de revistas”.
Aqui é necessário chamar à colação, mais um vez, a norma charneira em matéria de ónus da prova no procedimento e no processo tributário que é já citada alª a) do nº 2 do artigo 75º da LGT.
No que concerne à não aceitação da dedução do IVA mencionado nestas facturas, o discurso da sentença no sentido da conformação do acto impugnado é redutível ao seguinte:
«Quanto a estes factos, a AT sublinhou que os Impugnantes apresentaram custos referentes a subcontratos, custos esses, suportados com base em facturas emitidas pela firma "[SCom02...] LDA", constando a designação "Prestação de serviços efectuados durante o ano de 2004/2005 referente à cobrança de seguros e venda de revistas", mas que titulam operações fictícias, tendo em conta que a empresa emitente das mesmas não possui pessoal afecto à actividade. Concluiu que, não possuindo pessoal afecto à sua actividade, incompreensível se toma que tenha efectuado quaisquer serviços.
Apreciemos.
Na situação sub judice, ou seja, para a constatação da existência de facturas falsas, que não correspondem a operações materiais reais, basta à AT concluir haver indícios sérios dessa falsidade, cabendo ao sujeito passivo, in casu, a aqui Impugnante, fazer a prova em sentido contrário, isto é, que as operações consubstanciadas nas facturas existiram.
Deste modo, a AT tem que coligir indícios fundados de que os serviços titulados nas facturas não são verdadeiros para afastar a presunção da veracidade das declarações do sujeito passivo (artigo 75.° da LGT). Por sua vez, o sujeito passivo tem que demonstrar que as operações materiais descritas nas facturas correspondem à realidade.
Neste sentido, tem entendido a jurisprudência, de modo pacífico, que:
"(…) II - Tendo a Administração Fiscal, por considerar seriamente indiciado não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, não considerado como custos os montantes delas constantes, não precisa de demonstrar a falsidade de tais documentos, bastando-lhe evidenciar a consistência daquele juízo, incumbindo ao contribuinte provar a realidade das ditas operações", Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 27.02.2004, no processo n.° 0810/04.
"Daí que caiba, em princípio, à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável ao contribuinte) e só quando se mostrem verificados esses pressupostos passa a caber ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, solução que corresponde à regra geral do art. 342° do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contra-parte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos (solução que se mostra acolhida pelo art. 121° n° 1 do CPT e no art. 100° n° 1 do CPPT e no art. 740 da LGT).
Neste sentido veja-se a actual jurisprudência do STA e do TCA, onde se sufraga o entendimento pacífico e uniforme de que é à AT que cabe, em termos correspondentes ao disposto no artigo 342° do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação - entre tantos outros, os Acórdãos do STA de 24/04/02, no Rec. n° 102/02; de 17/04/02, no Rec. n° 26.635; de 09/10/02, no Rec. n° 871/02; de 14/11/01, no Rec. n° 26.015; e os Acórdãos do TCA de 1/06/04, no Rec. n° 275/03; de 6/05/03, no Rec. n° 5926/0; de 5/03/02, no Rec. n° 5500/01). (...)... “não será necessário que a AT prove os pressupostos da simulação previstos no art. 240° do Código Civil (a existência de divergência entre a declaração e a vontade negociai das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros), sendo bastante a prova de elementos indiciários que levam a concluir nesse sentido, isto é, de indícios sérios, objectivos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada, de que as facturas não titulam operações reais, pois de contrário seria praticamente impossível atingir o objectivo legal de tributação do rendimento real e de combate à fraude fiscal.". - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 16.02.2006, no processo n.° 00043/04.
Nesta conformidade, basta à AT verificar a existência de indícios fundados e não uma "prova provada" de que por detrás dos documentos não está a realidade que demonstram e assim cessa a presunção a favor do contribuinte, prevista no artigo 75.° da Lei Geral Tributária, (presunção da veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes).
Como nos ensina Alberto Xavier, (Conceito e Natureza do Acto Tributário, p. 154) a demonstração da falta de veracidade das operações tituladas pelas facturas basta-se com a denominada prova indirecta, assente em "factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova"”.
Por sua vez, recai sobre a Impugnante o ónus de demonstrar a veracidade das operações económicas subjacentes à dedução do imposto nos termos do artigo 19.° do CIVA, não lhe bastando, porém, criar uma fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto impugnado, prevista no artigo 100.° do CPPT, pois este normativo não se aplica ao caso. A norma do n.° 1 deste artigo, (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT: in dúbio contra o Fisco), apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, in casu, é à contribuinte que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto.
No sentido vindo de referir vejam-se, inter alia, os seguintes Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte:
"(,..)2. Tendo o juízo da administração tributária assentado na consideração de que a operação mencionada em determinada factura não corresponde à realidade, haverá de demonstrar a existência de indícios sérios de que a operação referida na factura foi simulada
3. Feita essa prova, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito a fazer reflectir negativamente os custos declarados na determinação da respectiva matéria tributável nos termos que decorrem dos artigos 17° n° 1 e 23° do CIRC, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada." - de 28.01.2010, P. 04871/04.
"(...) II - Resultando a correcção da matéria tributável declarada do facto de a AT ter considerado que uma factura que documentava custos não correspondia a operações reais, motivo por que desconsiderou tais custos e acresceu à matéria tributável declarada o montante daquela factura, à AT compete fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação no sentido da correcção do lucro tributável (ou seja, de demonstrar os "factos-índice" - indícios objectivos e credíveis - que, conjugados uns com os outros e apreciados à luz das regras da experiência, lhe permitiram concluir que às facturas em causa não correspondem operações reais), competindo depois ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos que alegou como fundamento do seu direito de ver tais montantes relevados negativamente no rendimento tributável.
III - Não basta ao contribuinte criar dúvida a esse propósito pois o art. 121.°, n.° 1, do CPT, em vigor à data, não logra aqui aplicação, pois não é a AT quem está a invocar a existência de um facto tributário não declarado ou a atribuir a um facto tributário uma dimensão diferente da declarada, caso em que seria de decidir contra ela a dúvida, mas é o contribuinte quem invoca o seu direito a ver relevados negativamente na determinação da matéria colectável os custos que diz ter suportado, motivo porque a dúvida a esse propósito lhe é desfavorável.
IV - Sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cf. art. 115°, n.° 1, do CPPT) e da livre apreciação da prova (cf. art. 655° do CPC), deve o tribunal pautar a sua actividade de valoração da prova apresentada para convencer da realidade das operações e/ou da sua dimensão pautar por critérios de exigência e rigor, não servindo esse desígnio a prova documental inconcludente e a prova testemunhal contrariada pelos elementos recolhidos pela AT". - de 11.03.2010, processo 02794/04.
Nuno Sá Gomes (in CTF, n° 377, p. 10 e ss.) refere que a simulação traduz-se numa divergência bilateral e intencional entre a vontade real e a vontade declarada pelos contratantes com o intuito de enganar terceiros e, tratando-se de simulação fiscal, o Estado.
O problema da simulação está na prova, uma vez que pela própria natureza das coisas o negócio dissimulado resulta de um acordo restrito, em regra meramente oral, reservando-se os documentos para a aparência, para o negócio simulado. Perante um quadro destes, facilmente se conclui não haver outro meio de alcançar a prova da simulação senão através da chamada prova indirecta, por indícios e presunções naturais (a menos que os simuladores o confessem, o que será caso verdadeiramente excepcional), sob pena de se renunciar à perseguição da ilicitude. A prova que se exige em direito não é uma prova que vise a certeza total e exclua a possibilidade de o facto não ter ocorrido de modo diferente, como acontece nas ciências matemáticas. A demonstração da realidade dos factos em processo judicial não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, sob pena de o Direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens. A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto (Antunes Varela e outros in "Manual de Processo Civil", 2ª edição, 1985, p. 435).
Isto posto, vejamos então, se os elementos coligidos pela AT constituem indícios consistentes da falta de veracidade das operações económicas tituladas pelas facturas em questão.
Do probatório, concretamente do relatório de inspecção tributária, nota-se que a AT desconsiderou os custos atinentes com as facturas emitidas pela "[SCom02...]" pelo facto de a referida empresa, nos anos em causa, não ter pessoal afecto à sua actividade, pelo que não poderia ter prestado quaisquer serviços.
Com efeito, decorre das regras de experiência comum, que uma empresa apenas pode prestar serviços se tiver pessoal para o efeito.
Desta forma, a AT coligiu um indício sério de que os serviços mencionados nas facturas emitidas não foram, na verdade, prestados pela respectiva emitente.
Feita essa prova, recaía sobre a Impugnante o ónus de demonstrar que as prestações de serviços identificadas nas facturas, efectivamente, tiveram lugar, afastando, desse modo, o indício coligido pela Fazenda Pública.
Ora, a Impugnante apresenta a versão segundo a qual, uma vez que não dispunha de recursos próprios, utilizava os recursos da sociedade "[SCom02...]", nomeadamente as instalações, água e electricidade. Ou seja, as facturas emitidas, ao contrário do que nelas se encontra descrito, não se referem a prestações de serviços mas a despesas várias incorridas pela "[SCom02...]" no interesse da Impugnante.
Todavia, os referidos custos não se encontram reflectidos contabilisticamente, não tendo sido apresentado quaisquer suporte documental dos mesmos. Concretamente em relação às instalações não foi junto contrato de arrendamento ou recibos de renda ou ainda eventual contrato de cessão de exploração. Acresce que, a factura emitida tem como descritivo a prestação de serviços de cobrança e gestão de carteira de seguros e vendas.
Acresce o facto de que, segundo depoimento do TOC da Impugnante o valor deduzido constitui uma mera expectativa e não um valor efectivamente pago.
Nestes termos, julgamos que a Impugnante não cumpriu o ónus de demonstrar que as facturas em crise titulam verdadeiras prestações de serviços realizadas pela emitente.
Improcede, assim, o vício alegado pelos Impugnantes.
Nesta parte, cumpre confirmar, se não toda a fundamentação, todo o dipositivo da sentença recorrida.
O que se podia dizer em termos genéricos sobre a conjugação das regras de ónus de prova decorrentes dos artigos 74º nº 1 e 75º nº 2 al. a) já vem bem explanado e desenvolvido no discurso da sentença recorrida acabado de transcrever, pelo que não o replicaremos.
Também está mui bem demonstrada, na sentença recorrida, a intensidade dos indícios da natureza simulatória dos objectos das facturas agora em causa.
Acrescentaremos apenas o seguinte:
O bem fundado dos indícios invocados pela AT, da inexistência dos contratos facturados e respectiva execução, reside na inexistência de meios e na inexistência de reflexos contabilísticos das putativas prestações de serviços, tal como descritas na facturação. Assim, é ocioso considerar e discutir a veracidade ou a prova de uma diversa natureza dos custos ou serviços, supervenientemente alegada e, aliás, não provada, designadamente a cedência de energia, água e trabalho da gerente da emissora das facturas.
Além disso, compre notar que a própria descrição difusa, quer em termos cronológicos, quer em termos semânticos, dos serviços prestados, concorre para a intensidade dos indícios de que as facturas serviram apenas para titular custo e IVA a deduzir.
Como se viu, a Impugnante, nem mesmo na PI alegou concretamente de que serviços verdadeiramente de tratava, antes se refugiou na generalidade e na indefinição que em si já eram suspeitas, pelo que tão pouco logrou provar a realidade das operações facturadas.
Como assim, a resposta a esta questão no que respeita às facturas da [SCom02...], é negativa, pelo que nesta parte o recurso haverá de improceder.

Conclusão:
Da conjugação das respostada aqui dadas às questões apreciadas resulta a procedência do recurso, com consequente procedência da impugnação, no que respeita ao IVA das facturas da firma [SCom01...] e ao IVA na aquisição de dois computadores portáteis, e a improcedência do recurso, com improcedência da impugnação, no que respeita ao IVA das facturas emitidas pela Firma [SCom02...].

IV – Custas
As custas do presente recurso e da Impugnação ficam a cargo da Recorrente e da recorrida na proporção do decaimento (artigo 527º do CPC), que se fixa em 56% para a recorrente e 44% para a Recorrida.

V- Dispositivo
Tudo visto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso, nos concretos termos definidos na conclusão supra.
Custas, por ambas as partes, consoante o decaimento, nas proporções acima definidas.

Porto, 11 de Janeiro de 20204

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes
Paula Moura Teixeira