Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02561/15.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/11/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:ACÇÃO POPULAR. POSTO DE COMBUSTÍVEIS.
Sumário:I) – A violação do disposto no art.º 27º, n.º 3, do RJUE, constitui vício procedimental gerador de anulabilidade.
II) – Se, dentro de margem de discricionariedade, não se detecta erro crasso na alteração ao licenciamento da operação de loteamento (no caso, alteração de uso para instalação de posto de combustíveis), improcede pertinente causa.
Recorrente:Município da Maia e I..., S.A.
Recorrido 1:AA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não foi emitido parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
Município da Maia (Praça...) e contra-interessada I..., S.A. (...), interpõem recurso(s) jurisdicional de decisão do TAF do Porto, em acção intentada por AA (R...), julgada parcialmente procedente.
O recorrente Município conclui:
1) O Recorrente circunscreve o presente recurso à reapreciação da matéria de facto, para efeitos de limitação e fixação do mesmo, conforme dispõe o artigo 635.º do CPC, aplicável ex vi o artigo 140.º n.º 3 do CPTA, que incidirá sobre as decisões proferidas pela douta sentença recorrida:
a) Que declarou a “nulidade das deliberações municipais tomadas pelo Município da Maia, em reunião do dia 2 de julho de 2011 e de 19 de julho de 2012, que aprovaram o licenciamento da operação de loteamento titulado pelo alvará n.º ...94 relativamente aos lotes n.º 33. 34, 35, 36 e 37;”
b) Que condenou a Recorrente “(…) a, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, proceder à cassação do alvará de autorização n.º 153/15 e, após, a ordenar e a fixar um prazo não superior a 30 (trinta) dias para que a contrainteressada proceda voluntariamente à cessação da utilização do posto de abastecimento de combustíveis supra melhor identificado;”
c) À modificabilidade dos pontos 47, 48, 49 e 50 dos factos provados da douta sentença recorrida.
2) O Recorrente entende que o Tribunal a quo julgou, de forma errada, a matéria de facto levada a a efeito e que se circunscreve aos pontos 47, 48, 49 e 50 dos factos provados da douta sentença recorrida, por duas ordens de razões: i) o depoimento prestado pelas testemunhas; ii) factos notórios;
3) Na verdade, o único RECEIO desta testemunha era o risco de incêndio e explosão e o aumento do prémio de seguro multirriscos, conforme se encontra documentado na transcrição do depoimento efetuado [00:43:10] - CC: … oh Sra. Dra., o maior receio… os dois maiores receios são estes. [00:43:12] - Mandatária da Autora: Muito bem. É o seguro multirriscos e é o risco de explosão. [00:43:15] - CC: O seguro e o risco de explosão.”
4) Pelo depoimento da testemunha, Dr. DD fica evidenciado “(…) que nunca sentiu quaisquer problemas de ruído, nem sentiu qualquer tipo de diminuição de qualidade de vida dos ali residentes” – cfr. pág. 36 da sentença recorrida;
5) Ora, não podemos olvidar o que de muito relevante consignou o douto Acórdão do TCAN proferido em sede cautelar precedente aos presentes autos “(…)os significativos padrões de exigência técnica e de segurança impostos pela legislação vigente, explicativos da raridade estatística de eventos de incêndio ou explosões nos inúmeros postos de abastecimento disseminado por todo o país, muito deles situados em zonas de grande intensidade populacional e nos quais trabalham ou aos quais acorrem diariamente milhares de clientes, sem qualquer apreensão digna de nota.”
6) Aliás, o depoimento da testemunha, EE, corrobora, de forma expressa e sem margem para dúvidas que não existe risco de incêndio no posto de abastecimento de combustíveis [01:53:21] - EE: “(…) a Sra. Dra. falou e falou muito bem na questão incêndio, incêndio provocado pelo posto de abastecimento não há porque as fugas são detetadas, o… qualquer anomalia eletrónica num equipamento é imediatamente detetado… ou através dos detetores de fumo…”
7) o Tribunal a quo com o entendimento de que a atividade inerente ao posto de abastecimento combustível aumenta naturalmente o risco de incêndio, está, também naturalmente, a limitar o licenciamento pelos Municípios, como é o caso do Recorrente, em zonas habitacionais, sem ter qualificado ou quantificado;
8) No caso dos Venerando Julgadores não entenderem, que não se concede, que a matéria de facto foi mal julgada nos pontos 47, 48, 49 e 50 pelos testemunhos prestados no Tribunal a quo, ainda assim, o Recorrente não pode deixar de apontar o seu entendimento, quanto à matéria de facto dos pontos 47, 48, 49 e 50 dos factos provados na douta sentença recorrida, terem sido mal julgados por constituírem factos notórios;
9) Um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos;
10) Por conseguinte, entende o Recorrente porque os factos notórios não carecem nem de alegação, nem de prova, isto é, encontram-se dispensados de prova, os pontos 47, 48, 49 e 50 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida devem ser removidos do elenco dos factos provados daquela sentença;
11) O Recorrente, quando publicitou a alteração ao loteamento para efeitos do disposto no artigo 27.º do RJUE, descreveu o n.º 2 do dispositivo legal citado – consulta pública-, e não o seu n.º 3 (pronúncia dos proprietários dos lotes), mas tal atuação não corresponde, porém, a um vício formal (procedimental) gerador da forma mais grave de invalidade do ato praticado (a nulidade);
12) Isto porque, o Edital n.º 137/2010 era também a forma de notificação a utilizar para efeitos do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, por força do artigo 10.º, n.º 5 do RUEM;
13) Na verdade, o conteúdo da informação, datada de 22 de novembro de 2010 (Facto Provado n.º 12) consigna expressamente que “(…) pela dimensão do loteamento, com mais de 40 lotes, (…) que as notificações para pronúncia dos proprietários, conforme prescrito no n.º 3 do artigo 27.º (…) se substituam a anúncio, por edital, a publicitar no Diário da República (…)”;
14) Por outro lado, o Recorrente não pode deixar de enfatizar que, mesmo que o Edital tenha sido publicitado com a referência ao n.º 2 do artigo 27.º do RJUE, certo é que, a pronúncia dos interessados, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE teria de ser adotado idêntico procedimento, como o que foi realizado, não sendo expectável que se o Edital tivesse referido o n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, em vez da referência ao n.º 2 do mencionado artigo, os proprietários dos lotes teriam adotado uma postura diferente daquela que tiveram quanto à pronúncia;
15) E não se diga que a falta de publicitação do mencionado Edital na página da internet do Recorrente, tal facto não consubstancia uam nulidade, em virtude desta estar reservada para invalidade evidentemente graves, o que não é presente caso, pois, estamos, quando muito, perante uma irregularidade, pelo menos de uma mera anulabilidade e nunca de nulidade;
16) O Recorrente entende, também, que não é gerador de qualquer invalidade o facto da notificação para pronúncia do interessado por Edital não ter contido todos os elementos que permitissem aos proprietários dos lotes inteirar-se das alterações, em virtude de não ser exigido nos termos da lei;
17) Na verdade, não podemos confundir a pronúncia dos interessados com o trâmite legal da audiência dos interessados, na qual esta exigência legal é expressamente consagrada;
18) Mas, ainda assim, essa exigência legal, a falta ou irregular audiência dos interessados é meramente geradora de anulabilidade e não de nulidade do ato administrativo;
19) Acresce que, como consta da matéria de facto provada da douta sentença recorrida, assim que se iniciou a obra de construção do posto de abastecimento de combustíveis foi possível, a alguns moradores consultarem o processo, por si ou por intermédio de advogado, demonstrativo de que alteração era perfeitamente suficiente (e adequada) para os proprietários dos lotes tomarem conhecimento dos termos da alteração e para se operem a ela;
20) Por isso, a falta ou irregular cumprimento do consagrado no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE não se enquadra na ilegalidade procedimental geradora de nulidade nos termos da alínea c) do artigo 68.º do RJUE, na medida em que, este normativo legal apenas e tão só se refere a situação da fala de consulta de entidade titulares de interesses públicos que possam relacionar-se pelo ato de licenciamento;
21) O artigo 68.º do RJUE não se circunscreve a interesses privados;
22) Ora, como foi dado cumprimento para a pronúncia dos proprietários dos lotes através do Edital, houve, uma efetiva e real possibilidade de estes se pronunciarem, não podia o Tribunal a quo concluir pela nulidade, atendendo às citadas normas legais;
23) Aliás, quando muito os vícios verificados conduziriam à anulabilidade, que já não pode ser invocada;
24) Pelo que, o Recorrente não pode deixar de se concluir que inexiste qualquer nulidade das deliberações tomadas pela Câmara Municipal da Maia, em 02 de junho de 2011 e 19 de julho de 2012, por violação do artigo 27.º, n.º 3 do RJUE;
25) Idêntico raciocínio faz o Recorrente, pugnando pela inexistência de qualquer vício apontado pelo Tribunal a quo, isto é, o vício material gerador de nulidade, por violação do disposto no n.º 2 e na parte final do n.º 5 do artigo 59.º e no artigo 17.º do RPDM (alíneas a) e c) porque o Tribunal a quo considerava ter havido uma falta de ponderação da compatibilidade do uso do posto de abastecimento de combustíveis com o uso habitacional, previsto como dominante para o local, o que não se verifica, visto que, uma eventual falta de ponderação não se consubstancia num vício da decisão;
26) Na verdade, o vício da falta de ponderação não implica, obrigatoriamente, um vício na decisão, uma vez que o mesmo pode ser conforme à lei, conforme ao plano;
27) Além disso, uma ponderação errada ou inexistente não se traduz numa decisão errada porque esta pode enquadrar-se dentro dos sentidos possíveis da norma que confere discricionariedade;
28) A interpretação adequada do artigo 17.º do RPDM é a de excluir usos incompatíveis, isto é, todos os usos que prejudiquem gravemente as condições urbanísticas e ambientais no local;
29) Daqui se infere que da forma como foi concretizada a apreciação da prova pelo Tribunal a quo, facilmente se conclui que a sua convicção de que qualquer uso não dominante seria incompatível apenas por produzir – em qualquer medida – os impactes ambientais e urbanísticos mencionados no artigo 17.º RPDM;
30) Mas estes devem ser provados e identificados, na sua veste qualitativa e quantificadora, o que não ocorreu em sede dos presentes autos, na medida em que a produção de fumos, cheiros e resíduos não criaram, nem implicaram uma deterioração tal que afetasse as condições de salubridade, que é o exigido pela norma. De facto, não resulta provado que esses fumos sejam de tal ordem que coloquem em causa as condições de um adequado ambiente urbano e de vivência sadia na área, prejudicando as condições de salubridade desta;
31) Não ficou provado que se verificassem “cheiros nauseabundos” ou de “resíduos altamente poluentes” nocivos para a saúde (factos não provados A e E), usando, assim, a bitola do plano que é o da salubridade e não o da mera incomodidade;
32) E mesmo, apesar do Tribunal a quo ter ficado satisfeito com a mera produção de fumos sem os quantificar ou qualificar para deles retirar a violação da alínea a) do artigo 17.º do RPDM, o critério da norma é o mesmo para as três meissões (fumos, cheiros e resíduos) exingimndo que as mesmas coloquem em causa a salubridade, que não se mostra provado em relação a nenhuma delas;
33) Por isso, a mera existência de fumos que o Tribunal a quo reconhece como uma inevitabilidade da vida urbana, o Recorrente não se consegue descortinar como possa implicar a violação da alínea a) do artigo 17.º do RPDM, com a consequência da nulidade;
34) O mesmo se diga quanto à alínea c) do artigo 17.º do RPDM, uma vez que apenas ficou provado que o funcionamento do posto de combustíveis aumenta o risco de incêndio ou explosão no local (facto provado 48), sem o Tribunal a quo ter qualificado ou quantificado esse aumento de forma agravada;
35) O Tribunal a quo reconhece que “pese embora, também aqui, a falta de outros elementos probatórios de natureza técnica não permita quantificar em que medida é que esse risco de incêndio existe, o certo é que, de acordo com os meios de prova supra referidos, aliados às regras de experiência comum, o Tribunal ficou convicto de que a actividade inerente ao posto de abastecimento combustível aumenta naturalmente o risco de incêndio ou explosão na zona residencial onde se localiza”, mas este não é este o juízo exigido pela norma;
36) Pelo que, também por esta via, a decisão municipal não se encontra ferida de nulidade por não violar o conteúdo normativo da alínea c) do artigo 7.º do RPDM;
37) O Tribunal a quo apenas poderia ter declarado a nulidade se tivesse concluído pela incompatibilidade do uso à luz dos critérios do RPDM, o que não foi feito, pelo que, à míngua dessa tarefa, não poderia ter assacado qualquer nulidade aos atos que procederam à alteração ao loteamento invocando a violação do plano.”;
38) Por último, importa realçar que, mesmo que se entendesse, que não se concede face ao que já ficou dito antecedentemente, que o Recorrente ao promover a aprovação da alteração de loteamento, permitindo que os usos dos lotes inicialmente destinados à habitação passaria ser um uso complementar de atividade comercial (posto de abastecimento de combustíveis) a falta da fundamentação no juízo de ponderação, este nunca poderia ser cominado com a sanção da nulidade;
39) Na verdade, como é jurisprudência perfeitamente cristalina, a sanção que o legislador imputa, nestes casos, é a da anulabilidade. Ou seja, a lei só determina a nulidade quando seja patente a falta de um qualquer elemento essencial ou quando expressamente a lei comine com essa especial forma de invalidade dos atos;
40) É, aliás, a doutrina e a jurisprudência que vinham já defendendo uma “degradação das formalidades essenciais em não-essenciais”, nas situações em que o não cumprimento das formalidades não afete a validade substancial do ato (por razões de segurança jurídica e, sobretudo, de economia processual), chegando mesmo, em alguns casos, a defender o princípio do aproveitamento do ato (solução que, inclusive, tem hoje consagração legal no artigo 163.º do CPA).;
41) É entendimento do Recorrente e tal como, também é defendido no douto Parecer Jurídico das Professoras ‘Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes que, o Tribunal a quo só poderia declarar a nulidade, como invocou, se tivesse sida produzida prova da incompatibilidade dos usos, ao abrigo das normas regulamentares do RPDM, o que, como ficou evidenciado, não foi realizado;
42) Pelo que, entende o Recorrente que inexiste qualquer nulidade que posa ser apontada às deliberações tomadas pela Câmara Municipal, em 02 de junho de 2011 e 19 de julho de 2012, por violação dos artigos 17.º e dos n.ºs 2 e 5 do artigo 59.º do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Maia (RPDM) de 2009;
43) A douta sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições contidas no n.º 3 do artigo 27.º, no artigo 68.º do RJUE e o artigo 10 n.º 5 do RMUEM de 2011, e ainda, os artigos 17.º e os nº 2 e 5 do artigo 59.º do RPDM aprovado em 2009.
A contra-interessada conclui:
1. Nos termos do Art. 635º do C.P.Civil, aplicável ex vi o Art. 140.º, nº. 3, do CPTA, a recorrente limita o objeto do presente recurso às seguintes decisões exaradas na douta sentença recorrida:
a. que declarou “ a nulidade das deliberações da Câmara Municipal da Maia que, em 02 de Junho de 2011 e 19 de Julho de 2012, aprovaram o licenciamento da operação de loteamento titulada pelo alvará n.º ...4 relativamente aos lotes n.º 33, 34, 35, 36 e 43” (sic.), e
b. que condenou “o Réu a, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, proceder à cassação do alvará de autorização de utilização n.º ...5 e, após, a ordenar e a fixar um prazo não superior a 30 (trinta) dias para que a contra-interessada proceda voluntariamente à cessação de utilização do posto de abastecimento de combustíveis supra melhor identificado” (sic.);
c. à modificabilidade dos pontos 47, 48, 49, e 50 dos factos provados na sentença recorrida;
2. A recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por entender, com o devido respeito, que a mesma enferma de erros quer na decisão sobre a matéria de facto, quer sobre a interpretação e aplicação do direito ao caso dos autos;
3. Entende a recorrente que foi mal julgada a matéria de facto levada a cada um dos pontos 47; 48; 49 e 50 dos factos provados na sentença recorrida, que constituem factos notórios;
4. “Factos notórios são os factos do conhecimento geral. Os factos notórios dispensam a prova, porque já gozam do conhecimento geral no lugar e no tempo em que o processo se desenrola, contendo em si mesmos, uma prova preconstituída, formada anteriormente ao processo e munida de maiores garantias externas do que as que o processo poderia dar.” (sic., cfr. douto Acórdão do STA supra identificado);
5. Pelo que, e porque os factos notórios não carecem nem de alegação, nem de prova, nem de figurar nos factos provados da sentença, deve cada um dos pontos 47, 48, 49, e 50 dos factos provados na sentença recorrida ser integralmente removidos dos factos provados, havendo de ter o mesmo tratamento que os factos não provados;
6. O Município Réu, quando publicitou a alteração ao loteamento para efeitos do disposto no Art. 27.º do RJUE, especificou o nº. 2 do preceito legal (consulta pública) e não o seu n.º 3 (auscultação dos proprietários dos lotes), o que não corresponde a um vício formal (procedimental) gerador de invalidade do ato praticado (a nulidade);
7. O edital constituía de igual modo forma de notificação a utilizar em cumprimento do n.º 3 do Art. 27.º do RJUE, por força do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Concelho da Maia (RJUE) de 2011, em vigor (cfr. Art. 10.º, n.º 5);
8. Ainda que o edital tenha sido publicitado citando o n.º 2 do artigo 27.º do RJUE, certo é que, a notificação dos interessados ao abrigo do n.º 3 do Art. 27.º do RJUE teria de ser feita exatamente nos termos em que o foi, não sendo expectável que se o edital tivesse referido o n.º 3 do artigo 27.º, em vez do n.º 2 do mesmo artigo, os interessados se teriam pronunciado;
9. A que acresce que também não é gerador de qualquer invalidade o facto de a notificação por edital não ter contido todos os elementos que melhor possibilitassem os proprietários dos lotes identificados nos autos inteirar-se das alterações ao loteamento, por assim não ser legalmente exigido;
10. De resto, e como consta provado na sentença recorrida, logo que a obra de construção do posto de abastecimento de combustíveis se iniciou, foi possível aos moradores do loteamento consultarem o processo;
11. Por outro lado, a falta ou irregular cumprimento do previsto no n.º 3 do Art. 27.º do RJUE não se enquadra na ilegalidade procedimental geradora de nulidade, nos termos da alínea c) do Artigo 68.º do RJUE, que respeita unicamente à situação de falta de consulta de entidades titulares de interesses públicos que possam relacionados pelo ato de licenciamento, e não a titulares de interesses privados;
12. Porque houve notificação pelo Município Réu e foi dada a possibilidade real e efetiva para pronúncia dos titulares dos lotes, não é verosímil concluir que em causa esteja uma situação de nulidade, mormente por referência às citadas disposições legais, que poderiam, a existir, conduzir apenas à anulabilidade;
13. De resto, mesmo que o Município Réu tivesse omitido a publicitação do edital na página da internet, tal como impunha o Artº. 10.º, n.º5, do RUEM, não poderia tal omissão constituir mais do que uma irregularidade de procedimento, uma vez que a notificação aos interessados foi efetuada, por edital, tal como o deveria ser, faltando apenas o cumprimento de uma formalidade (publicitação na página da internet) que não pode ser geradora de nulidade, mostrando-se esta reservada para as invalidades evidentemente graves.
14. Pelo que, in casu, inexiste qualquer nulidade das deliberações da Câmara Municipal da Maia de 02 de junho de 2011 e 19 de julho de 2012, por violação do Artº. 27º nº. 3 do RJUE.
15. De igual modo, também não ocorreu, no caso sub judicie, qualquer vício material gerador de nulidade por violação do disposto no Art. 59.º, nº. 2 e n.º 5, parte final, e no Artigo 17.º, alíneas a) e c), do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Maia de 2009 (RPDM), desde logo porque a identificada eventual falta de ponderação não se traduz num vício na decisão, visto que uma ponderação errada ou inexistente não se traduz de imediato numa decisão errada, podendo esta enquadrar-se dentro dos sentidos possíveis da norma que confere discricionariedade;
16. O Artº. 17.º do RPDM deve ser interpretado no sentido de excluir usos incompatíveis, ou seja, aqueles que prejudiquem gravemente as condições urbanísticas e ambientais no local;
17. O que pressuporia e exigiria a prova – que não foi realizada - de que os usos pretendidos deram lugar à produção de fumos, cheiros ou resíduos que afetaram séria e gravemente as condições de salubridade, ou que dificultaram a sua melhoria, não bastando que os mesmos causem incomodidade, como unicamente provado na sentença recorrida;
18. E ainda que fosse quantificado e qualificado em que medida é o funcionamento do posto se abastecimento de combustíveis incrementaria a produção de fumos que resultam do aumento da afluência de tráfego rodoviário à zona , e que o aumento de tráfego rodoviário fomenta a produção de fumos dos veículos que ali vão abastecer, deteriorando a qualidade do ar respirável na zona, o que não foi feito pelo Tribunal, isso não implicaria que deles resultasse uma deterioração tal que afetasse as condições de salubridade, como o exige o indicado preceito legal;
19. Assim como deve ser definido em concreto e não apenas em abstrato, que o uso acarreta agravado risco de incêndio ou explosão, o que, também não foi feito pelo Tribunal a quo;
20. O Tribunal de primeira instância apenas poderia ter declarado a nulidade se tivesse concluído pela incompatibilidade do uso à luz dos critérios do RPDM, o que não sucedeu;
21. Mas ainda que se entenda que a aprovação pelo Município Réu, da pretensão de alteração dos usos dos dois lotes em questão de habitação familiar para atividade comercial, padece do vicio de falta de fundamentação, no que não se concede face ao acima já referido, nunca este vício estaria ferido de nulidade;
22. Com efeito, tem sido jurisprudência assente que a sanção que geralmente recai sobre um ato administrativo inválido é a sua anulabilidade;
23. De onde resulta que também não se verificou a violação do Art. 17.º, e dos n.ºs 2 e 5 do Art. 59.º, ambos RPDM da Maia de 2009.
24. Por cautela e sem prescindir, ainda que se entendesse que se verificou qualquer nulidade das deliberações de alteração da licença de loteamento em causa nos autos, sempre terá a recorrente de ser havida como terceira de boa fé para efeitos de beneficiar dos efeitos putativos do ato nulo;
25. Porquanto, para a consideração daquela posição de terceiro de boa fé, não se deve ter dominantemente em linha de conta a intervenção processual da recorrente, que confiou num ato administrativo, porque o que está em causa é a posição procedimental da recorrente (contrainteressada), que é beneficiária de um ato considerado nulo, para o qual não contribuiu diretamente (muito menos dolosamente) – como reconhecido na sentença recorrida;
26. Por contraponto aos interesses da autora, assistem à contrainteressada, aqui recorrente, os princípios constitucionais da segurança jurídica, da proteção da confiança e do direito de iniciativa económica privada;
27. Dos concretos pontos 3, 4, 6, 7, 8, 20, 22, 23, 30, 37, 39, 40, 41, 42, 43 e 51 factos provados na sentença recorrida, resulta que outra deveria ser, outra terá de ser, a ponderação a fazer e a decisão a tomar no que à proteção, seja dos interesses da recorrente, seja do interesse público, e in casu, respeita;
28. O encerramento do posto de abastecimento de combustíveis ao público, imposto pela sentença recorrida, tem por consequência imediata a inutilização de todo o investimento realizado na sua implantação e construção, determinando para a aqui recorrente a perda do retorno do investimento realizado, incluindo por via das rendas mensais que recebe da sociedade sua arrendatária, e para esta, a perda dos resultados da exploração comercial desse posto de abastecimento de combustíveis;
29. Não tendo a recorrente dado causa a qualquer ação ou omissão geradora das preditas nulidades dos atos administrativos da autoria do Município Réu, caberá ao mesmo Município o dever de indemnizar a recorrente, em conformidade com as disposições contidas no Art. 70.º do RJUE, bem assim como a entidade exploradora do posto de abastecimento de combustíveis, dos prejuízos para cada uma delas objetiva e respectivamente decorrentes;
30. A tal não obsta a circunstância de a ação de impugnação ter sido instaurada em 27 de outubro de 2015 e de a mesma ter sido precedida de procedimento cautelar em 14 de maio de 2014, que veio a ser indeferida, tendo a obra do posto de abastecimento de combustíveis sido legitimamente licenciada, com realização do avultado investimento, provado, da recorrente, e com a autorização da utilização da mesma unidade comercial;
31. O que gerou na recorrente a confiança de que a sua posição jurídica estaria bem alicerçada e legalmente protegida, devendo, consequentemente, ser reconhecida a existência de um interesse atendível da recorrente, no sentido da respetiva conservação dos interesses que aqui estão presentes: estabilidade, conservação, firmeza, consistência e segurança das relações jurídicas;
32. Assentes nas deliberações do Município Réu, que deram origem a fortes e legítima expetativas da recorrente, materializadas, reiterando, no licenciamento, na construção, no arrendamento por contrato de arrendamento a dez anos, e na exploração do posto de abastecimento de combustíveis, como provado na sentença recorrida;
33. Devendo, finalmente, entender-se que como um tempo razoável para a geração, nas circunstâncias concretas, da confiança da recorrente digna de proteção, o tempo suficiente para fundar esse interesse, o que sucedeu no caso sub judice;
34. Relevando ainda e também a circunstância factual de a recorrente ter dado início ao processo de licenciamento em causa nestes autos em maio de 2010;
35. Como os factos provados o evidenciam, no caso sub judice é manifesto que se reúnem os pressupostos legais exigíveis para delimitar o âmbito dos atos consequentes que, por terem constituído situações dignas de proteção em favor de terceiros, não devem ser considerados nulos no momento em que a anulação vem a ser pronunciada, pelo que é de admitir que à recorrente e à sociedade exploradora do posto de abastecimento de combustíveis assiste, em qualquer caso, o direito à manutenção da situação constituída pelos atos consequentes (admissão da comunicação prévia nº. 2242/2013 e emissão do alvará de licença de utilização do posto de abastecimento de combustíveis nº. 153/2015);
36. E, como o demonstram os factos provados, a recorrente tem interesse na manutenção dos atos consequentes para ver protegido o seu direito à edificabilidade (conteúdo do direito de propriedade);
37. Não assistindo, consequentemente, fundamento legal para a decisão constante sentença recorrida que condenou “o Réu a, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, proceder à cassação do alvará de autorização de utilização n.º ...5 e, após, a ordenar e a fixar um prazo não superior a 30 (trinta) dias para que a contra-interessada proceda voluntariamente à cessação de utilização do posto de abastecimento de combustíveis supra melhor identificado” (sic.), que tem de ser revogada e na íntegra.
38. Violou o Tribunal de primeira instância as disposições contidas:
- no n.º 3 do artigo 27.º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE);
- no Art. 68.º do RJUE;
- nos Art.s 17.º, e nos n.ºs 2 e 5 do Art. 59.º, ambos do Regulamento do Plano Diretor Municipal da Maia (RPDM) de 2009;
- no Art. 10.º, n.º 5, do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação do Concelho da Maia (RJUE) de 2011;
- na alínea i), do nº. 2, do Art. 133º, e Art. 134.º do CPA de 1991 (aplicáveis in casu), e
- no Art. 45º, nº. 1, do CPTA.
Contra-alegou a Autora, concluindo:
1. Salvo sempre melhor entendimento, não existe nenhuma razão objectiva, meio de prova nos autos ou regra de experiência comum que contenha a virtualidade de infirmar os factos levados ao probatório nos pontos 48 a 50.
2. A bondade do que ali o M.º Juiz salutarmente alcançou suporta, mais adiante, um juízo de censura sobre a actuação do Recorrente no momento de ponderar sobre o impacto da instalação de um posto de abastecimento de combustíveis numa zona consignada pelo RPDM da Maia como predominantemente habitacional.
3. Por isso, pretender expurgar aqueles factos do probatório a qualquer custo, quer esgrimindo existirem depoimentos que os infirmem, quer adjectivando-os de notórios (que não carecem de alegação nem prova) é, bem para além de dar um tiro no pé, passa-se a expressão, e salvo o devido respeito, olvidar a sua manifesta relevância, ao menos como fundamento dos vícios que são assacados pela Autora Recorrida ao procedimento.
4. O risco de incêndio num posto de abastecimento de combustíveis existe em tamanha dose e graduação, que postula a proibição de fazer fogo, fumar, falar ao telemóvel ou manter a ignição do automóvel ligada enquanto um cidadão comum abastece o tanque da sua viatura, um risco que é tão elevado a ponto de o legislador ter regulamentado exaustiva e pormenorizadamente as imposições técnicas destinadas a prevenir o perigo de incêndio e a explosão.
5. Se as medidas estão rigorosamente implementadas, melhor, não existirá grande apreensão quanto ao funcionamento do posto, mas não é a medida do receio nem a graduação da percepção de segurança que diminuem o risco, que é real, não se venha negar que existe.
Acresce,
6. Apanágio da opacidade com que iniciou o procedimento de tamanha alteração ao loteamento em causa nos autos, insurgindo-se contra a Douta Sentença recorrida, o Recorrente mantém que não afrontou qualquer disposição imperativa que inviabilizasse a participação dos interessados, mormente o nº 3 do artigo 27º do RJUE.
Não lhe assiste razão.
7. Os destinatários de uma consulta pública como a que se prevê no nº 2 do artigo 27º do RJUE serão quaisquer pessoas, um universo totalmente diferente dos destinatários da notificação imperativa do nº 3 do artigo 27º do RJUE, que se dirige aos proprietários dos restantes lotes.
8. Sendo totalmente falacioso afirmar que em qualquer caso, quer ao abrigo do nº 2 quer segundo o disposto no nº 3 daquela disposição, mesmo que fosse
9. Pois aqui o Recorrente olvida que a participação de um qualquer cidadão num procedimento, através de consulta pública não vincula a entidade, enquanto que a oposição da maioria dos proprietários dos lotes consignados no alvará, impede a aprovação da operação de alteração ao loteamento.
10. Portanto, mesmo admitindo, numa esforçada hipótese académica, que fosse admissível a consulta pública do nº 2 em vez da notificação para pronúncia do nº 3, nunca o Recorrente saberá se a postura dos verdadeiros destinatários interessados, proprietários dos lotes, teria sido diferente.
11. Muito provavelmente até teria sido outra, pois participar num procedimento sem qualquer consequência – no sentido de vincular a decisão de aprovação ou não aprovação – seria totalmente distinto de estar ao dispor dos interessados uma pronúncia aparentada com um autêntico direito de ‘veto’, assim indiferente para eles seria, pois, participar no procedimento através de consulta pública.
12. Pior, é que ao invocar na douta alegação recursiva que a pronúncia dos interessados não obedece à tramitação do regime da audiência dos interessados, o Recorrente só vai contra si próprio, pois afinal em vez dela, o que o Recorrente promoveu foi a consulta pública a qualquer cidadão, e qualquer pessoa que entendesse querer participar nunca saberia o alcance e conteúdo mínimo da alteração ao loteamento.
13. Ao contrário do que defende o Recorrente, mesmo que fosse admissível a notificação edital, surge evidente que está em causa a notificação para o exercício do direito de audiência prévia, prevista nos artigos 121.º a 125.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
14. Para participar num procedimento, muito mais num procedimento de alteração a um loteamento, muito mais numa alteração desta natureza, em que os interessados podem impedir a sua aprovação, é exigível o mínimo de informação para que os destinatários fiquem a conhecer todos os aspectos relevantes da operação urbanística com a finalidade de se poderem pronunciar da forma mais avisada possível.
15. Na esteira do que vem sufragado no Douto Acórdão deste Colendo Tribunal Central Administrativo do Norte, de 7 de Maio de 2021, no Proc. 01382/19.6BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.
16. Usando, pois, todos os pretextos – a consulta pública que promoveu, os editais que fez afixar e as publicações em 2ª Série do DR, o descarrilhar da audiência de interessados, a falta de previsão legal no sentido de se obrigar a dar a conhecer o conteúdo e sentido da operação desta alteração ao loteamento - para justificar o que é indefensável,
17. Procurando travestir de claro o que fez escuro na hora da verdade, que era a da pronúncia dos interessados, afinal, os proprietários dos restantes lotes, o Recorrente mais não fez do que denegar o direito de participação procedimental.
18. E isso é motivo para fulminar de nulidade o procedimento, como muito bem ajuizou o M.º Juiz a quo.
Acresce ainda
19. Consolidando-se o bem alcançado nos pontos 48 a 50 do probatório, parece que fazer tábua rasa das circunstâncias referidas no artigo 17º do RPDM sempre acabaria por ferir de nulidade o procedimento, pois ao ignorar por completo qualquer tipo de alusão à produção de fumos, à perturbação de trânsito e ao risco de incêndio, o Recorrente omitiu o percurso de raciocínio que lhe era imposto pelo nº 2 do artigo 59º do RPDM.
20. E nesse segmento, a Douta Sentença recorrida até atribui justamente ampla margem de discricionariedade à decisão de considerar um posto de combustíveis compatível com o uso habitacional, nem querendo imiscuir-se em tamanhas considerações, mas para isso teria sido necessário e exigível a respetiva ponderação pelo Recorrente, que é, pasme-se, absolutamente inexistente.
21. Não se trata pois de um vício de falta de fundamentação gerador de anulabilidade, não é este que se sindica, mas ao invés, trata-se de absoluta omissão de um percurso de raciocínio e de juízos técnicos manifestamente imprescindíveis para suportar uma decisão de aprovação de uma alteração que, só na versão do Recorrente, é totalmente inócua, mesmo que frustre as expectativas de quem adquiriu lotes ou edificou confiando na estabilidade da operação de loteamento originária.
22. Em suma, a Douta Sentença recorrida é inatacável e não pode ser revogada.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art.º 146º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Os factos, que na decisão recorrida foram tidos como provados:
1. A Autora encontra-se inscrita nos cadernos eleitorais com o n.º 4648 da freguesia ..., concelho da Maia [cf. cópia da certidão de eleitor em documento n.º 29 da petição inicial];
2. A Autora tem a seu favor o registo da propriedade de uma fracção autónoma de habitação localizada no 3.º andar (piso ..., trás, com entrada pelo n.º ...9, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, que se encontra descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...05 [cf. cópia da certidão do teor matricial em documento n.º 47 da petição inicial];
3. O Réu licenciou uma operação de loteamento urbano com obras de urbanização no Lugar ..., Rua ..., na freguesia ..., concelho da Maia, tendo, para o efeito, emitido o alvará n.º ...4, de 23 de Fevereiro de 1994, então em nome da sociedade U..., Lda. [cf. admissão por acordo; e cópia em documento n.º 2 da petição inicial];
4. O licenciamento da operação de loteamento referida na alínea anterior incidiu sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os n.ºs ...12, livro ...7, fls. 258º V. e n.º 504/050790, que actualmente formam o prédio rústico descrito com o n.º ...16 da freguesia ..., na referida Conservatória do Registo Predial [cf. admissão por acordo; e cópia em documento n.º 3 da petição inicial];
5. O aludido alvará consignava a constituição de 43 lotes, numerados de um a quarenta e três, sendo que, à excepção do lote n.º 43 destinado a nave industrial e dos lotes 28 a 31 nos quais se consignava a possibilidade de o ... da edificação colectiva ser destinada a comércio, a utilização dos demais foi concedida para a construção de habitações unifamiliares ou colectivas [cf. alvará a fls. 206/210 a 207/2011, respectiva ficha e memória descritiva em fls. 20-22 do PA n.º 3509/1991 e documentos n.ºs 1 e 4 da PI];
6. No lote n.º 43, cuja propriedade se encontra registada a favor da ora contra-interessada, foi aprovado o alvará de licença de obras de construção n.º 29/02, de 11 de Janeiro de 2002 e, nessa sequência, construído um estabelecimento comercial de bens alimentares – ... – o qual obteve a licença de utilização n.º 13/07, emitido em 05 de Julho de 2007 [cf. admissão por acordo; documento n.º 5 da PI e fls. 66 e 574/560 do PA n.º 3379/98];
7. A fim de obter a aprovação da alteração do uso “de unidade fabril para loja de distribuição alimentar”, a então Requerente S..., S.A., à qual sucedeu a ora contra-interessada, apresentou declarações de 29 dos 43 proprietários dos lotes que compunham o loteamento em questão [cf. declarações de fls. 23-33, informações de fls. 66 e 92 e averbamento de fls. 281, todas do PA n.º 3379/98];
8. Em 18 de Maio de 2010, a contra-interessada, invocando a sua qualidade de proprietária dos lotes n.ºs 33, 34 e 43 e de procuradora do então proprietário dos lotes n.ºs 35 e 36, FF, apresentou na Câmara Municipal da Maia um pedido de alteração da licença de operação de loteamento titulada pelo alvará n.º ...4, o qual foi registado nesses serviços sob o n.º ...01 [cf. admissão por acordo; cópia em documento n.º 6 da PI];
9. Da memória descritiva que instruía o pedido identificado na alínea antecedente, extrai-se, além do mais, o seguinte [cf. documento n.º 6 da PI e fls. 183-184 do PA Vol. I]:
(…) Nos lotes, propriedade da I..., Lda. (lotes ...3, ...4 e ...3) foi aprovado e construído com a licença de obras n.º ...8, um estabelecimento comercial de bens alimentares, o qual obteve licença de utilização n.º 13/07. Pretende-se agora corrigir o presente loteamento, de acordo com o já licenciado, unificando-se os referidos três lotes, num único com a área de 11.121 m2, e alterando o seu destino para actividade económica, bem como rectificando as áreas de implantação e construção, de acordo com o licenciado. Pretende-se, ainda, unificar os dois lotes que FF possui (35 e 36), num único lote, cuja área será o correspondente ao somatório das áreas dos dois lotes, ou seja, de 1.263,00 m2, e alterar o seu destino, no sentido de permitir a instalação de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos (…)
10. Com data de 24 de Maio de 2010, a Divisão de Apoio às Operações Urbanísticas do Departamento de Gestão Urbana da Câmara Municipal da Maia, por intermédio do técnico GG A FF, elaborou uma informação no processo n.º ...0, da qual consta o seguinte [cf. cópia em documento n.º 8 da petição inicial e fls. 192 e 193 do PA, Vol. I]:
(…) A pretensão em assunto, sem que assim se mostre requerida, identifica-se claramente como se trate de 2 actos distintos e com diferentes intervenientes. Envolvendo vários prédios da requerente, envolve também outros de proprietário que, apenas concede a esta, por procuração, os poderes necessários para, em seu nome e representação, proceder à alteração dos seus lotes n.ºs 35 e 36, integrantes do alvará de loteamento n.º ...4, já alterado em tempo pelo aditamento n.º 8/07. A obrigarem processamentos administrativos autónomos, particularizados neste caso, pelo simples facto das alterações pretendidas conviverem no seu conjunto, intitulam-se de qualquer forma como se tratem de duas operações urbanísticas de loteamento e que nos termos da alínea a), n.º 2, do artigo 4°, do Decreto - Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro (RJUE), estarão associadas a procedimentos de licenciamentos administrativos, tal como prescrito no artigo 27° do RJUE. (…)
11. Com data de 18 de Maio de 2010, a Divisão do Ambiente do Departamento de Ambiente e Planeamento Territorial da Câmara Municipal ... elaborou uma informação no âmbito do processo n.º ...0, propondo que a contra-interessada apresentasse “uma informação acústica para além da adequada relativa à situação actual, a decorrente da execução da operação de loteamento, de forma a dar a dar cumprimento ao disposto na alínea n) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 232/2008, de 11 de Março” [cf. cópia em documento n.º 10 da PI e a fls. 199 do PA, Vol. I];
12. Com data de 22 de Novembro de 2010, a Divisão de Operações Urbanísticas, Obras Particulares e Loteamentos do Departamento de Gestão Urbana da Câmara Municipal da Maia, por intermédio do técnico GG A FF elaborou uma informação interna no processo n.º ...0, da qual se destaca, além do mais, o seguinte [cf. cópia em documento n.º 11 da PI e fls. 218-227 do PA, Vol. I, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
(…) 2. Instrução do processo Apesar de instruído com elementos retirados de processo anterior, registado sob o nº ...18/10, conforme referido pela DAOU a fls. 191 e 192, não se apresenta suficientemente instruído com os elementos prescritos no Anexo I -Normas Técnicas de Apresentação e Organização dos Processos do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (RMUE), publicado em Diário da República, 2º série - Nº 132 - de 10 de Julho de 2008, dada a ausência de plantas oficiais de extractação do Plano Director Municipal e de localização. E pelo seu enquadramento no n.º 1 do artigo 14º do referido regulamento, considera-se também indispensável a apresentação de estudo de tráfego. 3. Enquadramento nos instrumentos de gestão territorial Analisada a pretensão à luz do Plano Director Municipal vigente, publicado em Diário da República, 2ª Série, nº 17, de 26 de Janeiro de 2009, constata-se que o loteamento, com referência a estes lotes, localiza-se em território classificado, nos espaço dos lotes 35 e 36, por 'Área de Habitação Unifamiliar HU2' e no espaço dos lotes ...3 e ...4, por 'Área de Habitação Colectiva HC1’ classe esta a corresponder também à localização do lote ...3, que se insere ainda em parte dos seus limites, em 'Área de Habitação Colectiva Consolidada'. Tratando-se de alterações a exigir a interligação dos lotes modificados, a manter com os n.ºs 35 e 43, destas resultará a eliminação da anterior capacidade construtiva no cômputo de tais lotes, concluindo-se a superar a maior área de construção agora verificada para o lote ...3, em parte já preenchida pelas alterações tratadas em sede de projecto de mudança de destino e como já referido no início desta informação, a mostrar-se com licença de utilização. Verifica-se também que o novo uso pretendido para o lote 35, a envolver a instalação de simples coberturas, não excederá a cércea de r/c+1, atribuída para os prédios até agora contemplados para o mesmo local. E se a alteração de uso para o lote ...3, a destinar-se para comércio, mostra-se enquadrada no nº 2 do artigo 57° do RPDM, aquele que é requerido para o lote 35, como posto de abastecimento de combustíveis líquidos, considerando-se tratar de estabelecimento comercial, possa enquadrar-se no nº 5 do artigo 59º do RPDM, compatibilizando-se com o uso de habitação a predominar. (…) 8. Discussão pública Apesar de não ultrapassados os limites estabelecidos no n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-lei n.º 555/99, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/01 de 4 de Junho, de acordo, no entanto, com o prescrito no n.º 2 do seu artigo 27.º será de promover, desde já, discussão pública, ou em alternativa se prestem os requerentes a apresentar declarações de consentimento dos proprietários de todos os demais lotes. Mas também até pela dimensão deste loteamento, com mais de 40 lotes, com uma significativa percentagem de prédios já edificados de habitação colectiva, considera-se pela prática antecedente com processos iguais, que as notificações para pronúncia dos seus proprietários, conforme prescrito no n.º 3 do artigo 27" dos diplomas no início mencionados, se substituam a anúncio, por edital, a publicitar no Diário da República a expensas dos requerentes. (…) Nestes termos e desde que também não ocorra oposição escrita da maioria dos proprietários, no âmbito da discussão pública, conforme prescrito no ponto 8, ambos os pedidos em presença poderão reunir condições de deferimento, condicionando-se para seu licenciamento, a conceder nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, reformulado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, à observância de tudo o quanto supra informado (…)”
13. Por despacho de 02 de Dezembro de 2010, exarado sobre a informação descrita na alínea anterior, o Vice-Presidente da Câmara Municipal da Maia determinou a sua concordância quanto ao que aí se propunha [cf. fls. 218 do PA, Vol. I];
14. Em 21 de Dezembro de 2010, foi afixado no átrio dos paços do concelho da Maia, o Edital n.º 137/10, do qual consta o seguinte [cf. fls. 236-verso do PA e documento n.º 13 da PI]:
(…) Torna-se público que, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro (RJUE), decorrerá um período de discussão pública sobre o pedido de alteração da licença de operação de loteamento, registada na Câmara Municipal da Maia sob o n.º ...01 em 18 de Maio de 2010, em nome de I..., S.A. proprietária dos lotes ...3, ...4, ...3 e FF, proprietário dos lotes 35 e 36, do loteamento titulado pelo alvará n.º ...4, localizado na Rua ..., freguesia ..., com a duração de 15 dias e início 8 dias após a data de publicação do presente edital no Diário da República. Para os devidos efeitos, o projecto da alteração à operação de loteamento, acompanhado da informação técnica elaborada pelos serviços municipais, estará à disposição para quem o pretenda consultar na Divisão de Apoio às Operações Urbanísticas desta Câmara Municipal. Os interessados devem apresentar as suas reclamações, observações ou sugestões, por escrito, no Gabinete Municipal de Atendimento ou nos Serviços de correspondência, desta Câmara Municipal. (…)
15. Em 20 de Dezembro de 2010, o Presidente da Câmara Municipal da Maia enviou um ofício com a referência ...58 solicitando ao Presidente da Junta de Freguesia ... a afixação do edital identificado na alínea antecedente [cf. fls. 235 do PA];
16. Em 30 de Dezembro de 2010, foi publicado na 2.ª série do Diário da República n.º 252, o Edital n.º 1283/2010, de 15 de Dezembro de 2015 com o exacto mesmo teor daquele que se mostra descrito na alínea antecedente [cf. cópia em documento n.º 12 da petição inicial e acessível ao público na hiperligação https://dre.pt/application/file/a/1030944; e fls. 232-234 e 239 do PA, Vol. I];
17. Em 07 de Fevereiro de 2011, a Divisão de Apoio às Operações Urbanísticas do Departamento de Gestão Urbana da Câmara Municipal da Maia elaborou uma informação com o seguinte teor [cf. fls. 244 do PA, Vol. I]:
(…) Após decorrido o prazo de reclamação da discussão pública toma-se necessário, a confirmação por parte do Serviço de Registo e Recepção de Correspondência, e Gabinete Municipal de Atendimento, se entre os dias 30 de Dezembro de 2010 a 02 de Fevereiro de 2011 inclusive, deu entrada nesta Câmara Municipal, qualquer reclamação, sugestão ou observação, para a discussão pública relativa ao assunto mencionado em epígrafe, conforme edital anexo por fotocópia, para efeitos do prosseguimento do processo. No serviço de correspondência não deu entrada de qualquer reclamação (…)
18. Em 01 de Abril de 2011, a contra-interessada procedeu à junção ao processo n.º ...10 de nova memória descritiva, na qual pretendia dar resposta a alguns dos pontos da informação da Divisão de Operações Urbanísticas do Réu de 22 de Novembro de 2010 [cf. admissão por acordo e cópia em documento n.º 15 da petição inicial];
19. Com data de 11 de Abril de 2011, a Divisão de Operações Urbanísticas, Obras Particulares e Loteamentos, por intermédio do técnico, GG A FF, elaborou uma informação interna no processo n.º ...0, da qual se extrai, além do mais, o seguinte [cf. cópia em documento n.º 16 da petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido]:
(…) No cumprimento do despacho proferido em consequência da intervenção da DAOU a fls 263, a revelar-se oportuna pela apresentação de novos elementos instrutórios (vd fls 243 e seguintes). Assim e no prosseguimento da análise do presente processo, atento o teor da informação que havíamos já prestado a constituir fls. 218 a 222, mais se informa: 1. Não ter ocorrido em período de pronúncia, qualquer reclamação ou observação, face às operações urbanísticas em análise, dando-se por bem equacionado no seu ponto 8. 2. Mostrarem-se apresentadas as plantas oficiais mencionadas no ponto 2 daquela mesma informação (…) Não se vislumbrando qualquer objecção quanto aos assuntos antes focados e assim se propondo para ambas as pretensões sejam condicionantes ainda a manter, salvo melhor decisão superior, aquelas que se prescrevem nos pontos 4 e 9 da sempre referida informação de fls. 216 a 222 (…)
20. Em 02 de Junho de 2011, a Câmara Municipal da Maia reuniu e deliberou, por unanimidade, deferir os pedidos de licenciamento das alterações aos lotes ...3, ...4, ...5, ...6 e ...3 do loteamento para o qual foi emitido o alvará n.º ...4, alterado pelo aditamento n.º 08/07 apresentado pela ora contra-interessada, com sujeição às condições impostas na informação descrita na alínea anterior [cf. documento n.º 17 da PI e fls. 266 do PA, Vol. I];
21. Com data de 07 de Julho de 2012, a Divisão de Operações Urbanísticas, Obras Particulares e Loteamentos do Departamento de Gestão Urbana da Câmara Municipal da Maia constatou que a contra-interessada havia, entretanto, adquirido a propriedade dos lotes 35 e 36 que então pertencia ao também requerente FF, propondo que passasse a ser esta a única interessada na execução da operação urbanística em questão [cf. documento n.º 18 da PI e fls. 364 do PA, Vol. I, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
22. Em 19 de Julho de 2012, a Câmara Municipal da Maia reuniu e deliberou, por unanimidade, deferir novamente o pedido de licenciamento da contra-interessada, com sujeição às condições impostas na referida informação [cf. documento n.º 18 da PI e fls. 363 do PA];
23. Com data de 26 de Abril de 2013, foi emitido o alvará de licença n.º 12/13, enquanto alteração do alvará de loteamento n.º ...4, do qual resulta ter sido autorizada pela Câmara Municipal da Maia a unificação dos lotes ...3, ...4 e ...3, bem como dos lotes 35 e ...6 do prédio sito na Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia, os quais passam a ser caracterizados do seguinte modo [cf. documento n.º 19 da PI e fls. 505 do PA, Vol. I];
(…) Lote n.º ...5, com a área de 1.263,00 m2, destinado à construção de um posto de abastecimento, com a área de implantação de 191,00 m2, com a área de construção de 191,00m2 e com ... piso acima da cota de soleira. LOTE N. º ...3, com a área de 11.121,00 m2, com edifício destinado a atividade económica/comercial, com a área de implantação de 2.520,00 m2, com a área de construção de 2.884,00m2 e com 2 pisos acima da cota de soleira. (…)
24. Em 03 de Julho de 2013, através da apresentação ...26 foi averbada a alteração da operação de loteamento na ... Conservatória do Registo Predial ... titulada pelo alvará identificado na alínea antecedente e da qual consta a anexação dos lotes 35 e 36 destinada à construção de um edifício para posto de abastecimento de combustíveis [cf. certidões do teor matricial em documento n.º 47 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
25. Com data de 02 de Agosto de 2013, a sociedade H..., Lda. emitiu parecer técnico de “projecto adequado” quanto à instalação posto de combustíveis líquidos e GPL em questão [cf. cópia em documento n.º 31 da contestação da contra-interessada];
26. Em 12 de Agosto de 2013, a contra-interessada apresentou um pedido de comunicação prévia nos serviços da Câmara Municipal da Maia, autuado sob o n.º 2242/2013, dirigido à edificação do preconizado posto de abastecimento de combustíveis no lote 35, juntando, para o efeito, a respectiva memória descritiva [cf. cópia em documento n.º 20 da PI];
27. Com data de 06 de Setembro de 2013, o Departamento de Ambiente Planeamento e Gestão Urbana da Câmara Municipal da Maia elaborou uma informação no processo n.º ...13 no âmbito da qual declarou não ver qualquer inconveniente na isenção, além do mais, da apresentação de projecto acústico [cf. fls. 352 do PA n.º 2242/13];
28. Com data de 17 de Outubro de 2013, a Autoridade Nacional de Protecção Civil emitiu parecer favorável no âmbito da segurança contra incêndio do posto de abastecimento e sua cabine de apoio, concluindo que se encontravam cumpridas as condições constantes da Portaria n.º 131/2002, de 09 de Fevereiro e do DL n.º 220/2008, de 12 de Novembro e da Portaria n.º 1532/2008, de 29 de Dezembro [cf. fls. 489 do PA n.º 2242/13];
29. Por despacho de 09 de Dezembro de 2013, o Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal da Maia admitiu a comunicação prévia descrita nas alíneas anteriores [cf. cópia do ofício de notificação em documento n.º 21 da petição inicial e fls. 552 do processo administrativo];
30. Em 06 de Janeiro de 2014, a contra-interessada apresentou um requerimento a informar que ia dar início às obras para a instalação do posto de abastecimento de combustíveis ao abrigo da supra referida comunicação prévia [cf. fls. 557 do PA n.º 2242/13];
31. Em 09 de Janeiro de 2014, o Condomínio ... enviou uma mensagem, através de correio electrónico dirigido aos serviços do Réu, informando que as obras de construção levadas a cabo no terreno lateral se iniciaram sem a afixação de uma placa de aviso prévio [cf. documento n.º 22 da petição inicial];
32. Apenas no dia 08 de Janeiro de 2014 é que os moradores na envolvente se aperceberam que estava a ser construído um posto de abastecimento de combustíveis líquidos junto às suas portas [cf. convicção infra melhor explicitada];
33. No início do mês de Janeiro de 2014, em dia não concretamente apurado, foi afixado o aviso na obra informando quanto ao início da construção do supra descrito posto de abastecimento combustível [cf. convicção infra melhor explicitada];
34. Em 14 e 24 de Janeiro de 2014, alguns dos moradores da zona envolvente consultaram, por si e por intermédio de advogado, o processo administrativo de licenciamento de loteamento e das respectivas obras [cf. fls. 509/514 e 558 do PA n.º 2242/2013];
35. Com data de 30 de Janeiro de 2014, a sociedade H..., Lda. emitiu um relatório de inspecção com o processo n.º 14..., fazendo constar do mesmo que “os requisitos inspeccionados, à data da inspecção, cumprem as normas técnicas e os regulamentos aplicáveis, nomeadamente, a Portaria n.º 131/2002, de 9 de Fevereiro com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 362/2005, de 04 de Abril” [cf. cópia em documento n.º 32 da petição inicial];
36. Com datas de 31 de Janeiro e 02 de Fevereiro de 2014, HH [mencionando agir como proprietária do Lote ..., sito na Rua ...], ... [mencionando agir como proprietária do Lote ...0, sito na Rua ...], ... e II [mencionando agirem como proprietários do Lote ...6, sito na Rua ..., ...], ... [mencionando agir como proprietária do Lote ..., sito na Rua ...], ... [mencionando agir como proprietário do Lote ...6, sito na Rua ...], ... [mencionando agir como proprietária do prédio sito na Rua ..., ... na ... CRP ...], JJ e KK [mencionando agirem como proprietários do Lote ...9, sito na Rua ...], ... e LL [mencionando agirem como proprietários do Lote ...5, sito na Rua ...], MM e NN [mencionando agirem como proprietários do Lote ...8, sito na Rua ...], ... e OO [mencionando agirem como proprietários dos Lotes ...9 e ...0, sitos na Rua ...], ... e PP [mencionando agirem como proprietários, sito na Rua ..., ... na ... CRP ...], QQ e RR [mencionando agirem como proprietários do Lote ..., sito na Rua ...], ... [mencionando agirem como proprietários do Lote ..., sito na Rua ...], ... e SS [mencionando agirem como proprietários do Lote ...1 sito na Rua ...], ... e TT [mencionando agirem como proprietários do Lote ..., sito na Rua ...], declararam, além do mais, opor-se à alteração do alvará de loteamento de modo a permitir a junção dos ...” e a alteração da finalidade dos mesmos para outra que não seja a habitação [cf. cópias das declarações e dos respectivos cartões de identificação pessoal em documentos n.ºs 30 a 46 da petição inicial e cópias das respectivas certidões do teor matricial em documento n.º 47 da petição inicial];
37. Com data de 16 de Março de 2014, foi emitido o alvará de licença especial para conclusão de obras com o n.º 5/14, processo n.º ...0, visando a conceder à contra-interessada um prazo adicional de 2 meses para a conclusão das respectivas obras de urbanização [cf. fls. 650/655 do ...];
38. Com data de 04 de Abril de 2014, a sociedade H..., Lda. emitiu o certificado de inspecção n.º 14F0401A001 no qual declarou que o posto de abastecimento de combustível construído pela contra-interessada cumpre, nessa data, as normas técnicas e os regulamentos aplicáveis, nomeadamente, a Portaria n.º 131/2002, de 9 de Fevereiro com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 362/2005, de 04 de Abril [cf. documentos n.ºs 33 e 34 junto com a contestação da contra-interessada];
39. Em 17 de Abril de 2014, um técnico/topógrafo da Câmara Municipal da Maia informou que a obra se encontrava concluída [cf. fls. 559 do ...];
40. Em 14 de Maio de 2014, os peritos nomeados pela Câmara Municipal da Maia efectuaram uma vistoria à totalidade da edificação em causa, nos termos do artigo 65.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, concluindo que esta se encontra em condições de ser utilizada [cf. auto de vistoria a fls. 108 do PA n.º 2242/13];
41. Com data de 15 de Julho de 2015, foi emitido o alvará de autorização de utilização n.º ...5, em nome da contra-interessada, para a utilização de um posto de abastecimento de combustíveis sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho da Maia [cf. cópia em documento n.º 24 da petição inicial];
42. Com data de 20 de Julho de 2015, a contra-interessada celebrou com a sociedade S..., Lda. um escrito que designaram de “Contrato de Arrendamento não habitacional com prazo certo”, através do qual aquela declarou dar de arrendamento a esta o lote 35, com a área de 1.263 m2, sito na Rua ..., freguesia, ..., concelho da Maia, descrito sob o n.º ...66 na Conservatória do Registo Predial ..., a fim de esta aqui explorar uma área comercial de posto de abastecimento de combustíveis sob a insígnia “...”, mediante o pagamento de uma renda mensal base de EUR 1.641,00, pelo período de 7 anos e 3 meses [cf. documento n.º 38 da contestação da contra-interessada, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
43. Em 21 de Julho de 2015, o posto de combustível descrito na alínea entrou em funcionamento, sendo o seu horário de 24 horas por dia [cf. convicção infra explicitada];
Mais se provou que:
44. O posto de abastecimento de combustíveis em causa foi construído nos lotes 35 e 36 (cuja anexação deu lugar ao lote 35) da Rua ..., na freguesia ..., concelho da Maia, encontrando-se funcionalmente ligado à superfície comercial designada de “...” e rodeado por uma zona residencial caracterizada por moradias unifamiliares e edifícios de habitação colectiva, encontrando-se a cerca de 1000 metros de distância da área de aterragem e descolagem de aviões do aeroporto de ... [cf. convicção infra explicitada];
45. O espaço dos lotes 35 e 36 encontra-se classificado pelo PDM da Maia de 2009 como “Área de Habitação Unifamiliar HU2” [cf. convicção infra melhor explicitada];
46. O espaço dos lotes ...3 e ...4 encontra-se classificado pelo PDM da Maia de 2009 como “Área de Habitação Colectiva HC1”, classe esta que corresponde também à localização do lote ...3, que se insere em parte dos seus limites, em “Área de Habitação Colectiva Consolidada” [cf. convicção infra melhor explicitada];
47. O funcionamento do posto de abastecimento de combustíveis em zona, como aquela que é predominantemente habitacional, incrementa a produção de fumos que resultam do aumento da afluência de tráfego rodoviário à zona [cf. convicção infra melhor explicitada];
48. O funcionamento do posto de abastecimento de combustíveis aumenta o risco de incêndio ou explosão no local [cf. convicção infra melhor explicitada];
49. O aumento de tráfego rodoviário fomenta a produção de fumos dos veículos que ali vão abastecer, deteriorando a qualidade do ar respirável na zona [cf. convicção infra];
50. Desde que o posto de combustível entrou em funcionamento, têm-se verificado episódios de desacato na área de serviço, com gritos, insultos e acesso discussão em voz alta, o que perturba aqueles que residem nas imediações da bomba [cf. convicção infra explicitada];
51. O posto de abastecimento de combustíveis teve um custo de construção e implantação no montante global de EUR 413.815,02, incluindo IVA [cf. convicção infra explicitada];
52. Em 14.05.2014, a Autora instaurou o processo cautelar que aqui correu termos sob o n.º 1099/14.8BEPRT e que era preliminar da presente acção [cf. fls. 1 do respectivo SITAF];
53. Em 27.10.2015, a Autora instaurou a presente acção [cf. fls. 1 do SITAF];
*
A apelação:
Com base nos factos supra, o tribunal “a quo” estatuiu:
«A) Declaro a nulidade das deliberações da Câmara Municipal da Maia que, em 02 de Junho de 2011 e 19 de Julho de 2012, aprovaram o licenciamento da operação de loteamento titulada pelo alvará n.º ...4 relativamente aos lotes n.º 33, 34, 35, 36 e 43;
B) Condeno o Réu a, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, proceder à cassação do alvará de autorização de utilização n.º ...5 e, após, a ordenar e a fixar um prazo não superior a 30 (trinta) dias para que a contra-interessada proceda voluntariamente à cessação de utilização do posto de abastecimento de combustíveis supra melhor identificado;
C) Absolvo o Réu do demais peticionado nos autos. (…)».
Sobre os factos.
Ambos os recursos respeitam à matéria julgada sob os pontos 47,48, 49 e 50 do probatório.
Parece assomar ligeira diferença; acabando por não ter consequência.
A contra-interessada esgrime que “porque os factos notórios não carecem nem de alegação, nem de prova, nem de figurar nos factos provados da sentença, deve cada um dos pontos 47, 48, 49, e 50 dos factos provados na sentença recorrida ser integralmente removidos dos factos provados, havendo de ter o mesmo tratamento que os factosnão provados”.
O réu Município advoga modificação “por duas ordens de razões: i) o depoimento prestado pelas testemunhas; ii) factos notórios”, entendendo que “a matéria de facto foi mal julgada nos pontos 47, 48, 49 e 50 pelos testemunhos prestados no Tribunal a quo, ainda assim, o Recorrente não pode deixar de apontar o seu entendimento, quanto à matéria de facto dos pontos 47, 48, 49 e 50 dos factos provados na douta sentença recorrida, terem sido mal julgados por constituírem factos notórios (…) devem ser removidos do elenco dos factos provados daquela sentença”.
O que neste último se motiva de diferente só de aparência poderá querer contrariar, sem êxito, o que é de inegável afirmação: «A reponderação da decisão de facto proferida pela 1.ª instância deve fazer-se apenas se tiver utilidade para qualquer das soluções plausíveis de direito, atento o princípio da economia processual contido no disposto no art. 130.º do CPC» (Ac. do STJ, de 19-05-2020, proc. n.º 22172/17.5T8PRT.L1.L1.S1).
Ora, se se reputa o facto como notório, ele - como também os recorrentes apontam - não carece de prova, pelo que a obtenção da sua “prova” com base em prova testemunhal considerada mal apreciada é irrelevante, posto que tal erro não reflectiu naquilo que afinal se aceita de afirmado juízo.
E, seja dum passo ou de outro, a consequência é que – não se afastando o seu interesse - sejam atendíveis na solução jurídica do pleito.
Nesse préstimo, possam eles, ou não, constar do discriminado elenco factual.
Sobre o direito.
A Autora peticionou na acção (i) a declaração de nulidade das deliberações proferidas pela Câmara Municipal da Maia que, em 02 de Junho de 2011 e 19 de Julho de 2012, aprovaram o licenciamento da alteração da operação de loteamento titulada pelo alvará n.º ...4 relativamente aos lotes 33, 34, 35, 36 e ...3 do prédio sito no Lugar ..., Rua ..., freguesia ..., concelho da Maia e, nessa medida, a cassação do alvará de licença de utilização n.º 153/15, de 15 de Julho de 2015 e, bem assim, (ii) a condenação do Réu e da contra-interessada no pagamento à Autora e a todos os demais titulares dos interesses em causa de uma indemnização a ser liquidada em incidente ulterior.
Aproveitando a exposição constante da decisão recorrida:
«Para estribar a primeira pretensão de simples apreciação, a Autora substancia, brevitatis causa, que as deliberações ora impugnadas padecem de:
(i) Ilegalidade procedimental, por violação do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e do artigo 10.º do RMUEM, dado que os proprietários dos lotes descritos no alvará n.º ...4 e dos imóveis ali edificados nunca foram notificados, nem sequer por via edital, para se pronunciarem sobre a alteração à licença, formalidade esta que não poderia ter sido preterida pelo facto de a Câmara Municipal da Maia haver efectivamente optado por promover a (facultativa) consulta pública prevista no n.º 2 do citado normativo, até porque a consulta pública e aquela notificação servem diferentes institutos e têm destinatários distintos;
(ii) Ilegalidade material, por violação dos artigos 54.º, n.º 1, 55.º, n.º 2 e 57.º, n.º 2 do Regulamento do Plano Director Municipal da Maia publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 17, de 26 de Janeiro de 2009, uma vez que os lotes 35 e 36, 33 e 34 e 43, se inserem, respectivamente, em “área de habitação unifamiliar HU2”, “área de habitação colectiva HC1” e “área de habitação colectiva consolidada”, pelo que a admissibilidade do exercício em tal área de outras actividade comerciais, serviços ou usos estava dependente de ser compatível com o uso habitacional que era o dominante; e, como, na perspectiva, da Autora a instalação e funcionamento de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos na zona onde se encontra licenciado o loteamento n.º 6/94, incrementa a produção de fumos, cheiros ou resíduos, perturba as condições de trânsito e acarreta agravados riscos de incêndio, tal actividade era incompatível à luz das alíneas a), b) e d) do artigo 17.º do RPDM;
Para estribar a sua pretensão condenatória, a Autora, por fim, conclui que tais ilegalidades, frustrando a confiança dos proprietários dos lotes na estabilidade da licença de loteamento original, se subsumem ao conceito de ilicitude previsto no n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 67/2007, de 31/12, imputando um juízo de censura à actuação do Réu, que, na sua perspectiva, causou danos aos proprietários de tais lotes que passam, além do mais, pelos riscos agravados de incêndio ou explosão, com o inerente aumento dos prémios dos seguros multirriscos de habitação, pelo aumento da produção de fumos, cheiros e odores nocivos à saúde, que é uma causa possível de lesões graves, e pelo ruído dos motores dos veículos e música que daí advém, a qual se ouve dentro das habitações, sobretudo aos fins-de-semana, afectando gravemente o direito ao repouso e descanso dos residentes.».
Na decisão recorrida, em síntese, o tribunal “a quo”:
- teve como evidenciada a violação do artigo 27.º, n.º 3, do RJUE, ilegalidade procedimental que entendeu fulminar (sem ser aplicável princípio de aproveitamento; e sem reconhecimento de efeitos putativos) as deliberações ora impugnadas com o desvalor máximo da nulidade (e actos consequentes, advindo cassação do Alvará e cessação de utilização do posto de abastecimento combustível);
- acabou por afastar conhecimento de questão que entretanto oficiosamente havia lançado a terreiro (vício de falta de fundamentação);
- considerou “verificada parcialmente verificada a violação do disposto no n.º 2 e na parte final do n.º 5 do artigo 59.º e no artigo 17.º do RPDM, embora apenas na parte em que se reconduz à falta de ponderação material da compatibilidade do uso do posto de abastecimento de combustíveis líquidos com o uso habitacional”;
- viu não poder “tomar conhecimento do mérito da invocada causa de invalidade material invocada por reporte aos artigos 20.º e 21.º do RJUE”;
- afastou poder proceder “o pedido de condenação do Réu no pagamento à Autora e demais interessados de uma indemnização a liquidar em incidente ulterior”.
A propósito da violação do disposto no artigo 27.º, n.º 3, do RJUE, discorreu:
«(…)
O Município da Maia licenciou uma operação de loteamento no Lugar ..., Rua ..., na freguesia ..., concelho da Maia e para o efeito emitiu o respectivo alvará n.º ...4, de 23.02.1994, operação essa que dizia respeito a 43 lotes, dos quais apenas o lote n.º 43 se não encontrava destinado à construção de habitações unifamiliares ou colectivas [Pontos 3) a 5) dos factos provados], no âmbito do qual o Réu viria também a licenciar à contra-interessada a construção (2002) e a utilização (2007) de um estabelecimento comercial de bens alimentares [Pontos 6) a 7) dos factos provados].
Ora, posteriormente, em 18.05.2010, a contra-interessada, na qualidade de proprietária dos lotes n.ºs 33, 34 e 43 e de procuradora do então proprietário dos lotes n.ºs 35 e 36 daquela operação de loteamento, pediu ao Município da Maia a aprovação de uma alteração da licença de operação de loteamento titulada pelo referido alvará n.º ...4, em ordem a que, em suma, pudesse alcançar a unificação, por um lado, daqueles três lotes (33, 34 e 43) e, por outro, dos dois lotes (35 e 36) e, assim, alterar o destino daqueles (33, 34 e 43) com 11.121,00 m2 para comércio e destes (35 e 36) com 1.263,00 m2 para a instalação de posto de abastecimento de combustíveis líquidos [Pontos 8) a 10) dos factos provados].
Aqui em questão está, em concreto, esta última alteração da operação de loteamento na parte em que se reporta ao local em que se pretendia unificar os lotes 35 e 36 e assim alterar o seu destino de habitação unifamiliar e colectiva para um outro que permitisse ancorar a instalação e funcionamento de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos.
Pois bem, dispunha, para o efeito, o n.º 2 do artigo 27.º do RJUE na redacção do DL n.º 26/2010, de 30 de Março em vigor à data do pedido da alteração da licença da operação de loteamento, que esta é “precedida de consulta pública quando a mesma esteja prevista em regulamento municipal ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no n.º 2 do artigo 22.º”.
No caso, o Município da Maia entendeu, desde logo, que não estavam ultrapassados os limites previstos no n.º 2 do artigo 22.º do RJUE (4 hectares, 100 fogos e 10 % da população do aglomerado urbano em que se insere a pretensão) e, portanto, que, com tal fundamento, se não impunha a realização da consulta pública que se encontrava prevista no n.º 2 do artigo 27.º do RJUE, asserção esta, de resto, com a qual a Autora se conformou expressamente.
No entanto, quanto ao primeiro dos fundamentos que poderia obrigar ao despoletar da consulta pública, convém ter presente que o Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação [“RMUE”] do Conselho da ... publicado, quer através do Aviso n.º ...08, na 2.ª série do Diário da República, n.º 132, de 10 de Julho de 2008, cujo conteúdo está acessível em ..., quer através do Regulamento n.º 253/2011 na 2.ª série do Diário da República, n.º 75, de 15 de Abril de 2011, acessível em ... – o qual seria aplicável ao caso por intermédio da norma transitória do seu artigo 66.º, atenta a sua entrada em vigor numa altura em que o pedido de alteração de loteamento se encontrava pendente – não se previa, contrariamente ao consentido pelo n.º 2 do artigo 27.º do RJUE, qualquer consulta pública, mas uma formalidade designada de “discussão pública”.
A este título, estipulava-se no artigo 9.º do RUEM do Conselho da ... de 2011 - aquele que, como se disse, releva para o presente caso - que ficam sujeitas a discussão pública “as operações de loteamento (…) cuja área bruta seja superior a 12.000m2” [n.º 1], discussão essa que “é publicitada através de aviso a publicar nos locais de estilo e na página da internet do município, da qual consta a indicação do local onde o projecto pode ser consultado” [n.º 2], com uma antecedência mínima de “5 dias úteis a contar da data da recepção do último dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, em razão da sua localização, ou do prazo para a sua emissão, sendo a sua duração de 10 dias úteis” [n.º 3] e sempre devidamente acompanhada “da informação técnica elaborada pelos serviços municipais bem como dos pareceres, autorizações ou aprovações emitidos pelas entidades exteriores ao município, nos termos referidos no número anterior” [n.º 4].
Para além disso, o RUEM do Conselho da ... de 2011 estipulava no seu artigo 10.º que, sempre que a operação de loteamento excedesse “limite referido no artigo anterior” ficaria ainda sujeita a “discussão pública”, “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do RJUE”.
Ora, aqui chegados, a primeira asserção a extrair com relevância para o caso concreto é que se desconhece se efectivamente a operação de loteamento em causa tinha ou não uma área bruta de construção superior a 12.000, 00 m2, uma vez que, como supra se viu, as unificações pretendidas pela contra-interessada se tratavam, em rigor, de duas operações urbanísticas autónomas para efeitos da alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º do RJUE, tudo indicando, por isso, que não haveria qualquer obrigação da sua sujeição a discussão pública, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º e do n.º 1 do artigo 10.º do RUEM de 2011.
Ainda assim, conforme dimana dos Pontos 12) a 16) dos factos provados, a Câmara Municipal da Maia, invocando sempre o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do RJUE atinente à consulta pública, entendeu ser de abrir um período de discussão pública, tendo, para o efeito, afixado um edital n.º 137/10 no átrio dos paços do conselho e publicado o edital n.º 1283/2010, de 15.12.2010 na 2.ª série do Diário da República n.º 252.
Todavia, como é bom de ver, esta formalidade da “discussão pública” do RUEM, ainda que em tudo equivalente à “consulta pública” que se mostra consagrada no RJUE, não se confunde, de todo, com aquela outra indispensável que se encontra e encontrava prevista no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e concretizada nos n.ºs 2 a 4 do artigo 10.º do RUEM do conselho da ... de 2011 atinente à notificação de cada um dos proprietários de cada um dos demais lotes pertencentes à operação de loteamento que se pretendia alterar para que estes, caso assim o pretendessem, se opusessem à alteração do referido loteamento.
Na verdade, visto o teor dos editais que constam nos Pontos 14) e 16) dos factos provados é para este Tribunal palmar, manifesto que estes se reconduzem, apenas e tão só, ao cumprimento da finalidade prevista no n.º 2 do artigo 27.º do RJUE e no artigo 10.º do RUEM do conselho da ... de 2011, já que os mesmos nem sequer se dirigem os proprietários dos demais lotes, mas sim à comunidade em geral.
Daí que, desde logo, por aqui se afigura ser incontornável a conclusão de que, no caso concreto, foi plenamente omitida a notificação dos proprietários dos lotes a que se alude no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e nos n.ºs 2 a 4 do artigo 10.º do RUEM da Maia de 2011, o que naturalmente consubstancia uma ilegalidade procedimental que, conforme se verá adiante, é cominada com o desvalor máximo da nulidade à luz do artigo 69.º do RJUE.
Em todo o caso, sem prejuízo disso, como se sabe, a notificação a que se alude no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE deve ser, em regra, efectuada por via postal, tal como, de resto, resulta do n.º 2 do artigo 10.º do RUEM da Maia de 2011.
E, de acordo com o n.º 5 do artigo 10.º do RUEM da Maia de 2011, tal notificação poderia ser efectuada, por via edital, numa das seguintes três situações: caso (i) fosse impossível a identificação dos interessados, (ii) se frustrasse a notificação por via postal ou (iii) o número de interessados fosse superior a 10, sendo que em qualquer destes casos aquele edital deveria ser publicado nos lugares de estilo e na página da internet do município.
Ora, mesmo concebendo-se, que não se concebe, que a consulta pública levada a cabo poderia cumprir o desiderato da notificação prevista no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, e que, no caso, se encontravam previstas as circunstâncias que no n.º 5 do artigo 10.º do RUEM legitimavam o recurso à notificação edital de tal formalidade (nomeadamente, porque o número de interessados, vulgo, proprietários dos demais lotes, era superior a 10), a verdade é que, ainda assim, não se mostra evidenciado que tais editais hajam sido publicados na página da internet do município, tal como o exigia a parte final do citado normativo do RUEM de 2011 [vide, porém, com relevância, o Parecer de Maria José L. Castanheira Neves, de 16.11.2010, com o número 202/10, acessível in https://www.ccdrc.pt/index.php?option=com_pareceres&view=details&id=2080&Itemid=45, na qual a autora defende que a previsão de tal fundamento para o uso da notificação edital viola o disposto no CPA].
O Tribunal não olvida que o Réu se tenta fazer valer da inconveniência de notificação postal de cada um desses proprietários como forma de sustentar a notificação edital prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º do CPA (“se os interessados forem desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação”) e que aqui, na sua perspectiva, seria aplicável por via do disposto no artigo 122.º do RJUE (“A tudo o que não esteja especialmente previsto no presente diploma aplica-se subsidiariamente o Código do Procedimento Administrativo”).
Contudo, esta argumentação, para além de inócua (para efeitos de afastar o juízo de ilegalidade aqui em causa), é claramente improcedente, porque, no que diz respeito aos lotes que têm nele implantados prédios de habitação colectiva que se encontravam constituídos em propriedade horizontal, ao Réu bastaria proceder à notificação das respectivas administrações de condomínio e não de cada um dos proprietários das fracções autónomas de tal prédio.
Isto, porque, conforme aduziam FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES e DULCE LOPES, “cada lote vale um voto, pelo que se sobre o mesmo estiver edificado um imóvel em propriedade horizontal, terá de haver reunião de condomínio (com as suas regras próprias) para definir o sentido do voto do lote onde o mesmo se encontra implantado” [cf. in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Coimbra, 2006, pp. 221-222].
Enfim, se o problema da Câmara Municipal da Maia era notificar cada um dos proprietários das fracções autónomas dos prédios de habitação colectiva, tal questão não se colocava, porque o Réu apenas tinha que efectuar uma notificação por cada prédio edificado em habitação colectiva na pessoa da respectiva administração do condomínio, administração esta que, depois dentro da estratégia que, porventura, se lhe julgasse mais conveniente, através da marcação da respectiva assembleia, decidiria ou não se iria exercer o seu direito de oposição dentro do prazo que lhe teria que ser necessariamente consentido.
Por fim, diga-se que mesmo o número de lotes a notificar (38) não seria, em si, na perspectiva deste Tribunal, suficiente para que a Administração concluísse que a notificação postal era, no caso, inconveniente, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 70.º do CPA [cf. neste sentido, num caso em que o acto administrativo tinha 23 destinatários, vide o Acórdão do STA, de 22/02/2005, processo n.º 0595/04, acessível em www.dgsi.pt], nem, de resto, se vislumbra na fundamentação do agir ora impugnado qualquer justificação materialmente suficiente para se reconduzir o caso a tal inconveniência, dado que aí se limitou aduzir a “dimensão deste loteamento, com mais de 40 lotes, com uma significativa percentagem de prédios edificados de habitação colectiva”.
Em todo o caso, a (in) devida utilização da notificação edital era, no in casu, irrelevante na hora de este Tribunal concluir pela violação do normativo em análise.
É que, mesmo dentro da perspectiva hipotética (que não se concebe) de os editais publicados haverem correspondido à “notificação edital” dos proprietários dos lotes e não da formalidade de “consulta pública” ou “discussão pública”, há, na realidade, um outro argumento decisivo, invocado pela Autora, que irremediavelmente aponta para a violação da formalidade do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e que se prende com o conteúdo de tais editais.
Na verdade, conforme preceitua o citado normativo do RJUE “a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita da maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará”, pelo que, para garantir o seu conhecimento por parte dos mesmos, deverá então “o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias.”
A finalidade que preside a tal solução, e que é naturalmente distinta daquela genérica inerente à consulta pública ou à discussão pública, reflecte a intenção de o legislador assegurar um conhecimento individualizado do projecto de alteração da operação loteamento por parte dos titulares dos demais lotes, porque, enfim, foram estes que, quando adquiriram os mesmos, formaram a sua vontade de acordo com aquelas que seriam as características e parâmetros urbanísticos que tal loteamento apresentaria, sendo, portanto, imperativo que lhes seja concedida a possibilidade de se oporem ou não à alteração de tal operação [cf. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA CASTANHEIRA NEVES e DULCE LOPES, op. cit., 2016, 4.ª edição, pp. 349].
Mas, para que os proprietários dos demais lotes possam, em consciência, exercer tal direito subjectivo, é indispensável que a sua notificação (seja ela postal, edital ou outra modalidade) contenha, ela própria (e não por remissão para o processo administrativo), os termos e as condições essenciais da operação de loteamento que se propõe alterar [cf. para o efeito, exigindo inclusive tal indicação na própria consulta pública, que é menos garantística que a notificação individual, vide o Acórdão do TCA-Norte, de 07/05/2021, processo n.º 1382/19.6BEBRG, cujo recurso de revista não foi admitido através do Acórdão da formação de apreciação preliminar do STA, de 09.12.2021, ambos acessíveis em www.dgsi.pt].
E, no caso concreto, basta atentar-se no conteúdo dos editais dos Pontos 14) e 16) dos factos provados para se chegar à inevitável conclusão no sentido de que estes, em bom rigor, nada dizem acerca do conteúdo do pedido de alteração à operação de loteamento que havia sido apresentado pela contra-interessada, limitando-se a fazer um cumprimento meramente formal (e não material e efectivo) da formalidade do n.º 2 do artigo 27.º do RJUE.
Assim, mesmo que tais editais pudessem consubstanciar uma “notificação edital” para efeitos do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE – que, repete-se, não podem – exigia-se que os mesmos, no mínimo, identificassem as principais alterações inerentes ao pedido de licença pela contra-interessada, em concreto, que o mesmo se prendia com a alteração do uso dos lotes 35 e 36 para a instalação de posto de abastecimento de combustíveis líquidos.
Na ausência de menção a tal característica ou parâmetro essencial, logicamente que jamais se poderia ter por cumprida a formalidade prevista no citado n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e nos n.ºs 2 a 5 do artigo 10.º do RUEM da Maia de 2011 (sendo, aliás, curioso que esta causa de invalidade tenha sido silenciada no parecer junto pelo Réu a fls. 1206-1222 do SITAF, em cuja página 4 se alerta precisamente para a necessidade de cumprimento de tal exigência de legitimidade de ordem especial).
Encontra-se, por isso, evidenciada a violação do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, seja porque tal procedimento foi absolutamente omitido, seja porque os editais afixados pelo Réu não continham os elementos essenciais para a emissão de tal pronúncia.
Ilegalidade procedimental esta que, no caso, fulmina as deliberações ora impugnadas com o desvalor máximo da nulidade, nos termos da alínea c) do artigo 68.º do RJUE, alínea esta que fora aditada, desde logo, pelo DL n.º 177/2001, de 4 de Junho [cf. neste sentido, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 01 de Julho de 2010, n.º P000102010; enquadrando a nulidade na alínea a) do citado normativo, ainda que em situação não inteiramente coincidente, vide o Acórdão do TCA-Sul, de 07.02.2019, proc. n.º 1558/17.0 BELRA, acessíveis em www.dgsi.pt].
O que se declarará, a final, nos termos e para os efeitos do disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 133.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 134.º do CPA de 1991 na redacção anterior àquela que fora introduzida pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de Janeiro.
Note-se que, atenta a gravidade da ilegalidade em questão, não se coloca sequer em hipótese a possibilidade de aproveitamento do acto que, inclusive, o legislador de 2015 esclarece no n.º 5 do artigo 163.º do actual CPA reportar-se apenas aos actos anuláveis, (sendo, em qualquer caso, certo que, no caso dos autos, nem sequer se poderia concluir, sem margem para qualquer dúvida, que o conteúdo do acto (discricionário) seria exactamente o mesmo se aos proprietários dos demais lotes houvesse sido concedida a possibilidade de se oporem à alteração do loteamento em questão).
Ora, não há dúvidas que a posterior decisão de não rejeição da comunicação prévia n.º 2242/2013 e a inerente decisão de autorização de utilização com o n.º 153/15 tiveram como necessário pressuposto lógico a validade e manutenção na ordem jurídica da decisão de aprovação da alteração à operação de loteamento e que, por isso mesmo, aquelas, enquanto actos consequentes das deliberações ora impugnadas de 02.06.2011 e 19.07.2012, se encontram também elas afectadas de nulidade [cf. o Acórdão do STA, de 29/03/2006, processo n.º 01149/05, por maioria de razão para com a alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA de 1991 e, bem assim, o Acórdão do TCA-Sul, de 03/11/2016, proferido no processo n.º 11324/14, ambos acessíveis em www.dgsi.pt].
Isto, na certeza de que como a contra-interessada foi, desde logo, demandada nesta acção declarativa não será considerada, em sede posterior, como terceiro de boa-fé para efeitos do então disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA de 1991 e, bem assim, do disposto n.º 3 do artigo 173.º do CPA de 2002, porque tal salvaguarda dirige-se, apenas e tão só, a quem não poderia contar que a situação constituída pelos actos nulos pudesse vir a ser posta em causa, o que não acontece com os contra-interessados que estiveram presentes na acção de impugnação de tal acto [cf. por todos, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pp. 1287].
E, se assim é, como se afigura ser cristalino que é, torna-se, pois, também inevitável a conclusão de que o alvará de autorização de utilização do posto de abastecimento de combustíveis deve, conforme peticionado pela Autora, ser cassado pelo Presidente da Câmara Municipal, nos termos da parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º do RJUE.
E daí, por isso, que também a cessação de utilização do posto de abastecimento combustível se divise como um acto estritamente vinculado à Lei e que, no caso impõe, em face do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 102.º e do n.º 1 do artigo 109.º do RJUE, que o Réu ordene e fixe um prazo à contra-interessada para que esta proceda ao encerramento de tal estabelecimento, sob pena de ser determinado o respectivo despejo administrativo.
Tudo isto, claro está, sem prejuízo da eventual e posterior legalização ou não para efeitos do disposto no artigo 102.º-A do RJUE da operação urbanística de alteração ao loteamento requerida pela contra-interessada (caso, por exemplo, em tal procedimento administrativo se não venha a colher, depois de devidamente cumprida a notificação a que se alude no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, a oposição da maioria dos proprietários dos lotes constantes do alvará n.º ...4) e consequentemente da utilização do unificado lote 35 como posto de abastecimento de combustível.
Aqui chegados, cumpre então analisar da bondade do pedido de reconhecimento de atribuição de efeitos putativos à situação de facto decorrente da nulidade das deliberações ora impugnadas e que vinha requerida pela contra-interessada à luz do disposto no n.º 3 do artigo 134.º do CPA de 1991 (o que se entende, iura novit curia, em face da alegação vertida nos artigos 163.º a 181.º da sua contestação) e que, no caso assume, desde já, a sua pertinência em sede declarativa precisamente porque a Autora requeria já aqui também a adopção de providências executivas como são o exemplo daquelas que se acabou de explicitar (a cassação do alvará de autorização de utilização e a cessação de utilização do posto de abastecimento de combustíveis).
Para o efeito, o citado normativo do CPA de 1991 preceitua que o facto de o acto administrativo inquinado de nulidade não produzir quaisquer efeitos jurídicos, tal “não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.”
Neste campo, explicando a relevância de tal instituto no domínio da nulidade de actos administrativos em matéria de gestão urbanística, aduziu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18.06.2020, proferido no processo n.º 01701/10.0BEBRG 0200/18, que o mesmo “tem em vista os chamados efeitos putativos”, e que o mesmo “deve ser ponderada com extrema cautela, sendo imperioso distinguir entre “sanação de ato nulo” (legalmente impossível) e “admissão de certos efeitos decorrentes da manutenção prolongada de uma situação de facto”, à luz do interesse público da estabilização das relações sociais», importando reter que «o n.º 3 do art. 134.º do CPA não consagra a sanação ou supressão da ilegalidade do ato nulo, o qual não é, segundo a jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal Administrativo, passível de sanação jurídica» e de que os «denominados efeitos putativos, para além de deverem decorrer, em princípio, da necessidade de estabilidade das relações jurídico-sociais, dependem, em grande parte, de períodos dilatados de tempo em que tais situações se verificam, não podendo, por razões de coerência do próprio instituto, beneficiar aqueles que direta, ou mesmo dolosamente, deram causa à nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos são reclamados, devendo a sua admissão estar sempre ligada à ideia de persecução do interesse público”, aduzindo que “este Supremo Tribunal já recusou o reconhecimento ou a atribuição deste tipo de efeitos, por um lado, em situações em que mediaram entre a emissão do ato permissivo/autorizativo nulo e a sua impugnação judicial lapsos de tempo inferiores, por exemplo, a 04 anos [v.g., Acs. de 16.06.1998 - Proc. n.º 043415, de 16.01.2003 - Proc. n.º 01316/02, de 07.11.2006 - Proc. n.º 0175/06, e de 28.09.2017 - Proc. n.º 0288/17], ou a 05 anos [v.g., Ac. de 16.12.2003 - Proc. n.º 0414/03, e de 09.12.2009 - Proc. n.º 0100/08], e, por outro lado, nas situações em que os beneficiários de tal reconhecimento dos efeitos foram os responsáveis ou contribuíram direta, ou mesmo dolosamente, para as ilegalidades geradoras da nulidade do ato à sombra do qual os referidos efeitos se mostravam reclamados.” [acessível em www.dgsi.pt].
Enfim, o instituto do reconhecimento de efeitos putativos consagrado no n.º 3 do artigo 134.º do CPA de 1991 visa evitar, em suma, que a declaração de nulidade dos actos administrativos crie ou redunde na criação de uma situação de injustiça em face da ponderação daqueles são os vários interesses públicos e particulares em presença, tendo sempre presente o quadro principológico inerente à protecção da boa-fé, da confiança e da segurança jurídica que se encontra inerente à consagração legal daquele instituto.
Ora, no caso concreto, afigura-se, desde logo, evidente que não nos encontramos perante um caso em que o beneficiário do acto nulo (a contra-interessada) haja contribuído directamente (muito menos dolosamente) para a ilegalidade (procedimental) geradora da nulidade, já que foi o Réu, Município da Maia, quem preteriu o devido cumprimento da formalidade de notificação dos proprietários dos demais lotes que se mostra legalmente prevista n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e no artigo 10.º do RUEM do conselho da ... de 2011.
No entanto, convém não olvidar que a última das deliberações ora impugnadas e através da qual se licenciou definitivamente o pedido da almejada alteração à operação de loteamento foi praticada em 19.07.2012 [Ponto 22) dos factos provados] e que a presente acção foi instaurada em 27.10.2015 [Ponto 53) dos factos provados], tendo aliás, sido precedida de processo cautelar instaurado em 14.05.2014 [Ponto 52) dos factos provados].
Assim, mesmo que tomássemos apenas em consideração a instauração da acção administrativa (e não o processo cautelar), logo constataríamos que entre a última deliberação que licenciou definitivamente a alteração à operação de loteamento à contra-interessada e a instauração da presente acção mediaram cerca de 3 anos e 3 meses.
Lapso temporal este que, na esteira dos citados acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16.06.1998, processo n.º 043415, de 16.01.2003, processo n.º 01316/02, de 07.11.2006, processo n.º 0175/06, de 28.09.2017, processo n.º 0288/17, de 16.12.2003, processo n.º 0414/03 e de 09.12.2009, processo n.º 0100/08, é manifestamente insuficiente para que se criasse uma forte expectativa quanto à legalidade de tais deliberações.
De resto, nem o probatório coligido nos presentes autos apresenta qualquer tipo de factualidade que, per si, justificasse o cogitar da aplicação do instituto excepcional que se mostra consagrado no n.º 3 do artigo 134.º do CPA de 1991, nomeadamente, o amplo investimento que a contra-interessada fez no projecto e execução do posto de abastecimento de combustível [Ponto 51) dos factos provados] já que a este se contrapõe naturalmente o interesse de todos aqueles que, como a Autora, confiaram que o loteamento no qual se inserem as suas propriedades não seria alterado sem que antes lhes fosse facultada a possibilidade de, querendo, se oporem à mesma, inclusive, ao ponto de poderem a inviabilizar.
No mais, não faz qualquer sentido a alusão que a contra-interessada faz ao disposto no artigo 45.º do CPTA, porque este normativo, regulando os termos em que se pode dar uma modificação objectiva da instância, se encontra pensado para os casos em que se anteveja a (i) “impossibilidade absoluta” na execução, neste caso, dos efeitos da declaração de nulidade, ou que isso (ii) importe “excepcional prejuízo para o interesse público”.
É que, como é bom de ver, não só não existe qualquer impossibilidade (sequer absoluta), como o Réu não invocou excepcional prejuízo que a declaração de nulidade das deliberações ora impugnadas pudesse importar para o interesse público, nem, aliás, se divisa como e em que termos é que a execução da presente decisão judicial poderia afectar tal interesse público (pois que, em bom rigor, o único interesse que é verdadeiramente afectado pela declaração de nulidade das deliberações ora impugnadas, é de natureza particular e pertence à ora contra-interessada).
Deste modo e, sem necessidade de outras e maiores indagações, julga-se não ser de reconhecer quaisquer efeitos putativos às deliberações ora impugnadas, nem ser caso de se proceder a uma qualquer alteração objectiva da presente instância.
*
Termos em que, à luz do exposto, se julga violado o disposto no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e, nessa medida, se impõe a declaração de nulidade das deliberações ora impugnadas, acompanhando-se, desde já, tal declaração da vinculação do Presidente da Câmara Municipal da Maia na cassação do consequente alvará de utilização e, bem assim, na emissão de ordem e fixação à contra-interessada de um prazo para que esta voluntariamente proceda à cessação de utilização do posto de abastecimento de combustível.
(…)».
Vejamos.
A tese dos recorrentes segue acoplada ao entendimento expresso em Parecer junto aos autos das Ilustres juristas Fernanda Paula Oliveira e Dulce Lopes.
Sendo fiel ao que se esgrime de argumentação, seja-nos permitido extractar alguns dos aspectos aí desenvolvidos.
Quanto à violação do disposto no art.º 27º, n.º 3, do RJUE:«(…)Sobre esta matéria convém ter presente que o RJUE distingue, efetivamente, no procedimentos de alteração de uma licença de loteamento, o trâmite da consulta pública (n.º 2 do artigo 27.º) trâmite este que deve ser desencadeado apenas em determinadas circunstâncias (1) _, do trâmite da “consulta” dos proprietários dos lotes constantes do alvará, para que estes, caso o entendam, se oponham a tal alteração trâmite que deve ocorrer sempre e que se revela fundamental na medida em que a alteração não pode ser aprovada “se ocorrer oposição escrita da maioria desses proprietários” (referimo-nos, naturalmente, à redação desta norma à data).

Trata-se de trâmites destinados a “auscultar” os titulares de interesses privados que possam ser afetados com tal alteração; no primeiro caso, uma auscultação mais ampla e dirigida a um leque maior de interessados, no segundo uma auscultação dirigida àqueles que podem ser mais afetados na confiança que depositaram na “regulamentação urbanística” definida para a área por serem, precisamente, adquirentes dos lotes, ainda que não se trate de uma proteção absoluta, já que não se exige unanimidade quanto a essa alteração (nem, sequer, consentimento expresso), mas apenas não oposição por parte dos proprietários da maioria dos lotes. É por este motivo que se exigem vias mais diretas para levar ao conhecimento destes interessados a alteração ao loteamento: a sua notificação para o efeito.
Considerando as caraterísticas e, sobretudo, os efeitos conformadores das operações de loteamento, esta norma visa, à semelhança de outras previstas no RJUE, proteger terceiros adquirentes dos lotes, prevendo-se que eles tenham uma palavra a dizer quanto às alterações a promover por outros interessados, podendo opor-se às mesmas e mesmo impedir, desde que os proprietários da maioria dos lotes se pronunciem nesse sentido.
Na ausência de uma regulamentação mais desenvolvida no RJUE quanto ao cumprimento destes trâmites, temos defendido que esta matéria pode ser objeto de regulamento municipal, o que sucede no caso do Município da Maia, relevando para o efeito o artigo 10.º do Regulamento n.º 253/2011, publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 75, de 15 de abril de 2011 (o aplicável ao caso e doravante RUEM), artigo este que distinguia as duas situações previstas no artigo 27.º: a do n.º 2 deste artigo (n.º 1 do artigo 10.º, segundo o qual, “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do RJUE, a alteração à licença de loteamento fica ainda sujeita a discussão pública sempre que seja ultrapassado o limite referido no artigo anterior”)(2) e a do n.º 3 do artigo 27.º (referida no n.º 2 do artigo 10.º e completada pelo previsto nos números 3 a 5).
A este propósito refira-se, desde logo, que o Tribunal, na fundamentação jurídica que está na base da sua decisão, labora numa pretensa diferença entre consulta pública (que estaria prevista no RJUE) e discussão pública (prevista no RUEM), diferença essa que na verdade, não existe: uma leitura atenta do artigo 10.º do RUEM permite concluir que este artigo está totalmente alinhado com o RJUE, distinguido a situação do n.º 2 do artigo 27.º que envolve um leque maior de eventuais interessados a pronunciar-se (todos em geral que o pretendam fazer), que designou de discussão publica mas não pode deixar de ser considerado como a consulta pública a que se refere o n.º 2 do artigo 27.º (situação prevista no n.º 1 do artigo 10.º do RUEM) e a do n.º 3 do artigo 27.º, que se destina, tal como expressamente previsto no n.º 2 do artigo 10.º do RUEM, a ouvir os proprietários dos lotes do loteamento.
Porém, e atento o teor dos editais [factos provados 14) e 16)] conclui o Tribunal que o que o Município promoveu foi tão somente o trâmite previsto no n.º 2 do artigo 27.º do RJUE e no n.º 1 do artigo 10.º do RUEM trâmite que, atentas as caraterísticas desta alteração, não era, no caso em apreço, obrigatório , não tendo dado cumprimento ao disposto no artigo 27.º, n.º 3 (e n.º 2 a 4 do artigo 10.º do RUEM), por ter sido totalmente omitida a notificação dos proprietários dos lotes a que aludem estes normativos. E ainda que reconheça que o n.º 5 do RUEM admitia que tal notificação pudesse ser efetuada também por via edital [caso (i) fosse impossível a identificação dos interessados, (ii) se frustrasse a notificação por via postal ou (iii) o número de interessados fosse superior a 10, situação em que aquele edital deveria ser publicado nos lugares de estilo e na página da internet do município], na situação em apreço, sendo os interessados mais do que 10, a notificação não tinha cumprido a exigência de publicação na página da internet do município. Não podemos deixar de constatar, antes de mais, que o edital publicado no âmbito da alteração do loteamento invocava expressamente o n.º 2 do artigo 27.º (portanto à consulta pública prevista neste artigo, rectius a discussão publica prevista no n.º 1 do artigo 10.º do RUEM) e não o seu n.º 3.
Esta menção corresponde, porém a um erro porque, como decorre dos factos dados como provados (ver facto provado 12) a intenção era a de dar cumprimento à exigência do n.º 3 do artigo 27.º: uma auscultação dos restantes proprietários dos lotes para que, caso o entendessem, se viessem opor. Com efeito, como expressamente se afirma na informação interna no processo n.º ...0 que consta dos factos dados como provados: (…) 8. Discussão pública Apesar de não ultrapassados os limites estabelecidos no n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-lei n.º 555/99, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 177/01 de 4 de Junho, de acordo, no entanto, com o prescrito no n.º 2 do seu artigo 27.º será de promover, desde já, discussão pública, ou em alternativa se prestem os requerentes a apresentar declarações de consentimento dos proprietários de todos os demais lotes.
Mas também até pela dimensão deste loteamento, com mais de 40 lotes, com uma significativa percentagem de prédios já edificados de habitação colectiva, considera-se pela prática antecedente com processos iguais, que as notificações para pronúncia dos seus proprietários, conforme prescrito no n.º 3 do artigo 27" dos diplomas no início mencionados, se substituam a anúncio, por edital, a publicitar no Diário da República a expensas dos requerentes. (…) Nestes termos e desde que também não ocorra oposição escrita da maioria dos proprietários, no âmbito da discussão pública, conforme prescrito no ponto 8, ambos os pedidos em presença poderão reunir condições de deferimento, condicionando-se para seu licenciamento, a conceder nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, reformulado pelo Decreto-Lei n.º 26/2010, de 30 de Março, à observância de tudo o quanto supra informado (…)"
Ora, ainda que esta informação tenha confundido a forma de publicitação a alteração (edital) com o trâmite a desencadear (discussão pública) _ e por isso, invocou o n.º 2 do artigo 27.º (que, no entanto, sabia não ter de cumprir por não estar acima dos limites que o impunha), e não o n.º 3 (que sabia bem ter de cumprir, como decorre do teor da informação citada) a verdade é que, atento o previsto no regulamento municipal (cuja validade não foi contestada nem declarada), o edital era, no caso em apreço (por serem mais de 10 os interessados(3) a forma de notificação dos proprietários dos lotes para que, caso quisessem, se opusessem à alteração ao abrigo do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE. Ou seja, e dito de outro modo, ainda que o edital tenha sido publicitado citando o n.º 2 do artigo 27.º (o que não pode deixar de se considerar um lapso porque, como todos reconheceram, incluindo a Autora, a consulta pública rectius discussão pública não era, no caso em apreço, obrigatório), uma coisa é totalmente inegável: a notificação dos interessados ao abrigo do n.º 3 do artigo 27.º teria de ser feita exatamente nos termos em que o foi (não sendo crível que se tivesse o edital referido o n.º 3 do artigo 27.º, em vez do n.º 2 do mesmo artigo como erradamente o fez, os interessados se teriam pronunciado)(4). Consideramos, por isso, excessiva e inadequada a afirmação feita pelo Tribunal de que “se afigura ser incontornável a conclusão de que, no caso concreto, foi plenamente omitida a notificação dos proprietários dos lotes a que se alude no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE e nos n.ºs 2 a 4 do artigo 10.º do RUEM da Maia de 2011” porque esta afirmação omite propositadamente o n.º 5 o referido artigo 10.º que expressamente previa, para casos como este (mais de 10 interessados), que a notificação fosse feita nos termos em que efetivamente o foi. Ou seja, a notificação não foi totalmente omitida; foi efetivamente realizada, ainda que com irregularidades (em vez de citar o n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, citou o n.º 2 desse mesmo artigo).
Aliás, o próprio Tribunal reconhece expressamente que se possa conceber “que a consulta pública levada a cabo poderia cumprir o desiderato da notificação prevista no n.º 3 do artigo 27.º do RJUE, e que, no caso, se encontravam previstas as circunstâncias que no n.º 5 do artigo 10.º do RUEM legitimavam o recurso à notificação edital de tal formalidade (nomeadamente, porque o número de interessados, vulgo, proprietários dos demais lotes, era superior a 10)”. Afirma, porém, que “ainda assim, não se mostra evidenciado que tais editais hajam sido publicados na página da internet do município, tal como o exigia a parte final do citado normativo do RUEM de 2011”. Sendo verdade que o RUEM exigia a publicação do edital na página da internet do Município, consideramos totalmente despropositado, como melhor veremos a seguir, retirar dessa falha a consequência da nulidade do ato de alteração do loteamento estando provado, como está, que o edital foi efetivamente publicitado (tendo apenas faltado esta publicação na página da internet) ficando afastada a alegação da Autora de que a notificação prevista no n.º 3 do artigo 27.º não podia ser feita na forma de edital.
Não podemos deixamos de reconhecer que o Município não andou bem na forma como atuou e como tramitou o procedimento de alteração ao loteamento confundindo, sem justificação, trâmites de auscultação de interessados privados; já não podemos é considerar que esta atuação corresponde a um vício formal (procedimental) gerador da forma mais grave de invalidade do ato praticado (a nulidade). E isto porque os titulares dos lotes foram notificados por edital (como tinham, no caso em apreço, de o ser) tendo falhado apenas uma das formas (mas não as restantes) de publicitação de tal edital. Trata-se, é certo, do incumprimento de uma formalidade, mas que, como melhor veremos mais adiante, não pode deixar de ser considerada como geradora, senão de um irregularidade, pelo menos de uma mera anulabilidade e não (nunca) de nulidade, que deve ser reservada para a invalidades evidentemente graves.
ii. Aos argumentos apresentados pelo Tribunal argumentos que consideramos não poderem proceder em geral e que nunca poderiam proceder no caso concreto por haver uma regulamentação concretizadora específica (e, ademais, legítima) em regulamento municipal que permitia a notificação por edital para efeitos do n.º 3 do artigo 27.º junta o Tribunal outro argumento, que considera decisivo: o de que notificação (fosse ela postal, edital ou outra) tinha de conter ela própria (e não por remissão para o processo administrativo), os termos e as condições essenciais da operação de loteamento que se propunha alterar, citando, para fundamentar a sua posição, o Acórdão do TCA-Norte, de 07/05/2021, processo n.º 1382/19.6BEBRG (que defende a necessidade de cumprimento desta exigência inclusive para a própria consulta pública, que é menos garantística do que a notificação individual).
Ora, não podemos estar em maior discordância com esta posição, cujo fundamento parece assentar na equiparação da consulta dos proprietários dos lotes numa alteração ao loteamento (n.º 3 do artigo 27.º do RJUE) à participação de um interessado em sede de audiência prévia dos interessados (sendo certo, ademais, que a falta ou irregular audiência dos interessados, tirando as situações de procedimentos sancionatórios onde está em causa o direito fundamental à defesa, é meramente geradora de anulabilidade). Não vemos, aliás, como se possam confundir estes dois trâmites que visam salvaguardar interesses privados distintos: no caso da alteração dos lotes, a proteção da confiança na manutenção de uma determinada situação (que não é um direito a essa manutenção, por isso não se exige unanimidade na não oposição), e, no caso da audiência prévia, a proteção dos direitos do interessado em obter, desde logo, uma decisão legal e justa. (5)
Assim, não vemos como se possa afirmar que a mera possibilidade de se consultar o processo impede os proprietários dos lotes de conhecerem a proposta de alteração (proprietários cuja confiança se pretende salvaguardar, mas não como valor absoluto), frustrando, deste modo, a possibilidade de tomarem a sua posição perante tais alterações. Aliás a consulta do processo é a melhor forma de os proprietários dos lotes se inteirarem de todos os pormenores da alteração sendo certo que, no presente caso, e como ficou provado, a memória descritiva da alteração continha expressamente a menção à alteração em causa nos seguintes termos:
Pretende-se, ainda, unificar os dois lotes que FF possui (35 e 36), num único lote, cuja área será o correspondente ao somatório das áreas dos dois lotes, ou seja, de 1.263,00 m2, e alterar o seu destino, no sentido de permitir a instalação de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos (…)
Aliás, e como ficou provado, assim que se iniciou a obra de construção do posto de abastecimento de combustíveis alguns moradores da zona consultaram o processo (o que, segundo o facto dado como provado 14, ocorreu entre 14 e 24 de janeiro) tendo logo alguns proprietários, em 31 de janeiro e 2 de fevereiro, apresentado oposição expressa à alteração (facto 36 dado como provado), o que significa (e comprova) que a consulta ao processo era perfeitamente suficiente (e adequada) para os proprietários dos lotes tomarem conhecimento dos termos da alteração e para se poderem a ela opor tempestivamente (note-se que o prazo fixado no edital eram 15 dias úteis, mais até do que os 10 dias fixados por lei, o que daria suficiente margem para uma consulta do processo e, sendo caso disso, subsequente oposição).
(…)»
Uma primeira referência para dar realce que o que aqui está aqui em causa não segue por mesma linha de causa presente no supra referenciado Ac. deste TCAN de 07-05-2021, proc. n.º 1382/19.6BEBRG; aí a patologia (uma das) era relativa à consulta pública prevista no art.º 27º, n.º 2, do RJUE; em nada se afastando - e pese a aí sentença de 1ª instância aludir à audiência prévia, mas sem na economia do caso ser necessário dilucidar -, da posição também aí constante expressa em citado aresto do STA; e, no que então se julgou (assim se entendeu), indo de encontro; em prol de uma participação com publicidade ao que e no que se pretende alterar; por outro lado, avançando e deixando já de alerta, indubitavelmente que a nulidade aí acolhida (sempre) teve âncora noutro motivo de causa - de razão material -, não despertando que de fundamento e mais de estatuição houvesse que tomar posição (e não foi tomada) quanto à qualificação de invalidade relativa ao vício procedimental.
Os termos de causa no presente caso diferem; mesmo que possam coexistir pontos de contacto (ou de mesma essencial perspectiva).
Respeitam à notificação prevista no art.º 27º, n.º 3, do RJUE.
Todo o desenvolvimento argumentativo dos recursos tem alicerce na afirmação de a publicidade dada ter um erro de referência normativa (a referência ao em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro); que a intenção era a de dar cumprimento à exigência do n.º 3 do artigo 27.º.
Cfr. Ac. deste TCAN, de 15-06-2018, proc. n.º 888/13.5BEBRG:
«Como se pondera em Ac. deste TCAN, de 06-11-2015, proc. n.º 00147/14.6BEAVR, citando jurisprudência do nosso mais alto tribunal da jurisdição “A interpretação do acto administrativo não se esgota no seu teor literal, sendo elementos igualmente relevantes para a fixação do seu sentido e alcance, as circunstâncias que rodearam a sua prolação, nomeadamente os seus antecedentes procedimentais, o tipo de acto, bem como os elementos posteriores que revelem o sentido que a própria Administração lhe atribuiu, na medida em que se deve presumir que esta agiu coerentemente e de boa-fé.” (cf., tb., Acs. do STA, de 09-01-2007, proc. n.º 01/06; de 25-09-2008, proc. nº 0168/08; de 17-12-2008, proc. nº 0496/08: de 24-02-2012, proc. n.º 01164/11).
“A interpretação do acto administrativo não pode efectuar-se em termos puramente formais ou literais, mas antes tendo em conta o contexto em que o mesmo foi produzido (circunstâncias em que a vontade foi manifestada e elementos constantes do processo instrutor).” – Ac. do TCA, de 09-05-2002, proc. nº 11189/02.
“O verdadeiro sentido e natureza do acto praticado pela Administração depende do contexto em que se insere, avultando na interpretação a sequência de actos jurídicos anteriormente expressos, quer pela própria Administração quer pelos particulares interessados.” – Ac. do TCA, de 28-04-2003, proc. nº 11362/02; Ac. do TCAS, de 21-10-2004, proc. nº 00096/04.».
Perante o que supra se encontra apurado, de precedente ao que foi publicitado, somos levados a crer que, efectivamente, a montante, se terá querido dar cumprimento à exigência de notificação do n.º 3 do artigo 27.º do RJUE.
Mas, non solum sed etiam; sem por aí quedar de intenção.
A intenção que se percepciona é a de a cumprir em simultâneo e por ocasião ao cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 27.º do REJU.
Acolhemos a posição expressa no Parecer quanto à forma de notificação a empreender para cumprimento do disposto no art.º 27º, n.º 3, do RJUE; no caso, habilitando à notificação edital (que o tribunal “a quo” também considerou admissível).
Todavia, não ficando pelas intenções, tenhamos bem presente o teor do que foi publicitado.
Não esquecendo que a forma empresta serventia à função.
É de todo evidente, quer por referência normativa, quer pela referenciada “discussão pública” (indo de encontro ao entendimento dos recorrentes, não vendo advir profícua destrinça na empregue diferenciação entre “discussão pública” e “consulta pública”, quando não há dúvida que se quis empreender essa consulta pública; mas, precisamente, no concreto, contribuindo para fragilizar congruência no convocar de lapso de indicação normativa), quer por assinalado prazo (distinto e próprio), que a publicidade feita acaba por se querer prestar à intenção da discussão pública que o precedente já tinha apontado encaminhar.
E presta-se (também) a servir de notificação prevista no art.º 27º, n.º 3, do RJUE?
Previa o RJUE, na sua redacção inicial do DL n.º 555/99, de 16/12:
Artigo 27.º
Alterações à licença

1 - A requerimento do interessado, podem ser alterados os termos e condições da licença antes do início das obras ou trabalhos a que a mesma se refere.
2 - A licença de operação de loteamento apenas pode ser alterada decorridos três anos após a sua concessão, salvo o disposto no artigo 48.º
3 - A alteração da licença de operação de loteamento antes de decorrido o prazo de três anos previsto no número anterior só pode ser licenciada mediante autorização escrita dos proprietários de dois terços dos lotes abrangidos.
(…)».
Com as alterações do DL n.º 177/2001, de 04/06:
Artigo 27.º
Alterações à licença
1 - A requerimento do interessado, podem ser alterados os termos e condições da licença antes do início das obras ou trabalhos a que a mesma se refere.
2 - A alteração da licença da operação de loteamento é precedida de discussão pública, a efectuar nos termos estabelecidos no n.º 3 do artigo 22.º, com as necessárias adaptações, salvo se houver consentimento escrito dos proprietários de todos os lotes constantes do alvará, sem prejuízo do disposto no artigo 48.º.
3 - A alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos proprietários da maioria dos lotes constantes do alvará, desde que nela se inclua a maioria dos proprietários abrangidos pela alteração.
(…)».
Com as alterações do DL n.º 60/2007, de 4/9 (redacção mantida no DL n.º 136/2014, de 09/09):
Artigo 27.º
Alterações à licença
1 - A requerimento do interessado, podem ser alterados os termos e condições da licença.
2 - A alteração da licença de operação de loteamento é precedida de consulta pública quando a mesma esteja prevista em regulamento municipal ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no n.º 2 do artigo 22.º.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 48.º, a alteração da licença de operação de loteamento não pode ser aprovada se ocorrer oposição escrita dos titulares da maioria da área dos lotes constantes do alvará, devendo, para o efeito, o gestor de procedimento proceder à sua notificação para pronúncia no prazo de 10 dias.
(…)».
Mostra a evolução legislativa que foi consagrado individualizado confronto a uma pronúncia dos titulares dos lotes.
Com peso no passo do procedimento que não é simplesmente equivalente ao que de pretérita disciplina, no âmbito de uma discussão pública, de sua iniciativa se lhes poderia facultar.
Não repugna que o meio para notificação (“notificação”, que não simples publicidade) possa até coincidir com o empreendido para consulta pública.
Mas, em termos lógicos correspondendo a realidade distinta da consulta pública, ou de contrário não teria a lei cuidado de prever uma e outra coisa, o agir não é o mesmo.
É bom de ver que o teor do que foi publicitado – a despeito de anteriores intenções - se encontra despido de qualquer vocação chamativa desses titulares, primeiro índice para cumprimento da lei.
Não bastará “tornar público” pedido de alteração da licença de operação de loteamento.
Assim, temos por não cumprida a notificação prevista no art.º 27º, n.º 3, do RJUE.
Donde, irrelevam quaisquer considerações a respeito de conteúdo (termos ou condições essenciais que houvessem de constar) ou outras (formalidades acopladas).
Consequências?
O tribunal “a quo” aponta tratar-se de ilegalidade procedimental «que, no caso, fulmina as deliberações ora impugnadas com o desvalor máximo da nulidade, nos termos da alínea c) do artigo 68.º do RJUE, alínea esta que fora aditada, desde logo, pelo DL n.º 177/2001, de 4 de Junho [cf. neste sentido, o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, de 01 de Julho de 2010, n.º P000102010; enquadrando a nulidade na alínea a) do citado normativo, ainda que em situação não inteiramente coincidente, vide o Acórdão do TCA-Sul, de 07.02.2019, proc. n.º 1558/17.0 BELRA, acessíveis em www.dgsi.pt].».
O art.º 68º, c), do RJUE comina a nulidade dos actos (e para categoria onde os presentes se inserem), na falta de “consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações.”.
Recordando Karl Larenz, “(…) o sentido de cada proposição jurídica só se infere, as mais da vezes, quando se a considera como parte da regulação a que pertence (…) [Karl Larenz, in Metodologia da Ciência do Direito, 2ª e., Gulbenkian, pág. 391].
Temos por boa a posição expendida no citado Parecer, de que a previsão legal é dada «numa clara referência à falta de consulta (ou desconformidade com ela) das entidades públicas que tenham de intervir nos procedimentos urbanísticos nos termos dos artigos 13.º a 13.º-B do RJUE.
Refere-se, efetivamente, este segmento normativo, à intervenção de entidades que visam salvaguardar interesses públicos diferenciados tocados pelo ato de gestão urbanística e não dos interesses privados que por eles possam ser afetados.»; e que não emerge outra por natureza ou de entre tipificado elenco (art.º 133º, nº 2, do CPA91).
Cfr. Ac. deste TCAN, de 08-10-2021, proc. n.º 01700/17.1BEPRT: «Os invocados vícios de violação do disposto nos artigos 27º, nº 3, 48º-A e 68º, todos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, não integram qualquer caso de nulidade previsto em normas especiais nem previsto no artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo, pelo que caem na regra geral de invalidade dos actos, a mera anulabilidade – n.º1 do artigo 163º do mesmo diploma.».
Pelo que, por aqui não se perturba caso resolvido.
Como o tribunal “a quo” verteu, sobre questão que ficou afastada (falta de fundamentação), “na verdade, não há dúvidas de que, tendo a Autora instaurado o processo cautelar em 14.05.2014 - sendo, pois, esta, no mínimo, a data em que teve conhecimento das deliberações ora impugnadas para efeitos da alínea c) do n.º 3 do artigo 59.º do CPTA –, quando, em 27.10.2015, intentou a presente acção há muito que se mostrava transcorrido o prazo de três meses para que aquela pudesse substanciar a sua causa de pedir em ilegalidades conducentes ao desvalor da mera anulabilidade, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 58.º do CPTA.”.
Quanto à violação do RPDM (art.º 59º, n.º 2, e 5, parte final e art.º 17º).
O tribunal “a quo” julgou «verificada parcialmente verificada a violação do disposto no n.º 2 e na parte final do n.º 5 do artigo 59.º e no artigo 17.º do RPDM, embora apenas na parte em que se reconduz à falta de ponderação material da compatibilidade do uso do posto de abastecimento de combustíveis líquidos com o uso habitacional».
Alinhou:
«Como já se viu, no que para aqui releva, as deliberações ora impugnadas permitiram que no lote 35 (antigos lotes 35 e 36) com 1.263,00 m2 fosse construído e utilizado um posto de abastecimento de combustíveis líquidos (Pontos 1) a 22) dos factos provados).
Esse lote, tal como resulta da informação de 22.11.2010, encontra-se localizado numa zona que o Plano Director Municipal da Maia publicado na 2.ª série do Diário da República, n.º 17, de 26.01.2009 (acessível em ...), classifica como sendo uma “Área de Habitação Unifamiliar HU2”.
Ora, no que diz respeito às “Áreas de Habitação Unifamiliar HU2”, o Regulamento do PDM da Maia de 2009 estipulava, no seu artigo 59.º, que estas “correspondem a áreas dominantemente ocupadas por edifícios de habitação unifamiliar e onde o Plano prevê a manutenção dessa mesma tipologia” [n.º 1], em que “o uso dominante é o da habitação”, admitindo-se, porém, “outros usos desde que compatíveis com a função habitacional, nos termos do artigo 17.º” [n.º 2].
E, para o efeito, o artigo 17.º do PDM da Maia, sob a epígrafe “Compatibilidade de usos e actividades” preceituava v.g. que “Consideram-se usos compatíveis os que não provoquem um agravamento das condições ambientais e urbanísticas, podendo ser razão suficiente de recusa de licenciamento ou autorização, as utilizações, ocupações ou actividades que”: “a) Dêem lugar à produção de fumos, cheiros ou resíduos que afectem as condições de salubridade ou dificultem a sua melhoria;”, “b) Perturbem gravemente as condições de trânsito e estacionamento ou provoquem movimentos de cargas e descargas que prejudiquem as condições de utilização da via pública;” ou “c) Acarretem agravados riscos de incêndio ou explosão”
Os serviços do Réu, conforme decorre do que se encontra plasmado no Ponto 3 da informação de 22.11.2010 e que fora apropriada, per remissionem, pelas deliberações ora impugnadas, entenderam, em singelo, que, como o posto de abastecimento de combustíveis líquidos se trata “de estabelecimento comercial”, este poderia “enquadrar-se no n.º 5 do artigo 59.º do RPDM compatibilizando-se com o uso de habitação a predominar” (Ponto 12) dos factos provados).
Todavia, afigura-se que, também aqui, é evidente que o Réu incorreu em ilegalidade material, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 59.º e 17.º do RPDM, nos termos em que se mostram substanciados, quer pela Autora, quer pelo Ministério Público.
Na verdade, independentemente da questão de saber se o funcionamento de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos consubstancia ou não um “estabelecimento comercial” susceptível de, à luz do n.º 5 do artigo 59.º do RPDM, complementar as “Áreas de Habitação Unifamiliar HU2” onde predomina a “habitação unifamiliar”, isso não significa que a Câmara Municipal da Maia não tivesse a obrigação (que tem) de, ainda assim, casuisticamente aferir e ponderar da efectiva (in) compatibilidade com o predominante uso da habitação.
Esse dever decorre, desde logo, do disposto no n.º 2 do artigo 59.º do RPDM da Maia de 2009 (que expressamente remete para o artigo 17.º), mas, de igual forma, da parte final do n.º 5 do citado normativo (“desde que compatíveis”) que fora aplicado pelo Réu.
E, como é bom de ver, o que ressalta da contemporânea fundamentação do agir ora impugnado é que o Réu se limitou a equiparar tal posto de abastecimento de combustíveis a um uso complementar previsto no n.º 5 do artigo 59.º do RPDM sem antes cuidar de aferir, para efeitos do disposto no n.º 2 do citado normativo, se o mesmo era ou não efectivamente compatível, à luz da margem de livre apreciação que o artigo 17.º lhe concedia.
Deste modo, não tendo sido efectuada tal ponderação, logicamente que as deliberações ora impugnadas violaram o disposto no n.º 2 e na parte final do n.º 5 do artigo 59.º e do artigo 17.º do RPDM da Maia de 2009, o que, também por aqui, sustenta a sua declaração de nulidade, nos termos da alínea a) do artigo 68.º do RJUE.
Note-se, aliás, que tal ponderação, para além de essencial à luz do disposto no n.º 2 do artigo 59.º do RPDM, revelava-se, no caso, indispensável, atento o probatório que se coligiu nos presentes autos (Pontos 47) a 49) dos factos provados) e que, enfim, aponta no sentido de que tal actividade é, pelo menos em abstracto, susceptível de contender com as fattispecies que se encontram previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 17.º do RPDM da Maia (tal como, de resto, a Sr.ª Professora Fernanda Paula Oliveira admite, crê-se, na página 14 do parecer jurídico que fora junto a fls. 1206-122 do SITAF quando afirma que a “sua instalação em concreto podia concorrer para a produção de algumas situações de incompatibilidade”).
Importa, porém, não olvidar que, de acordo com os termos em que se mostra redigido o artigo 17.º do RPDM da Maia, a respectiva Câmara Municipal dispõe de uma ampla margem de livre apreciação (discricionariedade administrativa) para decidir se e em que termos é que o funcionamento de um posto de combustível se subsume a qualquer das circunstâncias que se encontram previstas nas alíneas do citado normativo (alíneas estas que recorrem, em larga medida, à utilização dos conhecidos “conceitos indeterminados”).
Com efeito, como bem realça a Sr.ª Professora Fernanda Paula Oliveira no parecer jurídico que fora junto pelo Réu, Município da Maia, a fls. 1206-1222 do SITAF, não basta, para que se possa indeferir um tal uso, que se perturbem as condições de trânsito e estacionamento; têm de o perturbar “gravemente”, nem basta que acarretem riscos de incêndio ou explosão, mas que tais riscos sejam “agravados”.
Acresce que, à luz de tal normativo, mesmo que se verifique qualquer um dos casos previstos nas referidas alíneas do artigo 17.º do RPDM, a Câmara Municipal da Maia tem, ainda assim, o poder de permitir tal utilização no âmbito das áreas previstas no n.º 2 do artigo 59.º, o que se retira da expressão “podendo ser razão suficiente de recusa de licenciamento ou autorização”, à semelhança do que acontecia com o n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento do PDM de Matosinhos de 1992 em que se prevê que “A Câmara Municipal poderá inviabilizar a instalação de qualquer actividade por razões de incompatibilidade, assim como poderá cancelar a respectiva licença de utilização, no caso de se verificar qualquer uma das situações mencionadas em 1”, mas contrariamente ao que, por exemplo, sucede no âmbito do Código Regulamentar do Município do Porto em que no artigo B-1/3.º se preceitua, de forma imperativa, que tais pedidos “são indeferidos sempre que”.
E aqui chegamos à questão central que a Autora alegava. É que, de acordo com o que já se disse, a questão de saber se o posto de abastecimento de combustíveis em causa se subsumia ou não às alíneas do citado artigo 17.º do RPDM da Maia e, sobretudo, se tal uso agravava ou não as “condições ambientais e urbanísticas” como aí se exige, tal trata-se de uma tarefa que, na perspectiva deste Tribunal, pertence ao domínio da margem de livre apreciação que lhe é consentida por tal normativo, e que, por isso, à luz do princípio da separação de poderes ínsito ao artigo 2.º da CRP, nela se não pode imiscuir [debruçando-se sobre norma homóloga constante do artigo 8.º do Regulamento do PDM de Vale de Cambra, vide o Acórdão do TCA-Norte, de 25 de Março de 2010, proferido no processo n.º 01842/04.3BEPRT; vide ainda o Acórdão do TCA-Norte, de 17 de Novembro de 2011, proferido no processo n.º 00247/07.9BEVIS, ambos acessíveis em www.dgsi.pt].
E, nestes casos, como se sabe, o controlo jurisdicional encontra-se apenas reservado para as situações em que a opção da Câmara Municipal se haja fundado em (i) erro grosseiro ou em (ii) critério manifestamente inadequado, desajustado ou desrazoável, sem prejuízo de também aqui valer o controlo do cumprimento dos (iii) aspectos vinculados que, porventura, existam (iv) dos princípios gerais da actividade administrativa, tal como (v) das formalidades inerentes à produção da vontade administrativa, como é o exemplo da audiência prévia ou o dever de fundamentação formal [cf. v.g. os Acórdãos do STA, de 20/11/2002, processo n.º 0433/02, de 14/06/2007, processo n.º 01057/06, de 03/07/2007, processo n.º 0123/07, acessíveis em www.dgsi.pt].
Ora, no caso concreto, já se viu que, neste âmbito, o Réu adoptou um critério errado, porque fez tábua rasa do artigo 17.º do RPDM (que é um elemento de ponderação), tal como se lhe impunha apreciar à luz do disposto no n.º 2 do artigo 59.º do mesmo diploma, omitindo-o, tal como vinha sustentado pelo Ministério Público no seu parecer de fls. 777-800 do SITAF.
Porém, no que tange à alegação da Autora neste capítulo, esta apenas serviu para corroborar a pertinência que, no caso concreto, teria a apreciação que se impunha fazer precisamente das fattispecies avançadas nas alíneas do artigo 17.º do RPDM da Maia [cf. por exemplo se analisou no âmbito do Acórdão do TCA-Norte, de 25/03/2010, processo n.º 01842/04.3BEPRT em que se validou a decisão da Câmara Municipal em indeferir uma tal utilização, acessível em www.dgsi.pt], pois que, no demais, o Tribunal, como já se disse, não poderia substituir-se à Administração (Câmara Municipal) na hora de se apreciar e decidir se a utilização de um posto de abastecimento de combustíveis é ou não compatível com o uso habitacional da zona.
Daí que, nesta perspectiva, não se pudesse concluir, como alegado pela Autora no artigo 151.º da petição inicial, que o funcionamento do posto de combustíveis líquidos naquela zona da freguesia ... fosse incompatível o uso habitacional.
No entanto, como já se disse, na hora de efectuar a tarefa de ponderação a que se alude no n.º 2 do artigo 59.º e 17.º do RPDM da Maia, a Câmara Municipal deverá naturalmente ponderar aquilo que se provou nos presentes autos (Pontos 47) e 49) dos factos provados), dado que as condições ambientais e urbanísticas do local poderão não se manter nos mesmos níveis com a utilização de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos.
O que naturalmente influirá na tarefa, dotada de margem de livre apreciação, que se lhe avizinhará na hipótese um ulterior e hipotético procedimento de legalização (do licenciamento e utilização) do posto de abastecimento de combustíveis líquidos em questão.».
Vejamos as normas do RPDM (Diário da República, 2.ª série — N.º 17 — 26 de Janeiro de 2009):
Artigo 17.º
Compatibilidade de usos e actividades
Consideram-se usos compatíveis os que não provoquem um agravamento das condições ambientais e urbanísticas, podendo ser razão suficiente de recusa de licenciamento ou autorização, as utilizações, ocupações ou actividades que:
a) Dêem lugar à produção de fumos, cheiros ou resíduos que afectem as condições de salubridade ou dificultem a sua melhoria;
b) Perturbem gravemente as condições de trânsito e estacionamento ou provoquem movimentos de cargas e descargas que prejudiquem as condições de utilização da via pública;
c) Acarretem agravados riscos de incêndio ou explosão;
d) Prejudiquem a salvaguarda e valorização do património classificado ou de reconhecido valor cultural, arquitectónico, paisagístico ou ambiental;
e) Correspondam a outras situações de incompatibilidade que a lei geral considere como tal, designadamente as constantes no Regulamento do Licenciamento da Actividade Industrial e no Regulamento Geral do Ruído.
Artigo 59.º
Identificação e usos
1 - As áreas de habitação unifamiliar correspondem a áreas dominantemente ocupadas por edifícios de habitação unifamiliar e onde o Plano prevê a manutenção dessa mesma tipologia.
2 - Nas áreas de habitação unifamiliar o uso dominante é o da habitação, admitindo -se outros usos desde que compatíveis com a função habitacional, nos termos do artigo 17.º
(…)
5 - As áreas de habitação unifamiliar HU2 integram espaços construídos dos aglomerados urbanos, onde se verifica a predominância de edifícios de tipologia unifamiliar, normalmente resultantes de operações de loteamento, onde as operações urbanísticas correspondem, normalmente, a situações de colmatação ou substituição de edifícios existentes, destinando -se predominantemente a habitação unifamiliar complementada com actividades de comércio, serviços, equipamentos e outros usos, desde que compatíveis.
O tribunal “a quo”, em síntese, entendeu que o Réu teria incorrido numa falta: permitindo as deliberações ora impugnadas que no lote 35 (antigos lotes 35 e 36) com 1.263,00 m2 fosse construído e utilizado um posto de abastecimento de combustíveis líquidos, a despeito (rectius, “independentemente”) de aí até se poder divisar um estabelecimento comercial, pois embora admitindo o art.º 59º, n.º 5, do RPDM, a convivência de estabelecimentos comerciais no espaço predominantemente de área de habitação, tal só poderá acontecer “desde que compatíveis”, averiguação de que o Réu se teria demitido e que, dentro da sua margem de discricionariedade, vedado ficava ao tribunal substituir-se.
Chamou atenção para que “Os serviços do Réu, conforme decorre do que se encontra plasmado no Ponto 3 da informação de 22.11.2010 e que fora apropriada, per remissionem, pelas deliberações ora impugnadas, entenderam, em singelo, que, como o posto de abastecimento de combustíveis líquidos se trata “de estabelecimento comercial”, este poderia “enquadrar-se no n.º 5 do artigo 59.º do RPDM compatibilizando-se com o uso de habitação a predominar” (Ponto 12) dos factos provados).”.
Mas é precisamente o que nos leva a retirar diferente juízo.
O procedimento não se desenvolveu em estéril redoma.
O enquadramento feito acolheu e subsumiu a todo o enunciado da norma.
Tal informação e deliberações não têm em confronto simples categorias abstractas, antes um concreto uso, relativo a um posto de abastecimento de combustíveis.
Constatando tratar-se, esse concreto uso, “de estabelecimento comercial”, a “enquadrar-se no n.º 5 do artigo 59.º do RPDM compatibilizando-se com o uso de habitação a predominar”, não se limita a afirmação apenas a evidenciar que o uso é o de uma actividade de comércio, acrescenta que é compatível.
Está ínsita em tal afirmação a exclusão de afirmação do seu contrário: poder ao concreto uso, para um posto de abastecimento de combustíveis líquidos, opor-se “razão suficiente de recusa de licenciamento ou autorização, as utilizações, ocupações ou actividades”, mormente desde logo as que possam ter espelho no elenco das várias alíneas do art.º 17º do RPDM como índices de um “agravamento das condições ambientais e urbanísticas”.
Nesse reflexo (no limite da competência; não em controlo técnico que não é seu, de outra disciplina normativa).
E importa ver que o dito elenco integra índices de ponderação; não constituem automáticas e absolutas causas de exclusão.
Lembrando o citado Parecer, «A adequada interpretação destes segmentos normativos implica que os mesmos sejam lidos à luz do seu sentido e função que é a de excluir potenciais usos incompatíveis, como sendo aqueles que prejudiquem de forma grave as condições urbanísticas e ambientais no local. Deles não se pode depreender que qualquer uso não dominante seja incompatível apenas por produzir – em qualquer medida – os impactes ambientais e urbanísticos mencionados naquele artigo; caso contrário nenhum uso, para além do habitacional e usos complementares, poderia ser implantado, pois não vemos que não venham a causar, em alguma medida, os impactes mencionados. Por isso mesmo refere a alínea a) que a produção de fumos, cheiros e resíduos não devem afetar as condições de salubridade (ou dificultem a sua melhoria, no caso de se tratar de uma área insalubre) conceito este que só por si demonstra que não se refere a meras incomodidades ou emissões que sejam de natureza razoável e inerentes à vivência urbana, mas sim a perturbações de tal forma nocivas que coloquem em causa as próprias condições de um adequado ambiente urbano para a comunidade (e não apenas para os titulares de prédios ou lotes). Também a alínea c) nos parece clara no sentido de que o apenas poderão ser inviabilizados os usos que acarretem agravados riscos de incêndio ou explosão. Ou seja, não será qualquer uso que motivará a aplicação desta norma, mas apenas aquele que, em concreto (e não apenas em abstrato), se mostre como implicando riscos graves de incêndio ou explosão.
Por último é a alínea b) que, de forma mais incisiva, refere a perturbação grave das condições de trânsito, esclarecendo o nível de análise que deve ser colocado no preenchimento daqueles segmentos normativos: isto é, não basta um qualquer impacto, que existirá sempre, mas sim um impacto grave e, por isso, intolerável.
A clareza desta alínea b) foi eventualmente o motivo determinante para que a sentença não a tenha invocado como fundamento para a nulidade. Contudo, não obstante as diferentes formulações, estamos convictas que todas demais alíneas apontam para o mesmo grau de violação dos bens jurídicos aí indicados. Aliás, não faria sentido que assim não fosse e que o legislador tivesse preterido as condições de tráfego dando-lhes um tratamento menos favorável do que aquele que concedeu às questões de salubridade e de segurança. Além disto, normas desta natureza são comuns em vários instrumentos de planeamento e nestes, tal como no RPDM, é assim que se preenchem as normas sobre incompatibilidades de uso.».
Recolhendo também contributo no que em antecedente processo cautelar, por Ac. de TCAN, de 23-09-2015, proc. n.º 1099/14.8BEPRT, se ponderou:
«Voltando ao cerne da questão podemos seguramente afirmar que a localização dos postos de abastecimento de combustíveis longe do tecido urbano residencial é, em termos absolutos, mais onerosa em termos ambientais, não só por alastrar a mancha construtiva a zonas até então não edificadas, como por obrigar a generalidade dos utentes a fazerem mais quilómetros para abastecer as suas viaturas.
Acresce a melhor eficiência dimensão/serviço que será atributo dos estabelecimentos situados em zonas mais densamente urbanizadas (ou seja, um estabelecimento de menor dimensão servirá mais veículos, com redução do ónus unitário), para além do suplemento motivacional que poderá advir do mais apertado controlo das condições de salubridade do estabelecimento, pela vizinhança, os utentes e as autoridades.
São ainda de considerar neste pano de fundo genérico de desdramatização dos postos de combustíveis em zonas habitacionais, os significativos padrões de exigência técnica e de segurança impostos pela legislação vigente, explicativos da raridade estatística de eventos de incêndio ou explosões nos inúmeros postos de abastecimento disseminados por todo o país, muitos deles situados em zonas de grande densidade populacional e nos quais trabalham ou aos quais acorrem diariamente milhares de clientes, sem qualquer apreensão digna de nota.
Enfim, os malefícios e prejuízos causados pelo posto de combustíveis em causa não serão provavelmente tão gravosos nem tão irreparáveis para os interesses defendidos pela Recorrente como esta receia.».
Naturalmente que olhando para os factos que ficaram apurados, supra elencados, é possível constatar que a novidade de instalação de um posto de combustíveis concorre para perturbação de vida de zona envolvente; como outras actividades humanas; se mais exuberantemente, não deixa de servir também interesse (difuso) das populações, e com um risco socialmente aceite pelo cumprimento, assegurado, das “normas técnicas e os regulamentos aplicáveis”.
Não adquire evidência que, dentro da margem de discricionariedade por todos reconhecida, desponte erro crasso quanto ao juízo de (in)compatibilidade, pelo que afastado fica arremesso de causa invalidante.
Também deste passo sem se justificar a solução alcançada na decisão recorrida.
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Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando improcedente a acção, absolvendo réu e contra-interessada dos pedidos.
Custas: pela autora, sem prejuízo da isenção.
Porto, 11 de Novembro de 2022.
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa
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[1 Quando a consulta pública esteja prevista em regulamento municipal (no caso do Regulamento Municipal da Maia, sempre que a pretensão fosse superior a 12.000 m2) ou quando sejam ultrapassados alguns dos limites previstos no n.º 2 do artigo 22.º.]
[2 Esse limite, acima do qual, haveria discussão pública, era, como vimos, 12.000 m2 de área bruta de construção.]
[3 Efetivamente o n.º 5 do artigo 10.º do RUEM, como muitos que conhecemos em regulamentos municipais, vinha, em consonância com o CPA, reconhecer que a notificação pode, em certas circunstâncias, ser feita por forma de edital. Com efeito, a alínea d) do CPA então em vigor determinava expressamente que a notificação podia ser feita “por edital a afixar nos locais do estilo, ou anúncio a publicar no Diário da República, no boletim municipal ou em dois jornais mais lidos da localidade da residência ou sede dos notificandos, se os interessados forem desconhecidos ou em tal número que torne inconveniente outra forma de notificação” (sublinhado nosso). E o que o n.º 5 do RUEM fazia (e quanto a nós bem) era concretizar o conceito indeterminado “número que torne inconveniente outra forma de notificação”, tendo-o fixado em 10. E era isso que acontecia no presente caso: estando em causa a alteração a 5 lotes de um loteamento com 43 lotes (e assumindo, como consideramos adequado, não se dever contar, para efeitos do n.º 3 do artigo 27.º os próprios lotes objeto de loteamento), teriam de ser notificados, para efeitos de se oporem à alteração, 38 lotes (um número muito superior a 10, fixados no RUEM). E isto assumindo, como consideramos mais adequado (mas sabemos que não é entendimento consensual) que não têm de ser notificados todos os condóminos, por consideramos que cada lote vale um voto.]
[4 De facto, a Autora considera que o não exercício do seu direito de oposição ao loteamento decorreu do facto de ela não ter sido notificada (porque não teve conhecimento do edital), e não de esta notificação a ter induzido em erro, julgando que ela se dirigia a um leque maior de interessados e não aos proprietários dos lotes que, no seu entender, deviam ser notificados pessoalmente para o efeito. ].
[5 Precisamente porque a pronúncia dos interessados neste âmbito não corresponde a uma audiência prévia, ela deve revestir, como temos defendido, moldes mais simplificados, bastando que eles se oponham à alteração sem ter de fundamentar o porquê, uma vez que essa fundamentação decorre diretamente do facto de terem adquirido lotes assentes em determinados condicionalismos que não pretendem que sejam alterados, mesmo que estejam em conformidade com a lei.]