Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00661/19.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/12/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:CONTRAORDENAÇÃO; ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO DE FACTO;
ERRO NA FORMA DO PROCESSO;
NULIDADE DE CONHECIMENTO OFICIOSO;
Sumário:
I. A alínea b) do artigo 431.º do CPP, conjugada com o artigo 412.º, n. º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas.

II. O recurso de contraordenação para impugnação de decisão de aplicação de coima por omissão de rendimentos na declaração Modelo 22 apresentada, não é o meio processual adequado para impugnar o actos de liquidação respeitantes aos exercícios, pelo que os correspondentes pedidos padecem de nulidade, de conhecimento oficioso [cf. artigos 193º e 196º do CPC].*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «X, S.A.» (Recorrente) notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, a qual julgou parcialmente procedente o recurso de contraordenação por si interposto na sequência da aplicação de coima por três infrações, relativas aos anos de 2014 a 2016, no valor de € 2.295,00, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1) Por decisão do chefe de Finanças de ... proferido em 16-07-2019, foi fixada uma coima única (€2.295,00) por pretendidas três infracções ao disposto no artigo 20º do Código do IRC (omissões e inexatidões), dos anos de 2014, 2015 e 2016.
2) Por não ter procedido “à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 ...procedeu a AT ao apuramento oficioso da matéria colectável”.
3) Em causa pretendeu-se influenciar a matéria colectável pelos proveitos subjacentes a direitos obtidos no âmbito de um esquisso apelidado de contrato de arrendamento de imóveis para fins não habitacionais, celebrado em 07-01-2013, que segundo a AT se encontrava em vigor à data dos factos.
4) Entende a recorrente que se tratou de uma ficção do inspector tributário com base num esquisso que encontrou ocasionalmente entre papéis não qualificados e que contemplava um projecto de contrato de arrendamento entre a «Y» (hoje insolvente/liquidada) e a «D»/«P».
5) «Y» que foi proprietária do edifício onde funciona hoje o Hotel ..., sito na Rua ............, ... em ....
6) Acresce que para afastar qualquer dúvida, as partes assumiram a suspensão nessa quando muito intenção de arrendamento nunca concretizado, com efeitos retroactivos na data da aquisição dos prédios pela ora recorrente.
7) A decisão recorrida considera o presente caso como de cumulação de pedidos, a saber:
– nulidade dos actos de liquidação; e
– absolvição da recorrente das coimas aplicadas.
8) Entendeu a Instância recorrida que existia um erro na forma do processo no que concerne ao primeiro pedido (nulidade dos actos de liquidação) decidindo-se pela nulidade parcial do processo, prosseguindo os autos apenas para a apreciação das coimas aplicadas.
9) Teríamos então um processo adequado para esse efeito, mas inadequado para o conhecimento dos fundamentos do pedido de absolvição das coimas aplicadas, que é uma consequência inevitável da nulidade dos actos de liquidação.
10) A conduta do inspector tributário traduziu-se inequivocamente na prática de uma ilegalidade, como tal susceptível de impugnação, porque os actos de liquidação são actos nulos.
11) A Instância recorrida considera o erro na forma do processo como de conhecimento oficioso e a inadmissibilidade da convolação (artigo 97º nº3 da LGT e nº4 do CPPT) a que acrescenta “ser manifesta a improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada” e conclui que a convolação para a forma processual adequada “se consubstancia na prática de um acto inútil proibido por lei” porque a improcedência da pretensão é manifesta.
12) Como se vê, começa por argumentar com a inadmissibilidade da convolação, optando depois para a manifesta improcedência da petição.
13) Não existem aqui pedidos incompatíveis, sendo que um é mera consequência do outro. A absolvição das coimas aplicadas é uma consequência da nulidade dos actos de liquidação. Impedido o conhecimento desta nulidade torna-se inútil e até proibido por lei o conhecimento das coimas.
14) O que aqui está sobretudo em causa é o ilícito comportamento do inspector tributário, branqueado pela Instância recorrida, pelo expediente da inadequação do processo à inevitável impugnação da ilegalidade da sua conduta, construção que lograria um resultado insuportável, amputando os autos da pretendida declaração de nulidade dos actos de liquidação, que apesar de ilegais se mantinham intocados, colando a AT à ilicitude de uma dupla tributação e irrepreensível nestes autos o inqualificável comportamento do inspector «AA», pagando a recorrente tributos indevidos e ainda suportando coimas, ainda que reduzidas.
15) O que temos para apreciar é um único recurso de impugnação, justificando por Douta Corrigenda, a nulidade dos actos de liquidação, ao acrescentar oficiosamente a matéria colectável e a declaração da sua nulidade implica como consequência necessária a absolvição da recorrente das coimas que lhe foram ilegalmente aplicadas.
16) Declarando o inspector tributário que se tratou de um apuramento oficioso da matéria colectável, não declarada pelo sujeito passivo (a recorrente), não ter procedido à entrega da declaração de rendimentos modelo 22, pelo que procedeu nos teros da alínea b) do artigo 90º do CIRE ao apuramento oficioso que apelida de matéria colectável da «X, S.A.» para os exercícios considerados.
17) Mas embora fosse a «D»/«P» que estava a ser inspeccionada e em cujos papéis não classificados descobriu o referido esquisso, já não considerou a inevitável correcção à sua matéria colectável nesses mesmos períodos em que considerou os falsos proveitos da proprietária, por consideração dos respectivos custos na contabilidade da pretensa arrendatária («D»/«P»). Falamos dos custos que necessariamente suportam os falsos proveitos oficiosamente apurados.
18) E não se tratou de um lapso por desconsideração ou menor atenção, porque falamos exactamente do número respeitante aos proveitos que considerou auferidos pela proprietária, nos períodos considerados, seja de €48.000 em cada exercício fiscalizado. Do que se tratou, como vemos, foi de um tratamento “esperto” atributos indevidos porque não havia qualquer indicio da vigência desse contrato.
19) Sendo que a pretendida arrendatária e a proprietária apresentam um órgão de administração com elementos comuns.
20) E não lhe trazia qualquer benefício a inventada omissão de proveitos, se o contrato de arrendamento estivesse vigente, porque os proveitos da proprietária seriam custos da arrendatária. A operação seria para si fiscalmente neutra.
21) É certo que a «P» apresentou prejuízos em alguns desses exercícios, mas exclusivamente pelo não pagamento até hoje dos terrenos do Loteamento ... que vendeu à «Z» e também da importância ainda em divida pela Câmara Municipal de ... dos terrenos ocupados pela Avenida ..., conhecida por circular interna e ainda também pelo aumento de ocupação de área expropriada nos terrenos anexos aos hospitais. Mas passou a cobrar directamente €48.000 exigidos à «X, S.A.» e ficou credora da mesma importância na inventada arrendatária.
22) E sendo certo que a entidade que inspeccionou foi justamente a «P», que lhe permitiu que constatasse na sua contabilidade que quem pagou as obras de reabilitação e adaptação dos edifícios em que funciona o Hotel ..., que são propriedade da «X, S.A.», foi precisamente a «P», sendo que as mais-valias resultantes dessa reabilitação ficaram incorporadas nos próprios edifícios, sendo por isso absurdo que a «P» ainda pagasse uma renda deste montante quando tinha suportado o custo da realização das obras.
23) O normal de acordo com a realidade acontecida seria no mínimo a suspensão da intenção de celebração de um arrendamento durante um período suficiente para cumprir a recuperação do investimento na reabilitação, o que a Instancia recorrida considera contraditório e fora de prepósito. Mas sem razão, como vemos.
24) É tudo tão evidente que só uma intenção de apropriação ilícita de tributos indevidos por inexistentes pode justificar a desconsideração dos custos dos proveitos inventados, assim seria de facto dobrada a receita apurada. Mas ilicitamente.
25) Prejudicada fica por isso a pretendida responsabilidade contraordenacional da recorrente tendo-se por nulo e de nenhum efeito a decisão de fixação de coimas porque são nulos os actos de liquidação.
26) Compete à AT um particular dever de respeito pela Cidadania, que lhe compete promover no respeito pelo Princípio da Legalidade que é o que justifica as prerrogativas de actuação que lhe são consentidas.
27) Tem assim esta comprovada factualidade motivo sério de crítica à Instância recorrida porque a recorrente não tinha que declarar rendimentos que não auferiu, porque não se encontra em vigor qualquer contrato de arrendamento de que tivesse obtido rendas.
28) Esforço reconhecido à decisão recorrida para justificar os actos de liquidação mas sobretudo as coimas aplicadas, injustificado e acima de tudo inglório na tentativa de descobrir contradições na argumentação da recorrente, porque face à ilícita actuação do inspector tributário, aproveitando as prerrogativas de actuação da AT em manifesto abuso de direito, a resolução do apelidado contrato que é um direito das partes a 31¬01-2013 bem como a suspensão do início da sua vigência por 15 anos como compensação das bem-feitorias assumidas passaram a ser parte integrante dos edifícios, não tem nada de contraditório.
29) Contraditório com a decência dos comportamentos exigidos é a desconsideração dos custos correspectivos na contabilidade da pretendida arrendatária dos proveitos nunca auferidos pela proprietária dos edifícios.
Preceitos violados:
- Artigo 130º do NCPC, aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do CPPT;
12 - Artigo 193º nº4 do CPC;
- Artigo 90º nº1 alínea b) do CIRE;
- Artigo 116º nº1 do RGIT;
- Artigo 75º nº1 da LGT;
- Artigo 7º nº2 alínea a) da LGT
Termos em que:
Deve ser declarada a nulidade dos actos de liquidação, absolvendo-se a ré/recorrente das coimas que lhe foram aplicadas,
assim se fazendo Justiça.»
1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 214 SITAF, no sentido da improcedência do recurso, no qual conclui:
«(...) Daí que feneçam os primeiros argumentos aduzidos pela Arguida/Recorrente, os quais afetam irremediavelmente toda a posterior argumentação jurídica do seu recurso.
Adrede e no tocante às demais questões jurídicas suscitadas nas conclusões das alegações da Recorrente, já discorreu a Meritíssima Juiz de Direito a quo na douta sentença recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Na verdade, a Meritíssima Juiz de Direito a quo inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente, fazendo-o com cristalina clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão.
Acresce que, as considerações interpretativas aí vertidas são quanto a nós, inteiramente válidas, pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores.
E, por outro lado, uma vez que as questões suscitadas no presente recurso já se encontram analisadas na sentença do tribunal a quo, a cuja fundamentação integralmente aderimos por não vislumbrarmos razão válida para dela divergir, temos de concluir, como ali, que o presente recurso deve improceder, porquanto a sentença recorrida não enferma dos vícios que lhe são assacados pela Recorrente. (cf. fls. 122 e ss. do SITAF).
III – Conclusões
Em conclusão:
a) – o recurso interposto pela Arguida/Recorrente «X, S.A.» deve ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se na Ordem Jurídica a douta decisão judicial recorrida por estar conforme à lei e ao direito; e
b) – com custas processuais pela Arguida/Recorrente [(cf. artigo 93º, n.º 3 do DL nº 433/82, de 27 outubro com as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas legais, Decreto-Lei 356/89, de 17 outubro, Decreto-Lei 244/95, de 14 setembro, e Lei 109/2001, de 24 dezembro – Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social [RGIMOS]) e artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigos 92º, n.º 1 do RGIMOS e 3º, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)].
É este, em suma, s.m.o., o sentido do nosso parecer.»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
1.5. Delimitação do objeto do recurso.
Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP, aplicável ex vi artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS, ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida que poderá abranger a matéria de facto e de direito - cf. artigo 83.º, n.º 2, primeira parte, do RGIT, a contrario sensu.
O regime dos recursos de decisões proferidas em 1.ª instância em processo de contraordenação encontra-se estabelecido nos artigos 73.º a 75.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações (RGC).
Delimitado o âmbito dos recursos de contraordenação e considerando as conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir:
(i) Do erro de julgamento ao ter considerado ocorrer cumulação ilegal de pedidos e erro na forma de processo;
(ii) Do erro de julgamento ao considerar que incorreu a Recorrente na infracção p.p. no artigo 119º do RGIT, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada e não provada na 1.ª instância e respectiva fundamentação:
«Com interesse para a decisão do recurso, julgam-se documentalmente provados, os seguintes factos:
1. Em 14.05.2018 foi levantado auto de notícia contra a ora Recorrente, pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., imputando-lhe a prática de três infracções, cometidas em 31.05.2015, 31.05.2016 e 31.05.2017, respectivamente, previstas no artigo 20.º do Código do IRC (“omissões e inexactidões nos proveitos ou ganhos com imposto a liquidar”) e punidas pelo artigo 119.º, n.º 1 (“omissões e inexactidões nas declarações e noutros documentos fiscalmente relevantes”) e 26.º, n.º 4, ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias, referentes aos exercícios fiscais de 2014, 2015 e 2016 (cfr. auto de notícia a fls. 1 verso e ss. dos autos);
2. O que originou na mesma data a instauração contra a visada Recorrente, pelo Serviço de Finanças de ..., do processo de contra-ordenação autuado sob o n.º .............................309 (cfr. autuação do visado PCO, a fls. 1 frente dos autos);
3. Em 08.06.2018, no âmbito do processo de contra-ordenação referido no ponto anterior, foi enviado para o domicílio fiscal da ora Recorrente, por correio postal registado, ofício a ela dirigido, tendente à sua notificação da instauração do visado PCO, do auto de notícia, e da suspensão do processo em virtude da existência de factualidade pela qual era devido imposto ainda não liquidado (cfr. visado ofício e respectivo talão de aceitação de correio postal registado, a fls. 12-13 dos autos);
4. Em 18.04.2019, no âmbito do mesmo PCO, foi enviado para o domicílio fiscal da ora Recorrente, por correio postal registado, ofício a ela dirigido, tendente à sua notificação para efeitos de apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima, indicando-se-lhe os montantes de €750,00 e €22.500,00 como sendo os valores mínimo e máximo de cada uma das três coimas aplicáveis (cfr. visado ofício e respectivo talão de aceitação de correio postal registado, a fls. 16-18 dos autos);
5. Em 16.07.2019 o Chefe do Serviço de Finanças de ... proferiu decisão final de aplicação de coima no processo de contra-ordenação em causa nos autos, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
DECISÃO DA FIXAÇÃO DA COIMA
(...)
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: Aos catorze dias do mês de Maio de dois mil e dezoito, eu «AA», Inspetor Tributário, no exercício das funções a meu cargo na Direção de ..., verifiquei direta e pessoalmente o seguinte: 1. Exposição dos Factos Constitutivos; 1.1. Exercício Fiscal de 2014 – Em sede de IRC; 1.1.1. Apuramento da matéria coletável não declarada; Em resultado do sujeito passivo «X, S.A.» não ter procedido à entrega dentro do prazo legal da declaração de rendimentos modelo 22 reportada ao exercício fiscal de 2014 a Administração Fiscal procedeu, nos termos do nº1 da alínea b) do artigo 90º do CIRC, ao apuramento oficioso da matéria coletável para esse mesmo exercício, no montante de 6.870 euros. ; No âmbito do presente procedimento inspetivo, foi possível constatar, com base nos elementos contabilísticos apresentados, que o resultado fiscal assumia a importância de – 20.621,35 euros.; Todavia, verificou-se que a matéria coletável supra referida não se encontra influenciada pelos proveitos subjacentes a direitos obtidos no âmbito de um contrato de arrendamento de imóveis para fins não habitacionais celebrado em 07.01.2013, e que à data dos factos (ano de 2014) se encontrava em pleno vigor. Os referidos proveitos (rendas) assumem a importância anual de 48.000 euros, pelo que a matéria coletável apurada para o exercício fiscal em discussão deverá ter o valor de 27.378,65 euros (48.000 euros – 20.621,35 euros).; A omissão de proveitos (rendas) no apuramento da matéria coletável supra referida, constitui infração aos artigos 17º, 18º e 20º do CIRC, punível nos termos do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.; 1.2. Exercício Fiscal de 2015 – Em sede de IRC; 1.2.1. Proveitos omissos; O sujeito passivo declarou, relativamente ao exercício fiscal de 2015, um resultado fiscal no montante de – 34.968,85 euros.; No decorrer do procedimento inspetivo detetou-se a existência de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais de dois prédios urbanos datado de 07.01.2013.; O referido contrato foi celebrado entre a sociedade «Y, S.A.», NIPC ... a qual assumiu a qualidade proprietária e senhoria , e a sociedade «D, S.A.» (atualmente designada por «P. S.A.») na qualidade de arrendatária.; Ficou estabelecido no referido contrato que pelo arrendamento de dois prédios urbanos situados na Rua ...,....... ........, da freguesia ........, concelho ......... (atuais artigos nº ....66 e ....69 da união das freguesias de ...) a primeira receberá por parte da segunda um montante de renda mensal de 4.000 euros, a que corresponde uma renda anual de 48.000 euros (4.000 x 12 meses).; Através de Escritura Pública realizada em 31.01.2013, a sociedade «Y, S.A.», NIPC ..., procedeu à alienação dos dois prédios urbanos em discussão, tendo a sociedade «X, S.A.» passado, a partir dessa data, a ser a legitima proprietária e senhoria.; De acordo com o preceituado pelo nº 1 do artigo 18º do CIRC, os rendimentos são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos independentemente do seu recebimento, de acordo com o regime de periodização económica.; Pelo que, as rendas do contrato de arrendamento em discussão independentemente do seu recebimento representam proveitos do exercício fiscal em que são geradas, pelo que devem ser relevadas contabilisticamente no ano a que respeitam, circunstância que não ocorreu.; A respeito do contrato de arrendamento para fins não habitacionais supra citado, importa referir que as duas entidades intervenientes (proprietária/senhoria e arrendatária) apresentam órgão de Administração com elementos comuns a ambas.; Em resultado da omissão contabilística supra referida o resultado fiscal de 2015 apurado e declarado pelo sujeito passivo «X, S.A.», encontra-se subavaliado no montante de 48.000 euros, importância que se refere aos proveitos (rendas) não contabilizadas nesse exercício, devendo a mesma assumir o valor final de 13.031,15 euros (- 34.968,85 euros 48.000 euros).; A omissão contabilística em discussão constitui infração aos artigos 18º e 20º do CIRC, punível nos termos do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributária, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.; 1.3. Exercício Fiscal de 2016 – Em sede de IRC; 1.3.1. Proveitos Omissos; O sujeito passivo declarou, relativamente ao exercício fiscal de 2016, matéria coletável no montante de 2.109,73 euros.; No decorrer do procedimento inspetivo detetou-se a existência de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais de dois prédios urbanos datado de 07.01.2013.; O referido contrato foi celebrado entre a sociedade «Y, S.A.», NIPC ... a qual assumiu a qualidade proprietária e senhoria , e a sociedade «D, S.A.» (atualmente designada por «P. S.A.») na qualidade de arrendatária.; Ficou estabelecido no referido contrato que pelo arrendamento de dois prédios urbanos situados na Rua ...,....... ........, da freguesia ........, concelho ......... (atuais artigos nº ....66 e ....69 da união das freguesias de ...) a primeira receberá por parte da segunda um montante de renda mensal de 4.000 euros, a que corresponde uma renda anual de 48.000 euros (4.000 x 12 meses).; Através de Escritura Pública realizada em 31.01.2013, a sociedade «Y, S.A.», NIPC ..., procedeu à alienação dos dois prédios urbanos em discussão, tendo a sociedade «X, S.A.» passado, a partir dessa data, a ser a legitima proprietária e senhoria.; De acordo com o preceituado pelo nº 1 do artigo 18º do CIRC, os rendimentos são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos independentemente do seu recebimento, de acordo com o regime de periodização económica.; Pelo que, as rendas do contrato de arrendamento em discussão independentemente do seu recebimento representam proveitos do exercício fiscal em que são geradas, pelo que devem ser relevadas contabilisticamente no ano a que respeitam, circunstância que não ocorreu.; A respeito do contrato de arrendamento para fins não habitacionais supra citado, importa referir que as duas órgão de Administração com elementos comuns a ambas.; Em resultado da omissão contabilística supra referida o resultado fiscal de 2015 apurado e declarado pelo sujeito passivo «X, S.A.», encontra-se subavaliado no montante de 48.000 euros, importância que se refere aos proveitos (rendas) não contabilizadas nesse exercício, devendo a mesma assumir o valor final de 50.109,73 euros (2.109,73 euros 48.000 euros).; A omissão contabilística em discussão constitui infração aos artigos 18º e 20º do CIRC, punível nos termos do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributária, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho.; 2. As funções de Contabilista Certificado encontram-se a cargo da Dra. «BB», detentora do NIF: ....; As funções de Fiscal Único encontram-se a cargo da firma «K, SROC», detentora do NIPC: ...., os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra – ordenação(ões).
1 Normas InfringidasNormas PunitivasPeríodo TributaçãoData InfracçãoCoima Fixada
Artigo
Artº 20º CIRC – Omissões e inexactidões nos Proveitos ou Ganhos com imposto a liquidar
Artigo
Artº 119º nº 1, 24º nº2 e 26 nº 4 RGIT – Omissões e inexactidões nas declarações e noutros documentos fiscalmente relevantes
20142015-05-31765.00
2 Normas InfringidasNormas PunitivasPeríodo TributaçãoData InfracçãoCoima Fixada
Artigo
Artº 20º CIRC – Omissões e inexactidões nos Proveitos ou Ganhos com imposto a liquidar
Artigo
Artº 119º nº 1, 24º nº2 e 26 nº 4 RGIT – Omissões e inexactidões nas declarações e noutros documentos fiscalmente relevantes
20152016-05-31765.00
3 Normas InfringidasNormas PunitivasPeríodo TributaçãoData InfracçãoCoima Fixada
Artigo
Artº 20º CIRC – Omissões e inexactidões nos Proveitos ou Ganhos com imposto a liquidar
Artigo
Artº 119º nº 1, 24º nº2 e 26 nº 4 RGIT – Omissões e inexactidões nas declarações e noutros documentos fiscalmente relevantes
20162017-05-31765.00
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Artº 7º do Dec-Lei Nº 433/82, de 27/10, aplicável por força do Artº 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contraordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Artº27 do RGIT):
Requisitos/Contribuinte(s)
...75...75...75
Actos de OcultaçãoNãoNãoNão
Benefício Económico0,000,000,00
Frequência da práticaAcidentalAcidentalFrequente
NegligênciaSimplesSimplesSimples
Obrigação de não cometer infracçãoNãoNãoNão
Situação Económica e FinanceiraBaixaBaixaBaixa
Tempo decorrido desde a prática da infracção> 6 meses> 6 meses> 6 meses
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79º do RGIT aplico ao arguido a coima única de Eur. 2.295,00 cominada no(s) Art(s)º Artº 119º nº 1, 24º nº 2 e 26 nº4 do RGIT, do RGIT, com respeito pelos limites do Artº 26 do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do Nº 2 do Dec-Lei Nº 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com o benefício de redução no prazo de 15 dias (78º/2 RGIT) ou sem benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79º/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de “Reformation in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).» (cfr. visada decisão, a fls. 20 e ss. dos autos);
6. Em 19.07.2019 foi enviado para o domicílio fiscal da ora Recorrente, por correio postal registado, ofício a ela dirigido, tendente à sua notificação da decisão final de aplicação de coima referida no ponto anterior (cfr. visado ofício e respectivo talão de aceitação de correio postal registado, presentes a fls. 19 e 24 dos autos);
7. Em 08.08.2019 deram entrada no Serviço de Finanças de ... as alegações de recurso da decisão de aplicação de coima aludida nos pontos anteriores, as quais deram origem aos presentes autos recursivos (cfr. carimbo e comprovativo de entrada de documento, por referência às visadas alegações, a fls. 25 e ss. dos autos);
8. Em 27.11.2019 foi proferido despacho de admissão liminar dos presentes autos, sendo recepcionado em 03.12.2019, no domicilio fiscal da ora Recorrente, enviado que foi por correio postal registado, o ofício tendente à notificação do aludido despacho (cfr. visado despacho, ofício e respectivo aviso de recepção, a fls. 62, 65 e 68 dos autos);
Mais se provou que:
9. No dia 07.01.2013 foi celebrado, por documento particular, “contrato de arrendamento para fins não habitacionais, com prazo certo”, entre a sociedade «Y, S.A.», NIF ..., na qualidade de proprietária e senhoria, e a sociedade «D, S.A.», (denominada hoje de «P. S.A.», S.A.), NIF ..., na qualidade de arrendatária, através do qual a primeira outorgante arrendou à segunda outorgante, pelo prazo de dez anos, dois prédios situados na Rua ..., em ..., inscritos na matriz predial urbana da Freguesia ..., ..., sob os artigos ...22 e ...73, pela renda mensal de €4.000,00 (cfr. visado contrato junto pela Recorrente, a fls. 32-33 dos autos);
10. Nos dia 31.01.2013 foi celebrada escritura pública de compra e venda entre a sociedade «Y, S.A.», na qualidade de vendedora, e a ora Recorrente, na qualidade de compradora, tendo por objecto os dois prédios urbanos referidos no ponto anterior e um prédio rústico, através da qual foram os prédios urbanos vendidos pelo preço global de €650.000,00 (cfr. cópia da certidão da visada escritura pública, junta pela Recorrente, a fls. 34 e ss. dos autos);
11. Em 17.03.2017 foi emitido pela Câmara Municipal de ... o Alvará de Autorização de Utilização n.º ...3/2017, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
«(...) por despacho exarado em 17/03/2017, relativo ao pedido tramitado nos serviços municipais sob o registo n.º ........42/2017 e ......19/2017 (...) e referente aos prédios sitos na Rua ..., ..., da união das freguesias de ... (........, ..., Almedina e ...), descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ......416 e n.º .....830, inscritos na matriz da respetiva freguesia, sob o n.º ..72 e n.º ..73 respetivamente, foi aprovada a concessão de autorização de utilização para os seguintes fins: Estabelecimento hoteleiro de 4* (23 unidades de alojamento).
Assim, nos termos do disposto no art.º 74º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, é emitido o presente alvará em nome de «P. S.A.», contribuinte fiscal ........, para que sirva de título ao requerente para os devidos e legais efeitos.» (cfr. cópia do visado Alvará, junta pela Recorrente, a fls. 39 dos autos).
*
Com interesse para a decisão do presente recurso julgam-se como não provados, os seguintes factos:
1. O contrato de arrendamento aludido no ponto 9. dos factos provados consubstancia uma mera “intenção de arrendamento”, dado nunca ter chegado a vigorar (não foi junta ou requerida a produção de qualquer prova por referência a tal alegação da Recorrente);
2. A ora Recorrente acordou com a «D, S.A.» a suspensão do início de vigência do visado contrato de arrendamento, pelo período de 15 anos, a contar da data de obtenção da licença de utilização para fins turísticos referida no ponto 11. dos factos provados, ou seja, até 17.03.2032 (não foi junta ou requerida a produção de qualquer prova por referência a tal alegação da Recorrente);
3. A Recorrente acordou com a «D, S.A.» a “resolução” do visado contrato de arrendamento com efeitos retroactivos a 31.01.2013 (não foi junta ou requerida a produção de qualquer prova por referência a tal alegação da Recorrente).
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A convicção do Tribunal quanto ao probatório fixado resultou do exame do processo de contra-ordenação constante dos presentes autos e dos documentos juntos pela Recorrente, não impugnados, conforme indicado em cada ponto do probatório.»

2.2. De direito
A Recorrente («X, S.A.») insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., o qual julgou parcialmente procedente o recurso de contraordenação por si interposto na sequência da aplicação de coima por três infrações, relativas aos anos de 2014 a 2016, no valor de € 2.295,00.
Importa antes de mais parametrizar a decisão sob recurso, sendo que a mesma comporta quatro segmentos, susceptíveis de sintetização nos seguintes termos:
(i) Na consideração de ocorrer uma cumulação ilegal de pedidos e erro na forma do processo quanto ao pedido da Recorrida/arguida atinente aos actos de liquidação de IRC dos anos de 2015, 2016 e 2017, subjacentes às coimas aplicadas, que «devem ser considerados inválidos, porque feridos de nulidade», nos termos dos artigos 133.º e 134.º do CPA, mais alegando que a contabilização do ficcionado contrato de arrendamento era neutra para o Estado, o Tribunal a quo julgou parcialmente nulo o processo quanto ao assim peticionado, determinando o prosseguimento dos mesmos para conhecimento do pedido de absolvição da arguida por referência à coimas aplicadas;
(ii) Da não prescrição das coimas aplicadas em 16.01.2019, referentes a 2015 e 2016;
(iii) Da errada subsunção dos factos ao tipo contra-ordenacional por referência a 2014, porquanto o facto punível praticado pela arguida não foi a omissão de proveitos na sua declaração Modelo 22 de IRC referente ao ano de 2014, mas sim a falta de entrega, dentro do prazo legal, da declaração de rendimentos Modelo 22 reportada ao exercício fiscal de 2014, conduta subsumível à norma do artigo 116.º, n.º 1 do RGIT (falta ou atraso de declarações), e não à do artigo 119.º, n.º 1 do RGIT (omissões e inexactidões nas declarações), a qual não se pode manter atenta a moldura da coima prevista no artigo 119.º, n.º 1 do RGIT diversa e superior à que resulta do artigo 116.º, n.º 1 do RGIT, determinante da anulação da decisão de aplicação da respectiva coima;
(iv) Na consideração de que as condutas descritas (omissão de inscrição dos proveitos consubstanciados em rendas prediais nas Declarações Mod. 22 de IRC dos exercícios de 2015 e 2016 entregues pela Recorrente), traduzem-se num facto típico, expressamente previsto no Código do IRC, sendo o não cumprimento de tal obrigação punível por lei, mormente no artigo 119.º, n.º 1 do RGIT, e uma vez que as “contraordenações tributárias são sempre puníveis a titulo de negligência” (salvo disposição expressa da lei em contrário, cfr. art.º 24.º, n.º 1do RGIT), é de concluir pela existência de um facto típico, ilícito, culposo e declarado punível por lei.
Inconformada, a Recorrente (arguida), como já se referiu supra, dirige o seu ataque ao decidido em (i) e (iv) [do erro de julgamento ao ter considerado ocorrer cumulação ilegal de pedidos e erro na forma de processo; do erro de julgamento ao considerar que incorreu a Recorrente na infracção p.p. no artigo 119º do RGIT, relativamente aos exercícios de 2015 e 2016], mantendo todo o mais incólume, com destaque para o julgamento de facto.
É que, sobre o julgamento de facto dispõem o artigo 431º do Código de Processo Penal (CPP), que, «sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
c) Se tiver havido renovação de prova.».
A situação mais comum de impugnação da matéria de facto é a que respeita à alínea b) do artigo 431.º do CPP.
Esta alínea b) do artigo 431.º do CPP, conjugada com o artigo 412.º, n. º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar: «a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas».
Assim, em recurso, a reapreciação da prova depende do cumprimento de requisitos de forma e conhece condicionantes e limites.
No que se refere a requisitos formais, o recorrente que queira ver reapreciados determinados pontos da matéria de facto tem que dar cumprimento a um tríplice ónus, qual seja:
- Indicar, dos pontos de facto, os que considera incorrectamente julgados – o que só se satisfaz com a indicação individualizada dos factos que constam da decisão, sendo inapta ao preenchimento do ónus a indicação genérica de todos os factos relativos a determinada ocorrência;
- Indicar, das provas, as que impõem decisão diversa, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação, no caso em que esta tenha ocorrido – o que determina que se identifique qual o meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe. Caso o meio de prova tenha sido gravado, a norma exige a indicação do início e termo da gravação e a indicação do ponto preciso da gravação onde se encontra o fundamento da impugnação (as concretas passagens a que se refere o n.º 4 do encimado artigo 412.º);
- Indicar que provas pretende que sejam renovadas, com a menção concreta das passagens da gravação em que funda a impugnação.
O que se pretende é a delimitação objectiva do recurso, com a fundamentação da pretensão e o esclarecimento dos objectivos a que o recorrente se propõe. Impõe-se-lhe o dever de tomar posição clara, nas conclusões, sobre o objecto do recurso, especificando o que, no âmbito factual, pretende ver reponderado, assim como na hipótese de renovação, especificando as provas que devem ser renovadas [alínea c) do n.º 3 do mesmo art.º 412.º].
«O ónus conexiona-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.» [Cf. acórdão do STJ, de 8 de março de 2006, in processo n.º 185/06-3.ª]
«A delimitação precisa dos pontos de facto controvertidos constitui um elemento determinante definição do objecto do recurso em matéria de facto e para a consequente possibilidade de intervenção do tribunal de recurso.» [Cf. acórdãos do STJ, de 10 de janeiro de 2007 e de 15 de Outubro de 2008, in, respectivamente, processos n.ºs 3518/06-3.ª 2894/08-3.ª]
O recurso da matéria de facto não foi concebido como instrumento ao serviço da realização de novo julgamento, com reapreciação de toda a prova que fundamenta a decisão recorrida, como se o julgamento efectuado na primeira instância não tivesse existido. Trata-se, tão-somente, de um instrumento concebido para a correcção de erros de julgamento e de procedimentos, devidamente discriminados pelas partes A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção “cirúrgica”, no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.
In casu, a Recorrente apesar de divagar em considerações factuais, não especifica, nas conclusões da motivação, os pontos de facto que considera incorretamente julgados ao terem sido conduzidos à matéria de facto provada, e com premência aqueles que foram reconduzidos aos factos não provadas. É certo que apresenta um discurso que se reconduz a factos que em nada se afastam daqueles que por si já tinham sido alegados perante a 1ª instância no seu articulado e, como tal, foram objecto de julgamento de facto, nomeadamente ao dar-se como provado o arrendamento item 9. do probatório e ao afirmar-se como não provado que “O contrato de arrendamento aludido no ponto 9. dos factos provados consubstancia uma mera “intenção de arrendamento”, dado nunca ter chegado a vigorar (não foi junta ou requerida a produção de qualquer prova por referência a tal alegação da Recorrente)” que “A ora Recorrente acordou com a «D, S.A.» a suspensão do início de vigência do visado contrato de arrendamento, pelo período de 15 anos, a contar da data de obtenção da licença de utilização para fins turísticos referida no ponto 11. dos factos provados, ou seja, até 17.03.2032” e, igualmente não provado que “A Recorrente acordou com a «D, S.A.» a “resolução” do visado contrato de arrendamento com efeitos retroactivos a 31.01.2013”.
Pelo que, este tribunal ad quem considera, assim, que a recorrente, arguida, não deu cumprimento ao estabelecido no artigo 412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do CPP, razão pela qual se considera que presente recurso não preconiza qualquer ataque à matéria de facto fixada pelo tribunal a quo.
Feito este parêntesis que firma a cristalização do julgamento de facto efectuado pelo Tribunal da 1ª instância, cumpre aquilatarmos dos erros de julgamento de direito que emergem das intrincadas e redundantes conclusões de recurso apresentadas que vagueiam por suposições factuais que no seu entender inquinam o decidido.
Registamos ainda, que serão absolutamente desvalorizados, por se apresentarem destituídos de fundamento e por se revelarem inócuos para a apreciação do presente recurso interposto da decisão administrativa que lhe aplicou coimas, as acusações de processos de intenção e de pré-juízos dirigidos pela Recorrente/arguida quer ao procedimento que antecedeu as decisões administrativas, quer a postura do inspector (vide conclusões 14) e 24) das alegações de recurso).
2.2.1. Da cumulação ilegal de pedidos e erro na forma do processo
A arguida e ora Recorrente discorda do julgado neste segmento, ao considerar, em síntese, se bem delimitamos as intrincadas e redundantes conclusões de recurso apresentadas, que “(...) Não existem aqui pedidos incompatíveis, sendo que um é mera consequência do outro. A absolvição das coimas aplicadas é uma consequência da nulidade dos actos de liquidação. Impedido o conhecimento desta nulidade torna-se inútil e até proibido por lei o conhecimento das coimas. (...) O que temos para apreciar é um único recurso de impugnação, justificando por Douta Corrigenda, a nulidade dos actos de liquidação, ao acrescentar oficiosamente a matéria colectável e a declaração da sua nulidade implica como consequência necessária a absolvição da recorrente das coimas que lhe foram ilegalmente aplicadas. (...) Prejudicada fica por isso a pretendida responsabilidade contraordenacional da recorrente tendo-se por nulo e de nenhum efeito a decisão de fixação de coimas porque são nulos os actos de liquidação.” (conclusões 13), 15) e 25) das alegações de recurso), ou seja, que a nulidade dos actos de liquidação deveria ter sido objecto de conhecimento por servirem de base ao processo contra-ordenacional.
Na decisão sob recurso o decidido, assenta na seguinte fundamentação:
«Do pedido de nulidade dos actos de liquidação
Peticionou a Recorrente que os actos de liquidação de IRC dos anos de 2015, 2016 e 2017, subjacentes às coimas aplicadas «devem ser considerados inválidos, porque feridos de nulidade», nos termos dos artigos 133.º e 134.º do CPA, mais alegando que a contabilização do ficcionado contrato de arrendamento era neutra para o Estado.
Como é sabido, a idoneidade ou adequação do meio processual afere-se pelo objecto da acção tal como é configurado pelo autor na petição inicial. Tal como ensinava o Insigne Mestre ALBERTO DOS REIS, «para se saber qual a forma de processo a utilizar, em cada caso concreto, é através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina. A questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo. Há que atender ao pedido formulado pelo autor e pô-lo em equação com o fim a que segundo a lei, o processo especial se destina. Se os fins coincidem (o fim concretamente visado pelo autor e o fim abstractamente figurado pela lei), a aplicação é correcta.» (In Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 3.ª Ed., Coimbra Editora pg. 288 e ss.).
É comummente aceite que a impugnação é o meio judicial de defesa do administrado contra o acto tributário, tido como acto de aplicação de uma norma tributária material por um órgão da Administração, com carácter definitivo e executório. De acordo com o artigo 99.º do CPPT constitui fundamento de impugnação a prática de qualquer ilegalidade. Como afirma ALBERTO XAVIER, «o processo de impugnação reveste a natureza de um processo no qual se exerce um recurso de anulação, isto é, de um processo constitutivo tendente a obter ou autorizar uma mudança na ordem jurídica existente, que se traduz na anulação do acto tributário inquinado por um vício que afecta a sua ilegalidade. Deste modo, objecto necessário do processo já não é a relação jurídica de imposto ou um direito subjectivo que se reputa lesado, mas um acto jurídico – o acto tributário – de que se requer a declaração da sua ilegalidade, ou melhor, a declaração de um vício expressamente alegado, o que se traduz no reconhecimento do direito potestativo do autor (contribuinte ou outro interessado) de promover a anulação do referido acto» (“Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.os 157-158, pg. 66 e ss..).
Por outro lado, do disposto no artigo 97.º do CPPT resulta que a impugnação é o meio processual adequado para actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação ou quando a lei utiliza a expressão “impugnação”.
Já no que diz respeito ao meio processual adequado para reagir contra a decisão de aplicação de coima em processo de contra-ordenação tributário, é indiscutível que não é a impugnação judicial, mas antes o recurso daquela decisão, nos termos do disposto no artigo 80.º e ss. do Regime Geral das Infracções Tributárias (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05.06 – RGIT).
O pedido formulado é desde logo próprio de um processo de impugnação judicial de acto tributário (neste caso de liquidação), porquanto se peticionou a nulidade dos actos de liquidação, embora se tenha peticionado igualmente a absolvição da Recorrente por referência às coimas aplicadas.
Ora, o erro na forma do processo é de conhecimento oficioso, conforme dispõem os artigos 193.º e 196.º do NCPC e importa a convolação na forma do processo adequada, se for possível, nos termos da lei – artigos 97.º, n.º 3, da LGT e 98.º, n.º 4, do CPPT. De facto, a convolação da presente acção para a forma processual adequada só é admissível, não só quando a petição inicial seja idónea para o efeito, mas também quando não seja manifesta a improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada, em função do meio processual adequado. De contrário, tal convolação consubstanciar-se-á na prática de um acto inútil e, como tal, proibido por lei (cfr. art.º 130.º do NCPC, aplicável ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT).
O que é o caso em apreço, porquanto havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma do processo quanto a um deles, a solução é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, por nulidade parcial do processo no que a este respeita, prosseguindo o processo para conhecimento do pedido adequado à presente forma processual.
Neste mesmo sentido tem-se pronunciando reiterada e uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, conforme se pode ler, a título meramente exemplificativo, em Acórdão de 18.06.2013:
«...ensina JORGE LOPES DE SOUSA, sob a epígrafe «Erro parcial na forma de processo»: «Nos casos em que tenha sido efectuada cumulação de pedidos e a forma do processo seja adequada à apreciação apenas de um deles, não poderá haver correcção da forma de processo quanto aos processos para os quais a forma de processo é inadequada, pois o processo tem de seguir a forma escolhida pelo interessado relativamente à apreciação do pedido para que essa forma de processo é adequada.
Nestes casos, a solução que se extrai do tratamento dado a uma questão paralela no nº 4 do art. 193º do CPC, é a de considerar sem efeito o pedido ou pedidos para o qual o processo não é adequado, seguindo o processo apenas para apreciação do pedido que deva ser apreciado em processo do tipo escolhido pelo interessado.
Essa consequência é uma aplicação da regra do art. 199º do CPC, segunda a qual, no caso de erro na forma de processo, é nulo todo o processado que não puder aproveitar-se para a tramitação de acordo com a forma estabelecida na lei. Nesses casos de erro parcial da forma de processo, como este tem de prosseguir para apreciação do pedido para que é adequado, a consequência relativamente ao outro pedido será a de nulidade parcial do processo, na parte a ele respeitante, o que se reconduz a que o processo prossiga como se esse pedido não tivesse sido efectuado» (( ) (Ob. cit., volume II, anotação 10 e) ao art. 98º, págs. 92/93).
Verificado que está que um dos pedidos formulados na petição inicial é adequado à forma processual escolhida e em face do que acima deixámos dito, somos conduzidos à conclusão de que deve o processo prosseguir para conhecimento desse pedido, considerando-se sem efeito os demais pedidos, devendo decretar-se a nulidade parcial do processo no que a estes respeita. (...)
Em situações deste tipo, havendo uma cumulação de pedidos e ocorrendo erro na forma de processo quanto a um deles, a solução que se extrai do regime do processo civil é considerar sem efeito o pedido para o qual o processo não é adequado, como se infere da solução dada a uma questão paralela no nº 4 do art. 193º do C.P.C. Na verdade, refere-se nesta norma, para o caso de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis que «a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito, por incompetência do tribunal ou por erro na forma de processo».
Não se estará, decerto, perante um caso aqui directamente enquadrável, pois não haverá cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis. No entanto, nesta norma pressupõe-se que a solução legal para a apresentação de um pedido para o qual o processo é inadequado é a de que ele «fique sem efeito», prosseguindo o processo para apreciação do pedido para o qual o processo é adequado.» (Processo n.º 01142/12, disponível em www.dgsi.pt, tal como todos os arestos citados na presente decisão) (sublinhados nossos).
Assim, considerando a fundamentação explanada no citado Acórdão, que se acolhe e reitera, julgam-se os presentes autos parcialmente nulos no que ao pedido de declaração de nulidade dos actos de liquidação concerne, prosseguindo os mesmos para conhecimento do pedido de absolvição da Recorrente por referência às coimas aplicadas, porque adequado à concreta forma processual utilizada.» (fim de transcrição)
E o assim decidido, de feição clara e coerente, é para manter.
Com efeito, considerou a decisão sob recurso que inerente às conclusões formuladas as mesmas inseriam dois pedidos distintos, a saber:
- “(...) que os actos de liquidação de IRC dos anos de 2015, 2016 e 2017, subjacentes às coimas aplicadas «devem ser considerados inválidos, porque feridos de nulidade», nos termos dos artigos 133.º e 134.º do CPA, mais alegando que a contabilização do ficcionado contrato de arrendamento era neutra para o Estado.”;
- O pedido de absolvição da instância relativamente as coimas aplicadas respeitantes às infracções que lhe são imputadas dos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.
Ora, dúvidas não ocorrem, que o meio processual utilizado, recurso interposto contra as decisões que aplicaram à arguida as coimas impugnadas (recurso de contraordenação) não comtempla em si o primeiro dos pedidos formulados, qual seja declaração de nulidade dos actos de liquidação de IRC, pedido esse susceptível de integrar objecto de impugnação contenciosa junto do tribunal administrativo competente.
Nesse sentido, aderimos integralmente ao exposto na decisão sob recurso, nomeadamente na aplicação do artigo 193º, n.º 4 do CPC, não reconhecendo este Tribunal ad quem qualquer idoneidade ao alegado pela Recorrente passível de abalar a doutrina, jurisprudência citada e sentido do julgado pelo juiz a quo, nada mais havendo que explicitar sobre esta questão, devendo nesta parte o recurso improceder.
2.2.2. Da existência das infracções
No que tange aos comportamentos referentes aos períodos de tributação dos anos de 2015 e 2016 – afastado que se mostra do objecto do presente recurso a coima respeitante ao ano de 2014 – cumpre aferir se assiste razão à Recorrente no que concerne à inexistência das infrações por omissão de proveitos nas declarações Modelo 22 de IRC por si entregues à AT.
No despacho que aplicou as coimas (se bem que tenha ocorrido no cumprimento da lei, aplicação de uma coima única) foi entendido que tais infracções eram previstas e punidas nos termos aos artigos 18º e 20º do CIRC, punível nos termos do artigo 119º do Regime Geral das Infrações Tributária, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, subsunção jurídica que a decisão recorrida manteve.
Neste conspecto alega a Recorrente que não tem de declarar rendimentos que não auferiu, porquanto não se encontrava em vigor qualquer contrato de arrendamento – o qual não passou de um esquisso no dizer do seu entendimento – ao abrigo do qual devesse ter recebido as rendas anuais no montante de 48.000,00 €, sendo que o contrato de arrendamento referido no procedimento inspetivo tributário e na decisão ora recorrida mais não era do que – no sua opinião – apenas um esboço ou uma mera intenção de arrendamento.
Mais sustenta que acordou com a sociedade «D, S.A.» uma suspensão do início de vigência do visado contrato de arrendamento, pelo período de 15 anos, a contar desde a obtenção da licença de utilização para fins turísticos, ou seja, até 17.03.2032 e, posteriormente, a resolução de tal contrato com efeitos retroativos a 31.01.2013.
Em suma, sustenta a Recorrente a inexistência das infrações.
Como facilmente se depreende a sustentação recursiva assenta em matéria de facto dispare daquela que acalma o probatório fixado, o qual não foi objecto de impugnação e se mostra cristalizado na ordem jurídica. Tal constatação, só por si, destrói o silogismo em que assentam as conclusões da Recorrente, pois temos por assente a existência do arrendamento e como tal do rendimento não declarado, e por outro lado da matéria de facto dada como não provada foram expressamente afastadas as teses de estarmos no campo das intenções, da suspensão do contrato ou da sua resolução a 31.03.2013.
Aliás como bem ilustra o Tribunal a quo na fundamentação jurídica da decisão recorrida, a qual, por concordamos e nos revermos, por ser legal, assertiva e adequada ao caso concreto, a passamos a transcrever:
«(...)
Com efeito, se o contrato de arrendamento não passou de um esquisso / uma mera intenção de arrendamento, como alega, não se apreende o motivo pelo qual haveria que proceder à sua resolução, com efeitos retroactivos a 31.01.2013.
E também não se compreende porque existiria uma suspensão do início de vigência do visado contrato de arrendamento, pelo período de 15 anos, a contar desde a obtenção da licença de utilização para fins turísticos, ou seja, até 17.03.2032.
Das duas, uma: ou o contrato existe e o início da produção dos seus efeitos pode ser acordado para uma qualquer data futura e até pode ser o contrato resolvido pelas partes contratantes, ou o contrato não existe e é um mero esquisso, um rascunho negocial que, quanto muito, apenas poderia levar a uma responsabilidade pré-contratual no caso de não se firmar.
E coisa diferente ainda seria um contrato promessa de arrendamento.
Ainda assim, diga-se, resultou provado nos presentes autos, por um lado, a existência de um contrato de arrendamento e, por outro lado, resultou como não provado que tal contrato consubstanciasse uma mera “intenção de arrendamento”, dado nunca ter chegado a vigorar, que tivesse sido acordada a suspensão do início da sua vigência, pelo período de 15 anos, a contar da data de obtenção da licença de utilização para fins turísticos (referida no ponto 11. dos factos provados), ou seja, até 17.03.2032 e ainda que tenha sido acordada a “resolução” do visado contrato de arrendamento com efeitos retroactivos a 31.01.2013 (cfr. facto provado sob o ponto 9. e factos não provados).
Decorre do artigo 75º da LGT que, para que os dados constantes das declarações dos contribuintes ou da sua contabilidade e escrita se presumam verdadeiros, é necessário que as declarações sejam apresentadas nos termos previstos na lei e que os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade estejam organizados de acordo com a legislação comercial e fiscal.
Ou seja, a presunção de veracidade da declaração e da escrita assenta num pressuposto fundamental: o da sua verificabilidade externa. Daí que resulte do n.º 2 do artigo 75.º da LGT que a presunção de veracidade das declarações, contabilidade ou escrita não se verifica quando ocorram omissões, erros ou inexactidões que “impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo” ou quando o “contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária” (o que pressupõe a insuficiência dos elementos de escrita para assegurar a sua verificação), ou ainda quando se constate a existência de indícios fundados de que não reflectem a sua matéria tributável (o que também pressupõe a impossibilidade de remover as dúvidas geradas por esses indícios).
E decorre igualmente do artigo 75.º da LGT que a actuação da Administração Tributária não goza da presunção de legalidade, cabendo-lhe a demonstração dos factos indicativos de que os elementos da escrita fornecidos pelo contribuinte não correspondem à sua realidade tributária, devendo apenas fazê-lo quando da sua actividade instrutória resulte com segurança que os factos em que se sustenta a declaração não são verdadeiros, tal como decorre do princípio da legalidade que preside ao Direito Fiscal e do princípio de que a dúvida reverte a favor do contribuinte.
Não obstante, diga-se, no seu esforço de procura da verdade material, não está vedado à Administração Tributária recorrer a provas indirectas ou a «factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados.
A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova (...) Tais juízos devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade» (ALBERTO XAVIER in Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, Coimbra, 1972, pg. 154.).
Assim, uma vez demonstrado que as declarações, a contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem a verdade fiscal do contribuinte, ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (n.º 2, alínea a), do artigo 75.º da LGT), ou que o contribuinte não cumpriu os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, não devendo a sua recusa considerar-se legítima (n.º 2, alínea b), do mesmo dispositivo), ou ainda que a matéria tributável do sujeito passivo se afasta significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica prevista na lei (n.º 2, alínea c)), ou, finalmente, que os rendimentos declarados em IRS se afastam significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo (n.º 2, alínea d)), haverá, como se disse, uma verdadeira inversão do ónus da prova relativamente aos factos a que se refere a omissão.
Caberá então ao contribuinte demonstrar os factos relevantes para a fixação da matéria colectável, nos pontos em que há deficiências nas declarações, contabilidade ou escrita, justificar o incumprimento dos seus deveres ou os indicadores obtidos de que a contabilidade não reflecte a sua verdade fiscal, alegar e provar outros factos que ponham em dúvida a existência e/ou quantificação do facto tributário (cfr. art.º 100.º do CPPT).
Aplicando o exposto à factualidade dos presentes autos verifica-se que a Inspecção Tributária detectou a existência de um contrato de arrendamento de dois prédios urbanos firmado entre duas sociedades no dia 07.01.2013, pelo qual era devida renda no valor anual de €48.000,00, prédios esses que a ora Recorrente comprou através de escritura pública outorgada no último dia daquele mesmo mês (cfr. factos provados sob os pontos 5., 9. e 10.).
Pelo que, tendo a ora Recorrente adquirido a posição contratual de senhorio com a compra dos visados imóveis, dado que, de acordo com o disposto no artigo 1057.º do Código Civil o “adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato de locação sucede nos direitos e obrigações do locador”, é certo que a sua contabilidade e declaração fiscal anual de rendimentos sempre teriam de reflectir a existência dos proveitos consubstanciados nas aludidas rendas, independentemente do seu efectivo recebimento, tal como resulta dos normativos supra expostos. O que, como constatou a Inspecção Tributária, não sucedia.
Assim, é de concluir que a Administração Tributária invocou e demonstrou cabalmente que as declarações e contabilidade da ora Recorrente revelavam omissões nos proveitos ou, pelo menos, face à existência do visado contrato de arrendamento, que existiam indícios fundados de que a sua contabilidade e declarações fiscais entregues não reflectiam a verdade fiscal da contribuinte, ora Recorrente (cfr. alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT).
E, nesses casos, como se explicitou já, haverá uma verdadeira inversão do ónus da prova, cabendo então ao contribuinte demonstrar a veracidade dos elementos constantes das suas declarações.
O que, como decorre da matéria de facto julgada como não provada, tal como vimos já, não logrou realizar.
Assim, resultando dos autos que a ora Recorrente não declarou o valor das rendas previstas no contrato de arrendamento em que sucedeu na posição de senhoria, há que concluir, tal como consta da decisão recorrida, que a mesma praticou omissões e inexactidões nas declarações Modelo 22 por si entregues, respeitantes ao IRC dos anos 2015 e 2016.
Sendo que tal conduta é subsumível ao artigo 119.º, n.º 1 do RGIT, e punível nos termos aí previstos, tal como igualmente foi considerado na decisão recorrida, considerando que tal norma prevê que as “omissões ou inexatidões relativas à situação tributária que não constituam fraude fiscal nem contraordenação prevista no artigo anterior, praticadas nas declarações e comunicações, bem como nos documentos comprovativos dos factos, valores ou situações delas constantes, incluindo as praticadas nos livros de contabilidade e escrituração, nos documentos de transporte ou outros que legalmente os possam substituir, comunicações, guias, registos, ainda que em formato digital, ou noutros documentos fiscalmente relevantes que devam ser mantidos, apresentados ou exibidos, são puníveis com coima de €375 a €22 500” (sublinhados nossos)
Dispõe o artigo 2.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), que constitui infracção tributária todo o facto típico, ilícito e culposo, declarado punível por lei tributária anterior.
Assim, em primeiro lugar, para haver uma infracção tributária tem de haver uma conduta humana («nullum crimen sine actione»), entendida desde logo como «...um comportamento humano expresso de forma voluntária e consciente (não é conduta o acto meramente reflexo ou inconsciente), activo (isto é, expresso de forma positiva, actuante) ou negativo (ou seja, expresso pela inactividade, a abstenção, a omissão, o não fazer), que produz um resultado (o mesmo é dizer, uma alteração do mundo exterior)» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 4.ª edição, 2010, Áreas Editora, Lisboa, pg. 37).
Tal facto tem que preencher um tipo descrito na lei («nullum crimen sine lege») – é necessário o enquadramento de um comportamento real à hipótese legal, e dos elementos do tipo deve constar que tal comportamento é contrário à lei ou ao direito (antijuridicidade).
Deve ainda tal comportamento ser subjectivamente imputável ao seu autor («nullum crimen sine culpa») – deve ser culposo.
E, finalmente, deve ser declarado punível por lei anterior («nullum crimen, nulla poena sine lege praevia»).
As condutas descritas (omissão de inscrição dos proveitos consubstanciados em rendas prediais nas Declarações Mod. 22 de IRC dos exercícios de 2015 e 2016 entregues pela Recorrente), traduzem-se num facto típico, pois como foi supra referido, encontra-se expressamente previsto no Código do IRC uma obrigação geral dos sujeitos passivos de IRC de declararem à Administração Tributária os rendimentos e gastos e outras componentes positivas e negativas do lucro tributável, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime da periodização económica, nas respectivas declarações fiscais de rendimentos.
Além de típico, apresenta-se, ademais como ilícito, na medida em que o não cumprimento da visada obrigação, ínsita nos sobreditos normativos legais, traduz um comportamento antijurídico contrário ao previsto expressamente na lei.
O não cumprimento de tal obrigação encontra-se declarado como punível por lei, mormente no artigo 119.º, n.º 1 do RGIT, e uma vez que as “contraordenações tributárias são sempre puníveis a titulo de negligência” (salvo disposição expressa da lei em contrário, cfr. art.º 24.º, n.º 1do RGIT), é de concluir pela existência de um facto típico, ilícito, culposo e declarado punível por lei.
Pelo que não tem a razão a Recorrente neste conspecto, não merecendo a decisão recorrida qualquer censura quanto às segunda e terceira infracções.
(...)» (fim de transcrição)
Como assim, e não tendo sido questionada a matéria de facto, a que acresce a motivação coerente e suficientemente esclarecedora por via da qual a 1ª instância fundamentou a sua convicção que afasta qualquer dúvida, subjacente ao julgamento de facto e, mormente do julgamento de direito do qual a Recorrente manifestou discórdia, improcede, igualmente nesta parte o recurso.

2.3. Conclusões
I. A alínea b) do artigo 431.º do CPP, conjugada com o artigo 412.º, n. º3 do mesmo Código, impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o dever de especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devam ser renovadas.

II. O recurso de contraordenação para impugnação de decisão de aplicação de coima por omissão de rendimentos na declaração Modelo 22 apresentada, não é o meio processual adequado para impugnar o actos de liquidação respeitantes aos exercícios, pelo que os correspondentes pedidos padecem de nulidade, de conhecimento oficioso [cf. artigos 193º e 196º do CPC].
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, de 12 setembro de 2023

Irene Isabel das Neves
Paula Moura Teixeira
Tiago Lopes de Miranda