Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00618/20.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/17/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
LIMITES MÁXIMOS;
APROVEITAMENTO DO ACTO;
Sumário:
1. O facto de não ter sido fundamento do acto impugnado o limite máximo global fixado no artigo 3º, n.º1, do novo regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.não significa que não pudesse a validade do acto ser apreciada a luz deste limite, tendo em conta, por um lado, o princípio da legalidade que se impõe sobre a Administração e, por outro lado, o princípio do aproveitamento do acto que impõe, nos casos de decisões estritamente vinculadas, como é o caso, que se mantenha o acto na ordem jurídica por fundamento legal diverso do invocado mas que seja aplicável, como aqui sucede.

2. A letra do artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.04, apenas permite o entendimento de que o trabalhador tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia; mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida.

3. Ou seja, a segunda parte do preceito não tem uma aplicação geral; pelo contrário, como resulta da própria letra da lei, inequivocamente, apenas se aplica aos casos em que o requerente auferia uma retribuição mensal superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida; neste caso – e só neste - o valor global a pagar é dezoito vezes a remuneração mínima garantida face à redução imposta pela segunda parte do preceito em análise.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 25.10.2021, pela qual foi julgada totalmente improcedente (por manifesto lapso refere-se “parcialmente procedente”) a acção que intentou contra o Fundo de Garantia Salarial para condenação desta a entidade a pagar-lhe os créditos salariais que reclamou.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida é nula por se ter pronunciado sobre questão que não lhe cabia apreciar e por não se ter pronunciado sobre questões que o Recorrente suscitou; para além de ser contraditória nos seus termos; quanto ao mérito do decidido, defende que tem do o direito de receber pelo Fundo de Garantia Salarial, até ao limite de 10.440,00 euros, os créditos laborais reportados à indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, ao trabalho nocturno e a falta de formação profissional conforme requerido, ao contrário do que foi decidido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Por despacho de 08.03.2023 foi sustentada a decisão recorrida por não padecer, segundo o Tribunal recorrido, de qualquer nulidade; quanto ao dispositivo decisório é dito aí o seguinte:

“Analisada toda a exposição dos fundamentos de direito, se conclui que a decisão, tal como referido expressamente, bem como atento o referido na segunda parte do próprio dispositivo, na medida em que se absolve a Entidade Demandada do pedido, só poderia ser a de indeferir totalmente a pretensão do Recorrente, mas, por lapso manifesto, no dispositivo ficou a constar que se julgava parcialmente procedente a mesma. Aliás, tal conclusão é corroborada pela decisão relativa a custas, na qual se condenou apenas o Autor no pagamento das custas devidas, sem prejuízo da isenção de que goza, atento o disposto na alínea h), do nº 1, do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais”.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) Vem o presente recurso interposto da decisão final do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação administrativa de impugnação de ato administrativo proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, que interpôs contra o Fundo de Garantia Salarial do ISS, I.P, adiante designado de FGS;

B) Sempre com o devido respeito, afigura-se que tal decisão não julgou corretamente a matéria de facto nem interpretou e aplicou corretamente os preceitos legais aplicáveis;

C) Nos presentes autos, o Recorrente intentou acção administrativa contra o Fundo de Garantia Salarial do ISS, I.P., ora Recorrida, por forma a impugnar o indeferimento parcial do requerimento apresentado àquele Fundo, com vista a ser pago os créditos laborais que lhe são devidos no âmbito da relação contratual laboral que teve com a empregadora “[SCom01...], Lda”, tendo caracterizado a vigência e cessação do vinculo contratual laboral, nomeadamente foi admitido a 07/03/2013 para exercer as funções de correspondentes a categoria de maquinista de 1ª (artº 1º), com horário de trabalho completo, mediante retribuição mensal global de € 812,00 (€ 580,00 + € 232,00), até 11/06/2018, data em que o Autor, por carta registada com aviso de recepção, resolveu com justa causa o contrato de trabalho que os vinculava por falta de pagamento dos salários de março, abril e maio de 2018 (artºs 3º, 4º e 5º), sendoa,ssim, credor da empregadora dos seguintes créditos laborais:
Indemnização por antiguidade…€ 3.147,89
Retribuição de Março de 2018….€ 812,00 (€ 580,00 + € 232,00 trab. Nocturno) Retribuição de Abril de 2018…...€ 812,00 (€ 580,00 + € 232,00 trab. Nocturno)
Retribuição de Maio de 2018……€ 812,00 (€ 580,00 + € 232,00 trab. Nocturno)
Retribuição de Junho de 2018 (11 dias)………………€ 297,73 Subsídio de alimentação dos meses de Março, abril
Maio e Junho de 2018…………………………………€ 163,20
Ferias e subsídio de férias vencido em 1/01/2018…….€ 1.624,00
Proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal…€ 1.116.48
Formação profissional…………………………………€ 450,10
Juros…………………………………………………...€ 391,17

D) A Empregadora apresentou-se, em 21/03/2019, ao Processo especial de Revitalização que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de VN Famalicão, ... Juízo, sob o numero 1882/19...., no qual reclamou tempestivamente os créditos laborais supra referidos e que foram reconhecidos, como já anteriormente tinha sucedido no âmbito do Processo especial de Revitalização da Empregadora, apresentado em 25/09/2018, que correu termos no Juízo de Comércio de VN Famalicão, Juiz ..., sob o nº 4156/18....;

E) A Recorrida, na sua defesa, limita-se a reproduzir os argumentos já apresentados na decisão de indeferimento parcial que se impugna nestes autos, em que a indemnização pela resolução com justa causa, os créditos por falta de formação profissional e pelo trabalho nocturno, não se encontram reconhecidos por decisão judicial;

F) Na decisão recorrida o Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:

a) Em 7.01.2013, o Autor celebrou contrato de trabalho com a sociedade “[SCom01...] &
[SCom01...], Lda.”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (facto não controvertido);
b) No âmbito do contrato referido em a), o Autor e a sua entidade patronal acordaram que aquele receberia a retribuição mensal de 580,00 euros (cfr. fls. 45 do PA);
c) Em 11 de Junho de 2018, o Autor comunicou à sociedade [SCom01...], Lda. a resolução do contrato de trabalho referido em a) com justa causa (cfr. fls. 22 do PA);
d) Em 25 de Setembro de 2018, foi instaurado Processo Especial de Revitalização da sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o nº 4156/18.... (cfr. fls. 195 dos autos);
e) O Autor apresentou, na qualidade de credor, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. fls. 3 do PA);
f) No processo referido em d) foram, pela Administradora Judicial Provisória, reconhecidos créditos ao Autor no montante de € 9.259,65 (cfr. fls. 3 do PA);
g) Em 1 de Outubro de 2018, o Autor deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social ..., de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls 1 e 2 do PA);
h) Em 24 de Abril de 2019, foi instaurado Processo Especial de Revitalização da sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual correu termos no Tribunal Judicial da comarca ..., Juizo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o nº
1882/19.... (cfr. fls. 31 do PA);
i) O Autor apresentou, na qualidade de credor, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. fls. 36 s 38 do PA);
j) No processo referido em h) foram, pela Administradora Judicial Provisória, reconhecidos os créditos ao Autor no montante de €9.259,65 (cfr. fls. 3 do PA);
k) Por despacho de 23.12.2020, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento apresentado pelo Autor foi parcialmente deferido, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 46 a 62 do PA);
i) Ao Autor foi reconhecido o valor de 3.959,24€ (valor ilíquido), a que corresponde à quantia de 3.402,59€ (valor líquido) (cfr. 63 e 63 verso do PA).
m) O Autor foi notificado da decisão de deferimento parcial, mediante ofício datado de 13.01.2020, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 63 do PA).”

E) Na decisão de direito, o tribunal a quo julga improcedente a acção, com fundamento de que o limite do plafond que o FGS suporta que corresponde ao valor máximo de seis meses de retribuição do Recorrente, já se encontra ultrapassado – argumento este novo e que não se encontra invocado pelo FGS, considerando, assim, que se “torna despiciente analisar se os demais créditos laborais são ou não devidos a este”;

F) Ora, desde logo, e sempre com o devido respeito, verifica-se que a sentença é nula, nos termos do artº 615º, nº 1, al. b), c), e d) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi pelo artº 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que o tribunal a quo conhece de questões que não devia conhecer, na medida em que indefere a pretensão do recorrente, por entender que, no termos do artº 3º nº 1 1 da RFGS, o limite global a suportar pelo FGS corresponde a seis retribuições do Recorrente (€ 580,00 x 6 = € 3.480,00) e que o Recorrente já recebeu a mais desse valor, argumento este surpresa, que não se encontra invocado pelo FGS e, como tal, não poderia o tribunal a quo socorrer-se para indeferir a pretensão do Recorrente;

G) Acresce que, a sentença é igualmente nula na medida em que o tribunal a quo não se pronuncia sobre questões que devia pronunciar, mais precisamente sobre todos os argumentos apresentados e que contrariam os fundamentos apresentados pelo FGS no acto impugnado, ou seja que a indemnização, a retribuição pelo trabalho nocturno e o crédito por falta de formação profissional encontram-se reconhecidos no respectivo PER e, por outro lado, inexiste a obrigatoriedade de se encontrarem suportados por decisão judicial que os reconheça;

H) A sentença recorrida é igualmente nula na medida em que é contraditória quando, por um lado refere que a acção deve improceder e, no final, conclui por julgar parcialmente procedente;

I) Sem prejuízo do supra exposto, e sempre com o devido respeito, verifica-se, desde logo, que a decisão não julgou devidamente a matéria de facto, na medida em que dá como assente o reconhecimento nos respectivos PER da empregadora, o crédito laboral global ao Recorrente no valor de € 9.259,65, mas não procede a sua discriminação, o que teria de ser feito, atento a confissão da Recorrida em relação aos artºs 1º a 18º da PI, como resulta da reclamação de créditos e do reconhecimento pelo Administrador Judicial Provisório (AJP), devendo ficar a constar os que se encontram já identificados na conclusão C) supra, a qual se dá por reproduzida;

J) Importa, assim, adicionar à factualidade assente, a indicação de cada um dos créditos que são devidos ao Recorrente, ficando da seguinte forma:

a) Em 7.01.2013, o Autor celebrou contrato de trabalho com a sociedade “[SCom01...], Lda.”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (facto não controvertido);

b) No âmbito do contrato referido em a), o Autor e a sua entidade patronal acordaram que aquele receberia a retribuição mensal de 580,00 euros (cfr. fls. 45 do PA);

c) Em 11 de Junho de 2018, o Autor comunicou à sociedade [SCom01...], Lda. a resolução do contrato de trabalho referido em a) com justa causa (cfr. fls. 22 do PA);

d) Em 25 de Setembro de 2018, foi instaurado Processo Especial de Revitalização da sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o nº 4156/18.... (cfr. fls. 195 dos autos);

e) O Autor apresentou, na qualidade de credor, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. fls. 3 do PA);

f) No processo referido em d) foram, pela Administradora Judicial Provisória, reconhecidos créditos ao Autor no montante de € 9.259,65 (cfr. fls. 3 do PA);

g) Em 1 de Outubro de 2018, o Autor deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social ..., de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls 1 e 2 do PA);

h) Em 24 de Abril de 2019, foi instaurado Processo Especial de Revitalização da sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual correu termos no Tribunal Judicial da comarca ..., Juizo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o nº 1882/19.... (cfr. fls. 31 do PA);

i) O Autor apresentou, na qualidade de credor, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. fls. 36 s 38 do PA);

j) No processo referido em h) foram, pela Administradora Judicial Provisória, reconhecidos os créditos ao Autor no montante de €9.259,65 (cfr. fls. 3 do PA);

J.1) Os créditos laborais devidos ao Recorrente, reconhecidos no valor global de € 9.626,57 (cfr. al. f) e j) dos factos provados) reportam-se aos seguintes créditos:

Indemnização por antiguidade…€ 3.147,89
Retribuição de Março de 2018….€ 812,00 (€ 580,00 + € 232,00 trab. Nocturno)
Retribuição de Abril de 2018…...€ 812,00 (€ 580,00 + € 232,00 trab. Nocturno)
Retribuição de Maio de 2018……€ 812,00 (€ 580,00 + € 232,00 trab. Nocturno)
Retribuição de Junho de 2018 (11 dias)………………€ 297,73 Subsídio de alimentação dos meses de Março, abril
Maio e Junho de 2018…………………………………€ 163,20
Ferias e subsídio de férias vencido em 1/01/2018…….€ 1.624,00
Proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal…€ 1.116.48
Formação profissional…………………………………€ 450,10
Juros…………………………………………………...€ 391,17
k) Por despacho de 23.12.2020, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento apresentado pelo Autor foi parcialmente deferido, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 46 a 62 do PA);
i) Ao Autor foi reconhecido o valor de 3.959,24€ (valor ilíquido), a que corresponde à quantia de 3.402,59€ (valor líquido) (cfr. 63 e 63 verso do PA).
m) O Autor foi notificado da decisão de deferimento parcial, mediante ofício datado de 13.01.2020, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 63 do PA).”

K) Na aplicação do direito, sem prejuízo da nulidade da decisão recorrida já suscitada, nomeadamente o facto de se suportar num argumento novo, o certo é que continuaria sempre a impor decisão diversa, na medida que o artº 3º, nº 1 do RFGS é claro ao determinar que o limite legal do Plafond a suportar pelo FGS é o valor correspondente à multiplicação de três remuneração mensal garantida por seis meses, que resulta, aliás, da própria directiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, solução esta que já se encontrava consagrada na anterior versão da Lei 35/2004, no seu artº 320º, como aliás, resulta, também, do o próprio parecer do núcleo do Fundo de Garantia Salarial, junto com a contestação e do actos administrativo impugnado, que sustenta a mesma interpretação, sendo que sempre foi essa a interpretação transmitida pelo FGS aos trabalhadores, criando no Recorrente a a firme convicção de que os cálculos referentes ao montante a receber do FGS pelos créditos laborais de que se tornou credor da empresa em situação económica difícil, iriam ser pagos com o limite de 18 retribuições, pelo que a interpretação efectuada pelo tribunal a quo do artº 3º, nº 1 do RFGS, viola, desde logo, o direito à proteção da confiança, na medida em que se traduziu numa mudança inesperada, radical, do modo de funcionamento do FGS, violação esta constitucional, nos termos do art.º 2.º da Constituição da Republica Portuguesa (CRP), como viola princípio da legalidade previsto no artº 3 da CRP, na medida em que tal interpretação não tem correspondência com a lei, nem está de acordo com o que o legislador, com tal norma jurídica, pretende acautelar e determinar;

L) Acresce que, os créditos laborais reclamados pelo Recorrente, no montante de € 9.626,57, encontram-se reconhecidos em cada um dos PER da empregadora, sendo certo que se verifica, quanto aos mesmos, a confissão judicial nos termos das disposições conjugadas dos artºs 352º, 353º, 354º, nº 1, 356º e 358º do Código Civil, que, aliás, tem força probatória plena;

M) Aliás, inexiste qualquer disposição legal que obrigue ao reconhecimento judicial dos créditos por indemnização pela resolução do contrato de trabalho, da retribuição pelo trabalho nocturno e dos créditos por falta de formação profissional, como, aliás decorre do RFG, nomeadamente nos artºs 1º, nº 1, 2º, nº 1, 4 e 5 do DL 59/2015, de 21/04, no qual transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2008/94/CE, directiva esta que, no artº 3º, impõe aos Estados membros adoptarem medidas necessárias para assegurar aos trabalhadores subordinados o pagamento dos créditos relacionados com as relações de trabalho, incluindo, naturalmente, as indemnizações devidas pela cessação do contrato de trabalho;

N) Importa, aliás, salientar que o trabalhador, pós a reclamação de créditos encontra-se impedido de prosseguir com qualquer acção no tribunal de trabalho que reconheça os créditos laborais, ficando, assim, impedido de, em tempo útil, obter a referida decisão judicial;

O) Aliás, a interpretação contrária, ou seja que a indemnização, a retribuição pelo trabalho nocturno e os créditos por falta de formação profissional deveriam se encontrar suportados por decisão judicial que os reconheça – o que não se concede - , sempre tal interpretação, quer em relação aos artºs 132º, nº 1, 258º, nº 1, 2 e 3, 266º e 396º, n 1 do Código do Trabalho, quer em relação ao artº 1º, nº 1, 2º, nº 1do DL 59/2015, que aprova o Regime do Fundo de Garantia Salarial, tal interpretação seria contrária ao direito comunitário e à Constituição da Republica Portuguesa, na medida em que acaba por impedir todo e qualquer trabalhador que resolver o contrato de trabalho com justa causa, com base em salários em atraso, como a de reclamar retribuições e outros créditos, sendo que, a data da apresentação do requerimento para pagamento dos créditos pelo FGS, encontra-se impedido de obter uma sentença que reconheça especificamente tais créditos;

P) Ora, atentendo que o Fundo foi constituído com o objectivo de garantir, em tempo útil, o pagamento dos créditos laborais devidos ao trabalhador, no qual inclui retribuições, compensações, demais parcelas retributivas e, ainda, as importâncias devidas pelo seu incumprimento, como é o caso de juros e sanção pecuniária compulsória;

Q) Assim, o FGS ao interpretar nos termos em que o faz a exigir o artº 396º, nº 1 do Código do Trabalho de que é exigível uma sentença judicial para reconhecer o direito do trabalhador receber a indemnização por antiguidade em resultado da resolução do contrato de trabalho, como interpretar o artº 132º, nº 1 do CT de que os créditos por falta de formação profissional e o artº 258º, nº 1, 2 e 3 e 266º do CT de que a retribuição pelo trabalho nocturno necessita também de reconhecimento judicial, esxcluindo, assim, o pagamento pelo FGS destes créditos quando inexiste a referido reconhecimento judicial, tal interpretação revelar-se-ia manifestamente inconstitucional na medida que viola o principio da legalidade previsto no artº 3º, o princípio do direito internacional, previsto no artº 8º, o artº 9º, al. b) e d) que impõe ao Estado, como tarefa fundamental, garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático, o princípio da proporcionalidade previsto no artº 18º, nº 2, o princípio da proporcionalidade previsto no artº 18º, nº 2, o principio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artº 20º, o direito dos trabalhadores à retribuição e demais valores emergentes da vigência e cessação do contrato de trabalho e à assistência material pelo FGS, previsto no artº 59º, nº 1, al. a) e e), o direito dos trabalhadores a um sistema de solidariedade eficaz, previsto no artº 63º, nº 1, 2, 3 e 5 e o artº 81º em relação às obrigações do Estado, todos da Constituição da Republica Portuguesa, como viola, também, os artºs 1º, nº 1, 2º, nº 1, al. a) e b), 3º, 4º, 8º, 9º, 11º e 12º da Directiva comunitária nº 2008/94/CE que impõe aos Estados membros a criação do Fundo de Garantia Salarial que não impõe a existência de uma decisão judicial para o reconhecimento dos créditos a suportar pelo FGS;

R) Assim, tem o Recorrente o direito de receber pelo Fundo de Garantia Salarial, até ao limite de € 10.440,00, os créditos laborais reportados à indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, ao trabalho nocturno e a falta de formação profissional conforme requerido;

S) Ao decidir, como decidiu, julgando improcedente a acção instaurada pelo Recorrente contra a Recorrida, absolvendo esta dos pedidos formulados, o Tribunal não apreciou correctamente a factualidade vertida nos autos, como não interpretou e aplicou correctamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 615.º n.º1 alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o art.º 95.º n.º 1 do CPTA, o art.º 1º, nº 1, al. a), 2ª, nº 1, 4 e 5, 3.º, n.º 1, 5º, nº 1, 2, al. a) e 3 do DL n.º 59/2015, de 21 de Abril que aprovou o Regulamento do Fundo de Garantia Salarial, artºs 132º, 258º, nº 1, 2 e 3, 266º, 336º e 396º, nº 1 do Código do Trabalho, artºs 352º, 353º, 354º, nº 1, 356º e 358º do Código Civil, artºs 17º-D, nº 1 e 2, 17º-E, nº 1, 47º, nº 1, 85º, 88º, 90º, e 128º, nº 1 e 3 do Código da Insolvência da Recuperação de Empresas, artºs 2º, 3º, 8º, 18º, nº 2, 20º, 59º, nº 1, al. a) e 2, 63º, nº 1, 2, 3 e 5 e 81º da Constituição da República Portuguesa e art.º 1º, nº 1, 2º, nº 1, al. a) e b), 3º, 4º, 8º, 9º, 11.º e 12º, al. b) e c) da diretiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008.

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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

a) Em 07.01.2013, o Autor celebrou contrato de trabalho com a sociedade “[SCom01...], Lda.”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (facto não controvertido).

b) No âmbito do contrato referido em a), o Autor e a sua entidade patronal acordaram que aquele receberia a retribuição mensal de 580,00 euros (cfr. fls. 45 do processo administrativo).

c) Em 11 de Junho de 2018, o Autor comunicou à sociedade [SCom01...], Lda a resolução do contrato de trabalho referido em a) com justa causa (cf. fls. 22 do processo administrativo).

d) Em 25 de Setembro de 2018, foi instaurado Processo Especial de Revitalização da sociedade “[SCom01...], Lda”, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o n.º 4156/18.... (cfr. fls. 195 dos autos).

e) O Autor apresentou, na qualidade de credor, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. fls. 3 do processo administrativo).

f) No processo referido em d) foram, pela Administradora Judicial Provisória, reconhecidos créditos ao Autor no montante de €9.259,65 (cfr. fls. 3 do processo administrativo).

g) Em 1 de Outubro de 2018, o Autor deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social ..., de requerimento dirigido ao Fundo de Garantia Salarial para pagamento de créditos emergentes dos contratos de trabalho celebrados com a sociedade “[SCom01...], Lda.”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzidos (cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo).

h) Em 24 de Abril de 2019, foi instaurado Processo Especial de Revitalização da sociedade “[SCom01...], Lda”, o qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz ..., sob o n.º 1882/19.... (cfr. fls. 31 do processo administrativo).

i) O Autor apresentou, na qualidade de credor, reclamação de créditos, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida (cfr. fls. 36 a 38 do processo administrativo).

j) No processo referido em h) foram, pela Administradora Judicial Provisória, reconhecidos créditos ao Autor no montante de €9.259,65 (cfr. fls. 3 do processo administrativo).

k) Por despacho de 23.12.2020, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, o requerimento apresentado pelo Autor foi parcialmente deferido, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 46 a 62 do processo administrativo).

l) Ao Autor foi reconhecido o valor de 3.959,24€ (valor ilíquido), a que corresponde à quantia de 3.402,59€ (valor líquido) (cfr. 63 e 63 verso do processo administrativo).

m) O Autor foi notificado da decisão de deferimento parcial, mediante ofício, datado de 13.01.2020, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido (cfr. fls. 63 do processo administrativo).

*
III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da sentença.

1.1. O excesso de pronúncia.

Ao contrário do que defende o Recorrente a questão apreciada na decisão recorrida, do limite máximo global fixado no artigo 3º, n.º1, do novo regime jurídico do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, não é uma questão nova que tenha surgido como surpresa na decisão recorrida.

Esta questão foi suscitada nos artigos 45º a 50º da contestação apresentada pelo Fundo de Garantia Salarial pelo que não se pode afirmar que a decisão constituiu uma surpresa.

Por outro lado, o facto de não ter sido fundamento do acto impugnado não significa que não pudesse a validade do acto ser apreciada
a luz desta questão, tendo em conta, por um lado, o princípio da legalidade que se impõe sobre a Administração e, por outro lado, o princípio do aproveitamento do acto que impõe, nos casos de decisões estritamente vinculadas, como é o caso, que se mantenha o acto na ordem jurídica por fundamento legal diverso do invocado mas que seja aplicável, como aqui sucede.


Não se verifica esta nulidade, de excesso de pronúncia.

1.2. A omissão de pronúncia.

Não se verificando a nulidade acabada de referir, de excesso de pronúncia também não se verifica a nulidade por omissão de pronúncia.

Desde ogo porque a decisão recorrida não omitiu, pura e simplesmente o conhecimento das questões suscitada pelo Recorrente.

Não conheceu dessas questões por entender que “ao Autor já foi paga quantia muito superior ao limite máximo legalmente previsto, pelo que se torna despiciente analisar se os demais créditos laborais são ou não devidos a este, porquanto, independentemente, da resposta a tal questão, estaria vedada a condenação da Entidade Demandada no seu pagamento, por violação do limite máximo aqui aplicável”.

Poderia, teoricamente, verificar-se erro nesta pronúncia, mas não se pode, de todo, falar em omissão de pronúncia.

Em todo o caso, a conclusão mostra-se acertada.

Tendo a Entidade Demandada pago mais do que o montante máximo fixado por lei, em nada mais pode ser condenada, impondo-se concluir pela improcedência total da acção, sem necessidade de apreciar a eventual validade dos fundamentos invocados pelo Autor.

Também aqui não se verifica a apontada nulidade, de omissão de pronúncia.

1.3. A contradição.


Pelo despacho de 08.03.2023 do Tribunal a quo ficou esclarecida a aparente contradição contida na decisão recorrida:

“Analisada toda a exposição dos fundamentos de direito, se conclui que a decisão, tal como referido expressamente, bem como atento o referido na segunda parte do próprio dispositivo, na medida em que se absolve a Entidade Demandada do pedido, só poderia ser a de indeferir totalmente a pretensão do Recorrente, mas, por lapso manifesto, no dispositivo ficou a constar que se julgava parcialmente procedente a mesma. Aliás, tal conclusão é corroborada pela decisão relativa a custas, na qual se condenou apenas o Autor no pagamento das custas devidas, sem prejuízo da isenção de que goza, atento o disposto na alínea h), do nº 1, do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais”.

Prestado este esclarecimento – que faz parte integrante da decisão recorrida – não se verifica qualquer contradição.

Improcede também esta arguição de nulidade, por contradição.

2. O acerto da decisão recorrida.

Determina o artigo 317º do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 35/2004, de 29.07:

“Finalidade

O Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes.”.

O Fundo de Garantia Salarial tem uma finalidade social que justifica que sejam adoptados limites à sua intervenção, não só limites temporais que decorrem do enquadramento comunitário que lhe está subjacente (Directiva 80/987/CC, de 20.10), como também, limites às importâncias pagas.

O Fundo não substitui a entidade patronal insolvente no pagamento de todas as suas dívidas nem garante o pagamento de todas as dívidas da entidade patronal insolvente, pois isso seria inexequível, economicamente incomportável para o Fundo.

O Fundo apenas garante aquele montante, duplamente limitado à partida, quer pelo período que abrange quer pelo montante máximo permitido, que o legislador entendeu ser adequado e justo para, por um lado, proteger o trabalhador numa situação de perda de rendimentos que não lhe é imputável, com complemento do sistema de segurança social e, por outro, garantir a sustentabilidade do próprio Fundo.

O que, apresentando justificação objectiva, não viola qualquer princípio constitucional.

Em particular, o preceito cuja interpretação está aqui, no essencial em causa, é o disposto no artigo 320º do Regulamento do Código do Trabalho, sobre os limites das importâncias a pagar pelo Fundo de Garantia Salarial, na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 59/2015, de 21.04:

“1 - Os créditos são pagos até ao montante equivalente a seis meses de retribuição, não podendo o montante desta exceder o triplo da retribuição mínima mensal garantida.

(…)”

A letra da lei não permite, de todo, a interpretação defendida pelo Recorrente, pelo que esta não é aceitável – n.º 2 do artigo 9º do Código Civil.

O Requerente, ora Recorrente, tem direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial 6 vezes a remuneração mensal que recebia. Mas apenas lhe pode ser considerado um valor mensal de retribuição que não seja superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida.

Ou seja, a segunda parte do preceito não tem uma aplicação geral. Pelo contrário, como resulta da própria letra da lei, inequivocamente, apenas se aplica aos casos em que o requerente auferia uma retribuição mensal superior a 3 vezes a retribuição mínima garantida. Neste caso – e só neste - o valor global a pagar é dezoito vezes a remuneração mínima garantida face à redução imposta pela segunda parte do preceito em análise.

No caso em que a remuneração é inferior a 3 vezes a remuneração mínima garantida, como é o caso da ora Recorrente, a segunda parte do preceito não chega a operar, aplicando-se apenas a primeira: o limite máximo garantido pelo Fundo é de 6 vezes a retribuição que auferia.

Ao contrário do sustentado pelo Recorrente, a decisão recorrida não viola, antes respeita, o disposto nos artigos 317º a 320º do Regulamento do Contrato de Trabalho.

Como se decidiu nos acórdãos deste Tribunal Central Administrativo Norte de 14.07.2017, processo 698/16.8 PNF, e de 26.10.2018, processo 19/16.0 PRT.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida, com o esclarecimento acima prestado, de que a acção é julgada totalmente improcedente.

*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo a decisão recorrida com o esclarecimento acima explicitado.

Custas pelo Recorrente sem prejuízo da isenção de que goza.

*

Porto, 17.11.2023

Rogério Martins
Fernanda Brandão
Nuno Coutinho, em substituição